RESUMO: Os bens públicos tem um tratamento peculiar no ordenamento jurídico, em comparação com os bens privados. As características que identificam esses bens são a inalienabilidade, a impenhorabilidade, a imprescritibilidade e a impossibilidade de oneração dos bens públicos. A inalienabilidade consiste na regra geral de que os bens públicos não podem ser alienados; a impenhorabilidade, na vedação à constrição dos bens; a imprescritibilidade, na impossibilidade da aquisição dos bens públicos pelo usucapião; a impossibilidade de oneração, na restrição à instituição de direitos reais de garantia sobre os bens públicos.
1. Considerações iniciais
Os bens públicos tem um tratamento peculiar no ordenamento jurídico, em comparação com os bens privados. As características que identificam esses bens são a inalienabilidade, a impenhorabilidade, a imprescritibilidade e a impossibilidade de oneração dos bens públicos.
As especificidades desses caracteres e as exceções a sua vigência serão tratadas a seguir.
2. Inalienabilidade
Essa qualidade não significa que os bens públicos não poderão ser alienados. Poderão ser, desde que respeitada a legislação genérica (Lei de Licitação), a lei específica aplicável ao caso e caso se tratem de bens dominicais. Essas características estão previstas nos arts. 100 e 101 do Código Civil:
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
Como se pode perceber, a inalienabilidade é relativa, ou seja, não atinge todos os bens públicos, como os dominicais. Esses são aqueles desafetados a uma finalidade pública e, em razão disso, são aptos à alienação pelo Poder Público.
O bem público, portanto, pode ser alienado, desde que, previamente, seja transformado em dominical; essa exceção, porém, não se aplica às terras devolutas e às terras indígenas, que são inalienáveis por disposição constitucional. Segundo Rafael Maffini[1]:
Pode-se afirmar, pois, que não há, em princípio, bens públicos absolutamente inalienáveis, porquanto podem ser os bens inalienáveis (bens de uso comum e de uso especial) transformados em bens públicos dominicais e, de consequência, alienados. Somente haveria, segundo lições de Diógenes Gasparini, duas espécies de bens absolutamente inalienáveis por determinação constitucional: a) terras devolutas ou arrecadadas necessárias à proteção dos ecossistemas naturais (art. 225, § 5º, da CF); b) terras indígenas (art. 231, § 4º, da CF).
De maneira geral, os requisitos para a alienação de um bem imóvel estão previstos no arts. 17 e seguintes da Lei 8.666/93. São eles:
1. Justificativa de que a alienação tem razão de ser.
2. Lei autorizativa específica (promove a desafetação)
3. Prévia avaliação (para evitar subfaturamento)
4. Licitação na modalidade de concorrência (regra geral). Duas exceções; quando se incorporar: a) por dação em pagamento ou b) por decisão judicial, estes bens poderão ser alienados por concorrência ou por leilão (faculdade).
Se a alienação for, por exemplo, de um bem imóvel de uma empresa pública, é necessária a presença de todos esses requisitos, menos a lei específica autorizativa, valendo também a faculdade da concorrência ou leilão em caso de dação em pagamento ou de decisão judicial.
Já os requisitos para a alienação de bem móvel são a justificativa, prévia avaliação e licitação, excepcionada nos casos de dispensa vinculada (art. 17, II, a e f, da Lei 8.666/93) e cuja modalidade será determinada conforme o art. 22, § 5º, ou art. 17, § 6º, da Lei 8.666/93. Não há necessidade de autorização legislativa específica.
3. Impenhorabilidade
Segundo essa característica, é vedada a penhora de bem público. É incabível, em uma execução contra entidade pública, a constrição judicial de bem público, pois a penhora tem por finalidade a subsequente venda para que o valor arrecadado seja utilizado na satisfação do crédito.
Trata-se de uma característica decorrente da inalienabilidade dos bens públicos que, na forma do art. 649, I, do CPC, são impenhoráveis, mesmo que sejam dominicais. Também por essa razão, a execução contra a Fazenda Pública segue o regime especial dos precatórios, previsto no art. 100 da CF e nos arts. 730 e 731 do CPC, sendo admitido, apenas, o sequestro de valores para a satisfação do débito, em determinadas condições processuais.
Cabe referir que algumas decisões judiciais têm relativizado a impenhorabilidade dos bens públicos, ao admitirem o bloqueio de valores da administração, quando necessários para garantir o cumprimento da decisão judicial que determinou o fornecimento de medicamentos. Nesse sentido, decisão do E. STJ[2]:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CUSTEIO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC.
1. A Constituição Federal excepcionou da exigência do precatório os créditos de natureza alimentícia, entre os quais se incluem aqueles relacionados à garantia da manutenção da vida, como os decorrentes do fornecimento de medicamentos pelo Estado.
2. É lícito ao magistrado determinar o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico indispensável, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. Nessas situações, a norma contida no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil deve ser interpretada de acordo com esses princípios e normas constitucionais, sendo permitida, inclusive, a mitigação da impenhorabilidade dos bens públicos.
3. Recurso especial provido.
4. Imprescritibilidade
Significa que os bens públicos não são suscetíveis de usucapião, pois se trata de uma modalidade de prescrição aquisitiva.
Ao contrário da inalienabilidade, a imprescritibilidade é absoluta e tem assento constitucional nos arts. 183, § 3º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
(...)
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Na legislação infraconstitucional, está prevista no art. 102 do Código Civil e jurisprudencialmente consolidada na Súmula 340 do STF:
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Súmula 340 do STF: Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.
