Sumário: 1. Introdução; 2. Positivação na Constituição Federal e em diplomas normativos estrangeiros; 3. O Supremo Tribunal Federal e a razoável duração do processo; 4. Considerações finais; 5. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Trata-se a “razoável duração do processo” de um direito fundamental relativamente novo, com sede constitucional a partir de dezembro de 2004. Passados mais de nove anos, nunca é demais lembrar de sua importância na resolução dos conflitos sob crivo do Judiciário ou da Administração pública em geral.
É possível afirmar, até mesmo intuitivamente, que há uma demanda generalizada por um processo cuja tramitação não tarde mais que o tempo necessário ao seu regular desenvolvimento, conferindo a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo a que tem direito e precisamente aquilo a que tem direito (DINAMARCO, 2003, P.365), sem se descuidar, e isso é importante, da garantia dos demais direitos fundamentais inerentes à relação jurídica travada em juízo ou no âmbito administrativo, de forma a possibilitar aos litigantes a devida efetividade do processo e, consequentemente, das decisões.
O inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal foi incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a partir da qual passou a constar expressamente do rol dos direitos fundamentais que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Mesmo que se considere ser uma novidade, surgida no contexto da chamada “crise do Judiciário”, não se pode esquecer que tal direito já constava da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 27, de 25/09/92, e promulgada pelo Decreto nº 678, de 06/11/92.
Houve a preocupação de se apontarem marcos normativos, entre os quais Constituições estrangeiras, que representam uma posição política sobre a necessidade de o Estado responder com brevidade aos questionamentos que lhe são submetidos.
Ver-se-á que o direito fundamental à razoável duração do processo não se confunde simplesmente com a obrigatoriedade de os poderes públicos conferirem aos processos a celeridade na tramitação. A razoável duração não prescinde do fato de que outros direitos de semelhante envergadura constitucional devam também ser preservados nas relações processuais judiciais e administrativas, ainda que isso signifique estender o desfecho do processo.
A concretização dessa novidade constitucional, para que não fique relegada a mais um direito fundamental ao qual não se dedique a devida atenção, demanda providências a cargo dos três poderes da República, sob pena de se negar a própria atividade jurisdicional e administrativa, tão cara ao Estado democrático.
Sob este aspecto, evidencia-se que a implementação do direito à razoável duração do processo reclama um comportamento positivo do Estado, seja, entre tantas medidas, mediante a produção por parte do Legislativo de normas processuais que confiram tal característica ao trâmite processual, sem dilações indevidas; através de um adequado aparelhamento do Judiciário com vistas a melhor solucionar as demandas que cada vez mais se avolumam nos gabinetes dos magistrados; e com a participação do Executivo, ao evitar, por exemplo, exigências indevidas que extrapolem o mero dever de regulamentar comandos legais, o que contribui com a demora na prestação reclamada.
Dada a relevância de tal princípio, é sempre relevante visitar entendimentos doutrinários e judiciais, para se entender o seu alcance e consolidá-lo na prática jurídica nacional.
2. Positivação na Constituição Federal e em diplomas normativos estrangeiros
De forma inovadora, relativamente à alteração do capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, a Emenda Constitucional nº 45, promulgada em 30/12/2004, incluiu, no art.5º da Constituição Federal de 1988, o inciso LXXVIII, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Afirma-se, portanto, que se trata de um direito fundamental, entre tantos outros dispostos no mesmo artigo ou esparsos no texto constitucional, bem como entre os decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição Federal, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte[1].
Se por um lado o legislador constituinte derivado mostrou preocupação em assegurar aos litigantes, ou simples peticionários, a resolução de suas demandas em um prazo que lhe fosse útil, a evitar o próprio perecimento do bem de vida buscado judicial ou administrativamente, garantindo-se com isso a efetividade dos respectivos processos; de outro, admitiu que a situação dos órgãos estatais encarregados pela prestação dos serviços judicantes não era satisfatória (como ainda parece não ser a ideal), ao firmar constitucionalmente o dever do Estado de adotar providências rumo à melhoria do quadro.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 derivou da Proposta de Emenda à Constituição nº 96, posteriormente renumerada para 96-A, apresentada em 26/03/1992 à Câmara dos Deputados. No parecer da relatora, Deputada Zulaiê Cobra, publicado no Diário da Câmara dos Deputados, em 14/12/99[2], já se aventava uma “crise do Judiciário”, que sob a sua ótica estava caracterizada, entre outras constatações, pelo acúmulo de recursos nos tribunais superiores e pela morosidade da prestação jurisdicional:
Há unanimidade nesta Comissão quanto aos objetivos de nossos trabalhos. Pretendemos todos encontrar soluções para o atual estado de decadência em que se encontra o Poder Judiciário brasileiro, que se revela principalmente na demora da entrega da prestação jurisdicional, no acúmulo de recursos nos tribunais superiores e na dificuldade de acesso do cidadão à justiça. Queremos, portanto, uma justiça célere, sem olvidar a segurança jurídica. Buscamos um Judiciário forte e independente, imprescindível no Estado Democrático de Direito, sem esquecer o controle social dessa Instituição.
Especificamente quanto à inclusão do inciso LXXVIII ao art.5º da CF/88, explica:
Também procurando combater a morosidade da Justiça, introduzimos, como princípio de ordem processual, o direito à razoável duração do processo, fazendo aditar inciso ao art.5º da Constituição Federal. Trata-se de direito consagrado pelas Constituições de Portugal (art.20, n.4) e do México (art.17), tendo a AMB e a OAB sugerido sua adoção.
No Brasil, a Constituição Brasileira de 1934 já trazia disposição, com alcance mais restrito é verdade, que contemplava no Título III (“Da Declaração de Direitos”), especificamente no Capítulo II (“Dos Direitos e das Garantias Individuais”) a celeridade dos processos nas repartições públicas, ali denominada de “rapidez”. Dispunha no §35:
A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo, ou reserva[3].
