Marilza Elorza Carneiro[1]
Resumo: A presente pesquisa será embasada na doutrina e na legislação pátria atinente ao acesso à educação e inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns de ensino regular e o atendimento educacional especializado. Partindo do levantamento da evolução histórica do tema serão analisados os instrumentos normativos decorrentes de tratados internacionais, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Para tanto, será utilizado o método lógico dedutivo e a pesquisa bibliográfica e legal. O objetivo do presente trabalho é apresentar a inclusão como um direito humano fundamental capaz de propiciar a inserção social.
Palavras-chave: inclusão – alunos com necessidades educacionais especiais – direito fundamental.
“Deficiente é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino”
(Mario Quintana)
INTRODUÇÃO
O presente artigo fará uma breve ilustração acerca da inclusão escolar dos portadores de necessidades especiais como direito fundamental.
Inicialmente analisaremos a evolução histórica da educação especial, primeiro na sua perspectiva exclusiva e após em sua análise inclusiva.
Na seqüência apresentaremos ainda, os instrumentos normativos que regulamentam a educação especial no cenário nacional, iniciando pela regulamentação constitucional dada ao tema e perpassando pela legislação infraconstitucional e tratados internacionais atinentes a educação especial dos quais o Brasil é signatário.
Por derradeiro, demonstraremos a inclusão escolar como direito fundamental propiciador de inserção social e instrumento de redução da marginalização e discriminação.
1 – Educação Especial x Educação Inclusiva: evolução histórica
Hodiernamente muitas são as formas de exclusão social, geralmente decorrentes de preconceitos, desigualdades e total desrespeito ao próximo e sua diversidade.
Neste sentido a escola, tanto pode ser um ambiente de transformação e inclusão – como se pretende demonstrar nesta pesquisa – como pode ser um ambiente de exclusão através da homogeneização e perpetuação das diferenças, segregando todos os que não se enquadram nos modelos padronizados como ideal ou normal.
A escola ao longo da história, infelizmente já se apresentou e ainda por vezes se apresenta como local propício a institucionalização das relações de poder, destinando-se a um aluno-modelo, destinado a transmissão de conhecimentos e desta forma, pode ser analisada como mais uma instituição para reforçar as relações de poder e de gênero, pois conforme enfatiza Foucault (1998), todo ponto de exercício de poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber.
Neste sentido, convém ainda mencionar que:
“A escola é, na teoria tradicional, uma instituição ou um aparelho do Estado, tanto na visão positivista de Émile Durkhein (1978) como nas versões críticas de Louis Althusser(s/d) e Pierre Bourdieu (1990). A escola tem uma história documentada, geralmente escrita a partir do poder estatal, que destaca sua existência homogênea. Assim entendida, a instituição escolar é difusora de um sistema de valores universais ou dominantes, transmitidos sem modificações” (FERREIRA;GUIMARÃES, 2003)
Sabemos que a escola já apresentou diversas formas de segregar: antigamente as escolas para homens e mulheres eram separadas e o conteúdo destas distinto, os negros e indígenas no Brasil por muitos anos não tiveram acesso à educação formal, assim como os portadores de necessidades especiais também não tinham acesso à educação e quando tinham era de forma segregada geralmente em instituições especializadas, privadas, filantrópicas, que conforme lição de Ferreira primavam pelo caráter multidisciplinar/multiprofissional, reunindo atividades de assistência, reabilitação, saúde e escolarização (FERREIRA, 2006, p. 87).
No que se refere à exclusão do portador de necessidades especiais, objeto de nosso trabalho, encontramos na história da humanidade diferentes posturas atinentes aos antigamente denominados portadores de deficiência e atualmente denominados portadores de necessidades educacionais especiais. Parafraseando Ferreira e Guimarães, percebemos que até o século XVI os deficientes eram vistos como frutos de forças sobre-humanas e, portanto, passíveis de extermínio, perseguição, rejeição, negligência ou exclusão; no período compreendido entre o século XVII até o século XVIII as causas das deficiências seriam biológicas e, por tal motivo, os deficientes deveriam ser confinados em hospitais, asilos ou institutos; no século XIX, a nomenclatura muda de deficiente para excepcional e esta é atribuída à privação de estímulos, iniciando a educação para pessoas com deficiências em instituições separadas; no século XX (até 1970) adota-se a concepção interacionista e a educação básica começa a ser democratizada, criando classes especiais e de apoio e no século XX (a partir de 1970) inicia-se a discussão sobre integração/inclusão das crianças com deficiência no sistema regular de ensino. (FERREIRA; GUIMARÃES, 2003,p. 90/97)
Com a evolução da educação no cenário brasileiro, muitas mudanças aconteceram, pois juridicamente todos têm direito à educação básica gratuita, sem distinção de sexo, raça, cor ou credo, sendo tal direito garantido constitucionalmente, estando, portanto, as pessoas portadoras de necessidades especiais contidas nesse conceito de ‘todo’, sendo que as estas além de garantido o direito de acesso à educação básica – regular – também é garantido o atendimento educacional especializado.
