RESUMO: Esse artigo enfocou a eficácia da aplicabilidade da cláusula geral da boa-fé objetiva. Foram abordadas questões históricas, legais, estruturais e funcionais, isso a partir da submissão dos bancos ao Código de Defesa do Consumidor. Notou-se o desconhecimento à cláusula da boa-fé, como sendo um dos principais motivos pelo qual o consumidor recorre a Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como incentivo às várias formas de abusos contratuais. Os contratos com ênfase nesse relatório foram os contratos de adesão a serviços e créditos bancários. Ainda foram contidos dados estatísticos, e soluções pertinentes para maior beneficio do consumidor que necessita de formalizar um contrato bancário, afim de que não sofra abusos.
PALAVRAS-CHAVE: Contratos Bancários e Código de Defesa do Consumidor. Submissão dos Contratos Bancários Código de Defesa do Consumidor. Direitos Fundamentais e Clausula da Boa-fé Objetiva nos Contratos Bancários.
INTRODUÇÃO
Os contratos bancários têm o objetivo de formalizar uma relação de interesses entre partes, sendo estas, o credor, aquele que recebe o serviço, no caso do contrato bancário – o cliente, e o devedor, aquele que oferece as prestações de serviço – o banco. Na formalização de contrato entre as partes é necessário que sejam adotados critérios, os quais não devem ser favoráveis nem para lucros abusivos e excessivos dos bancos ou para prejuízo do credor – prejuízo esse causado pelos lucros dos bancos.
A garantia dos direitos fundamentais, - ao garantir a dignidade da pessoa humana, é tema de extrema importância na sociedade. As cláusulas gerais previstas no código civil possibilitam a maior liberdade – foco, na interpretação da legislação. Entretanto, em razão da súmula 297 do STJ, bem como da ADI 2591 do STF, prevalece o entendimento que, em razão do Princípio da Especialidade, deve-se aplicar o Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 – No caso da relação contratual envolvendo bancos.
O Este artigo abordou com ênfase a cláusula geral da boa-fé objetiva. Essa análise objetivou sanar dúvidas dos próprios redatores da pesquisa, como explicar os direitos dos clientes – que nem sempre são cientes dos direitos que eles têm na assinatura de um contrato, e, ainda, compartilhar com os que vierem a se interessar o conhecimento angariado.
Este relatório de pesquisa enfocou, dentre os diversos critérios presentes no ato da assinatura de contratos entre bancos e indivíduos, a questão da utilização, e da limitação na aplicação na cláusula geral da boa-fé. Fez-se necessário a confirmação se essa cláusula é aplicada e qual sua eficácia e sua influência na garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos.
A cláusula da boa-fé objetiva é reconhecidamente aplicada, desde antes o código civil de 2002. Cabe ressaltar que, apesar do código civil de 1916, expor somente sobre a boa fé subjetiva, a jurisprudência e algumas legislações já faziam menção ao mencionado princípio, que é proveniente do direito alemão. Com a promulgação do código civil de 2002, tal fato se tornou incontroverso.
Ficou evidente a relativização dos princípios informadores do contrato, segundo Paulo Cesar de Carvalho, diferentemente de como era no século XIX, quando prevalecia de modo quase absoluto o individualismo. De maneira efetiva, vem acentuando positivamente a proteção da parte mais fraca nas relações contratuais, sendo manifesto o declínio dos princípios da intangibilidade e da relatividade do contrato, com ênfase ao princípio da boa-fé. (CARVALHO, 2004).
A utilização da cláusula geral da boa-fé objetiva é de extrema importância no direito contratual, e foi abordada da maneira como exposta acima, no novo Código Civil Brasileiro de 2002, além de já estar contido no código de defesa do consumidor.
Fez-se necessário a utilização do método indutivo na análise do um fenômeno específico, observada a aplicação a partir da constatação da diversidade de aplicações do princípio da boa-fé objetiva, nas questões voltadas para contratos bancários, tendo como horizonte a eficácia dos limites e possibilidades de sua aplicabilidade como cláusula geral. Importante se faz lançar mão do método de procedimento histórico, para caracterizarmos a situação anterior e posterior a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações banco e cliente.