Considerando terem sido algumas das fontes inspiradoras da inclusão da razoável duração do processo no corpo constitucional, conforme o parecer da relatora Dep. Zulaiê Cobra acima mencionado, vale à pena verificar as Constituições de Portugal e México.
Em Portugal, estabeleceu-se o direito à decisão em um prazo razoável, constante da Parte I de sua Constituição, voltada aos Direitos e Deveres Fundamentais, nos seguintes moldes[4]:
Artigo 20.º
Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. (destaque que não consta do original)
A Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos dispõe em seu Título Primeiro, Capítulo I[5], reservado às garantias individuais:
Artículo 17. Ninguna persona podrá hacerse justicia por sí misma, ni ejercer violencia para reclamar su derecho.
Toda persona tiene derecho a que se le administre justicia por tribunales que estarán expeditos para impartirla en los plazos y términos que fijen las leyes, emitiendo sus resoluciones de manera pronta, completa e imparcial. Su servicio será gratuito, quedando, en consecuencia, prohibidas las costas judiciales.[6]
Há quem lembre que a Constituição Italiana também contém disposição semelhante, em seu art.111: “La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. (...) La legge ne assicura la ragionevole durata” (MEDINA e WAMBIER, 2009, pp. 61-62)[7].
Em razão de sua importância para a proteção dos direitos humanos e considerando que o Brasil é um dos países signatários, não se pode olvidar que na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)[8], celebrada em 22/11/1969, estabeleceu-se como um dos direitos a serem respeitados e fomentados o direito à prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável e efetivo:
[...] toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (art.8º, item 1º)
Se pensarmos no art.5º, §2º, da Constituição Federal, o respeito à razoável duração do processo sequer necessitaria de uma previsão expressa no rol de direitos e garantias fundamentais, mormente quando se sabe que no devido processo legal inclui-se a efetividade deste, que necessariamente engloba uma resposta jurisdicional sem dilações desnecessárias.
De nada adianta a obtenção do bem jurídico buscado se tal providência for conferida à parte quando não mais lhe seja útil, quando não mais lhe interesse. Da mesma forma, a quem serve um processo que por anos a fio proporciona insegurança em uma determinada situação jurídica, em um cenário, muitas vezes marcado por restrições impostas por medidas antecipatórias que afinal se mostram infundadas? Nos dias atuais, o bordão “a justiça tarda mas não falha” não pode, ou melhor, não deve ser visto como uma máxima inexorável. A prestação jurisdicional deve ser justa, o que implica em não alhear de si o aspecto temporal.
Essa existência implícita do direito à razoável duração do processo no texto constitucional, afluente do devido processo legal, é lembrada por FARIA e BICHARA (2009, p.100), quando o considera também como um princípio consequente lógico do princípio da eficiência da atuação do administrador público.
O Prof. José Afonso da Silva (2009, p.176), no mesmo sentido, ensina:
O termo “processo” deve ser tomado no sentido abrangente de todo e qualquer procedimento judicial e administrativo; isto também já está assegurado no art.37, pois quando aí se estatui que a eficiência é um dos princípios da Administração Pública, por certo que nisso se inclui a presteza na solução dos interesses pleiteados.
No âmbito da Comunidade Européia igualmente se exige o respeito à utilização de um prazo razoável na solução dos conflitos submetidos ao Estado. A Convenção Européia dos Direitos do Homem sublinha a importância atribuída à uma justiça administrada sem atrasos, que venha a corresponder à sua eficácia e credibilidade, conforme determinação expressa do seu art. 6.1: “Qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada equitativamente e publicamente, num prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei” (MATTOS, 2006, p.72).
Consoante pontuado anteriormente, uma das diretrizes da Emenda Constitucional nº 45/2004 foi exatamente a de otimizar a prestação jurisdicional, inserindo no corpo constitucional diversos dispositivos que se bem implementados favorecerão a concretização do direito fundamental à razoável duração do processo.
Por exemplo, houve a preocupação de deixar assente em nível constitucional que a promoção por merecimento dos magistrados deve levar em conta critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição (art.93, II, c); bem como que qualquer promoção será obstada se o juiz retiver autos em seu poder injustificadamente além do prazo legal (art.93, II, e). Dispôs-se ainda que a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente (art.93, XII); que o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população (art.93, XIII); que os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório (art.93, XIV); e que a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição (art.93, XV).
De igual modo não se pode esquecer a previsão constitucional do instituto da repercussão geral nos recursos extraordinários (art.102, §3º); a possibilidade de instalação da Justiça intinerante na área federal (art.107, §2º), bem como o funcionamento descentralizado dos Tribunais Regionais Federais, com a possibilidade de constituição de Câmaras Regionais (art.107, §3º); e a permissão para que o Supremo Tribunal Federal estabeleça enunciados vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art.103-A).
Assim, a razoável duração do processo recebeu status constitucional em um contexto de mudanças voltadas a melhorias no serviço público, especialmente, o serviço público prestado pelo poder Judiciário, sendo também aplicável ao âmbito administrativo.
3. A visão doutrinária
Em uma leitura pouco atenta do inciso LXXVIII da Constituição Federal, pode-se indevidamente concluir que se garantiu simplesmente a celeridade na prestação jurisdicional e administrativa. Que nada mais importaria a não ser o cumprimento dos prazos estabelecidos previamente pelo legislador, que informam os processos perante a Administração Pública e os órgãos do Judiciário.
