SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O QUE FOI A GUERRILHA DO ARAGUAIA. 3. UM BREVE COMENTÁRIO SOBRE A SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. 4. A CONDENAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E A POSIÇÃO DO STF SOBRE A LEI DE ANISTIA. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1. INTRODUÇÃO
“O homem é um ser maravilhoso da natureza. Torturá-lo, despedaçá-lo e exterminá-lo por suas ideias, não é só uma violação dos direitos humanos. É um crime contra a humanidade” (Armando Valladares – Contra toda esperança)
Inicialmente gostaria de deixar registrado meu respeito àqueles que lutaram por uma causa. Aos indiferentes, que permaneceram gozando dos seus confortos em, tempos de crise, nossos sentimentos. Que descansem em paz com seus covardes fantasmas.
Não se mede a dor de um ser humano. Temos neste caso, a tortura, morte e desaparecimento de quase 90 (noventa) pessoas, tudo porque lutavam por seus ideais. Sem questionarmos se estavam certos ou não, essas pessoas tentaram pegar em armas por amor à uma causa. Isso merece o nosso entendimento.
A Sentença[1] que será analisada a seguir constitui-se na decisão (“Fallo”) mais importante na América Latina, pois condenou um gigante como o Brasil a reparar seus erros. A reconhecer que cometeu crimes contra a humanidade no chamado caso da “Guerrilha do Araguaia”, sendo certo que sequer guerrilha houve, pois os seus integrantes foram todos dizimados antes de implantarem a luta armada no Brasil, para alcançarem o poder.
A presente pesquisa tem por objetivo estudar o caso “Gomes Lund e outros”, proposto contra o Estado Brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), conhecido como “A Guerrilha do Araguaia”, em relação aos seus aspectos penais. Faremos um exame analítico e descritivo da Sentença da CIDH, enfocando seus fundamentos, o Estado Brasileiro, a Constituição, a Lei de Anistia e o Princípio da Legalidade, todos incluídos na referida decisão ora examinada.
Falhou, o Estado Brasileiro, omitindo-se em relação ao presente caso. Como bem enfatizou o estimado mestre Eugenio R. Zaffaroni[2]: “Los derechos, de cualquier naturaleza que sea, se fundan en un trípode integrado por su consagración, por la previsión de los medios para reclamarlos y por la estructuración de la rama estatal que haga efectivos los reclamos. Hemos elaborado complejas teorías, frecuentemente de alto nivel, sobre los conflictos que comprometen derechos y sobre sus soluciones y medios de preservarlos, pero existe una notoria disparidad entre este nivel teórico y el que se ocupa de las instituciones destinadas a efectivizar esas soluciones. En Derechos Humanos, se ha puesto en funcionamiento el sistema regional y se ha realizado una tarea considerable de fundamentación, explicación y difusión, pero no puede ignorarse que los organismos regionales no son más que un reaseguro para unos pocos casos en que falla la instancia judicial nacional, que nunca podrá ser sustituida por órganos políticos ni por tribunales internacionales”.
2. O QUE FOI A GUERRILHA DO ARAGUAIA
“Se você treme de indignação perante uma injustiça, então somos companheiros”. (Ernesto Rafael “Che” Guevara de la Serna)
"Nossa geração teve pouco tempo começou pelo fim. Mas foi bela nossa procura. Ah! moça, como foi bela a nossa procura, mesmo com tanta ilusão perdida, quebra-da, mesmo com tanto caco de sonho onde até hoje a gente se corta".
(Alex Polari de Alverga - Inventário de Cicatrizes )
Por volta de 1966, cerca de 70 (setenta) militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), cuja média de idade era de 30 (trinta) anos cada, se dirigiram para a região localizada ao Sul do Estado do Pará, conhecida como região do Rio Araguaia.
Seus objetivos consistiam em organizar um local (base inicial de trabalho) onde não houvesse assistência do poder público, como ausência de escolas, hospitais, etc., a fim de conscientizar a população daquele lugar (os camponeses), a fim de lhes transmitir doutrinas de conscientização política, em regra, a implantação do socialismo no Brasil, através da luta armada. Embasavam-se nas Revoluções Chinesa e Cubana. Seu paradigma era a Guerra do Vietnã.
Esses militantes do PC do B, já eram perseguidos políticos, pois como sabemos, a ditadura no Brasil foi de 1964 a 1985, estando todos na clandestinidade. Após sua chegada à região do Araguaia, houve um total de mais ou menos 90 (noventa) pessoas, entre militantes e camponeses, que aderiram ao movimento.