Quanto aos ajustes e modificações advindos da decisão do STF, o método do procedimento funcionalista, mais interpretativo que investigativo, foi utilizado para compreensão da amplitude desse fator na sociedade tanto na questão de sua adesão e capacidade de resolução de um problema de abuso contratual, quanto ao grau de ciência popular relativo a essa temática. É esperada ao final deste artigo, a verificação da utilização e das limitações na cláusula geral da boa fé objetiva e a sua eficácia na formalização de contratos entre bancos e seus clientes.
2 Cláusulas gerais e o princípio da boa-fé
Cláusulas gerais são normas jurídicas que detêm, no seu corpo, princípios éticos que devem ser cumpridos, com fim de orientar o juiz na solução de um caso concreto. Desse modo, o juiz, intérprete, tem o molde de condutas que são aceitas na sociedade, dentro da realidade histórica e espacial da sociedade. (ALENCAR, 2009).
A relação entre boa-fé e contrato é explicita, no Código Civil – C.C, por exemplo: Art. 422 do C.C: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Sílvio de Salvo Venosa caracteriza a boa-fé objetiva nas suas três funções principais: interpretativa (Art. 113 do C.C.: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”); limitador do exercício do direito (Art. 187 do C.C.: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”); integrador do negócio jurídico (Art. 421 do C.C.: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”). (VENOSA, 2005).
Segundo o Artigo 927 do Código Civil de 2002, em seu parágrafo único elucida que: “Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Como é descrito nesse dispositivo legal pode-se perceber que é através dele que é gerada a responsabilidade objetiva, que deriva da idéia de boa fé objetiva.
A mestre Maria Helena Diniz, esclarece que a boa-fé objetiva dentro do art. 422, refere-se à lealdade e honradez, o que impede abuso de exercício de direitos no cumprimento de deveres e obrigações por parte dos contratantes. Inferindo ao juiz interpretar, corrigir e suprir, segundo a boa-fé objetiva, o contrato de acordo com a exigência comportamental leal. (DINIZ, 2005).
Para o Dr. Cristiano Chaves de Farias, o abuso de direito revela-se no tocante ao motivo legítimo, advindo de condições objetivas, fazendo exame comparativo da finalidade e missão social atribuída com o molde comportamental visado pela boa-fé e com a consciência jurídica dominante. (FARIAS, 2005)
Dentro das manifestações jurídicas, a boa-fé limita o exercício do direito subjetivo, já definido em contrato, em favor das partes, opondo ao desequilíbrio negocial. O STJ (Supremo Tribunal de Justiça) tem, nesse sentido, uma de suas decisões reconhecendo o teor abusivo de cláusula contratual que permitia ao banco descontar empréstimo bancário da conta corrente do cliente por essa conta ter, como finalidade do servidor natureza alimentar, sendo defeso ao banco efetivar os descontos. (STJ., Ac. 3ª. TY. Resp 550871, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 1.7.04).
José Fernando Simão enfatiza, no princípio da boa-fé, duas funções: ativa e reativa. A função ativa existe independentemente de acordos de vontade, são deveres oriundos da boa-fé, dispensando previsão contratual expressa (deveres laterais, secundários). Contudo, na fase pré-contratual, mesmo que os deveres de primeira importância não existem, os deveres secundários devem ser observados (culpa in contrahendo). Se deveres primários foram executados e o contrato extinto, os deveres laterais ainda existem (responsabilidade post pactum finitum). (SIMÃO, 2005).
No dever de segurança, devem garantir, as partes, integridade dos bens e direitos do outro, nas circunstâncias do vínculo; no dever de lealdade nenhuma parte pode agir de modo que cause prejuízo imotivado à outra; pelo dever de informação o contratante tem obrigação de informar fatos relevantes à outra parte no que tange o objeto do contrato; o dever de cooperação é referente à ajuda de uma parte à outra visando conclusão dos fins do contrato. (SIMÃO, 2005).
O dever de amenizar, diminuir o prejuízo (duty to mitigate the loss) é dever secundário da boa conduta que deve existir entre os negociantes e tem respaldo no Código Civil: “Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé”; “Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.” Esse dever implica no não abuso de encargos sobre o valor da dívida advindo de descumprimento contratual.