Ocorre, entretanto, que muitos ainda são os estereótipos acerca do tema o que incute nos profissionais da educação baixa expectativas em relação ao papel transformador da educação, tais como a associação da pobreza com o fracasso escolar, as criticas aos pais pelo desinteresse das crianças pelos conteúdos escolares e a clássica alegação de que o governo não gasta dinheiro suficiente com a educação, não que tais fatores não influenciem nos resultados alcançados pelo processo educacional, todavia, não podem ser determinantes.
Especificamente, no que tange a educação especial, por muito tempo – e na maior parte do território nacional até os dias atuais – entendeu-se que esta se tratava de uma modalidade de educação, assim as crianças rotuladas como normais freqüentavam as escolas de educação básica e as crianças rotuladas com deficientes/excepcionais/especiais freqüentavam a escola especial.
Desta maneira, os portadores de necessidades especiais até tem/tinham acesso a algum tipo de educação, entretanto, de maneira segregada e com conteúdos distintos.
Contudo, a educação especial nestes moldes – em escolas especiais/classes especiais – não propicia a educação inclusiva preceituada pela Constituição Federal e diversos tratados internacionais que analisaremos na seqüência. Nota-se, portanto, que quando os portadores de necessidades especiais são atendidos por instituições de ensino especiais, segregadas, não estaremos diante de inclusão, mas sim de integração. Mittler, neste sentido afirma que: “A integração envolve preparar os alunos para serem colocados nas escolas regulares, o que implica um conceito de ‘prontidão’ para transferir o aluno da escola especial para a escola regular” (MITTLER, 2003, p. 34)
Ressalta ainda Stainback que:
“(...)as práticas segregacionistas do passado tiveram efeitos prejudiciais às pessoas com deficiência, às escolas e à sociedade em geral. A idéia de que poderiam ser ajudadas em ambientes segregados, alijadas do resto da sociedade, fortaleceu os estigmas sociais e a rejeição. Para as escolas regulares, a rejeição das crianças com deficiência contribuiu para aumentar a rigidez e a homogeneização do ensino, para ajustar-se ao mito de que, uma vez que as classes tivessem apenas alunos normais, a instrução não necessitaria de outras modificações ou adaptações(...)” (STAINBACK,1999, p. 43/44)
A educação inclusiva pode não ser o caminho mais fácil a ser percorrido pelos profissionais da educação, principalmente em virtude de diferentes mazelas encontradas em nossas escolas públicas, porém, compete ao Poder Público e a todos os agentes do processo educativo (alunos, pais, professores, gestores) procurar soluções, caminhos para sua implementação, precisamos fugir do lugar comum, ou seja, da falácia de que é melhor para o portador de necessidades educacionais especiais freqüentar escolas especiais, tendo em vista que estas possuem melhores equipamentos e recursos materiais, bem como profissionais especializados, pois tais instituições apesar destas características materiais segrega, aliena tais pessoas do convívio social e, por vezes sequer oferecem conteúdo pedagógico, trabalhando com conteúdos destinados a higiene pessoal, alimentação e comunicação, não propiciando a qualificação para vida social e para o trabalho.
Entre os especialistas em educação e direito educacional é pacífico que a educação tem papel transformador, vez que não se restringe à transmissão de conhecimentos historicamente acumulados (educação bancária), mas acima de tudo é a escola espaço propicio ao convívio social, a troca de experiências, conhecimentos e valores, enfim deve ser constituída da diversidade humana que integra a sociedade brasileira, devendo desta forma, ser garantido as pessoas com necessidades educacionais especiais a inclusão neste ambiente de convivência social.