Antes do início da deflagração prática da “Guerrilha” (luta armada), ou seja, durante sua preparação (anos de 1970 e 1973), com plena vigência da ditadura militar, existiram cerca de 06 (seis) operações militares realizadas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil, para reprimir esse movimento através de “operações” no local.
Todos os integrantes (militantes e camponeses) da chamada “Guerrilha do Araguaia”, que repita-se sequer foi posta em prática, até o final do ano de 1973, foram mortos (dizimados) pelos órgãos de repressão do governo militar no Brasil à época.
Essas operações militares foram realizadas na clandestinidade, ou seja, a sociedade, a imprensa, ninguém sabia ou teve conhecimento, na época, da existência da citada “Guerrilha”. Havia uma ordem expressa do então Presidente da República, General Médici, para que “ninguém saísse vivo de lá”.
Metade dos “guerrilheiros” foi executada quando estavam sob a tutela (guarda) do poder público, no caso, quando estavam sob custódia dos militares.
Com a Lei de Anistia em vigor no Brasil em 1979, os familiares destes mortos/desaparecidos, aguardaram por seus retornos. Como isto não ocorreu (por óbvio, pois estavam todos mortos), a partir de 1980, eles começaram a procurar por seus entes queridos e descobriram que a grande maioria deles havia desaparecido (sido morto) naquela região do Araguaia. Seus corpos jamais foram localizados.
Somente dois corpos foram localizados até hoje. O de Maria Lúcia Petit, morta em junho de 1972 numa emboscada. Seus restos mortais foram identificados em 1996. O outro corpo localizado foi o de Bergson Gurjão. São esses os dois únicos guerrilheiros mortos e identificados posteriormente, que tiveram um enterro digno dado por seus familiares.
Em 1982 os familiares dos desparecidos na região do Araguaia ingressaram com uma Ação Civil contra o Estado Brasileiro (União) para saber sobre o paradeiro de seus entes, sem que tenham obtido êxito quanto a este pedido. Em suma, os requerimentos internos jamais tiveram a atenção que mereciam por parte do Estado Brasileiro.
3. UM BREVE COMENTÁRIO SOBRE SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
“Aos que trazem muita coragem neste mundo, o mundo quebra a cada um deles e eles ficam mais fortes nos lugares quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo mata-os. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos, imparcialmente. Se não pertenceis a nenhuma destas categorias, morrereis da mesma maneira, mas não haverá pressa nenhuma em matar-vos”. (Hernest Hemingwai – “A Farewell to Arms” – Adeus às Armas)
“La tortura no era un método para arrancar información, sino una ceremonia de confirmación de poder. En un largo y solemne ritual, a los indios rebeldes les cortaban la lengua y después los torturaban para obligarlos a hablar”. (Eduardo Galeano – El libro de los abrazos)
Convém esclarecer uma vez mais, que vamos analisar os aspectos penais da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), como nos foi solicitado pelo nobre e estimado Professor Raúl Gustavo Ferreyra, em suas aulas de Estruturas Judiciais, em conjunto com o Dr. Zaffaroni, que tivemos a oportunidade de presenciar (na Turma M41, em julho de 2011).
Este caso conhecido como a “Guerrilha do Araguaia” foi, até o ano de 2008 o único interposto contra a ditadura militar no Brasil, com vítimas individualizadas, que chegou a um Tribunal Internacional. Mas por que, se tivemos no Brasil, não só este caso, mas muitos relatados, onde houve tortura durante a ditadura (1964/1985)? Por causa do esgotamento das vias existentes através dos recursos internos no Brasil.
Como regra de exceção, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos admitiu a sua análise e apreciação, considerando que não houve resposta do Estado Brasileiro, quanto ao pedido dos familiares dos desaparecidos na “Guerrilha do Araguaia” (de 1982 até 1996), sendo certo que houve a demora no trâmite deste processo.
Então, em 07 de agosto de 1995, o CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) foi procurado pelos familiares dos desparecidos no Araguaia. Houve uma denúncia do caso à Comissão Interamericano de Direitos Humanos. O Estado Brasileiro sempre contestou, rechaçando sua responsabilidade e requerendo seu arquivamento, com base na Lei de Anistia de 1979 (nº 6.683/79).
Após a admissão do caso, em 06 de março de 2001, e apresentação do relatório, em 31 de outubro de 2008, ante a negativa do Estado Brasileiro, em prestar as informações que lhe foram solicitadas, a Comissão submeteu-o à jurisdição da Corte, para fins de esclarecerem-se os conflitos existentes entre as Leis de Anistia e o desparecimento forçado de pessoas, bem assim, as violações aos Direitos Humanos, que o caso ‘Guerrilha do Araguaia” registrava.