A função reativa da boa-fé é usada para defesa ou exceção de pessoa atacada, de forma injusta, pela outra. É defeso ao Direito privilegiar aquele que agiu com intenção enganadora para com o outro contratante, sendo causa de possível anulação dos negócios jurídicos, conforme previsto no art. 145 do C.C.: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.”
No Art. 476 desse mesmo código: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”; essa é a exceção exceptio non adimpleti contractus, em que é defeso exigir obrigação do outro se não tiver cumprido as suas, essa exceção também é conhecida como exceção de contrato não cumprido.
Não se pode, também, fazer contra o outro o que não faria contra si mesmo - tirar proveito de situação para benefício próprio, bem como exercer direito próprio que, de alguma forma, contrarie comportamento anterior, no sentido de manter a confiança e o dever de lealdade constituído no contrato (venire contra factum proprium non post). Descumprir dever da boa-fé implica em responsabilidade civil do faltoso que deve indenizar prejuízos causados à parte desrespeitada.
Segundo Luciano de Camargo Penteado Tu quoque, literalmente, significa “e tu também”, em alusão à frase que Júlio César disse a Brutus. Ainda elucida o autor:
O tu quoque, verifica-se nas hipóteses em que existe um determinado comportamento dentro do contrato que viola seu conteúdo preceptivo e que, apesar disto, propicia a que a parte exija um comportamento conforme ao contrato em relação ao seu parceiro de programa contratual. Existe uma contradição em que um dos sujeitos na relação obrigacional exige um comportamento em circunstâncias tais que ele mesmo deixou de cumprir. (PENTEADO, 2006).
Ainda não podendo esquecer da Exceptio Doli sendo que essa se divide em exceptio doli generalis e exceptio doli specialis, que preceitua o Professor Luciano Penteado:
A exceptio doli generalis consiste em um outro tipo de atuação da boa-fé objetiva no sentido de veicular seu conteúdo material para específicas situações subjetivas. A exceptio doli atua no sentido de paralisar o exercício de pretensões claramente dirigidas contra a parte contratante de modo doloso. Trata-se, nas palavras de Menezes Cordeiro, da “situação jurídica pela qual a pessoa adstrita a um dever pode, licitamente, recusar a efetivação da pretensão correspondente. A exceptio doli specialis nada mais seria do que uma particularização da exceptio doli generalis referida a atos de caráter negocial e a atos dele decorrentes, quando o primeiro houvesse sido obtido com dolo. Assim, a generalis, como o próprio nome diz, é gênero e a outra espécie. A diferença específica encontra-se nos casos em que a fonte da que dimana o possível direito é um negócio jurídico e não qualquer outra fonte. O caráter excessivamente geral das duas figuras acaba por tornar sua aplicação perigosa em termos de segurança jurídica, valor que parece preservado pelas figuras anteriormente consideradas, na medida em que tem pressupostos concretos de verificação. (PENTEADO, 2006).
A priori, boa-fé (bona fides) era um conceito ético cunhado no Direito Romano. O direito canônico preocupou-se com o tema, embora o significado de boa-fé fosse literalmente ausência de pecado, e o contrário, seria má-fé. Assim, aonde não há má-fé, houve boa-fé: caráter conceitual por exclusão advindo do direito canônico.
Ao diferenciar boa-fé objetiva e subjetiva, vez que ela é entendida como um fato e uma virtude (moral) é uma cláusula mais útil que deficiente. Assim, dessa mistura entre fato e virtude, a boa-fé objetiva não pode ser confundida como certeza, quiçá como verdade, pois, apesar de excluir a mentira, não o faz com o erro.
2.1 Direitos Fundamentais
De acordo com Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, a boa-fé implica na observância de deveres jurídicos que se fazem anexos. Contrato válido é a fonte de obrigações correspondente a dar, fazer ou não fazer e há os deveres derivados da boa-fé (lealdade, confiança, informação, assistência). (GAGLIANO; PAMPLONA, 2005).
Para Marco Aurélio, deve-se enfocar a versão objetiva da cláusula da boa-fé, como no art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em que prevê nulidade das cláusulas contratuais de consumo que vão contra o princípio da boa-fé objetiva. (MELO, 2003)
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.(Art. 51 do C.C)
Os direitos fundamentais são condições de cláusula pétrea prevista no artigo 60, § 4° da Constituição da República Federativa Brasileira (CRFB) de 1988: “Art. 60: A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais”.