Destarte, as crianças portadoras de necessidades especiais têm direito a educação inclusiva – direito fundamental, ou seja, têm o direito à vaga nas escolas de educação básica regular e não mais em escolas especiais, transpondo a fase de educação exclusiva para educação inclusiva, onde tanto os alunos ditos especiais e normais são beneficiados pois convivendo com a diversidade têm a oportunidade de valorizarem a cooperação, o respeito e o valor social da igualdade.
2 – Instrumentos normativos que regulamentam o acesso à educação aos portadores de necessidades educacionais especiais.
O acesso à educação é direito público subjetivo que deve ser garantido a todos, inclusive aos portadores de necessidades educacionais especiais. Sobre o tema, diferentes regulamentações foram expedidas, sejam na órbita internacional, federal, estadual e municipal. No presente trabalho apresentaremos sinteticamente os principais instrumentos normativos internacionais e federais sobre o tema.
2.1. Constituição Federal
A Constituição Federal brasileira de 1988 dedicou capítulo próprio para regulamentar o direito à educação – Capítulo III (artigos 205 a 214) – bem como tratou do tema nos artigos 6º; 7º, XXV; 23, V; 30, VI; devendo para análise constitucional do tema ainda ser analisado o princípio da dignidade da pessoa humana esculpido no artigo 1º, III e no objetivo fundamental de redução das desigualdades sociais preceituadas no artigo 3º, III.
Dos mencionados artigos merecem destaque no que concerne ao acesso à educação dos portadores de necessidades educacionais especiais o art. 205 que em síntese define a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, objetivando o pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para cidadania e para o trabalho, enumerando, ainda o art. 206 os princípios basilares do ensino, merecendo destaque para o nosso tema, o inciso I, que garante a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. O art. 208, III por sua vez garante “ atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”, estabelecendo o art. 211 um regime e colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que tange ao sistema de ensino.
Ainda, no art. 227 estabelece a Constituição Federal que, entre outros direitos no caput deste artigo estipulados, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à (...) educação”, estabelecendo, ainda no §1º, II “criação de programas de prevenção e atendimento especializados para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”
No art. 6º enumera a Constituição Federal a educação como direito social, essencial nas palavras de Fiorillo ao piso vital mínimo (2005), no 7º, XXV estipula o direito à creche aos menores de 05 (cinco) anos , por sua vez o art. 23, V estipula como competência comum entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a obrigatoriedade de proporcionar os meios de acesso à educação e por derradeiro o art. 30, VI a competência municipal para manter a educação infantil e o ensino fundamental.
Ainda, para uma correta hermenêutica constitucional sobre o tema, conforme mencionado devemos analisar todos os artigos acima especificados, conjuntamente com o art. 1º, II e III que estipula como fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania e a dignidade da pessoa humana e com o art. 3º que enumera os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, principalmente, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; erradicação da marginalização e redução das desigualdades e promoção do bem de todos, sem preconceitos ou discriminação.
Da leitura dos artigos constitucionais mencionados constatamos a preocupação do constituinte em tutelar o direito à educação formal e suas modalidades de ensino, garantindo a todos o acesso à educação, proibida qualquer forma de limitação ou exclusão. Destarte, qualquer texto normativo que pretenda excluir qualquer pessoa do direito à educação, ou limitar seu acesso com quaisquer regras é eivada de nulidade, vez que inconstitucional.
Se o texto constitucional não exclui, tampouco limita o acesso à educação, notório que a educação especial exclusiva em instituições ou classes especiais fere o texto constitucional, pois este conforme observamos da leitura do art. 208, III, preceitua o atendimento educacional especializado aos deficientes, não havendo qualquer menção a educação especial segregada.
Ressalte-se que o termo preferencialmente utilizado no mencionado artigo não autoriza a educação especial segregada como ainda encontramos no território nacional, erroneamente tentam alguns interpretar tal texto no sentido de que a educação dos deficientes deva acontecer preferencialmente na escola regular, entendendo o termo como alternativa do local da prestação do ensino as pessoas com deficiência, que poderá ser na escola regular (preferência) ou em instituições/classes segregadas, alegando, ainda esta possibilidade nos casos mais severos.
Contudo, a alternativa lançada pelo texto constitucional, refere-se apenas ao atendimento educacional especializado, ou seja, é somente este que deverá ser preferencialmente prestado na escola regular, possibilitando, portanto, parcerias com outras instituições na prestação de tal atendimento, valendo-se da experiência amealhada pelas instituições que antes realizavam a educação especial exclusiva.