A Comissão solicitou à Corte, que verificasse ainda o seguinte: que declarasse que o Estado Brasileiro é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da mesma Convenção, bem como, solicitou à Corte que ordene ao Estado Brasileiro a adoção de determinadas medidas de reparação.
Como dissemos, durante todo o transcorrer do processo, o Estado Brasileiro requereu o arquivamento do feito, alegando: a incompetência da Corte para analisar o caso; a falta de esgotamento dos recursos internos; e, a falta de interesse processual da Comissão e de seus Representantes. Todos estes “argumentos” foram indeferidos/rejeitados pela Corte, à exceção do primeiro, vez que o Brasil havia ratificado a Convenção Americana de Direitos humanos, em 10 de dezembro de 1998, dizendo expressamente que os casos de tortura e execução de pessoas, só poderiam ser analisados se ocorressem a partir daquela data.
Foi observado o Princípio da Legalidade, que é um princípio jurídico fundamental, que estabelece que o Estado deve se submeter ao império da lei, elencado em nossa Constituição[3].
Entretanto, felizmente esqueceu-se o governo brasileiro de que fatos envolvendo o desaparecimento forçado de pessoas, constituem-se em espécie de sequestro, e como tal sua consumação se propala pelo tempo, já que é um crime permanente. Com isso essa alegação também foi superada. Um dos objetivos centrais dos requerentes era o de afirmar a incompatibilidade da Lei de Anistia (Lei nº 6.683/79) brasileira, com os dispositivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Felizmente ainda temos os Juízes e a sua independência. Sobre isso Zaffaroni[4] nos explica que;
“La clave de poder del judicial se halla en el concepto de “independencia”, pero éste es, como todo lo relacionado con el judicial, bastante equívoco. Por lo general se la asocia a lo judicial por una suerte de acto reflejo, pero continuamente se la quiere reforzar o debilitar, según la posición de poder del operador. Este juego interminable, debidamente manipulado con coberturas ideológicas, oscurece notoriamente un concepto que en sus planteos más claros no es simple, por la pluralidad de aspectos y manifestaciones. El juez es una persona, dotada por ende con conciencia moral y, en consecuencia, no puede imponérsele la independencia ética o moral, que es algo completamente individual y de su conciencia. El derecho sólo puede posibilitar esta independencia moral. La posibilidad o espacio a que nos referimos es la independencia jurídica del juez, que es la única de que podemos ocuparnos. Según Picardi la independencia judicial puede distinguirse en independencia de la magistratura e independencia del juez. La primera es condición de la segunda e implica la autonomía de gobierno y el poder disciplinario. La independencia de la magistratura en este sentido, es la que corresponde a los órganos o conjunto de órganos judiciales y del ministerio público, es decir, a su autogobierno, que implica el ejercicio del poder disciplinario. En definitiva, sería lo que hemos llamado función de autogobierno del judicial. La independencia del juez, en lugar, es la que importa la garantía de que el magistrado no estará sometido a las presiones de poderes externos a la propia magistratura, pero también implica la seguridad de que el juez no sufrirá las presiones de lo órganos colegiados de la misma judicatura”.
Instruído o processo. Feitas as provas, à luz do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, foi prolatada a decisão. Assim, em 24 de novembro de 2010, a CIDH, analisando o caso “Gomes Lund e outros vs. Estado Brasileiro”, proferiu a seguinte Sentença, que em breve resumo, em termos penais, fundou-se nos seguintes pontos:
a) Que a demanda se referia à responsabilidade do Estado Brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de cerca de 90 (noventa) pessoas, entre militantes do PC do B e camponeses, na “Guerrilha do Araguaia”, tudo resultado de operações militares, patrocinadas e realizadas pelo governo brasileiro, entre os anos de 1972 e 1975, a fim de aniquilar os integrantes retromencionados.
b) As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.
c) O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma.
d) O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como consequência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela falta de investigação dos fatos do presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa executada, indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente Sentença, nos termos dos parágrafos 137 a 182 da mesma.
e) O Estado é responsável pela violação do direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1, 8.1 e 25 desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 13.1 do mesmo instrumento, por exceder o prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 212, 213 e 225 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 a 225 desta mesma decisão.
f) O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse mesmo instrumento, em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 243 e 244 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 244 desta mesma decisão.
Desse modo, foi determinado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao condenar o Estado Brasileiro, que esse cumprisse, em relação aos aspectos penais, as seguintes determinações:
I. O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 da presente Sentença.
II. O Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 261 a 263 da presente Sentencia.
III. O Estado deve oferecer o tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram e, se for o caso, pagar o montante estabelecido, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 267 a 269 da presente Sentença.