Simone de Alcântara define os direitos fundamentais como valores subjetivos e objetivos. No seu caráter subjetivo, garantem a liberdade individual, enquanto no objetivo tem dimensão institucional. Apesar de não serem criados para solucionar conflitos privados, devem ser aplicados como previsto no ordenamento, em princípio, pelo aspecto da igualdade, afim de que proteja os indivíduos de outros indivíduos ou entidades particulares.
São duas as teorias da eficácia dos direitos fundamentais, uma é a teoria da eficácia mediata, indireta ou horizontal: para seus adeptos, valores constitucionais, incorporados nas normas dos direitos fundamentais, são aplicadas, através das cláusulas gerais, ao direito privado como regra, ordem.
A teoria da eficácia mediata, de acordo com Daniel Sarmento, não pode ser aplicada, de forma direta, nas relações privadas, pois eliminaria a autonomia da vontade, o que descaracterizaria o Direito Privado, tornando-a mera “concretização do Direito Constitucional”.
A segunda teoria é a da eficácia imediata, direta ou vertical, para seus adeptos, sendo os perigos que giram em torno dos direitos fundamentais oriundos não apenas do Estado, mas de terceiros, justifica-se a eficácia direta dos direitos fundamentais, em especial quando se trata, na esfera privada, da ameaça da dignidade da pessoa humana, é um mecanismo corretor de desigualdades sociais. (SAVAZZONI, 2009).
No Brasil a garantia imediata tem respaldo no art. 5° § 1° da CRFB de 1988: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
2.2 Contratos bancários: conceito
A atividade bancária é efetuada através de contratos bancários, os quais têm como principal função, por ser um fato jurídico, garantir os direitos subjetivos e deveres jurídicos das partes contratantes. Para distinguir contratos bancários de contratos comerciais e civis, Sérgio Carlos Covello parte de dois critérios: o subjetivo (definindo contrato bancário aquele feito por banco) e o objetivo (caracterizando contrato bancário aquele que objetiva a intermediação do crédito), sendo que isolados, os critérios não definem contratos bancários, pois, os bancos também realizam outros tipos de contratos como de locação, além de que a movimentação de crédito pode ocorrer sem participação bancária. (COVELLO, 1999).
Portanto, Sérgio Carlos define contrato bancário como “acordo entre banco e cliente para criar, regular ou extinguir uma relação que tenha por objetivo a intermediação do crédito” (COVELLO, 1999, p. 47), o que exclui, por exemplo, caixa de segurança e custódia de bens.
Dornelles da Luz complementa a definição de Sérgio Carlos incluindo atividades de prestação de serviços bancários, pois, para Dornelles, todo negócio jurídico efetuado por banco em sua atividade profissional e com finalidade econômica é definido como contrato bancário. Ele ainda os classifica em 3 tipos: de moeda e crédito, misto de crédito e serviço, e de prestação de serviço. (LUZ, 1996).
Rodrigues Alves conceitua contrato bancário como “atividades nas quais o banco opera com o cliente, atendendo-se ao fim comercial do banqueiro”. (ALVES, 1996. p. 66-67).
2.2.1 Classificação dos contratos bancários
Por se diferenciar dos contratos civis e comerciais, os contratos bancários possuem classificações específicas e diferenciadas, levando em consideração diversos aspectos. Os contratos bancários se classificam, principalmente, em típicos e atípicos, os contratos bancários típicos tem função de crédito e se subdividem em ativos ou passivos, relativo à posição do banco no contrato: se o banco for credor, o contrato é típico ativo, cede crédito, mas se o banco for devedor, o contrato é típico passivo, o banco recebe crédito; já o contrato bancário atípico refere-se à prestação de serviços pelo banco. (GOMES, 1999).
Na definição de contratos feita por Dornelles, encontra-se uma terceira classificação de contrato - a mista, na qual, as operações envolvem-se credito e serviço. (LUZ, 1996).