Conclui-se, portanto, que os dispositivos constitucionais em tela garantem ao deficiente o acesso a todos os níveis de ensino, o direito a uma educação de qualidade, garantido ainda a este um atendimento educacional especializado o qual pressupõe recursos educativos diferenciados conforme a deficiência para que o mesmo possa aprender e se desenvolver, tais como braile, libras, acessibilidade arquitetônica etc.
Esclarecemos, ainda que o atendimento educacional especializado não se confunde com a educação especial segregada, pois a Constituição Federal não preceituou uma educação especial para os deficientes, mas sim uma educação para todos associada a um atendimento educacional especializado aos deficientes.
Neste diapasão o direito à educação, como direito fundamental preceituado pelo art. 6º da Constituição Federal, associado aos artigos 205 e 208, III somente será garantido através de uma educação inclusiva de qualidade em igualdade de condições, sem preconceito e discriminação, com garantia de acesso e permanência na escola regular e atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, em todos os níveis de escolaridade.
Assim, conforme doutrina constitucional pátria “a clareza do dispositivo constitucional e de suas disposições não deixa dúvida quanto ao fato de que o direito público subjetivo à educação envolve toda a educação básica, nela incluídas a educação atinente aos que sejam portadores de deficiência (...)” (ARAÚJO, 2010, p. 517)
2.2. Estatuto da Criança e do Adolescente
Na esfera infraconstitucional merece destaque no que tange ao direito ao acesso à educação pelos portadores de necessidades educacionais especiais o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº 8069/1990.
Primeiramente, cumpre destacar que define referido estatuto em seu artigo 2º criança como sendo o menor de 12 anos e adolescente os que possuam entre 12 e 18 anos.
Na seqüência em seu art. 3º garante a criança e ao adolescente o respeito aos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, entre estes, portanto, à educação. Reforçando, ainda no art. 4º que é dever da família, da sociedade e do Poder Público assegurar-lhes à educação. Neste sentido, toda criança e adolescente têm direito à educação, prevendo no art. 5º punição na forma da lei ao desrespeito a este direito.
Além dos artigos já mencionados o E.C.A. dedica capítulo especial para o direito à educação – Capítulo IV, que compreende os artigos 53 a 59, dentre os quais o art. 54, III prevê o dever do Estado de assegurar a criança e ao adolescente o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular, estabelecendo, ainda em seu § 1º que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”.
Destarte, assim como preceituado tanto pela CF quanto pelo ECA, todas as pessoas, compreendida entre estas as crianças e os adolescentes, tem direito à educação, tendo assegurado o acesso ao ensino fundamental gratuito e concomitante a este o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular, ou seja, o acesso ao ensino fundamental na rede regular é obrigatório, o que pode ser prestado pela rede regular – preferencialmente – ou por outras instituições é apenas o atendimento educacional especializado.
2.3. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Ainda, na esfera infraconstitucional mister analisar alguns dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96, atinentes a inclusão dos portadores de necessidades educacionais especiais.
Inicialmente o art. 1º da LDB estabelece que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”, entretanto, embora a educação com base no caput deste artigo possa ser formal e não-formal, estabelece em seus parágrafos que a lei regulamentará a educação escolar e que esta deva ser vinculada ao trabalho e à prática social.
O art. 2º por sua vez estabelece a educação como dever da família e do Estado e estabelece como objetivo desta o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Na seqüência o art. 3º estabelece os princípios em que deve ser pautado o ensino (incisos I a XI) e finalmente, no art. 4º, III estabelece o atendimento educacional especializado aos educandos com necessidades especiais, conforme já preceituado pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente, também preceituando que o mesmo deverá ser prestado preferencialmente na rede regular de ensino.
E, somente no art. 58 regulamenta a educação especial, dispondo que a mesma é uma modalidade de educação escolar que deve ser ofertada preferencialmente na rede regular de ensino, prevendo ainda serviços de apoio especializado e o atendimento em classes ou escolas especializadas, conforme as condições específicas dos alunos, estabelecendo a mesma que a educação especial é dever constitucional do Estado.
Em complementação a regulamentação da educação especial, estabelece o art. 59 em seus incisos I a V o que os sistemas de ensino devem assegurar aos educandos com necessidades especiais, tais como currículos, métodos, técnicas e recursos específicos à necessidade, terminalidade, professor especializado, educação voltada ao trabalho e acesso aos programas sociais suplementares.