IV. O Estado deve realizar as publicações ordenadas, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 273 da presente Sentença.
V. O Estado deve realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presente caso, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 277 da presente Sentença.
VI. O Estado deve continuar com as ações desenvolvidas em matéria de capacitação e implementar, em um prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 283 da presente Sentença.
VII. O Estado deve adotar, em um prazo razoável, as medidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas em conformidade com os parâmetros interamericanos, nos termos do estabelecido no parágrafo 287 da presente Sentença. Enquanto cumpre com esta medida, o Estado deve adotar todas aquelas ações que garantam o efetivo julgamento, e se for o caso, a punição em relação aos fatos constitutivos de desaparecimento forçado através dos mecanismos existentes no direito interno.
VIII. O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, garantindo o acesso à mesma nos termos do parágrafo 292 da presente Sentença.
Por fim, foi asseverado que a “Corte supervisará o cumprimento integral desta Sentença, no exercício de suas atribuições e em cumprimento de seus deveres, em conformidade ao estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto na mesma. Dentro do prazo de um ano, a partir de sua notificação, o Estado deverá apresentar ao Tribunal um informe sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento”.
4. A CONDENAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E A POSIÇÃO DO STF SOBRE A LEI DE ANISTIA
“¿Quién sufre así?- Preguntó (Dante a Virgilio), con un hilo de voz. - Son las almas de los indecisos, los indiferentes, aquellos que no tomaran partido ni hacia el bien ni hacia el mal. Nosotros somos responsables, no solo de aquello que hacemos, sino también de aquello que, por inhibirnos, permitimos que hagan otros”. (Dante - Divina Comedia)
Tivemos aqui, como bem menciona George Marmelstein Lima[5], um conflito internacional de decisões. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, e o STF, que teve de decidir a pedido da OAB, sobre a anulação parcial da Lei de Anistia de 1979, via Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153/2008.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu corretamente a questão ao julgar o Caso Gomes Lund e Outro (“Guerrilha do Araguaia”) v. Brasil. Como já falamos, na decisão a CIDH entendeu que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”.
A CIDH determinou ainda que o Brasil deverá conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e conseqüências que a lei preveja.
Tratou-se da correção de um grave erro tido pelo STF, que reconheceu a validade da Lei de Ansitia (Lei nº 6.683/79), inclusive para quem cometeu crimes de lesa-humanidade. Sobre o tema, Eugenio Raúl Zaffaroni[6] enfatiza que;
“Las estructuras judiciales latinoamericanas son inadecuadas para asumir las demandas de una moderna democracia, en tanto que su debilidad y dependencia tampoco les permite desempeñar eficazmente la función acotadora que requiere la consolidación del espacio democrático. A medida que se amplía la distancia entre la función latente o real y las demandas sociales, aumenta el peligro para todo el sistema democrático. No obstante, este fenómeno viene acompañado de una puesta en evidencia del problema judicial como problema político, que hace fracasar la táctica silenciadora empleada hasta hace poco tiempo con eficacia”.
Em 29.04.2010, o STF posicionou-se de modo totalmente adverso do que resolveu a CIDH. Eis um breve resumo da decisão do Supremo Tribunal Federal:
“STF é contra revisão da Lei da Anistia por sete votos a dois. “Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver.” A afirmação é do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, último a votar no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) em que a Corte rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por uma revisão na Lei da Anistia (Lei nº 6683/79). A Ordem pretendia que a Suprema Corte anulasse o perdão dado aos representantes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar. O caso foi julgado improcedente por 7 votos a 2. O voto vencedor foi do ministro Eros Grau, relator do processo. Ontem, ele fez uma minuciosa reconstituição histórica e política das circunstâncias que levaram à edição da Lei da Anistia e ressaltou que não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia, resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos e conexos a eles no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Além do ministro Eros Grau, posicionaram-se dessa maneira as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, e os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Defenderam uma revisão da lei, alegando que a anistia não teve “caráter amplo, geral e irrestrito”, os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. Para eles, certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura ou por conexão. O último voto proferido foi o do presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Ele iniciou dizendo que nenhum ministro tem dúvida sobre a “profunda aversão por todos os crimes praticados, desde homicídios, sequestros, tortura e outros abusos – não apenas pelos nossos regimes de exceção, mas