Os contratos típicos possuem varias outras classificações, sendo elas: a) como publico ou privado - dependendo da natureza do devedor; b) curto, médio e longo prazo - dependendo da duração, até 360 dias é considerado curto, até 5 anos é considerado médio prazo e mais de 5 anos é classificado como de longo prazo; c) real - garantia sobre imóveis, pessoal - garantia sobre patrimônio da pessoa; e de bens de produção ou de bens de consumo.
Covello ainda subdivide o contrato bancário privado em individual, comercial, individual, agrícola e marítimo, conforme o destinatário e a finalidade do crédito. (COVELLO, 1999).
2.2.1.1 Contratos de adesão e as cláusulas abusivas
Os contratos de Adesão são aqueles contratos que já estão escritos, que foram formulados com antecedência pelo fornecedor. Para caracterizar essa espécie de contrato é necessária a aceitação por parte do consumidor aderente, de uma série de cláusulas pré-elaboradas unilateralmente.
O dispositivo legal que trata desse assunto encontra-se no art. 54 do Código de Defesa do Consumidor. Em conjunto com a definição legal, as normas contidas no CDC agrupam a tutela ao consumidor, impondo que as cláusulas contratuais devam ser interpretadas de maneira mais favorável para a parte hipossuficiente na relação de consumo, ou seja, os consumidores. (TAVARES, 2006)
Acontece que, por suas clausulas nitidamente impositórias, os contratos de adesão são, diversas vezes, desvirtuados e demonstram-se como grandes vilões contra os direitos dos consumidores. É bem comum ocorrer de o consumidor ser lesado de forma danosa por empresas, até de grande porte, devido a estipulações contratuais verdadeiramente criminosas inclusas em contratos de adesão. Nas palavras de Daniel Tavares:
O consumidor aderente possui a seu favor toda a sorte de tutela admitida na lei 8.078/90, mais especificamente em relação aos abusos das cláusulas estipuladas, pois a principal função do Código de Defesa do Consumidor é a de estabelecer, na medida do possível, o equilíbrio contratual entre as partes movido pelo princípio da função social do contrato. (TAVARES, 2006).
Configuram-se abusivas aquelas cláusulas que se demonstram desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual, o que configura inválido o contrato pela notória quebra do equilíbrio entre as partes estipulantes.
O CDC trata desse assunto em seu art. 51, onde o legislador não apenas define juridicamente o que são as cláusulas abusivas, como também delimita um rol de exemplos sobre algumas dessas cláusulas, sendo que sempre onde for verificado desequilíbrio entre as partes contratantes, o juiz poderá reconhecer uma cláusula como abusiva, baseando-se nos princípios da boa-fé e da observância do Sistema de Proteção ao Consumidor. (TAVARES, 2006)
Com a impossibilidade de o consumidor discutir as bases do contrato, nos contratos de adesão, isso faz com que, as cláusulas abusivas estejam presentes frequentemente nesse tipo de contrato.
2.2.2 Características do contrato bancário
Os contratos bancários possuem características específicas para garantirem sua eficácia, dentre elas o contrato tido como instrumento de crédito.
Essa característica citada remete a várias outras, como confiança, prazo, juro, interesse, risco – particular ou geral –, corporativo ou profissional, uma rígida contabilidade (devido os contratos bancários envolverem crédito), complexidade estrutural e busca de simplificação (para manter os contratos bancários atualizados com o “mundo dos negócios”), profissionalidade e comercialidade, informalidade, sigilo (descrição, reforçada pelo Direito fundamental interpretado pelo inciso X do artigo 5º da CF), contrato de massa (no caso do contrato bancário é denominado contrato de adesão) e possuem uma interpretação reforçada pela doutrina e pelas regras estabelecidas, devido sua flexibilidade e especificidades.
2.2.3 Relações de consumo
Segundo José Geraldo Brito Filomeno entende-se por relação de consumo “‘relações jurídicas’ por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois pólos de interesses: consumidor — fornecedor e a coisa, objeto desses interesses.” (Anteprojeto do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor 1995, p. 47).
