Cinge-se o presente artigo, sem o intuito de esgotar o tema, a análise quanto a incidência do instituto jurídico da prescrição à luz da Lei de Improbidade Administrativa (Lei. n.º 8.429/92), em face da rejeição das contas apresentadas pelo ente político, pelo órgão de fiscalização.
Cumpre elucidar, preambularmente, a definição de agente político e agente público, a fim de estabelecer uma conexão direta à Lei n.º 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
Por oportuno, registre-se, que a lei deve ser interpretada sob os diversos ângulos possíveis, sob pena dela ser aplicada erroneamente ao caso concreto, em flagrante usurpação legal.
Dessa forma, a interpretação sistemática, como o método que deve ser priorizado pelo hermeneuta, na busca por uma visão global da lei, como afirma o professor Celso Ribeiro Bastos[1]: “O método sistemático tem em vista a interpretação da lei dentro do contexto normativo no qual ela se insere, é dizer, busca-se interpretar a norma não isoladamente mas em relação com as demais. Destaca-se aqui a perspectiva sistêmica do ordenamento jurídico, bem como a sua unidade, procurando assim atingir uma visão global e estrutural da lei.” .
Ora, é bem verdade que a tarefa de interpretar não é exclusiva do Poder Judiciário, competindo, inclusive, ao Poder Legislativo fazê-lo de forma autêntica, como se observa no art. 327, § 1º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei n.º 9.983/2000, entre inúmeras outras:
“Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.”
No mesmo sentido, a Lei de Improbidade Administrativa, através de seus arts. 2º, 3º e 4º, impõe uma ampliação do conceito de agente público, inclusive, para incluir os particulares que induzam, concorram ou se beneficiem de qualquer forma:
“Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.”
Eis, então, o que define o professor Sergio Ferraz[2] sobre o conceito de agente público à Lei de Improbidade:
“Do ângulo subjetivo, a Lei de Improbidade Administrativa – repetindo, aliás, dicções de vários outros diplomas (não só especialíssimos, mas até de grande generalidade, como o próprio Código Penal) – expandiu consideravelmente o conteúdo da expressão agente público, sujeito ativo da figura em foco. Assim, para os fins da lei, agente público é não só o servidor público em sentido estrito, mas todo aquele que, mesmo transitoriamente, mesmo sem retribuição, exerça ou ocupe (por qualquer forma de investidura, até mesmo as decorrentes de eleição) mandato, cargo, emprego ou funções em entidades ou órgãos da administração (de qualquer natureza) dos Poderes estatais de todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal, Municípios), mas ainda dos Territórios, de empresas incorporadas ao patrimônio público e de entidades para cuja criação ou custeio tenha o erário concorrido.” (g.n.)
Outrossim, em se tratando de agente político, é necessária sua subsunção às normas constitucionais e legais, motivos pelos quais, está sob o controle do regime jurídico dos atos administrativos, como discorre o professor Regis Fernandes de Oliveira[3]:
“Para nós, o ato de governo não é outra coisa senão uma espécie dos atos administrativos. Primeiramente, já anotamos que“a função política (assim chamada) não constitui uma quarta função do Estado, mas os atos governativos ou políticos estão incluídos no conceito de função administrativa” (cf. p. 20) e possuem o mesmo regime jurídico dos atos administrativos.”.
Pois bem. A Lei de Improbidade Administrativa dispõe no seu art. 23, inciso I, que a prescrição das sanções previstas na mesma àqueles em exercício de mandato eletivo, será de até 05 (cinco) anos após o seu término:
“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;”
Vê-se, ademais, por expressa disposição da Lei de Improbidade através de seu art. 21, inciso II, que a aplicação de suas sanções independem da anuência do Tribunal de Contas, presumindo-se que tal situação não enseja a interrupção do prazo prescricional:
“Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;
II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.” (g.n.)