Destaque-se, ainda que o art. 60 estabelece os critérios para apoio técnico e financeiro do Poder Público para as instituições privadas sem fins lucrativos que ofereçam educação especial, estabelecendo, contudo que o ideal seja a ampliação do atendimento na rede pública regular.
Elucidados os artigos da L.D.B. que dispõe sobre a temática do presente trabalho, convém fazermos algumas ponderações. Vejamos:
Da análise do art. 21 constata-se que a educação formal, ou seja, a ofertada em escolas regulares é composta pela educação básica – que engloba a educação infantil (creches e pré-escolas), o ensino fundamental (ciclo I – 1º ao 5º ano e ciclo II – 6º ao 9º ano) e o ensino médio – e pela educação superior. Desta maneira a educação especial regulamentada pelos artigos 58 a 60 não esta no rol do que denominamos nível de ensino, logo, ela não exclui a educação em salas/classes regulares.
A educação especial especificada nos mencionados artigos referem-se apenas a um direcionamento dado ao educando com necessidades especiais conforme a deficiência/necessidade que apresente.
Ademais, analisando os preceitos contidos na LDB e consonância com a Constituição Federal, observamos que a educação escolar deve ser ministrado em condições igualitárias e garantido condições propicias ao acesso e a permanência na escola, essa obrigatoriedade de isonomia, veta qualquer dispositivo que se revele excludente ou limitador deste direito fundamental – o acesso à educação.
Neste diapasão a inclusão da pessoa com necessidades educacionais especiais na escola regular se apresenta como um direito público subjetivo e fundamental, não podendo sofrer quaisquer restrições. O que por certo, constata-se da leitura conjunta da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação é que além de terem acesso à educação escolar regular, terá o aluno com necessidades educacionais especiais direito ainda ao atendimento educacional especial, esta ofertada preferencialmente na própria rede regular ou em outra instituição especializada.
A Constituição Federal em seu art. 208, III dispõe neste sentido, ou seja, o atendimento educacional especializado (AEE) concomitante ao ensino regular e não educação especial exclusiva, tendo em vista que a possibilidade de escolha se refere apenas ao oferecimento do AEE na rede regular ou na especial, mas não a educação do portador de deficiência na escola regular ou na escola especial.
Flagrante, portanto, que o atendimento educacional especializado não se confunde com a educação especial, sendo ainda que esta não tem qualquer previsão constitucional. Conforme amplamente demonstrado educação é para todos e deve ser de qualidade, oferecida em igualdades de condições, sem preconceitos ou discriminações e, para tanto, cada aluno conforme suas necessidades merecerá tratamento diferenciado para progredir e permanecer em seus estudos. Assim o aluno cego deverá ter equipamentos adequados, o cadeirante acessibilidade, o surdo-mudo interprete de Libras etc., além de atendimento educacional especializado para que possa avançar em seus estudos.
A educação inclusiva tem o condão de garantir além do acesso ao conhecimento historicamente acumulado, convívio social e contato com a diversidade cultural, racial, econômica etc.
2.4. Tratados e convenções internacionais
Sobre a inclusão escolar dos portadores de necessidades educacionais especiais ainda convém analisar alguns tratados e convenções internacionais que regulamentam o tema. Vejamos:
2.4.a. Declaração Universal dos Direitos Humanos
A Assembléia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1948 proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhecendo a dignidade inerente toda pessoa humana, esculpindo direitos atinentes a liberdade e a igualdade, estabelecendo, ainda o ensino e a educação como instrumento para promover tais direitos.
Especificamente em seu art. XXVI, a Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que toda pessoa tem direito a instrução elementar, determinando sua obrigatoriedade e pautada no pleno desenvolvimento da personalidade humana, na compreensão, tolerância, amizade e paz.
Destarte, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos a educação atingiu status de direito humano fundamental.
Sobre referida declaração o psicólogo Jean Piaget, quando analisou seu art. 26 discorreu que “falar de um direito à educação é, pois, em primeiro lugar, reconhecer o papel indispensável dos fatores sociais na própria formação do indivíduo” (PIAGET, 1988, p.29).
2.4.b. Declaração Mundial sobre Educação para Todos – Jomtien, 1990
Entre os dias 5 a 9 de março de 1990, reuniram-se em Jomtien – Tailândia, os participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, relembrando a educação como direito fundamental de toda pessoa humana em qualquer lugar do mundo e como caminho para um mundo seguro, desenvolvido, justo e pacífico.