Relação de consumo, para o Código de Defesa do Consumidor, é toda relação jurídica contratual que envolva a compra e venda de produtos, mercadorias ou bens móveis e imóveis, consumíveis ou inconsumíveis, fungíveis ou infungíveis, adquiridos por consumidor final, ou a prestação de serviços sem caráter trabalhista. (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor 1996, p. 411)
Em outras palavras, a relação de consumo apenas acontece mediante interesse agregado ao objeto vinculador do consumidor ao fornecedor, que é a mercadoria, seja ela material ou de serviço, portanto, relação de consumo é definida pela relação jurídica entre fornecedor e consumidor tendo o produto como objeto.
2.2.4 Conceitos de consumidor, fornecedor, produto e serviço
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, artigo 2º: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire e utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Parágrafo único. “Equipara-se o consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
Portanto, segundo o texto legal, consumidor é aquele que retira o produto do mercado sem a intenção de recolocá-lo no mercado, ou seja, que o produto seja o destinatário final, essa é a teoria finalista. Porém, existe uma corrente divergente, a maximalista, segundo a qual: “consumidor é aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer para uso profissional”, diferente daqueles que adquirem, utilizam ou possuem bem ou serviço de modo privado, pessoal, doméstico, que não uso para realização de tarefa profissional. (ALENCAR, 2006).
Fornecedor é definido no artigo 3º do CDC:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Em suma, fornecedor é aquele que produz determinado bem material ou de serviço com fins de troca.
Definido também no artigo 3º do CDC parágrafo único, produto é "qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”; e serviço está no artigo 3º do CDC parágrafo 2º, sendo explicado como: “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".
2.2.5 Aplicação do CDC
Reforçado pela Lei 8.078, de 11.09.1990, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários é garantida, utilizando padrões e cláusulas como a da boa-fé objetiva, para evitar conflitos e problemas contratuais como os abusos.
Esse código teve sua aplicabilidade sobre as instituições financeiras publicada pelo STJ na Súmula 297, publicada no Diário Jurídico em 09.09.2004, que proclama, literalmente: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Anteriormente a essa decisão do STJ, o CONSIF – Confederação do Sistema Financeiro Nacional, propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI número 2.591, para que os bancos não fossem submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, mas sim que fossem regidos por uma lei complementar que viesse a ser instituída futuramente.
Felizmente, como dito anteriormente, o STJ decidiu que os bancos deveriam ser submetidos ao CDC, diferentemente do que esperavam as instituições financeiras.
Na Constituição da República Federativa do Brasil, está previsto a defesa do consumidor no artigo 5º, XXXII da Constituição Federal: “Art. 5: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”
A aplicação da lei do consumidor é de grande interesse social, sendo que sua inclusão no ordenamento jurídico já é uma grande conquista para a sociedade.
Ainda cabe ressaltar aqui, a existência do Código de Defesa do Consumidor Bancário, que foi estabelecido pelo Banco Central (BACEN), através das resoluções de número 2.878/01 e posteriormente a resolução n.º 2.892/01 que vem alterar a resolução 2.878/01.
Na resolução 2.878/01, em seu artigo 1° preceitua:
Art. 1. “Estabelecer que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral, sem prejuízo da observância das demais disposições legais e regulamentares vigentes e aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional...”
Portanto aqui se faz presente à nova maneira pela qual os bancos devem se portar em relação ao seu cliente, sem que haja prejuízo a esse, e que sejam respeitados os princípios da boa-fé.
2.2.6 Princípios do CDC nas atividades bancárias
Os princípios do código que regem os direitos do consumidor são encontrados no artigo 4º do CDC, não precisamente em relação aos contratos bancários, mas nas relações de consumo em geral. São eles: o princípio da função social do contrato; o princípio da boa-fé objetiva (transparência e informação) e o princípio da equivalência material do contrato, sendo eles fundamentais para se evitar contratos abusivos, desigualdade contratual e injustiças.
A utilização de princípios e cláusulas gerais sempre foi vista com muita reserva pelos juristas, ante sua inevitável indeterminação de conteúdo e, no que concerne ao hegemônico individualismo jurídico do Estado liberal, o receio da intervenção do Estado nas relações privadas, por meio do juiz. Todavia, para a sociedade em mudanças, para a realização das finalidades da justiça social e para o trato adequado do fenômeno avassalador da massificação contratual e da parte contratante vulnerável, eles constituem ferramentas hermenêuticas indispensáveis e imprescindíveis. (ALENCAR, 2006).