Nesse sentido, quanto a independência de instancias, já se pronunciou o Egrégio Tribunal Regional federal da 5ª Região:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. REJEIÇÃO DA INICIAL. ART. 17, PARÁGRAFO 8º DA LEI 8.429/92. IMPOSSIBILIDADE. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. APROVAÇÃO DE CONTAS PELO TCU. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS E LEI Nº 8.429/92. INDÍCIOS DE MALVERSAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. PRECEDENTES. - A rejeição antecipada da ação de improbidade, com fulcro no art. 17, parágrafo 8º, somente é possível quando for manifesta a inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou a inadequação da via eleita. - A dispensa de licitação é medida excepcional e, apenas se autoriza nas hipóteses previstas no art. 24 da Lei 8.666/93. O Decreto de Estado de Calamidade Pública em local diverso de onde, efetivamente, foi realizada a obra, não se presta a embasar a escusa do procedimento licitatório, tendo em vista que restou descaracterizado o requisito da urgência que a fundamentou. - O fato de o Tribunal de Contas da União ter aprovado as contas do apelado não inibe a atuação do Poder Judiciário, em razão da independência das instâncias e o que dispõe o inciso II, art. 21 da Lei 8.429/92, em que a aplicação das sanções independe da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas, mormente quando se constata que aprovação de contas não adentra no mérito da questão objeto da presente ação de improbidade, ao revés, cuida-se de decisão limitada ao âmbito administrativo, que aprecia os aspectos de fiscalização contábil e orçamentária. (EDAC 20078300006463001, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Segunda Turma, 09/12/2010); (AG 00016401320104050000, Desembargador Federal Francisco Barros Dias, TRF5 - Segunda Turma, 09/12/2010). - Frente a indícios de ato de improbidade e ausente prova inequívoca das hipóteses que possibilitam a rejeição da inicial, emerge a necessidade de retorno dos autos à primeira instância para continuidade das perquirições e produção de provas, com o fim de se apurar acerca da necessidade e utilidade da obra, bem como quanto a possível favorecimento de empresa contratada através de dispensa, sobretudo quando há notícia nos autos de que se trata de possível empresa laranja. - Apelação provida. (TRF-5 - AC: 200984000048725 , Relator: Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, Data de Julgamento: 27/09/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: 06/10/2011)
Assim, não há indicação legal que suporte a suspensão ou interrupção da prescrição pelo simples fato das contas do ente político terem sido rejeitadas pelo Tribunal de Contas, órgão fiscalizador.
Outrossim, o Colendo Superior Tribunal de Justiça e os tribunais pátrios já se pronunciaram no sentido de que o prazo para o exercício de pretensão da Lei de Improbidade é de 05 (cinco) anos, contados do término do mandato, excetuando-se, os casos de ressarcimento ao erário público:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. TÉRMINO DO MANDATO. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA DE PROVA. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. O prazo prescricional da Ação de Improbidade Administrativa é de cinco anos a contar do dia subseqüente ao término do mandato do agente público, conforme disposto no art. 23, I, da Lei 8.429/1992 2. In casu, não há falar em prescrição, uma vez que a Ação de Improbidade Administrativa foi ajuizada em outubro de 2001, em razão dos atos ilícitos praticados pelo demandante, que exerceu mandato de vereador até o final de 1996. 3. Assentado no aresto recorrido que o agravante foi devidamente intimado para a produção de provas, a averiguação do suposto cerceamento de defesa, em decorrência da alegada falta de intimação, implica revolvimento de prova, o que esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo Regimental não provido” (STJ - AgRg no Ag: 954505 RS 2007/0203500-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 17/03/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/03/2009)
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRAZO QÜINQÜENAL RESPEITADO. I - Ação civil pública de improbidade administrativa ajuizada contra Ex-Prefeito cujo mandato se encerrou em 31/12/1996, sendo que a ação foi proposta em 20/11/2001. II - O prazo prescricional para o exercício dessa pretensão, fora dos casos de ressarcimento ao erário, é de cinco anos, contados do término do mandato do ex-Prefeito, nos termos do que dispõe expressamente o art. 23, I, da Lei nº 8.429/92. Precedentes: REsp nº 680.677/RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJ de 02/02/2007; REsp nº 689.875/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 12/02/2007. III - Agravo Regimental improvido.” (STJ - AgRg no REsp 916524/RS - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 2007/0006918-0 - Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) - Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA - Data do Julgamento: 08/05/2007 - Data da Publicação/Fonte DJ 31.05.2007 p. 406) (g.n.)
