O direito de preferência na expansão de gasodutos já existentes está previsto no parágrafo único do artigo 43 do Decreto 7.382/2010 (Decreto), que menciona um “direito de preferência” ao autorizatário de duto existente, verbis:
“Art. 43. A ampliação de capacidade dos dutos existentes:
I - será autorizada, nos termos da regulação estabelecida pela ANP;
II - será precedida de chamada pública conduzida pela ANP, direta ou indiretamente, observadas as diretrizes estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia; e
III - deverá respeitar o período de exclusividade, observado o disposto no inciso IV do § 1o do art. 11.
Parágrafo único. O transportador detentor da autorização do duto existente terá o direito de preferência para empreender a ampliação de que trata o caput.”
A referência a um “direito de preferência” remeteria à realização de licitação para escolha do operador da ampliação, e consequentemente, o regime de concessão, que não estaria previsto na Lei do Gás. Tal conclusão é fundada no artigo 12, §2º da Lei 11.909/2009 e nos artigos 20 e 21 do Decreto 7.382/2010, que estabelecem um direito de preferência sobre o resultado da licitação, verbis:
“§2o Quando o transportador cuja instalação estiver sendo ampliada participar da licitação de que trata o caput deste artigo, fica a ele assegurado o direito de preferência, nas mesmas condições da proposta vencedora.”
Art. 20. Quando o transportador, cuja instalação estiver sendo ampliada, participar da licitação de que trata o art. 17, fica a ele assegurado o direito de preferência para realizar a ampliação, nas mesmas condições da proposta vencedora.
Parágrafo único. A operação da ampliação dos gasodutos deverá observar as regras estabelecidas pela ANP.
Art. 21. O concessionário do duto a ser ampliado terá o direito de preferência para operar a ampliação.
§ 1o O concessionário original, caso exerça o direito previsto no caput, fará jus a tarifa de operação e manutenção calculada com base nos critérios estabelecidos pela ANP no edital de licitação.
§ 2o Caso o concessionário original não exerça o direito previsto no caput, os concessionários poderão acordar sobre a operação da ampliação, conforme a regulação da ANP.”
Deste modo, conclui-se que o decreto prevê um instituto relacionado com o regime de concessão para a ampliação de dutos outorgados sob o regime de autorização, o que seria uma contradição, e portanto o disposto no parágrafo único do artigo 43 do mencionado decreto não teria qualquer aplicabilidade prática, solicitando parecer desta Procuradoria sobre este entendimento jurídico.
Os regimes de ampliação de gasodutos sob os regimes de autorização e de concessão são distintos. De fato, a Lei 11.909/2009, em seu artigo 29, § 1º, é expressa:
“Art. 26. O prazo de duração das novas autorizações de que trata o inciso II do caput do art. 3o desta Lei será de 30 (trinta) anos, prorrogáveis por igual período, observadas as normas previstas no ato de outorga e na regulamentação.
§ 1o A ampliação de gasoduto autorizado dar-se-á MANTENDO-SE SEU REGIME e prazo remanescente.”
Portanto, não há que se falar, a princípio, em licitação para ampliação de gasoduto inicialmente construído sob o regime de autorização. Tal entendimento, contudo, não leva necessariamente à conclusão de que o decreto extrapolou ou desrespeitou a lei, pois no caso aplica-se o princípio hermenêutico segundo o qual a interpretação de uma norma jurídica deve buscar, dentro dos sentidos possíveis do texto, aquele que não entre em conflito com norma de hierarquia superior.
O conceito de “direito de preferência” não é estanque, podendo se referir, por exemplo, a uma preferência nas negociações, a uma vantagem em caso de empate nas propostas, a receber uma proposta antes que ela seja ofertada aos demais agentes do mercado, ou mesmo a prerrogativa de adjudicar o objeto de uma licitação pelas mesmas condições do vencedor. No caso dos artigos 20 e 21 do Decreto, fica claro que foi utilizado no primeiro dos sentidos acima, por expressa disposição legal (Lei 11.909/2009, art. 12, § 2) e regulamentar.
Já no art. 43, parágrafo único, do decreto, o significado a ser extraído da mesma expressão deve ser outro, para compatibilizá-lo com a lei e com o próprio decreto, que em outra passagem menciona a manutenção de regime para ampliações (art. 36, § 1º). O direito de preferência, no caso, consiste em ser atendido o pedido de autorização para expansão do gasoduto, formulado pelo agente autorizado, sem que seja ofertada aquela ampliação aos demais agentes do mercado.
Apenas no caso de recusa de um agente econômico titular de um gasoduto autorizado em solicitar autorização para uma ampliação prevista pela política nacional para o setor, deixando de exercer seu direito de preferência, é que tal autorização pode ser oferecida aos demais agentes do mercado, preferencialmente através de procedimento licitatório.
Desse modo, concluímos no sentido de que o direito de preferência mencionado no parágrafo único do artigo 43 do Decreto 7.382/2010, ao contrário daquele mencionado nos artigos 20 e 21 do mesmo decreto, não implica em realização prévia de licitação.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei Nº 11.909, de 4 de março de 2009. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Lei/L11909.htm. Acesso em 16 set. 2013.
BRASIL. Decreto nº 7.382, de 2 de dezembro de 2010. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7382.htm. Acesso em 16 set. 2013.
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