Destarte percebemos o fundamental e importante papel das cláusulas gerais como caminho para alcançar a decisão mais sensata, coesa, concreta, fundamentada para o juiz, afim de que se interprete a norma à luz da realidade sócio-jurídica da cultura contemporânea, dentro de sua historicidade.
3 Análise epistemológica da submissão dos contratos Bancários ao Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do consumidor (CDC) antes de 2001, não era aplicado aos bancos. Mas isso mudou, pois em votação, foi decidido que esse código deve ser aplicado aos bancos, em contratos firmados entre ele e seus clientes, isso segundo decisão dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Os bancos através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 2.591, proposta no Supremo pelo CONSIF – Confederação Nacional do Sistema Financeiro, buscavam, através de uma, não terem que ser ajustados ao CDC. Em vigência por um período, já maior que 15 anos, o código defende os clientes ao regulamentar, entre outras coisas, cláusulas abusivas nas relações entre bancos e clientes, e prevê punições no caso de desobediência das regras.
O artigo 3°§ 2° do Código de Defesa do Consumidor preceitua que: “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” Nesse dispositivo pode ser notada a importância do CDC, ao formular que inclusive os serviços de natureza bancária são serviços e devem ser regidos por tal código.
Se a ação proposta pelo CONSIF que os bancos propuseram fosse aprovada, eles ficariam livres de algumas obrigações, como, por exemplo, a de oferecer descontos na liquidação com antecedência de financiamentos e a devolução de cobranças indevidas, como diz o código.
O ministro Celso Mello ressaltou que a defesa do consumidor pelo CDC se qualifica como valor constitucional. Para esse ministro: "as atividades econômicas estão sujeitas à ação de fiscalização e normativa do poder público, pois o Estado é agente regulador da atividade negocial e tem o dever de evitar práticas abusivas por parte das instituições bancárias”. Outros ministros do STF também entenderam, na época da votação, que a aplicação do código não iria expor o sistema financeiro nacional. (FOLHA ONLINE, 2006).
Aliás, a percepção dos direitos do consumidor como direitos fundamentais que concretizam a dignidade da pessoa humana, não qualquer de suas espécies, mas sim aqueles integrantes de seu núcleo essencial, como a proteção à pessoa, à vida e à saúde, e o direito de informação idônea ao exercício eficaz do livre arbítrio do indivíduo, devem se sobrepor a outros interesses constitucionalmente tutelados. (FÉRES, 2009).
Pode ser percebida através da citação a importância da percepção dos direitos do consumidor como direitos fundamentais, e com isso, a ação direta de inconstitucionalidade que o banco faz menção para se privar de obedecer ao código do consumidor já se tornaria equivocada. Ao privar de garantias o seu cliente, o banco fere não só a cláusula geral da boa-fé objetiva, prevista no código civil de 2002 e no cdc, mas também a direitos fundamentais, e por conseqüência a dignidade pessoa humana.
A respeito desse tema, segue lições do português, José Carlos Vieira de Andrade, litteris:
Na realidade, para assegurar a realização dos direitos dos consumidores, o legislador tem de limitar ou restringir direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, designadamente a liberdade de iniciativa econômica e a liberdade contratual. Neste contexto, são de destacar as alterações à legislação civil e comercial codificada, que rege a generalidade das relações contratuais, sobretudo em matéria de cláusulas contratuais gerais e no âmbito de contratos de adesão, com o objectivo de proteção dos consumidores, por exemplo, proibindo certo tipo de cláusulas, estabelecendo casos de responsabilidade objectiva do produtor ou fornecedor, determinando prazos muito curtos para prescrição de créditos; (...). Tudo isto representa limitações das liberdades económicas e da liberdade de expressão, que se consideram adequadas, necessárias e proporcionadas, em face da vulnerabilidade do ‘consumidor’ na relação com as entidades que exercem actividades profissionais de produção ou fornecimento de bens e serviços com fins lucrativos. (ANDRADE, 2002. p. 56-57.). (Grifo nosso)
Os direitos fundamentais, quando foram formulados, buscavam dar garantias aos cidadãos em contraposto com os desejos do Estado, mas com o desenvolvimento do capitalismo, na atualidade, dificultam também o poder econômico dos particulares, que, quase sempre, abusam de seu “status” no mercado. (ANDRADE, 2002).