É verdade que há quem defenda tal tese, ainda que com o parcial propósito de claramente criar uma certa dogmática afeita a interesses particulares, esquecendo-se da complexidade das situações empíricas que demandam muitas vezes, para a justiça e efetividade das decisões, dilações probatórias necessárias, que por sua própria natureza não se conformam passivamente a um prazo predeterminado, aspecto observado por DINAMARCO (2003, p.273 e ss.)
Restringindo a aplicação do direito fundamental à razoável duração do processo ao âmbito administrativo disciplinar, MATTOS (2006), apesar de em um primeiro momento deixar claro que não defende a impunidade ou a irresponsabilidade do servidor público acusado da prática de uma infração administrativa, sustenta de forma contraditória que o desrespeito aos prazos estabelecidos legalmente para a conclusão daqueles processos implicaria em uma espécie de preclusão, com a consequente perda da faculdade processual administrativa disciplinar do Poder Público em continuar a manejar o respectivo processo disciplinar. O autor sustenta, ainda, a devolução de diárias recebidas por integrantes das Comissões Disciplinares quando o funcionamento destas exceder o prazo definido legalmente para tal, além de os sujeitarem a um futuro processo administrativo disciplinar, tendo em vista a perda do direito da Administração Pública em permanecer na apuração dos fatos.
Percebe-se que tal conclusão depõe exatamente contra o que o autor defende, ou seja, vai de encontro à propugnada razoável duração do processo, pois, a prevalecer tal entendimento, certamente novos processos, dada a indisponibilidade do interesse público, serão produzidos. Inicialmente, nascerão novos processos administrativos disciplinares, curiosamente contra os integrantes das Comissões disciplinares. Posteriormente, ou mesmo previamente (v.g., mandado de segurança preventivo), litigâncias judiciais pelos mesmos integrantes das Comissões disciplinares em busca de reparação, pois certamente não aceitarão com passividade a inversão no pólo de investigação, o que só contribuirá para a lentidão no trâmite destes e de tantos outros que já aguardam solução.
Com a inclusão da razoável duração do processo no rol dos direitos fundamentais, verificam-se aqui e ali, em nome de um direito fundamental a ser concretizado, mais do que discursos tendenciosos, e, com a devida licença, discursos jurídicos vazios, que ignoram, apenas para se ater a dois postulados olvidados por MATTOS, a prevalência do interesse público na devida responsabilização do servidor que tenha cometido alguma infração e a vedação ao enriquecimento sem causa por parte do ente estatal, ao se propor, nesta situação, a devolução de diárias, justificadas pela prestação de serviços em localidade diversa da do exercício dos servidores integrantes das Comissões disciplinares.
No sentido de se atribuir uma responsabilidade civil ao Estado, já alertou Araken de Assis que o viés presente nos primeiros ensaios sobre o tema reclama ponderação. Menciona, por exemplo, dando-lhe destaque, a coletânea organizada por Tereza Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Júnior, Octávio Campos Fischer e William Santos Ferreira, que contemplou trabalho de Márcia Fernandes Bezerra, que assinalou, após afirmar que o dispositivo constitucional orienta as ações positivas do legislador, que a norma “confirma a necessidade de que o Estado venha a ser responsabilizado por ações e omissões tanto de juízes quanto de auxiliares” (ASSIS, 2008, p.21).
Assim, com base no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal poder-se-ia justificar uma responsabilização estatal (ROCHA, 2007, p.76). Adiante-se que o Supremo Tribunal Federal não tratou de questão.
Fredie Didier Jr. (2007, p.40), com base nos ensinamentos de José Rogério Cruz e Tucci (in “Garantia do processo sem dilações indevidas”. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999, p.259-260), lembra que a Corte Européia de Direitos Humanos, já mencionada, firmou o entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo: a complexidade do assunto, o comportamento dos litigantes e de seus procuradores e a atuação do órgão jurisdicional[9]. A seguir, transcreveu passagem atribuída a Tucci, que pela clareza é conveniente ser aqui reproduzida:
O reconhecimento destes critérios traz como imediata conseqüência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados.
Assim, é evidente que se uma determinada questão envolve, por exemplo, a apuração de crimes de natureza fiscal ou econômica, a prova pericial a ser produzida poderá demandar muitas diligências que justificarão duração bem mais prolongada da fase instrutória.
Por outro lado, não poderão ser taxadas de ‘indevidas’ as dilações proporcionadas pela atuação dolosa da defesa, que, em algumas ocasiões, dá azo a incidentes processuais totalmente impertinentes e irrelevantes.
E, ademais, é necessário que a demora, para ser reputada realmente inaceitável, decorra da inércia, pura e simples, do órgão jurisdicional encarregado de dirigir as diversas etapas do processo. É claro que a pletora de causas, o excesso de trabalho, não pode ser considerado, nesse particular, justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional.
Quando se trata de extrair o significado do direito fundamental à razoável duração do processo é importante não limitá-lo simplesmente à análise da celeridade. Tal proceder pode aniquilar outros direitos que igualmente reclamam uma proteção necessária, cuja inobservância fatalmente conduzirá à nulidade da decisão.
Uma solução seria em princípio o legislador determinar o prazo máximo de duração do processo, somente aceitando-se o seu desrespeito em situações onde a complexidade da matéria (questões de fato e de direito), o comportamento das partes ou outras circunstâncias fossem responsáveis pela dilação indevida (ROCHA, 2007, p.77).
Ao se falar em dilação indevida pelo comportamento das partes, não se pode esquecer que todos que de alguma forma intervenham no processo têm o dever de lealdade, seja com as partes ou com o Estado-juiz. Como forma de coibir práticas que atentem contra a razoável duração do processo, pode o magistrado impor multas previstas na legislação processual civil e até mesmo considerar, na formação de seu juízo de razoabilidade, como no caso de habeas corpus, que a duração, por exemplo, da fase de instrução processual penal, com o réu preventivamente privado de sua liberdade, resultou do comportamento da própria defesa, não se configurando, portanto, o excesso de prazo a autorizar a concessão da ordem.
