Preliminarmente, convém esclarecer que o Poder Judiciário tem merecido destaque maior da comunidade em geral, sobretudo, a partir do advento do constitucionalismo moderno que assimilou a percepção de que a Constituição representa instrumento de garantia de direitos fundamentais e de liberdades públicas.
A atividade jurisdicional tem recebido da ordem jurídica democrática a legitimidade necessária para a consolidação do estado de direito como um estado de tutela de liberdades públicas.
O constitucionalismo moderno tem assumido relevante papel ao redefinir o arcabouço dos mecanismos de tutela de direitos fundamentais, expondo a importância de um órgão estatal capaz de atender demandas individuais e coletivas solucionando conflitos de interesses segundo uma visão do ordenamento mais humanizada e identificada com valores supremos impostos ao Estado como forma de prestigiar o gênero humano.
Nesse contexto, o julgador tem se revelado ator exercente de um papel protagonista na solução de conflitos de interesses a partir da lógica dos direitos fundamentais prestigiando a ordem jurídica segundo a concepção da dignidade da pessoa humana, viés resultante de conquistas nas lutas de classe e na busca pela amplitude do catálogo dos direitos constitucionalizados.
O julgador passa de um papel de mero declarador da lei para a condição de intérprete capaz de compreender as limitações do sistema processual e conformá-lo com as necessidades concretas atendendo aos reclamos individuais e coletivos a ele apresentados conforme um modelo de interpretação favorecido pelos postulados orientadores da Constituição.
O direito de ação, muito mais como poder inerente ao indivíduo, se revela como um dos direitos catalogados nas cartas constitucionais democráticas e inseridos na dinâmica jurídica moderna como instrumento para provocação da jurisdição a fim de ver o Estado prestando tutela a quem dela precisar e requerer.
A atuação jurisdicional que exatamente permite o exercício de uma função do Estado pelo Poder Judiciário de modo independente e imparcial há que ser inerte e imparcial, devendo ser provocada adequadamente, justificando sua posição equidistante dos demais poderes de modo a não se colocar acima ou abaixo dos mesmos.
De fato, se assim não fosse, se revelaria o Poder Judiciário como poder corregedor da atividade dos demais poderes do Estado, significando, por assim dizer, um desvirtuamento da perspectiva da separação de poderes consagrada na teoria do Estado.
Se a atividade jurisdicional a ser desenvolvida pela lógica do devido processo legal em sua vertente material não é parcial, certo é que a provocação de sua função se materializa por meio do direito ou poder de ação a ser exercido pelo indivíduo na oportunidade que lhe convenha e no momento que entender necessário e adequado.
Esse poder de ação deriva da garantia que a Constituição do Estado soberano lança de proteger o indivíduo ou a coletividade das violações a direitos subjetivos ou coletivos.
Sob esse enfoque, a teoria do processo apresenta uma série de concepções desenvolvidas no tempo e espaço que se revezam, se coligam ou mesmo se contrapõem acerca das características desse instituto processual e que longe estamos de concluir sobre qual seria a mais acertada posição a respeito de seus traços definidores.
Também é correto afirmar que o conceito de ação ainda passa por um processo evolutivo que não permite assegurar com tranquilidade os acertos e desacertos das teorias apresentadas.
Isso porque as teorias da ação não resolveram problemas essenciais da dinâmica da processualística em algum contexto em que o conceito de ação se relaciona. Não apenas isso, também é preciso compreender o tema à luz do novo viés político que se instalou nos estados modernos a partir do constitucionalismo, sobretudo com o advento da democracia e do pluralismo que, como consequência, conferiu maior poder de interpretação aos componentes do Poder Judiciário.
Com efeito, com o desenvolvimento das facetas da democracia, a ação merece uma reflexão a fim de gerar um necessário redimensionamento de sua teoria, porquanto, as estruturas inicialmente pensadas não mais atendem os modelos jurisdicionais modernos, voltados para a prestação da tutela individual e coletiva e não simplesmente para a aplicação de normas destituídas de contexto fático.
Na linha do tempo, a concepção romanista do direito de ação assegurava que não haveria direito sem ação de sorte que a todo direito corresponderia uma ação. Segundo essa teoria a ação é apenas um desdobramento do direito subjetivo. Tal teoria foi inclusive contemplada no Código Civil Brasileiro de 1916 em seu art. 75, conforme o qual a todo direito corresponde uma ação que o assegura.
Essa formulação romanista peca na medida em que condiciona a existência do direito à possibilidade de ser ele demandado judicialmente limitando a atuação jurisdicional à condução de ações definidas no universo jurídico impondo de certo modo um processo de seleção de demandas apreciáveis pela jurisdição, propondo por consequência que alguma situação controvertida, em tese, não poderia ser objeto de uma demanda discutida em juízo.
Naturalmente, esse modelo não se identifica com a estrutura democrática dos estados modernos onde toda e qualquer demanda pode ser conhecida pelo Poder Judiciário conferindo a esse poder notabilidade em sua missão precípua que é a de garantir a tutela de direitos subjetivos demarcados pelo ordenamento jurídico a partir de regras e princípios constitucionais vetores do sistema, agindo com liberdade significativamente maior que as conferidas aos juízes do sistema romanista.
Savigny propõe uma mudança de paradigma no que diz respeito ao conceito de ação em relação à teoria romanista, defendendo que há um equívoco na associação entre o direito de ação e o direito subjetivo. Propõe o jurista que a ação se relacione sim a uma violação a direito subjetivo nascendo a partir desta.
Segundo ele, não é, portanto, a ação um desdobramento do direito subjetivo como pensavam os romanistas, mas uma consequência da violação do direito permitindo ao detentor desse direito o ajuizamento da demanda.
De fato, a teoria clássica da ação afirmava que ela seria imanente ao direito material uma vez que representa uma consequência da violação do direito e, nesse contexto, não se confunde com a demanda sendo dela autônomo e até mesmo anterior constituído sim uma nova relação jurídica.
A concepção autonomista da ação segundo a qual a ação é o direito subjetivo público e autônomo e ainda oponível em face do Estado de cada pessoa exigir desse Estado a prestação jurisdicional.
Nessa ótica, o Poder Judiciário deve agir no interesse do particular resolvendo o conflito de interesses decidindo os caminhos da relação jurídica material.
Segundo essa perspectiva, de caráter marcadamente civilista, o direito de ação é autônomo em relação ao direito material, uma vez que dele independe e abstrato porque não depende do resultado da demanda.
Essa concepção é, nesse contexto, a que mais se assemelha ao modelo de ação atual, porquanto, permite o ajuizamento da ação por quem creia viável, a partir da constatação particular de uma violação.
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