pelos regimes de exceção de todos os lugares e de todos os tempos. Contudo, a ADPF não tratava da reprovação ética dessas práticas, de acordo com Peluso. A ação apenas propunha a avaliação do artigo 1º (parágrafos 1º e 2º) da Lei de Anistia e da sua compatibilidade com a Constituição de 1988. Ele avaliou que a anistia aos crimes políticos é, sim, estendida aos crimes “conexos”, como diz a lei, e esses crimes são de qualquer ordem. Para o presidente da Corte, a Lei de Anistia transcende o campo dos crimes políticos ou praticados por motivação política. Peluso destacou seis pontos que justificaram o seu voto pela improcedência da ação. O primeiro deles é que a interpretação da anistia é de sentido amplo e de generosidade, e não restrito. Em segundo lugar, ele avaliou que a norma em xeque não ofende o princípio da igualdade porque abrange crimes do regime contra os opositores tanto quanto os cometidos pelos opositores contra o regime. Em terceiro lugar, Peluso considerou que a ação não trata do chamado “direito à verdade histórica”, porque há como se apurar responsabilidades históricas sem modificar a Lei de Anistia. Ele também, em quarto lugar, frisou que a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrá-lo. Em quinto lugar, ele disse que não se trata de caso de autoanistia, como acusava a OAB, porque a lei é fruto de um acordo feito no âmbito do Legislativo. Finalmente, Peluso classificou a demanda da OAB de imprópria e estéril porque, caso a ADPF fosse julgada procedente, ainda assim não haveria repercussão de ordem prática, já que todas as ações criminais e cíveis estariam prescritas 31 anos depois de sancionada a lei. Peluso rechaçou a ideia de que a Lei de Anistia tenha obscuridades, como sugere a OAB na ADPF. “O que no fundo motiva essa ação [da OAB] é exatamente a percepção da clareza da lei.” Ele explicou que a prova disso é que a OAB pede exatamente a declaração do Supremo em sentido contrário ao texto da lei, para anular a anistia aos agentes do Estado. Sobre a OAB, aliás, ele classificou como anacrônica a sua proposição e disse não entender por que a Ordem, 30 anos depois de exercer papel decisivo na aprovação da Lei de Anistia, revê seu próprio juízo e refaz seu pensamento “numa consciência tardia de que essa norma não corresponde à ordem constitucional vigente”. Ao finalizar, Peluso comentou que “se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e também com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia”. O presidente do Supremo declarou, ainda, que “uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas, com os mesmos instrumentos, com os mesmos sentimentos está condenada a um fracasso histórico”[7].
Seguem alguns comentários sobre a polêmica decisão de STF em considerar a Lei de Anistia válida para torturados e torturadores:
“Ao manter o texto da Lei da Anistia inalterado, o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou no mesmo patamar torturadores e torturados, o que significa um claro exemplo de retrocesso por parte do Judiciário, e não um avanço como o ministros que votaram a favor defendem.O julgamento comprova o quanto o Brasil está arraigado aos interesses dos calhordas que só contribuem para o retrocesso do país. Eros Grau, ministro que já sofreu com a tortura durante o Regime Militar e foi o relator do caso, achou melhor enterrar o assunto por acreditar que a Lei da Anistia de 1979 foi imprescindível para a transição democrática do país”.[8]
“O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, nesta quinta-feira, ação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil que contestava a Lei da Anistia. Com isso, o texto da lei 6.683/1979 permanece inalterado, mantido o perdão a todos os crimes do período da ditadura militar. A entidade defendia uma interpretação mais clara do artigo 1º da lei no que se refere ao perdão a crimes conexos "de qualquer natureza" quando relacionados aos crimes políticos. Com isso, pretendia abrir caminho para a punição aos agentes do Estado acusados de cometer crime de tortura durante o regime de exceção. No entendimento de sete dos nove ministros que votaram, contudo, não há como rever o texto. O julgamento teve início ontem, com o voto do relator, ministro Eros Grau, também pela improcedência da ação apresentada pela OAB. O relator argumentou que não cabe à Corte fazer alterações na Lei de Anistia, apenas interpretá-la. "Ao Supremo Tribunal Federal não incumbe legislar", disse. Hoje, o novo presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, votou pela improcedência da ação. Ele afirmou que o Brasil optou "pela concórdia" e acrescentou: "se eu pudesse concordar com a afirmação de que certos homens são monstros, diria que os monstros não perdoam. Só o homem perdoa".[9]
Já alguns Ministros do STF se defendem, e justificam a manutenção de seus votos contra a reforma da Lei de Anistia, dizendo o seguinte:
“Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) saíram em defesa da decisão da Corte sobre a Lei de Anistia um dia depois de divulgada a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Enquanto o STF julgou que houve anistia para todos os que cometeram crimes políticos e conexos durante a ditadura militar, a Corte Interamericana sentenciou o Brasil a investigar e punir os responsáveis por crimes contra a humanidade, independentemente da Lei de Anistia.