Para ilustrar, segue precedente do E. STJ:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FAIXA DE FRONTEIRA. TRANSFERÊNCIA A NON DOMINO. DESAPROPRIAÇÃO. BEM PERTENCENTE À UNIÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 INEXISTENTE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ADEQUAÇÃO DA VIA E COMPETÊNCIA CONFIRMADAS. PRESCRIÇÃO NÃO INCIDENTE. COISA JULGADA COM EFICÁCIA PRECLUSIVA. INAPLICABILIDADE. ANULAÇÃO DO REGISTRO E RESTITUIÇÃO DE VALORES. RECURSOS NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra o INCRA, o Estado de Santa Catarina e dos particulares. Narra que o INCRA propôs em 1976 Ação de Desapropriação de imóvel localizado em faixa de fronteira, transitada em julgada.
2. O parquet alega nulidade dos registros imobiliários em razão dos imóveis serem, desde sempre, de propriedade da União (áreas devolutas em faixa de fronteira). A sentença acolheu a pretensão in totum. O acórdão recorrido deu provimento parcial apenas ao apelo de André Luiz Arantes Scheidt para excluir da condenação os valores levantados a título de honorários sucumbenciais.
3. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram.
Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp 927.216/RS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 13/8/2007; e REsp 855.073/SC, Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 28/6/2007.
4. "O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público" (Súmula 329/STJ), assim entendido em sentido amplo, ou seja, o Erário, bem pertencente, de modo indireto, a toda a sociedade, o que envolve, portanto, interesse difuso da coletividade. Precedentes do STJ.
5. No julgamento dos EREsp 1.003.032/PR, a Primeira Seção fixou entendimento que admite a discussão de domínio em ação de desapropriação, desde que a controvérsia acerca do tema se estabeleça entre expropriante e expropriado, evitando-se que sejam pagas indenizações por terrenos que já pertençam à União. No caso dos autos, a) a Ação de Desapropriação expressamente ressalvou que não debateria domínio naquela oportunidade - que é viável em razão da controvérsia circunstancial e jurídica sobre o tema; b) os recorrentes não se desincumbiram do ônus de demonstrar eventual discussão ali realizada; c) não existe coincidência (três eadem) entre a Ação de Desapropriação e a Ação Civil Pública proposta; d) precedente específico e longamente fundamentado afasta a coisa julgada e sua eficácia preclusiva, indicando prevalência do princípio da justa indenização (REsp 1.015.133/MT, Segunda Turma, Ministra Eliana Calmon, designado p/ acórdão Ministro Castro Meira, DJe 23/4/2010).
6. Não há prescrição para os bens públicos. Nos termos do art. 183, §3º, da Constituição, ações dessa natureza têm caráter imprescritível e não estão sujeitas a usucapião (Súmula 340/STF, art. 200 do DL 9.760/1946 e art. 2º do CC). Construção feita também com base na imprescritibilidade de atos nulos, de ações destinadas ao ressarcimento do Erário e de ações de declaração de inexistência de relação jurídica - querela nullitatis insanabilis. Precedentes do STJ.
7. "As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante em relação aos possuidores" (Súmula 477/STF). Tal posição, somada à impossibilidade de usucapir bem público, serve de norte a legitimar a pretensão do recorrido, porque autorizado o debate na Ação Civil Pública sobre a titularidade de bens que sempre pertenceram à União, antes e depois de 1946.
8. O acórdão abordou explicitamente a questão sob o enfoque das ratificações realizadas pelos Estados da Federação, desde que antecedessem requerimento submetido a juízo específico dos órgãos competentes. Porém, tal pedido não foi constatado pelo acórdão ou mencionado no Recurso Especial. Revisitar essa premissa esbarra na Súmula 7/STJ.
9. Recursos Especiais não providos.
(REsp 1227965/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2011, DJe 15/06/2011).
Dessa forma, nenhum bem público pode ser usucapido, nem mesmo os dominicais.
5. Impossibilidade de oneração
É a qualidade pela qual o bem público não pode ser dado em garantia real através de hipoteca, penhor e anticrese. Decorre da impenhorabilidade e inalienabilidade dos bens públicos, conforme disposto no art. 1.420 do Código Civil.
Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca.
Há divergência quanto à amplitude dessa característica. A corrente majoritária, composta por Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Di Pietro[3], entende que é absoluta porque:
O processo de execução contra a Fazenda Pública obedece a normas próprias estabelecidas no art. 100 da Constituição Federal (repetidas nos arts. 730 e 731 do CPC) e eu excluem qualquer possibilidade de penhora de bem público, seja qual for a sua modalidade. Não poderia a Fazenda Pública, nem mesmo com autorização legislativa, abrir mão da impenhorabilidade com que a própria Constituição quis proteger os bens públicos de qualquer natureza.
Essas são, portanto, as características peculiares aos bens públicos. Resta evidente uma grande diferença em relação ao regime privado, diante da manifesta proteção normativa, decorrente do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 janeiro de 2002.
BRASIL. Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 junho de 1993.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Julgados citados disponíveis em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 10 nov. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Julgados citados disponíveis em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 10 nov. 2013.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
[1] MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. 3. ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.197.
[2] REsp 909.752, 2º Turma, rel. Min. João Otávio Noronha, v.u., DJ 13/09/2007.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 677.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Características peculiares aos bens públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37255/caracteristicas-peculiares-aos-bens-publicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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