Nem sempre o processo rápido representa processo justo.
Impõe-se abreviá-lo para melhorá-lo, e não piorá-lo, sonegando outros tantos direitos fundamentais a uma das partes ou a ambas (ASSIS, 2008, p.13). A exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos, certamente atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor insuperável. Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos, porém não se sentem saudades deles (DIDIER JR., 2007, p.40).
O dispositivo constitucional também contempla a necessidade de serem estabelecidos os meios necessários à garantia de que os processos administrativos e judiciais tenham uma razoável duração.
Como isso, pode-se afirmar que a primeira parte da “reforma do Judiciário” deve vir atrelada a reformas infraconstitucionais capazes de fornecer os meios processuais adequados. Logo, resta não se conformar apenas com a aludida previsão constitucional, pois como o comando determina são assegurados os meios que garantam a celeridade da tramitação do processo (LENZA, 2007, p. 244).
A razoável duração do processo somente terá aplicação efetiva no direito brasileiro à medida em que a legislação contiver mecanismos processuais capazes de propiciá-la e o Judiciário estiver estruturado de modo quantitativa e qualitativamente capaz de absorver as demandas judiciais (MEDINA e WAMBIER, 2009, p.62).
Com o devido respeito à autoridade dos argumentos expendidos por MEDINA e WAMBIER, se se esperar que o Judiciário esteja estruturado para só então os cidadãos exigirem que o processo tenha duração razoável, não surtirá qualquer efeito a reforma constitucional. É sabido que as dotações orçamentárias devem ser inicialmente alocadas e posteriormente distribuídas de forma a possibilitar a execução dos serviços públicos a cargo do Estado. Mas nem por isso, dada a situação atual do país, pode-se simplesmente defender o contingenciamento de ações a cargo do Executivo nas áreas de segurança, saúde, moradia, previdência, assistência social, educação etc., em prol da criação de novos juízos país afora, mesmo que uma opção desta natureza represente conferir prestígio ao princípio da dignidade humana por meio de decisões judiciais que muitas vezes significam a última tábua de salvação daqueles que buscam a concretização de seus direitos.
A efetividade do novel direito fundamental não pode depender apenas de uma nova roupagem estrutural do Judiciário. Obter melhora em tal serviço público com os mesmos recursos, ou com os recursos que não comprometam a execução orçamentária de outras áreas igualmente sensíveis e reclamadas pela população, faz parte da missão. A tarefa desafia a criatividade principalmente dos dirigentes que compõem tal poder da República.
ASSIS (2008, pp.22-23), reformando anterior entendimento em defesa da expansão do aparato judiciário, expõe a inexistência de dados confiáveis que possam guiar soluções adequadas. Lembra que a Justiça é um serviço público e, como tal, subordina-se aos princípios gerais que lhe são próprios, sendo inútil o aumento da oferta, pois jamais se alcançará o nível das necessidades atuais. Ao contrário, realimentará a demanda[10]. Não haveria razões para se sustentar tal expansão. Exemplifica:
[...] a Justiça do Rio Grande não pode ser maior que a economia do Rio Grande. E é possível precisar seu custo à sociedade. Basta dividir o orçamento anual do Poder Judiciário gaúcho – previsto em R$ 1.400.000.000,00 para o ano de 2006 – pelo número de juízos. A menção a “juízo” decorre da necessidade de compreender no cálculo todos os serviços auxiliares de cada órgão judiciário. Feita a operação, não sem o risco de alguma simplificação do problema – o litígio, em si, e a demora em resolvê-lo também provocam custos sociais dignos de registro -, constatar-se-á que cada Juízo custa à sociedade rio-grandense a expressiva soma de R$ 2.000.000,00. Se acrescentarmos à conta os orçamentos do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Procuradoria do Estado, da Polícia Civil, da administração dos presídios e - porque utilizada nas funções de polícia judiciária – da Polícia Militar, os custos do aparato judiciário, no sentido largo do termo, deixarão de provocar escândalo tão-só entre os economistas. O constrangimento se torna geral. A mera dobra do número de juízos dependeria de acréscimos à arrecadação e elevação da já asfixiante carga tributária. Surpreende que os meios de comunicação não reajam de forma veemente contra a falta de equilíbrio nas atividades do Estado e hipertrofia judiciária.
Em seguida, adverte que se a convergência de opiniões no sentido de que a ampliação da estrutura Judiciária resolveria a questão prende-se à uma constatação curiosa. A defesa dessa política pública interessaria, obviamente, à comunidade jurídica:
É natural a pressão exercida pela verdadeira legião de novos bacharéis em Direito, formados por uma quantidade extraordinária de Faculdades, cujo aumento exponencial nos últimos 10 anos não tem justificativa plausível, e ansiosos para exercer sua profissão (...). Mas calha indagar: interessará à sociedade? Ao repartir as escassas verbas públicas – prioridades só importam perante a escassez -, ao integrante do Parlamento cabe decidir se destinará recursos, e em que montante, para todas as áreas, incluindo as da saúde e da educação, igualmente sensivelmente relevantes.
No mesmo sentido defendido por MEDINA e WAMBIER (2009), além de MARINONI (2009)[11], o incremento da máquina judiciária, para fins de implementação do direito à duração razoável do processo, também é lembrado por quem estuda as delegações de competência para o julgamento de determinadas causas, a exemplo das previdenciárias, pois considerando a possibilidade de ajuizamento na Justiça estadual, seria imprescindível dotar os aparatos judiciais locais dos instrumentos indispensáveis ao atendimento célere e efetivo do direito reivindicado (KAMINSKI, 2008, p.81).