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8429/92. PRESIDENTE DO CRMV/SP. ATO PRATICADO NO EXERCÍCIO DO MANDATO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. ART. 23, I, DA LEI Nº 8429/92. I - A aplicação dos prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal, para atos de improbidade também previstos como crime, só é possível nos casos previstos no inciso II, do art. 23, da Lei n. 8.429/92, isto é, quando o agente ímprobo for detentor de cargo público efetivo ou de emprego, e, desde que haja previsão expressa na lei específica que trata do regime disciplinar do servidor. II - Não constando da inicial pedido de ressarcimento ao erário, impõe-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 23, I da Lei n. 8429/92, porquanto a ação foi ajuizada depois de 5 (cinco) anos do término do mandato do réu, como Presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo. III - À luz da instrumentalidade do processo, viável a continuação da ação quanto ao ressarcimento ao erário, desde que tal pretensão tenha sido deduzida na inicial, situação não verificada na espécie. IV - Apelação improvida.”(TRF-3 - AC: 8061 SP 0008061-77.2008.4.03.6100, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL REGINA COSTA, Data de Julgamento: 20/06/2013, SEXTA TURMA)
Outrossim, quando se tratar de agente político reeleito, o termo a quo do prazo prescricional, contar-se-á findo o segundo mandato, in verbis:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ART. 23, I, DA LEI 8.429/1992. REELEIÇÃO. TERMO INICIAL ENCERRAMENTO DO SEGUNDO MANDATO. 1. É firme a jurisprudência do STJ, no sentido de se contar o prazo prescricional previsto no art. 23, I, da Lei 8.429/1992, nos casos de reeleição, a partir do encerramento do segundo mandato, considerando a cessação do vínculo do agente ímprobo com a Administração Pública. 2. Recursos especiais providos.” (STJ - REsp: 1290824 MG 2011/0264860-8, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 19/11/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2013)
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PREFEITO REELEITO. TÉRMINO DO SEGUNDO MANDATO. APELO PROVIDO. I - O cerne da presente lide consiste em determinar qual o termo inicial para a contagem do prazo prescricional para a apuração de atos supostamente ímprobos imputados a prefeito reeleito, quando tais atos foram praticados no primeiro mandato do gestor. II - "O termo inicial do prazo prescricional da ação de improbidade administrativa, no caso de reeleição de prefeito, se aperfeiçoa após o término do segundo mandato" (RESP 200901596121, HAMILTON CARVALHIDO, STJ - PRIMEIRA TURMA, 29/04/2010). Precedente desta c. Primeira Turma: AC 200782010031861, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, 04/03/2010. III - Apelo provido, determinando o retorno dos autos ao Juízo de 1º Grau para prosseguimento desta ação civil pública.” (TRF-5 - AC: 200984000082216 , Relator: Desembargadora Federal Cíntia Menezes Brunetta, Data de Julgamento: 15/09/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: 22/09/2011)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
FERRAZ, Sérgio. Aspectos Processuais na Lei sobre Improbidade Administrativa. In Improbidade Administrativa. SCARPINELLA BUENO, Cássio e PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. 2 Edição. São Paulo: Malheiros, 2003, pág.: 408.
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Administrativo. 4 Edição. São Paulo: RT, 2001.
[1] In Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, pág.: 61.
[2] FERRAZ, Sérgio. Aspectos Processuais na Lei sobre Improbidade Administrativa. In Improbidade Administrativa. SCARPINELLA BUENO, Cássio e PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. 2 Edição. São Paulo: Malheiros, 2003, pág.: 408.
[3] In Ato Administrativo. 4 Edição. São Paulo: RT, 2001, pág.: 158.
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade Federal do Tocantins - UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Patricia Bezerra de Medeiros. A rejeição de contas do ente político pelo órgão de fiscalização e a prescrição à luz da Lei de Improbidade Administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jan 2014, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38102/a-rejeicao-de-contas-do-ente-politico-pelo-orgao-de-fiscalizacao-e-a-prescricao-a-luz-da-lei-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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