As alterações nas legislações civil e comercial, codificadas, que permeiam as relações contratuais, no que diz respeito a cláusulas gerais e na adesão de contratos formalizados entre banco e cliente, nesse caso, visam proteger e garantir os direitos dos consumidores.
Com isso, percebe-se que as limitações econômicas e da liberdade de expressão que são feitas na legislação, tendem apenas a beneficiar o consumidor, por esses serem suscetíveis, na maioria das vezes, a não conhecerem os seus direitos como cliente, em relação ao que o banco propõe.
Segundo Maria Inês Dolci, a decisão do STF de submeter os bancos ao CDC, significa que quem formalizar contrato com banco ou financeira terá a possibilidade de, por exemplo, requerer a anulação de cláusulas que impliquem em obrigações excessivamente onerosas. (DOLCI, 2006)
A característica mais significativa na decisão do STF, segundo Dolci, é que ela legitima a aplicação de normas e princípios que foram muito significantes e inovadores no Direito brasileiro, como por exemplo, a que admite a vulnerabilidade do consumidor e o dever do fornecedor de ter clareza para se estabelecer o equilíbrio e a harmonia entre as partes interessadas (DOLCI, 2006).
Portanto, a submissão dos bancos – ao formalizar um contrato bancário, ao CDC, propicia uma maior segurança na proteção dos direitos do consumidor. A aplicação da cláusula geral da boa-fé objetiva então se demonstra eficaz, ao garantir os direitos fundamentais, e mais precisamente, a dignidade da pessoa humana.
CONCLUSÃO
Estudou-se a aplicabilidade da boa-fé objetiva no processo de submissão dos bancos ao Código de Defesa do consumidor, que, mesmo após 15 anos de existência, ainda não era uma regulamentação a qual os bancos deveriam aderir.
Existem fatores econômicos, nos âmbitos lucrativos e políticos que influenciavam e faziam com que essa adesão não acontecesse, o que ficou evidente quando falou-se dos interesses lucrativos dos bancos, nas várias formas, como por exemplo, não conceder descontos a quem quita, antes do prazo previsto, determinada dívida.
A submissão desses institutos ao Código do Consumidor traria desvantagens na lucratividade para os bancos, e como foi abordado nesse artigo, a Nacional do Sistema Financeiro tentou fazer com que os bancos não fossem regulados pela lei ordinária – CDC, mas sim por uma lei complementar a ser instituída.
Felizmente, para os consumidores, depois de 15 anos tramitando no congresso nacional, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a regulamentação dos contratos bancários, bem como de institutos financeiros, também se daria por meio do Código de Defesa do Consumidor.
A Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor mostra-se como uma alternativa pertinente para informar o consumidor quanto a seus direitos. E, além de prestar serviços, de informação, promove ações educativas, quanto a não utilização de cláusulas abusivas, pois isso, além de prejudicar o consumidor, prejudica também a própria instituição financeira, vez que, essa, ao descumprir o Código de Defesa do Consumidor, sofrerá punições.
A cláusula geral da boa-fé objetiva é de extrema importância e, ao estar presente no novo código civil de 2002, possibilitou um avanço considerável no direito contratual, em todas as relações que permeiam o conceito, que é mais do que uma ferramenta interpretativa, é uma conduta almejada pela cultura e que acentua progressivamente, até os dias de hoje, a proteção do consumidor nas relações contratuais, levando ao declínio dos princípios de intangibilidade e da relatividade do contrato.
Com isso a tendência é que a cláusula geral da boa-fé objetiva torne-se, em eficácia plena, uma realidade na formalização de um contrato. Isso com o intuito de estabelecer o equilíbrio contratual.
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Professora de filosofia no Colégio Nacional de Uberlândia. Graduanda do 9° Período em direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Atua como estagiária na área de direito tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRYSTIANNE DA SILVA MENDONçA, . As relações entre o consumidor e as instituições financeiras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37099/as-relacoes-entre-o-consumidor-e-as-instituicoes-financeiras. Acesso em: 22 nov 2024.
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