RESUMO: Este artigo aborda as inter-relações existentes entre o livro “Falcões Meninos do Tráfico” e os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Um olhar mais detido acerca dos relatos de M.V Bill e Celso Athayde presentes no documento permite identificar a causa essencial do flagrante esquecimento político e social de milhões de crianças, adolescentes e jovens no Brasil: a tradicional péssima educação e saúde do país que não oferece aos seus cidadãos condições mínimas para uma formação educacional que lhes permita adquirir dignidade e respeito. A culpa do Estado Brasileiro, representado pelas elites, por conta de uma tradição escravocrata, de aculturalização do povo e de políticas clientelista fez criar no seio da sociedade a criminalidade generalizada. As leis, Os estatutos e toda mobilização atual da sociedade em torno da questão do tráfico de drogas, não passam de formas paliativas de controle do crime, as quais não têm efeito a longo prazo. A educação sim, esta quando oferecida com a devida qualidade forma e transforma o cidadão e seus efeitos são duradouros.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos; educação; crianças; tráfico;crime.
1. INTRODUÇÃO
A questão do tráfico e a marginalização de crianças a partir dele, no Brasil, é uma consequência da falta de políticas públicas sérias para solucionar problemas sociais graves, tais como educação e saúde deficitárias, a fome, a falta de controle da natalidade e mortalidade infantil, a desestruturação da família, o desemprego, a corrupção política etc. Isto tem ocorrido no Brasil desde tempos imemoriais e, nos dias atuais, com a transformação da sociedade e o aumento da criminalidade com novas formas de crime como o tráfico e o sequestro, por exemplo, o problema continua crescendo e desafiando os poderes constituídos do Estado. A este respeito, Mv Bill observa:
A realidade apresentada aqui não é particular, não pertence a nenhum estado ou cidade. É um problema mundial e cada nação terá que enfrentá-lo com receita própria. Sabemos que alguns estados possuem verdadeiros arsenais, mas não é este nosso foco, nem é este o nosso assunto. A razão deste trabalho é a vida desses jovens e, sem dúvida, as nossas vidas. (2006, p. 9).
Existe uma tensão extremamente delicada com relação a este assunto, à medida que, em um pólo encontram-se comunidades com milhares de crianças, adolescente e jovens envolvidos na criminalidade, pois não têm outro recurso para sobreviverem e de outro pólo o Estado que tenta com medidas repressivas o controle social e não é capaz de realizar políticas públicas e de oferecer uma estrutura mais digna a estas pessoas.
A Constituição da República de 1988 e a Lei 8.069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente buscam implementar diversas mudanças de ordem social, no tocante ao tratamento reservado pelo Estado aos cidadão menores de 18 anos. Entretanto, estas mudanças, de um modo geral, por motivos de ordem política, econômica e social ainda não passaram do “papel” para a prática, ainda não se configuram uma realidade as pretensões constitucionais e do ECA para as crianças e os adolescentes.
2. A CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Constituição da República Federativa do Brasil traz no Título I Dos Princípios Fundamentais, art. 3º, I, II, III e IV, traz a seguinte redação:
Art. 3º Constitui objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (2008, p. 3).
As elites brasileira, tradicionalmente escravocrata e patronal, traz na sua configuração aspectos de extrema desigualdades, à medida que, concentra rendas altíssimas nas mãos de poucos e muito baixas para a maioria esmagadora da população, bem como a existência de grandes propriedades de terras pertencentes a latifundiários, não utilizadas por estes, gerando misérias e desigualdades.
O Brasil possui, há tempos, um dos menores índices de desenvolvimento no mundo. A Educação Pública, de forma geral, não consegue oferecer ao cidadão brasileiro uma formação de qualidade que lhes possibilite um desenvolvimento pleno dentro da sociedade. A pobreza ainda persiste, embora tenha sido reduzida por conta de programas sociais, o certo é que precisa-se de mais investimentos em educação e saúde neste país.