Quando o dispositivo constitucional refere-se a meios necessários a garantir a celeridade da tramitação do processo judicial e administrativo, volta-se primordialmente ao Legislativo. Deve este poder traçar os procedimentos e as técnicas processuais idôneas a conferirem a tão sonhada duração razoável. Para tanto, o legislador deve desenhar procedimentos especiais para determinadas situações, voltados à aceleração do procedimento comum, e ainda instituir regras processuais capazes de permitir à parte construir o procedimento adequado ao caso concreto (MARINONI, 2009, p.15).
Na verdade, diante da abertura semântica dos vocábulos que compõem o dispositivo constitucional, não há como estabelecer um sentido único, fechado, sobre o alcance do direito fundamental. A indeterminação parece ser a marca da expressão “razoável duração do processo”.
Um processo com duração razoável é aquele em que está presente a justa ponderação entre o tempo necessário para o desenvolvimento de um procedimento contraditório, onde as partes possam exercer as posições ativas necessárias para garantir seu direito (ampla defesa), e o tempo dentro do qual foi apresentada a decisão pelo julgador, conforme bem sustenta ROCHA (2007, p.76).
O certo é que, para se chegar à efetivação de um processo com duração razoável, demanda-se um comportamento positivo do Estado como um todo. Como todos os direitos fundamentais, a sua concretização não se satisfaz com providências isoladas.
Como visto, do Legislativo espera-se a produção de normas processuais capazes de viabilizar um trâmite condizente com a garantia de outros tantos direitos fundamentais, especialmente os relacionados ao devido processo legal, sempre com base em dados confiáveis, extraídos da realidade social, sob pena de as medidas tornarem-se inócuas ou até mesmo produzirem mais demanda, o que só aumentará a lentidão que se busca combater.
Está claro que incumbe ao legislador traçar os procedimentos e as técnicas processuais idôneas a dar duração razoável ao processo (MARINONI, 2009, p.15).
Do Executivo deseja-se que a burocracia não emperre, com exigências indevidas por parte de administradores que muitas vezes extrapolam no seu mister de cumprir os comandos legislativos[12], a marcha processual, causando-lhes dilações indevidas. Mas não é só isso. Cabe a este Poder, por exemplo, estabelecer as dotações orçamentárias suficientes à uma boa prestação jurisdicional[13], sem se descuidar de outras prioridades, como já analisado. Além do mais, não pode se furtar ao dever de colaboração quando diante da efetivação de uma tutela jurisdicional, cumprindo-a bem e fielmente sem postergações ilegais, sem prejuízo da adoção de providências por parte de seu corpo de procuradores.
Ao Judiciário, por sua vez, cabe, diante do caso concreto, ponderar os bens jurídicos em disputa, garantindo-se às partes, como dito outrora, um processo efetivo.
Essa participação, ou melhor, responsabilidade atribuída ao Executivo, Legislativo e Judiciário foi muito bem pontuada por MARINONI (2009, pp. 12-13), quando recentemente assim se pronunciou:
O inciso LXXVIII do art.5º da Constituição Federal, quando se refere ao direito à duração razoável do processo, expressa que este direito requer os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Assim, explicita-se que o direito à duração razoável exige prestações positivas do legislador, do administrador e do juiz.
Seria possível dizer que o conteúdo desta explicitação estaria embutido no próprio direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art.5º, XXXV, da CF), que, ao também garantir a tempestividade da tutela jurisdicional, obrigaria o legislador, o administrador e o juiz à prestação dos meios imprescindíveis à outorga de celeridade ao processo.
O autor conclui que, não obstante, como a compreensão do direito de ação como direito à tutela jurisdicional efetiva (e tempestiva) constitui um processo de aprendizagem e de maturação, não há como deixar de ver a importância do inciso LXXVIII, inserido no art.5º pela Emenda Constitucional nº 45/2004, vez que passou a ser garantido por um postulado constitucional autônomo (inciso LXXVIII), tornando fora de dúvida o dever de o Estado dar tempestividade à tutela jurisdicional, mediante prestações do legislador, do administrador e do juiz.
Estudo do Prof. Nagib FILHO (2002, pp. 221-223) acerca da razoável duração do processo, ainda quando da aprovação em primeiro turno da dita reforma do “Poder Judiciário”, resume um pouco do que se disse acima, quanto à necessidade de se garantir um processo efetivo:
Os processualistas extraem do disposto no art.5º, XXXV, não só o direito de amplo acesso à jurisdição como deste o conseqüente direito à pronta reposta do juiz às demandas [...] Ressalte-se: o dispositivo declarou o direito já existente à razoável duração do processo e à celeridade de sua tramitação. Não se trata de “direito novo”, mas de direito já reconhecido pela Constituição e pelas leis e agora declarado, como reforço normativo, em texto específico, assim a afastar os entraves hoje existentes à sua concretização.
.....
Relevante, ao menos, o aspecto pedagógico do novo dispositivo: o cidadão tem direito ao processo administrativo e judicial, e, mais, direito à sua razoável duração e conseqüente celeridade de tramitação.
.....
As expressões razoável duração do processo e celeridade na sua tramitação caracterizam como processual o direito fundamental ora declarado [...]. Poder-se-ia dizer que a norma declara o direito fundamental de todos à eficiente realização do processo pelo qual se leva o pedido à cognição judicial ou administrativa: é, assim, direito ao processo eficiente, muito além do simples direito ao processo.
Ao se referir às instâncias judicial e administrativa, o texto indica que o processo é o atinente ao modo de decisão que concretiza e individualiza, no caso concreto, as normas genéricas e abstratas.
3. O Supremo Tribunal Federal e a razoável duração do processo
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) podem ser colhidas algumas vertentes que proporcionam uma compreensão adequada da extensão conferida ao direito à razoável duração do processo pelo Supremo Tribunal Federal.