O presidente do STF, Cezar Peluso, afirmou que a decisão do tribunal não muda em nada, mesmo após a sentença da Corte Interamericana. "Ela não revoga, não anula, não caça a decisão do Supremo", disse. A decisão, acrescentou, provoca efeitos no campo da Convenção Americana de Direitos Humanos. O ministro Marco Aurélio enfatizou que o governo brasileiro está submetido ao julgamento do Supremo e não poderia, em qualquer hipótese, afrontar a decisão do STF para cumprir a sentença da Corte Interamericana. "É uma decisão que pode surtir efeito ao leigo no campo moral, mas não implica cassação da decisão do STF", disse. "Evidentemente que o governo brasileiro está submetido às instituições pátrias e às decisões do Supremo. E quando não prevalecer a decisão do Supremo, estaremos muito mal." Voto vencido no julgamento da Lei de Anistia, o ministro Carlos Ayres Britto concordou que prevalece a decisão do STF sobre a sentença da Corte Interamericana. Mas admitiu que o Brasil fica em posição delicada no âmbito internacional. "Isso é uma saia justa, um constrangimento para o País criado pelo poder que é o menos sujeito a esse tipo de vulnerabilidade (o Judiciário)", disse: Se o Supremo decidiu que a Lei de Anistia beneficiou os agentes de Estado que cometeram, por exemplo, crimes de tortura durante a ditadura militar, a Corte Interamericana condenou o Brasil a investigar e punir criminalmente esses mesmos agentes "As disposições da lei são incompatíveis com a Convenção Americana (de Direitos Humanos), carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis", decidiu o tribunal”.[10]
E qual é a palavra oficial do Governo Brasileiro? Lamentavelmente consta das linhas a seguir transcritas, a abominável decisão:
“União reafirma decisão do STF sobre validade da Lei da Anistia. Pela primeira vez no mandato da presidente Dilma Rousseff, o governo afirmou que a Lei da Anistia não permite a punição de envolvidos em crimes de tortura e violação de direitos humanos. Em parecer, a Advocacia-Geral da União reforçou o entendimento já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que a anistia vale para todos os crimes cometidos durante a ditadura. "Sem punição. Adams no STF: Advogado-Geral da União diz que o Brasil não estaria obrigado a cumprir a decisão da Corte Interamericana" Com isso, o governo reitera que o Estado brasileiro não precisa cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – braço da Organização dos Estados Americanos (OEA) -, que condenou o Brasil em 2010 por não punir os agentes de Estado responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas envolvidas na Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974, e por não rever o alcance da Lei de Anistia. Pela sentença da OEA, o Estado brasileiro teria de investigar todos os ‘crimes contra a humanidade’ praticados no País e teria de pagar indenização de US$ 3 mil para cada família dessas 62 pessoas, a título de ressarcimento por danos materiais, e US$ 45 mil por danos morais. A manifestação do governo no STF levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora do processo contra a anistia para militares responsáveis por crimes durante a ditadura, a acusar a presidente Dilma Rousseff de enganar seus eleitores. ‘É uma guinada à direita que um governo ideologicamente de esquerda está dando. É uma traição a quem votou num candidato com um passado mais a esquerda’, afirmou o presidente da OAB, Ophir Cavalcante. ‘Essa é uma síndrome dos governantes. Já houve quem dissesse, em nome da governabilidade, para que os brasileiros esquecessem o que ele havia escrito’, afirmou em referência ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Justificativa. Na manifestação encaminhada ao STF no último dia 8, o Advogado-Geral da União, Luís Inácio Adams, disse que o Brasil não estaria obrigado a cumprir a decisão da Corte Interamericana. Para isso, argumentou que a Convenção Interamericana, que foi a base legal para a condenação ao Brasil, foi referendada 13 anos depois do início da vigência da Lei de Anistia. Acrescentou que está amparada na Constituição a decisão do STF de manter a anistia a todos os crimes cometidos por agentes de Estado e por militantes de esquerda durante a ditadura. ‘Os votos lançados no acórdão embargado expõem fundamentos jurídicos extraídos da Constituição Federal e explicitam, ainda, que o Brasil não estaria obrigado a adotar convenções internacionais por ele não ratificadas ou convenções que tenha vindo a ratificar em data posterior à anistia concedida pela lei 6.683/1979′, afirmou Adams. A argumentação do governo e o cumprimento da sentença da Corte Interamericana serão analisados pelo Supremo no julgamento de um recurso protocolado pela OAB contra a decisão sobre a Lei de Anistia. No recurso – um embargo de declaração – a OAB defende que o Brasil cumpra a sentença da CIDH, mesmo que o STF tenha mantido a interpretação benéfica aos militares da Lei de Anistia. O ministro Luiz Fux é o relator do processo no Supremo. Ele herdou essa incumbência com a aposentadoria no ano passado do ministro Eros Grau. Fux não quis antecipar sua opinião sobre o assunto, mas prometeu agilizar a análise do caso. Direitos Humanos. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência afirmou, em nota, que o governo está empenhado em cumprir a sua parte em relação à sentença da Corte Interamericana. A pasta ressalta, porém, que alguns dispositivos da decisão dizem respeito aos poderes Legislativo e Judiciário, como a questão da Lei de Anistia. ‘Não podemos esquecer que há outros dispositivos na decisão que merecem uma atenção também do Poder Legislativo e do Poder Judiciário’. Na visão da secretaria, o parecer da AGU diz respeito apenas à ‘impossibilidade de modificar a decisão do STF’ relativa a punição de torturadores. A pasta afirma que o ‘Estado brasileiro está empenhado’ em cumprir a sentença da Corte Interamericana e diz que o poder Executivo fará sua parte. A Defesa não fez comentários sobre o parecer, mas enfatizou que cumpre decisões do STF”.[11]
Infelizmente não foram adotados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os ensinamentos de Hans Kelsen[12], quando fala do objeto do controle de constitucionalidade, in verbis:
“Son las leyes atacadas de inconstitucionalidad las que forman el principal objeto de la justicia constitucional. Por leyes es necesario entender los actos así denominados de los órganos legislativos, esto es, en las democracias modernas, de los Parlamentos centrales o, tratándose de un Estado Federal, locales. Deben ser sometidos al control de la jurisdicción constitucional todos los actos que presenten forma de leyes, aun si solo contienen normas individuales, por ejemplo, el presupuesto, o todos los otros actos que la doctrina tradicional se inclina, por una razón u otra, a considerar, no obstante su forma de ley, como simples actos administrativos. El control de su regularidad no puede ser confiado a ninguna instancia más que a la jurisdicción constitucional”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Vamos em frente pátria, eu te acompanharei. Descerei aos abismos que me indicares. Beberei teus cálices amargos. Ficarei cego para que tenhas olhos. Perderei a voz para que tu cantes. Hei de morrer para que não morras”. (Otto René Castillo – Poeta Guatemalteco).
“...Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos. Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam. Estamos saindo da treva para a luz. Vamos entrando num mundo novo, um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah. A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah. Ergue os olhos” (Charles Chaplin- Discurso final em “O grande ditador”).
Que a partir de Sentenças exemplares como a proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, condenando o Brasil no caso da “Guerrilha do Araguaia”, nosso Supremo Tribunal Federal (STF) possa compreender de uma vez por todas, que crimes de lesa-humanidade não são suscetíveis de serem anistiados, além de serem imprescritíveis.
Esperamos do Estado Brasileiro o efetivo cumprimento das obrigações impostas na respeitável Sentença ora examinada, embora tenhamos uma ausência de fé oceânica quanto a isso. Peço licença para fazer minhas as sempre lúcidas e brilhantes palavras adiante proferidas por Walter Maierovitch[13]: Como todos sabem trata-se de uma Corte de Justiça, com jurisdição internacional. Ou melhor, a Corte Interamericana tem competência para declarar, em matéria de direitos humanos, o direito aplicável no âmbito dos estados membros da Organização dos Estados Americanos que a aceitaram, como é o caso do Brasil o fez em dezembro de 1998.
O Brasil é subscritor da Convenção Americana de Direitos Humanos. Mais ainda, expressamente aceitou a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Uma comparação. Por força da Convenção de Roma de 18 de julho de 1998 foi constituído o Tribunal Penal Internacional. Apenas sete Estados membros da Organização das Nações Unidas, como por exemplo Estados Unidos, China, Israel e Índia, não aceitam a jurisdição do TPI. Como consequência da não aceitação, os sete Estados referidos estão fora da jurisdição do TPI. Portanto, o TPI, por falta de legitimação, não pode instaurar processos contra esses Estados. Ainda que tenham sido consumados crimes de genocídio, de guerra, delitos contra a humanidade e crimes de agressões internacionais: esses crimes estão na competência do TPI.