A Constituição prevê a promoção do bem de todos, garantindo com isso uma equidade entre os cidadão, e se observa na prática o inverso disto, então é possível concluir que algo de muito grave está acontecendo com a sociedade brasileira. O que se observa é a resistência das elites em continuar com a tradição de descaso para com o povo. Nas palavras de Ponce Aníbal:
Sabemos o que significam nas mãos da burguesia “liberdade da criança”, “formação do homem”, “direitos do espírito”. A imagem do novo homem que a burguesia nos prometia é a velha imagem já nossa conhecida: a de uma classe opressora que monopoliza a riqueza e a cultura diante de uma classe oprimida, para a qual só é permitida a superstição religiosa e um saber bem dosado (2009, p. 172).
O crescimento do Brasil nos últimos tempos tem provocado mudanças na sociedade. Com o aumento da população e crescimento da economia, cresce também a demanda por drogas fazendo surgir nos grandes e, dado importante, nos pequenos centros urbanos deste país pontos de tráfico. Novas espécies de drogas estão sendo desenvolvidas como as sintéticas por exemplo, tais como a merla, o ecstasy, dentre outras, que alimentam o tráfico de drogas e consequentemente o crime, desafiando os poderes do Estado.
3. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Título II, Dos Direitos Fundamentais Capítulo I, que versa sobre o Direito à Vida e à Saúde, no art. 7º, relata:
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (2009, p. 13).
E no Art. 11 do mesmo Capítulo:
Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação dada pela Lei nº 11.185, de 2005). (2010, p. xx). (2009, p. 19).
Em vista disto, torna-se desnecessário repetir que na prática os preceitos expostos acima não ocorrem ainda. O que pode ser feito pela sociedade, de um modo geral, é lutar para que estes direitos sejam efetivamente implementados, pois é esta mesma sociedade quem sofre e irá sofrer as conseqüências da sua omissão em relação aos direitos das crianças e dos adolescentes.
Enquanto o país estiver assistindo atônito sem nada fazer a marginalização e o descaso de milhares de crianças, relegadas a uma educação que não educa, a uma família que não acolhe e que além disso é desestruturada, a uma sociedade que não consegue ou não quer enxergar a extrema miséria social a que muitas crianças estão submetidas, o Brasil continuará a pagar um preço alto com o aumento da violência.
A sociedade brasileira parece viver em estado de alienação. O exercício da cidadania muitas vezes só é praticado pelas pessoas quando algum direito particular é lesado. As pessoas se interessam mais em viver a realidade das telenovelas, que não são compatíveis com as suas, prestam mais atenção na vida alheia e se esquecem de cobrar do Estado a garantia dos seus direitos, como por exemplo, o direito à educação e à saúde públicas de qualidade. Para Paulo Freire:
A sociedade alienada não tem consciência de seu próprio exigir. Um profissional alienado é um ser inautêntico. Seu pensar não está comprometido consigo mesmo, não é responsável. O ser alienado não olha para a realidade com critério pessoal mas com olhos alheios. Por isso vive uma realidade imaginária e não a sua própria realidade objetiva. Vive através da visão de outro país. Vive-se Rússia ou Estados Unidos, mas não se vive Chile, Peru, Guatemala ou Argentina (1983, p. 19).
A violência, neste sentido, está diretamente relacionada à péssima educação do país, à falta de um sistema de saúde que efetivamente funcione. Os programas sociais, tais como bolsa família, bolsa escola etc, são muito eficientes do ponto de vista do complemento da renda de famílias carentes, do aumento da economia e consequentemente do emprego, mas não são suficientes para garantir o desenvolvimento básico do cidadão. É preciso mais, é preciso forte investimento em educação neste país para garantir ao cidadão uma formação mais sólida. O Estatuto da Criança e do Adolescente no Capítulo IV, Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer traz a seguinte redação:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. (2009, p. 101).