Por exemplo, para o STF, tal direito pode fundamentar o deferimento da ordem de hábeas corpus, mesmo quando presentes os fundamentos da prisão preventiva ou em situação de flagrante delito. Mencione-se uma situação em que o próprio Min. Relator inicialmente reconheceu como devidamente fundamentado o decreto de prisão preventiva do paciente, diante da presença de alguns dos pressupostos do art.312 do Código de Processo Penal – CPP, quais sejam, a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal.
No entanto, ponderou-se que o preso estava encarcerado há quase dois anos e meio desde que fora preso em flagrante delito, demora esta que afrontaria vários “princípios” (dignidade da pessoa humana, art.1º, III, da CF/88; devido processo legal, art.5º, LIV, CF/88; presunção de inocência, art.5º, LVII), entre os quais, o da razoável duração do processo. A prisão cautelar por dois anos e meio, sem culpa formada, não seria razoável, tendo sido, na oportunidade, reiterado o entendimento da Corte no sentido de que “a demora na instrução e julgamento da ação penal, desde que gritante, abusiva e irrazoável, caracteriza o excesso de prazo, não sendo admissível manter uma pessoa sob coerção estatal, cautelarmente, por tempo indeterminado”.
A ordem então foi concedida de ofício.
Estabeleceu-se, nesse julgamento, considerando-se o paciente preso, uma relação direta, pura e simples, entre o transcurso do tempo de instrução e julgamento do pedido ministerial na ação penal e o novel direito fundamental de que aqui se cuida, que necessariamente contemplou um juízo acerca da razoabilidade, como não poderia ser diferente, vez que a própria norma constitucional, da forma como posta, assim expressamente o possibilita. A ementa do julgado é clara a respeito:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVAS DE HOMICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. 1. A duração prolongada da prisão cautelar afronta princípios constitucionais, especialmente, o da dignidade da pessoa humana, devido processo legal, presunção de inocência e razoável duração do processo. 2. A demora na instrução e julgamento de ação penal, desde que gritante, abusiva e irrazoável, caracteriza o excesso de prazo. 3. Manter uma pessoa presa cautelarmente por mais de dois anos é desproporcional e inaceitável, constituindo inadmissível antecipação executória da sanção penal. 4. Precedentes. 5. Ordem de habeas corpus deferida de ofício. (HC nº 86.915, de 21/02/06, DJ 16/06/06)
Acontece que para se identificar se um processo tramita com razoável duração, há fatores que influenciam em tal análise, como a complexidade da instrução probatória e a postura do réu, conforme decisão de 4/3/2008 (HC nº 87.550-5, DJE 09/05/08)[14], proferida pela Primeira Turma do STF.
Tratava-se de um caso em que estavam envolvidos sete réus, com expedição de diversas cartas precatórias, muitas delas requeridas para a oitiva de testemunhas arroladas pela própria defesa, não havendo nos autos, de acordo com o voto vencedor, qualquer indicativo de inércia por parte do Judiciário. Mesmo considerando a liberdade de alguns dos réus, não houve extensão da ordem ao paciente, tendo sido indeferida a ordem.
A simples verificação do prazo estabelecido na legislação penal não seria suficiente para justificar a concessão da ordem.
No mesmo sentido deste acórdão analisado, encontrou-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal os seguintes precedentes: HC nº 88.435/GO, HC nº 92.729/SP, HC nº 95.510/SP, HC nº 97.308/SP e HC nº 97.461.
Em outra oportunidade[15], a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal deferiu a ordem por considerar afrontado o “princípio” da razoável duração do processo, vez que a demora no desfecho da ação penal não poderia ser imputado ao réu[16], preso preventivamente há quase três anos, sem ter dado causa, por exemplo, à anulação de duas sentenças de pronúncia. De acordo com a Min. Carmem Lúcia,
A demora injustificada para encerramento do processo criminal, sem justificativa plausível ou sem que se possam atribuir ao Réu as razões para o retardamento daquele fim, ofende princípios constitucionais, sendo de se enfatizar o da dignidade da pessoa humana e o da razoável duração do processo (art.5º, incisos III e LXXVIII, da Constituição da República). A forma de punição a ser definida para quem quer que seja haverá de ser aquela definida legalmente, sendo a mora judicial, enquanto preso o Réu ainda não condenado, uma forma de punição sem respeito ao princípio do devido processo legal.
Em voto condutor de lavra do Min. Carlos Britto, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, além de correlacionar o direito à razoável duração do processo ao contraditório e à ampla defesa, afirmou que a gravidade da imputação não pode obstar no caso concreto o direito ao desfecho do processo em um prazo razoável. O acórdão restou assim ementado:
HABEAS CORPUS. PRISÃO CAUTELAR. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. INSTRUÇÃO CRIMINAL INCONCLUSA. ALONGAMENTO PARA O QUAL NÃO CONTRIBUIU A DEFESA. COMPLEXIDADE E PECULIARIDADES DO CASO NÃO OBSTAM O DIREITO SUBJETIVO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. RETARDAMENTO INJUSTIFICADO DO FEITO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal entende que a aferição de eventual excesso de prazo é de se dar em cada caso concreto, atento o julgador às peculiaridades do processo em que estiver oficiando. 2. No caso, a custódia instrumental do paciente já ultrapassa 3 anos, tempo superior até mesmo a algumas penas do Código Penal. Prazo alongado, esse, que não é de ser imputado à defesa. 3. A alegada gravidade da imputação não obsta o direito subjetivo à razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da CF). 4. Ordem concedida. (HC Nº 89.622/BA, julgado em 03/06/08, DJe 19/09/08)
No voto, o eminente relator assim se pronunciou:
Afinal, o reconhecimento constitucional do direito ao julgamento em prazo razoável é, antes de tudo, o coroamento da idéia de que, para ser eficaz, o processo penal não precisa se despir de sua clássica feição garantista. Ao contrário, a eficácia do exercício do poder punitivo do Estado somente se viabiliza no entrecruzar do tempo de julgamento e do respeito aos direitos e garantias individuais de matriz constitucional.
