1. INTRODUÇÃO
Ao ingressarem no ordenamento jurídico brasileiro, as leis se revestem de presunção de constitucionalidade, devendo imediatamente, respeitadas as regras de vigência e eficácia, serem obedecidas e aplicadas.
No entanto, tal presunção é apenas relativa ou juris tantum, o que possibilita com que elas tenham sua validade questionada em face da Constituição, mediante o chamado controle de constitucionalidade, o qual, em nosso país, pode ser realizado pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
2. DESENVOLVIMENTO
O sistema de controle judicial de constitucionalidade no Brasil é autorizado a realizar-se prévia ou posteriormente à edição da lei, sendo este último - o posterior ou repressivo - do tipo misto, uma vez que pode se concretizar sob a forma difusa, ou concentrada.
A modalidade difusa, pertinente ao objeto do presente estudo, consiste na análise da compatibilidade da lei ou ato normativo em um caso pragmático, cuja concretização se dá pela via da exceção, de forma incidental, como questão prejudicial à análise do mérito da questão posta em Juízo, compondo a causa de pedir do pedido principal.
Em outras palavras, no controle difuso, a questão constitucional debatida na lide constitui fundamento da pretensão, de modo que o resultado de sua apreciação constitui a essência que determinará a decisão final do Juiz ou Tribunal, dando azo, assim, à teoria dos motivos determinantes da sentença neste âmbito.
Para Pedro Lenza[1], a teoria dos motivos determinantes no controle difuso de constitucionalidade brasileiro traduz-se na ratio decidendi, ou seja, na fundamentação essencial que ensejou aquele determinado resultado da ação.
Atualmente, este tema tem ganhado um novo enfoque. É que, embora os constitucionalistas tradicionais sempre ensinarem que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo pelo Supremo tribunal Federal, mediante o controle difuso, produz efeitos apenas para os litigantes do respectivo processo, somente transcendendo a esfera da relação jurídica discutida em Juízo para atingir terceiros quando, após ser comunicado formalmente daquela decisão, o Senado Federal, por meio de resolução, suspender a execução, no todo ou em parte, da norma reconhecida como em descompasso com a Constituição Federal, conforme o disposto em seu art. 52, inciso X, uma a nova concepção deste procedimento brotou na doutrina e na jurisprudência contemporâneas, sobretudo em nossa Corte Constitucional.
Isto porque alguns precedentes do STF fixaram-se no sentido de que, para que os motivos determinantes da decisão no controle difuso de constitucionalidade vinculassem terceiros, produzindo efeitos erga omnes, não seria mais necessário que o Senado federal editasse uma para tanto, bastando a decisão da Suprema Corte. Então, eis que surgiu a teoria da transcendência dos motivos determinantes.
Assim, no bojo do RE 197.917/SP[2], onde se discutiu a redução do número de vereadores da Câmara Municipal do município de Mira Estrela, em virtude da Lei Orgânica deste não ter obedecido a proporção estabelecida no art. 29, IV, alínea “a”, da Constituição Federal, o Ministro Gilmar Mendes pontuou o seguinte:
(...) gostaria apenas de registrar – e trarei numa outra oportunidade – que esse caso, e há necessidade de sua regulamentação pelo TSE, está a demonstrar a plena e completa superação da intervenção do Senado, aqui, neste tema. Talvez o Senado tenha uma função de mera publicação, de emprestar mera publicidade à decisão. De modo que, talvez em momento oportuno, devamos discutir isso em questão de ordem.
Acatando o posicionamento do STF, O Tribunal Superior Eleitoral confirmou os efeitos transcendentes dos motivos determinantes da decisão acima explicitada editando a Resolução nº 21.702[3], aplicando o entendimento da Corte Constitucional a todo o país.
Todavia, tal questão ainda não é pacífica na jurisprudência do STF, estando pendente de julgamento a Reclamação 4.335/AC[4], cujos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau adotaram a tese de que houve uma verdadeira mutação constitucional, passando o Senado Federal a ter competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, haja vista que esta conter força normativa suficiente para suspender a execução da lei, já, em sentido contrário, foram os votos dos Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa.
Por sua vez, temos na doutrina pátria os autores Roger Stiefelmann[5] contrários à teoria da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso de constitucionalidade, ao passo que juristas como Teori Albino Zavascki[6] acolhem este entendimento.
Por todo o posto à vista, resta patenteado que teoria dos motivos determinantes da sentença no controle difuso consiste na vinculação da análise do mérito do pleito principal ao que restar decidido acerca da constitucionalidade da lei ou ato normativo referidos na demanda como causa de pedir.
Na via das tendências jurídicas atuais, a citada teoria vem sendo encarada por alguns juristas como dotada de efeitos transcendentes, apta a desbravar a lide em que foi aplicada e passar a vincular erga omnes, sem que haja mais necessidade do Senado Federal assim dispor mediante resolução, sob o argumento de que o art. 52, inciso X, da Constituição Federal, sofreu o fenômeno da mutação constitucional, ou seja, foi modificado não em razão da edição de Emenda Constitucional, mas da evolução da hermenêutica, interpretação, que se faz em relação à norma alvo deste processo de reforma.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P.255.
RE 197.917/SP. Rel. Min. Maurício Corrêa, Data da publicação no DJ 07.05.2004. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=235847. Acesso em: 06.06.2011.
Resolução nº 21.702, de 02 de abril de 2004. Disponível em: http://www.tse.gov.br/internet/legislacao/eleitoral_blank.htm. Acesso em: 06.06.2011.
Rcl. 4.335/AC. Rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4335&classe=Rcl&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em: 06.06.2011.
ZAVASCKI. Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Notas:
[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P.255.
[3] Resolução nº 21.702, de 02 de abril de 2004. Disponível em: http://www.tse.gov.br/internet/legislacao/eleitoral_blank.htm. Acesso em: 06.06.2011.
[4] Rcl. 4.335/AC. Rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4335&classe=Rcl&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em: 06.06.2011.
[5] LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.
[6] ZAVASCKI. Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais.
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