RESUMO: o presente artigo tem como objetivo analisar o alcance da autoridade do paterfamilias sobre a esposa e os filhos na família romana, as formas de constituição do casamento e de dissolução pelo divórcio, bem como seus efeitos no Direito Romano.
Palavras-chave: família romana; paterfamilias, casamento no direito romano; divórcio no direito romano; concubinato no direito romano.
No direito romano, o casamento era uma instituição privada, não escrita e pouco solene[1].
Era uma situação de fato que gerava efeitos de direito e dependia de dois elementos para se constituir: “a affectio maritalis (intenção de ser marido e mulher) e a honor matrimonii (a realização condigna dessa convivência conjugal)”[2].
As pessoas se casavam para cumprir o dever cívico de ter filhos legítimos a quem transmitir a herança e, assim, perpetuar a família, o patrimônio e o núcleo de cidadãos[3] e também para obter o dote[4].
No dia a dia, a esposa limitava-se a cuidar da casa, vigiar os escravos e fiar[5]. Porém, muitas mulheres exerciam relevante papel de influência política, em virtude da origem familiar que lhe conferia vasta clientela[6].
O poder jurídico do marido sobre a mulher não era uma regra absoluta no Direito Romano e apenas existia nos casamentos cum manu. Nos casamentos sine manu não havia poder marital[7]. Algumas mulheres eram mais nobres e mais ricas que os maridos e recusavam-se à autoridade deles [8].
Todavia, somente as viúvas e as órfãs eram plenamente livres da autoridade do paterfamilias.
No casamento sine manu, o dote da esposa não era transferido ao marido e, em caso de divórcio, a esposa levava o dote consigo, o que tornava o divórcio ainda mais fácil[9].
O divórcio era tão informal quanto o casamento e havia grande frequência de divórcios:
Como os maridos enganados são mais ultrajados que ridículos e as divorciadas levam o dote consigo há na classe alta grande frequência de divórcios (César, Cícero, Ovídio, Cláudio casaram-se três vezes) e talvez também na plebe citadina.[10]
A mulher não tinha qualquer direito sobre o filho recém-nascido. Ao nascer, a criança poderia ser aceita ou rejeitada por decisão exclusiva do pai. Se o pai acolhia o filho nos braços, reconhecia-o como integrante da família. Caso contrário, o recém-nascido era rejeitado e jogado no monturo público. Os filhos eram rejeitados por diversas razões: criança mal formada, fruto de infidelidade, em razão de pobreza, para manutenção do testamento já redigido dentre outros[11].
Havia grande distância entre pais e filhos. O filho era amamentado e educado por uma nutriz até a puberdade[12].
O paterfamilias exercia autoridade absoluta sobre o filho, fosse ele púbere ou não, casado ou não, e tinha o poder de deserdá-lo. Para casar, celebrar negócios, obter empréstimos, tomar posse em cargos públicos e exercer quaisquer outros atos da vida civil o filho necessitava de prévio consentimento do pai. O filho “só se tornava inteiramente romano, ‘pai de família’, após a morte do pai”[13]:
Assim o paterfamilias exercia um poder de vida e de morte sobre seus descendentes (ius vitae ac necis), o que já era reconhecido pelas XII Tábuas (540-451 a.C.). Esse poder vigorou em toda a sua plenitude até Constantino (324-337 d.C.) (Codex Theodosianus, 4.8.6 pr.)[14]
O parterfamilias também era senhor dos escravos e patrono dos libertos e clientes que, juntos com a esposa e os filhos do paterfamilias, constituíam a família romana.
Até o século III d.C., as escravas eram proibidas de casar e, na maioria das vezes, eram concubinas de seus senhores[15]. Diferentemente das bodas legítimas, o concubinato não gerava situações de direito.
As escravas libertas ou mulheres de condição social inferior, ainda que fossem ricas, eram impedidas de casar de forma legítima com alguém de melhor estatuto social[16], e, nesse caso, também eram consideradas concubinas, mas de forma menos pejorativa.
Tanto os filhos advindos de relações extraconjugais quanto de uniões entre pessoas de diferentes estatutos sociais eram filhos bastardos e não recebiam o nome do pai.
Portanto, tanto o casamento quanto o divórcio eram informais na Roma Antiga e o nome e as relações sociais e políticas da família constituída na casa romana, chefiada pelo paterfamilias, eram mais importantes do que os laços de sangue de uma família natural.
REFERÊNCIAS
ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. História da Vida Privada, vol. 1: Do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995
ROUSELLE, Aline. Sexualidade e amor no mundo antigo. (Trad. Carlos Nelson Coutinho). São Paulo: Brasiliense, 1984.
Notas:
[1]ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. História da Vida Privada, vol. 1: do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 43-44.
[2] MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 160.
[3] ROUSELLE, Aline. Sexualidade e amor no mundo antigo. Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 61.
[4] ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. Op. Cit., p. 45.
[5] ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. Op. Cit., p. 75.
[6] Os clientes eram pessoas livres que faziam a corte à determinada família em troca de favores. Ibidem, p. 77.
[7] MARKY, Thomas. Op. Cit., p. 160.
[8] ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. Op. Cit., p. 77.
[9] MARKY, Thomas. Op. Cit., p. 164.
[10] ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. Op. Cit., p. 49.
[11] ROUSELLE, Aline. Op. Cit., p. 65.
[13] ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. Op. Cit., p. 38.
[14] MARKY, Thomas. Op. Cit., p. 155.
[15] ARIÈS, Phillipe e DUBY, Georges. Op. Cit., p. 43.
[16] MARKY, Thomas. Op. Cit., p. 162.
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