Não pode ser diferente à luz de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo. É falar: tenho que, em matéria penal, o prazo razoável para o julgamento é aquele timbrado pelo integral respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa. Qualquer outra interpretação colidiria com o denso bloco de garantias penais e processuais que se lê no art.5º da Constituição Federal.[17]
Com efeito, de nada valeria declarar com pompa e circunstância o direito à razoável duração do processo, se a ele não correspondesse o dever estatal de julgar com presteza. Dever que é uma das vertentes da altissonante regra constitucional de que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (inciso XXXV do art.5º).
Apesar de restringir o seu raciocínio ao processo penal, pode-se estendê-lo a quaisquer outros processos, judiciais e administrativos.
O alcance do direito à duração razoável do processo não prescinde, em seu interior, do respeito ao contraditório e à ampla defesa constitucionalmente garantidos. Ou seja, a duração de um processo não pode ser vista apenas pelo viés do cumprimento de um determinado prazo processual.
Importante é que se julgue com presteza, com respeito aos demais direitos e garantias fundamentais envolvidos na relação jurídica.
4. Considerações finais
Como visto no corpo deste artigo, até mesmo em razão da localização do dispositivo no texto constitucional, a razoável duração do processo trata-se de um direito fundamental a informar aos litigantes que estes podem exigir do Estado uma atitude ativa, no sentido de que os processos administrativos ou judiciais tenham desfecho em um prazo razoável, devendo este mesmo Estado propiciar os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
O Supremo Tribunal Federal não aparta tal direito de outros direitos e garantias fundamentais, o que vai ao encontro do que sustenta a doutrina.
Confirma-se, portanto, a hipótese levantada, qual seja, a de que a interpretação e aplicação do direito à razoável duração do processo leva em conta outros direitos fundamentais envolvidos no caso concreto. A seguinte passagem do voto do Min. Carlos Britto no HC nº 89.622/BA (1ª Turma, julg. 03/06/08) é enfática nesse sentido:
[...] a eficácia do exercício do poder punitivo do Estado somente se viabiliza no entrecruzar do tempo de julgamento e do respeito aos direitos e garantias individuais de matriz constitucional. Não pode ser diferente à luz de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo. É falar: tenho que, em matéria penal, o prazo razoável para o julgamento é aquele timbrado pelo integral respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa.
A igual constatação chegou OLIVEIRA (2007, p. 54), quando analisou com profundidade o conteúdo do direito à razoável duração do processo. A autora assim se pronunciou:
[...] o dispositivo de que trata o inciso LXXVIII, do art.5º, da Constituição Federal de 1988, aqui estudado, é um Direito Fundamental, porquanto verse sobre matéria constitucional. Também o é do ponto de vista formal, pelo tão só fato de estar contido no texto, e também por estar localizado na parte especificamente destinada a um elenco de Direitos Fundamentais, como ocorre na experiência brasileira, com o artigo 5º, Constituição Federal de 1988, donde a Duração Razoável dos Processos foi inserido em 2004.
Ainda em respeito ao cânone da totalidade e imanência, não podemos deixar de lembrar que o legislador infraconstitucional, por meio das reformas que estão sendo acrescentadas ao Código de Processo Civil ao longo de seus mais de trinta anos de vigência, vem desenvolvendo instrumentos processuais que visam dar celeridade ao processo judicial por meio de abreviações do procedimento, ou mesmo, supressão de atos processuais. Isso, à primeira vista, poderia ser considerado inconstitucional à luz dos demais direitos e garantias fundamentais, pois estaria suprimindo a garantia do devido processo legal. À medida que se expressa em nível constitucional também o Direito Fundamental a uma Duração Razoável do Processo, o cânone da totalidade e da harmonização, aplicado ao texto constitucional é fator determinante para interpretar adequadamente essa inovação legislativa. Daí que um processo que dure apenas o razoável não pode ser excessivamente célere a ponto de suprimir o contraditório ou a ampla defesa.
Não há qualquer impropriedade quando se considera a razoável duração do processo como sendo um direito fundamental, de aplicabilidade imediata, mesmo para quem lhe atribua um alcance mais reduzido.
O Supremo Tribunal Federal ao analisar o suposto excesso de prazo de uma prisão cautelar, por exemplo, em que está em discussão o direito fundamental à liberdade e o próprio postulado da dignidade da pessoa humana, analisa-o à luz da razoável duração do processo que, por sua vez, também leva em conta outros direitos fundamentais, a exemplo do contraditório e da ampla defesa.
Quanto ao emprego da expressão “garantia fundamental”, não há qualquer impropriedade, quando se considera que ao direito à razoável duração do processo corresponde a garantia, já explicitada no mesmo dispositivo, de que o Estado deve proporcionar os meios que levem à celeridade de sua tramitação. Ou, sob outro viés, corresponde à garantia de o Judiciário ou a Administração não estabelecer dilações indevidas na marcha processual. A ordem jurídica constitucional institui garantias fundamentais como forma de proteção a diversos tipos de direitos declarados.
Conclui-se, apesar de ainda serem poucas as decisões que cuidam do tema, que o Supremo Tribunal Federal, ao menos momentaneamente, vem levando em conta a eficácia imediata do direito fundamental à razoável duração do processo, sem se descuidar de outros direitos fundamentais igualmente relevantes. Não o toma como simples direito à celeridade, tampouco o considera como uma determinação para a observância de prazo, como desejam alguns que se ocupam de estudar o tema, inclusive com a tese de que o descumprimento levaria o Estado ao dever de indenizar.