Não há dúvidas de que um maior engajamento da sociedade civil consiga sensibilizar os políticos deste país a começarem a perceber a importância da criança e do adolescente para o futuro do Brasil.
A esmagadora maioria dos jovens, atualmente, sai do ensino médio sem nenhuma perspectiva de emprego, sem nenhuma qualificação para o trabalho. Em ambiente tais como as favelas, em que a opressão social e a miséria são maiores ainda, a pressão exercida pela fome, pela desesperança e o descaso por parte das autoridades para com estes jovens será mais intensa ainda e, fatalmente, irão seguir o caminho da criminalidade, com a qual se vê obrigado a conviver desde cedo, conhecendo as drogas, tornando-se pais precocemente, indo aos poucos perdendo a sua dignidade. Um jovem entrevistado por MV Bill no livro Falcão Meninos do Tráfico, e falando acerca das drogas, revela:
Mas com 14 anos os moleque já tá fazendo filho. Eu acho um absurdo uma criancinha de 7 anos, que outro dia passou na revista, um bagulho montado. Sei lá, eu acho que claro vai vir um molequinho de 7 anos e eu não vou aceitar na boca. Agora 13, 14 anos... tem nego aí de 13, 14 anos que á frente numa boca, irmão. Aí o cara já tem disposição. Não é que você vai proibir, o cara já é um homem, já faz filho, já briga na mão. Então não tem como tu proibir. Se você sabe, se ele botou na cabeça que ele quer ser bandido, irmão, se ele não fumar aqui vai fumar noutro lugar (2006, p. 230).
É fácil perceber, em face da realidade das crianças e dos adolescentes deste país, em especial aqueles mais carentes e que formam a grande maioria, a falta de incentivos educacionais, pois a democracia se efetiva com a máquina que constrói as democracias, com a escola pública de qualidade, sem esta condição não haverá democracia, mas sim a situação que se vê nos dias atuais de miséria e marginalização dos jovens e cidadãos.
O Ministério Público, os Conselhos Tutelares, todos os setores políticos e a sociedade civil organizada devem repensar a política para as crianças e adolescentes deste país e devem na prática agir, com urgência, a fim de fazer com que estes jovens possam se desenvolver dignamente e ser parte de soluções e não de problemas para a sociedade.
4. CONCLUSÃO
A situação de muitos jovens, crianças e adolescentes no Rio de Janeiro e em outras capitais do Brasil tem se tornado um reflexo do que ocorre no resto do país com a absorção de milhares de garotos para a criminalidade, para o tráfico por falta de políticas públicas eficazes.
Esta dura conclusão é baseada na impressão de quem lê ou assiste ao documentário e ao livro Falcão Meninos do Tráfico. Não é esta realidade que os textos constitucionais aqui inseridos e qualquer pessoa e cidadão sensato buscam, mas sim uma atenção especialíssima à formação cidadã daqueles que serão o futuro da nação e não é porque as pessoas ou os políticos dizem e pregam, mas porque eles serão mesmo o futuro do país para o bem ou para o mal.
Todas as pessoas, sem distinção, neste país, devem lutar, fazer sua parte, exigindo a garantia dos direitos fundamentais do homem com enfoque para os investimentos em educação e saúde a fim de que as crianças do Brasil, especialmente, possam realmente desfrutar de respeito e de uma vida mais digna.
REFERÊNCIAS
BILL, Mv e ATHAYDE Celso. Falcão: Meninos do Tráfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
Constituição da República Federativa do Brasil. 41ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
IISCHIA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
Servidor público efetivo do Ministério Público do Estado da Bahia. Bacharelando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Almir Izidório Oliveira da. Os direitos fundamentais previstos na constituição como princípios norteadores para o desenvolvimento da criança e do adolescente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37317/os-direitos-fundamentais-previstos-na-constituicao-como-principios-norteadores-para-o-desenvolvimento-da-crianca-e-do-adolescente. Acesso em: 22 nov 2024.
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