O Brasil aceita a jurisdição internacional do TPI. Portanto, está sujeito à sua jurisdição. O mesmo acontece com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. E a jurisdição internacional, ocorrida a aceitação pelo Estado, prevalece sobre a nacional. É hierarquicamente superior. No caso de conflito entre a decisão nacional e a de Corte internacional competente, prevalecerá a internacional: o STF recentemente entendeu legítima a Lei de Anistia de 1979, que nada mais foi que uma autoanistia preparada e imposta pelo ilegítimo governo militar. A Corte Interamericana, com relação ao Araguaia, entende diversamente. Assim, prevalece a decisão da Corte Interamericana. Sobre essa obviedade, já cansou de explicar o professor Fábio Conder Comparato. Com efeito. A jurisdição internacional, da Corte Interamericana, é vinculante e prevalente. Em outras palavras, vale a decisão da Corte Interamericana relativamente aos desaparecidos do Araguaia.
Vale a decisão da Corte porque nossa própria Constituição, dispõe expressamente sobre o tema dos tratados e Convenções Internacionais, na parte final do artigo 5º, da nossa atual CF/88, in litteris:
“§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. (grifamos)
Trata-se de um bloco de constitucionalidade que mesmo fora do texto escrito constitucional, tem a sua força normativa. Sobre este bloco, ou seja, cada sistema constitucional em cada Estado, assim disse Germán Bidart Campos[14], o maior constitucionalista argentino:
“...é um conjunto normativo que parte da Constituição, e que acrescenta e contem disposições, princípios e valores que são materialmente constitucionais fora do texto da Constituição escrita. O bloco de constitucionalidade federal argentino, com idêntica hierarquia constitucional e ocupando a cúpula do ordenamento, está integrado pela Constituição e os instrumentos internacionais do inc. 22.º do art. 75. Tais tratados não chegam a formar parte do texto da Constituição federal e ficam fora dele, no bloco de constitucionalidade federal, e compartem com ele a mesma supremacia”.
Registre-se que o mesmo Professor Bidart Campos[15], ao falar de Direito Constitucional, afirma que a Constituição manda, proíbe, permite, obriga, vincula, ou seja, tem força normativa ou vigor normativo.
Finalizamos lembrando as felizes palavras proferidas pelo eminente Juiz Ad-Hoc, Dr. Roberto de Figueiredo Caldas, que consignou em seu voto na Sentença da CIDH:
“É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas”.
Tortura. Lesão. Mortes. Desaparecimento forçado de pessoas.
NUNCA MAIS!
[1] Corte INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CASO GOMES LUND E OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL. SENTENÇA DE 24 DE NOVEMBRO DE 2010.
[2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estructuras Judiciales. Buenos Aires: Ediar, 1994. Capítulo I, página 12.
[3] Artigo 5º, II, da Constituição Federal, dispondo “que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estructuras Judiciales. Buenos Aires: Ediar, 1994. Capítulo IV, página 11-12
[5] http://direitosfundamentais.net/2011/02/17/guerra-de-gigantes-stf-versus-cidh-lei-de-anistia
[6] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estructuras Judiciales. Buenos Aires: Ediar, 1994. Capítulo I, página 17-18
[7] Notícias STF - Quinta-feira, 29 de abril de 2010<site.www.stf.gov.br>
[8] http://atemporalizando.blogspot.com/2010/04/decisao-do-stf-sobre-lei-da-anistia-e.html-30.04.2010
[9]http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/STF+nega+rever+Lei+da+Anistia+e+punir+torturadores+da+
ditadura.html
[10] FELIPE RECONDO - Agência Estado, em 15 de dezembro de 2010
[11] Jornal o Estado de São Paulo. Publicado em: 17/06/2011
[12] KELSEN, Hans. La garantía jurisdiccional de La Constitución (la justicia constitucional). Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional. Número 10, julio-diciembre de 2008, páginas 26-27
[13] Matéria publicada originalmente na coluna do Wálter Maierovicth no portal Terra- http://www.cartacapital.com.br/politica/corte-interamericana-nao-e-bananeira-como-imagina-jobim-suas-de-cisões-obrigam-o-brasil- 17 de dezembro de 2010
[14] BIDART CAMPOS, Germán José. Manual de la Constitución reformada., Buenos Aires: Ediar, 1996, p. 276.
[15] BIDART CAMPOS, Germán Jose. Compendio de Derecho Constitucional. Buenos Aires. Ediar, 2008, p. 13.
Promotor da Justiça Militar, em Campo Grande/MS. Membro do Ministério Público Militar da União. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Nacional de La Plata. Especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação. Ex-Professor de Direito Processual Penal I e II, na UFMS, em 2004, e de Direito Penal Militar, na Escola de Administração do Exército (EsAEx), em 2006.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Marcos José. O Caso Gomes Lund e outros versus Estado Brasileiro ("A Guerrilha do Araguaia") Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37397/o-caso-gomes-lund-e-outros-versus-estado-brasileiro-quot-a-guerrilha-do-araguaia-quot. Acesso em: 22 nov 2024.
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