Até em um contexto de privação de liberdade, há casos em que, mesmo com a caracterização de uma demora incomum no processamento da ação penal a representar antecipação do cumprimento da pena, o Supremo Tribunal Federal leva em conta alguns parâmetros, a exemplo da complexidade da causa, do comportamento das partes e mesmo a atuação estatal, para fins de verificação da razoabilidade.
De acordo com as decisões proferidas pelo STF, o direito à razoável duração do processo deve ser resguardado em um contexto de preservação a outros direitos constitucionalmente assegurados. A Corte busca realizar uma interpretação que envolva toda a Constituição, como não poderia ser diferente, resguardando-se com isso os demais direitos fundamentais envolvidos em cada caso concreto, ainda que alguns cedam parcela de sua eficácia à concretização de outros.
É verdade que o dispositivo constitucional desperta ainda muitas dúvidas sobre o seu sentido[18], mas não se pode negar que o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, não o tem esquecido.
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[1] Art.5º, §2º, da CF/88. A mesma reforma constitucional de 2004 acrescentou ainda ao art.5º o §3º, que recebeu a seguinte redação: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
[2]http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=1992&Numero=0096&sigla=PEC (acesso em 15/04/2010).
[3] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm. Acesso em 06/05/2010.
[4] Disponível em http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx. Acesso em 15/04/2010.
[5] Disponível em http://www.cddhcu.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/1.pdf. Acesso em 15/04/2010.
[6] Tradução livre: Artigo 17. Nenhuma pessoa poderá fazer justiça por si mesma, nem exercer violência para reclamar seu direito. Toda pessoa tem direito a que a justiça lhe seja conferida por tribunais que serão rápidos para concedê-la nos prazos fixados pelas leis, emitindo suas decisões de maneira pronta, completa e imparcial.
[7] Tradução livre: “A jurisdição se implementa mediante um justo processo regulado por lei. (...) A lei prevê a duração razoável”.
[8] Convenção aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 27, de 25/09/92, e promulgada pelo Decreto nº 678, de 06/11/92.
[9] Estes parecem ser os parâmetros adotados também pelo Supremo Tribunal Federal, consoante julgados adiantes analisados.
[10] O autor exemplifica com a criação dos Juizados Especiais Federais, pela Lei nº 10.259, de 12/07/2001: “Os Juizados Especiais foram dimensionados considerando a quantidade e a qualidade dos litígios então pendentes nas Varas federais. Tão logo se anunciou com o estrépito dos meios de comunicação social o serviço, contudo, observou-se o recrudescimento da demanda, surgindo novos e variados litígios. O colapso não se mostra iminente, conforme testemunham seus zelosos e idealistas participantes; porém, tampouco atingiu a brevidade almejada.”.
[11] Para o autor, ao Executivo, diante do direito fundamental, cabe uma prestação de caráter econômico, que denominou de “dever de dotação”. O Judiciário necessita de orçamento adequado, sendo o Estado obrigado a reservar parte de sua receita para dotá-lo de forma a lhe permitir prestar a tutela jurisdicional de forma efetiva e célere.
[12] De igual forma, no afã de regulamentar as leis, não pode o chefe do Executivo na sua competência constitucional de editar Decretos, bem como outras autoridades responsáveis pela edição de atos normativos, sem motivação plausível, estender a marcha processual além do razoável, ainda que contemplem um discurso jurídico acerca da proteção do interesse público.
[13] Tal entendimento é compartilhado, por exemplo, pelo Min. Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que já se pronunciou no sentido de que o “Estado há de aparelhar-se para julgar os processos-crimes em tempo razoável, especialmente quando se trata de réu preso. É o que está pedagogicamente explicitado na Constituição Federal” (HC 93.443/9, 1ª Turma).
[14] Habeas corpus. Processual Penal. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Complexidade da instrução probatória. Precedentes. 1. Afigura-se razoável o prazo da prisão cautelar diante da complexidade da causa e da respectiva instrução probatória, na qual são investigados sete réus, com a expedição de diversas cartas precatórias para oitiva de testemunhas, inclusive arroladas pela própria defesa, não havendo, nos autos, nenhum indicativo de que tenha havido inércia por parte do Poder Judiciário. 2. Habeas corpus denegado.
[15] HC nº 87.721/PE, julgado em 15/08/06, DJ 07/12/06.
[16] No julgamento do HC nº 89.622/BA, de 03/06/08, DJe 19/09/08 (custódia instrumental do paciente há mais de três anos, demora que não pode ser imputada à defesa), a ser comentado adiante, deixou-se claro que “a alegada gravidade da imputação não obsta o direito subjetivo à razoável duração do processo”. No mesmo sentido o HC nº 93.523/SP (1ª Turma, julgado em 29/04/08, DJe 17/10/08).
[17] Em igual sentido, HC nº 93.523/SP, julg. em 29/04/08, DJe 17/10/08; HC nº 93.784/PI, julg. em 16/12/08, DJe 23/10/09; HC nº 93.786/ES, julg. em 17/06/08, DJe 31/10/08.
[18] “Embora a razoável duração do processo constitua tema cuja avaliação comporte certa dose de subjetividade, não é difícil constatar, caso a caso, de forma objetiva, a ocorrência de eventuais excessos” (HC 88.610/RJ, julg. 05/06/07, DJ 22/06/07).
Conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), Mestre em Direito e Especialista em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEIRO, Eduardo Martins Neiva. A importância do direito fundamental à razoável duração do processo: nunca é demais lembrá-la! Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 fev 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38238/a-importancia-do-direito-fundamental-a-razoavel-duracao-do-processo-nunca-e-demais-lembra-la. Acesso em: 22 nov 2024.
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