Reconhecendo a importância da educação para o mundo referida declaração determinou a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem e em seu art. 3º trouxe a necessidade de universalizar o acesso à educação, especificando no item 5, do referido artigo que referida universalização engloba o acesso das pessoas portadoras de deficiência.
2.4.c. Declaração de Salamanca – Espanha, 1994
Entre os dias 07 a 10 de junho de 1994, em Salamanca – Espanha – se reuniram os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, os quais reafirmaram os compromissos de uma educação para todos, estabelecendo princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais.
Referida declaração endossou a educação inclusiva e o desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos os programas educacionais, estabelecendo como princípio basilar o acesso à escola a qualquer criança independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras.
2.4.d. Convenção interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiências – Guatemala, 1999
Em 28 de maio de 1999, na Guatemala, foi aprovada a Convenção interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiências, sendo esta posteriormente promulgada no Brasil, pelo Decreto nº 3.956, de outubro de 2001.
A convenção em análise reafirma que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano e tem como objetivo prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade.
2.4.e. Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão – Canadá, 2001
Em 05 de junho de 2001, foi aprovado em Montreal – Canadá – a Declaração Internacional sobre Inclusão, a qual objetivou demonstrar a importância da inclusão, não apenas para o incluído, mas para toda sociedade, enfatizando o papel dos governantes para facilitar e monitorar a implementação de políticas e práticas inclusivas e o papel de todos nesse processo: governantes, empresários, empregadores e sociedade civil.
2.5.f. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU 2007
Em 30 de março de 2007 foi aprovada em Nova Iorque, em sessão solene da Organização das Nações Unidas (ONU), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com o objetivo de tornar efetivos os direitos das pessoas com deficiência, entre estes o direito a educação, a não-discriminação, a acessibilidade e ao pleno desenvolvimento.
Ante todo o exposto evidencia-se que muitos são os documentos internacionais que prevêem a obrigatoriedade da inclusão escolar do portador de deficiência – além dos mencionados – elevando tal acesso à educação a condição de direito fundamental, garantindo às pessoas com deficiências o direito de não serem excluídas do ensino regular por motivo de suas necessidades educacionais especiais.
Ademais, alguns destes tratados passaram a viger em território nacional através de sua regulamentação por meio de decretos a exemplo do Decreto nº 6.949/2009 referente a Convenção de Nova York de 2007 e o Decreto nº 3.956/2001 referente a Convenção de Guatemala de 1999.
O Decreto nº 6.949/2009 reforçou que em todo país as pessoas com deficiência tem o direito fundamental de serem incluídas no ensino regular não, podendo, conforme preceituado no art.24, item 2, “a” da Convenção de Nova York (2007) as crianças deficientes serem excluídas do sistema educacional geral e do ensino primário gratuito e compulsório e do ensino secundário em virtude suas deficiências, revogando, portanto, as disposições em contrário e dando nova interpretação aos artigos 58 a 60 da LDB.
Os mencionados documentos internacionais analisados e de outros não apresentados neste trabalho que disciplinam o direito a educação inclusiva e veda qualquer forma de discriminação aos portadores de deficiência, apresentam-se como enorme progresso, entretanto, salienta Regina Maria Fonseca Muniz: “As Declarações, por si só, pelo menos enquanto permanecem no âmbito do sistema internacional, não dão efetividade aos direitos humanos fundamentais, pois formulam direitos morais não sancionáveis”. (MUNIZ, 2002, p. 78).
3 – A inclusão escolar como direito fundamental
Da leitura do texto constitucional, do ECA, da LDB e dos mencionados tratados internacionais torna-se inequívoco que a educação especial inclusiva é um direito fundamental com eficácia imediata e oponível erga omnes.
Assim não cabe no cenário nacional qualquer discussão que envolva a limitação ou restrição deste direito, tendo todo aluno portador de necessidades educacionais especiais o direito de ser incluído em todos os níveis de ensino da rede regular, primando por uma educação heterogênea que trabalha com as diferenças e promove o desenvolvimento harmônico e a convivência social pacífica e solidária.
A legislação pátria estabelece a obrigatoriedade da educação básica a todos – inclusive aos portadores de necessidades educacionais especiais – tornando facultativa apenas o atendimento educacional especializado e a educação especial, que poderá ser ofertado pela própria rede regular ou por outra instituição.
Ressaltamos, ainda que a inclusão escolar dos portadores de necessidades educacionais especiais é primordial para garantir a dignidade dessas pessoas e é imprescindível para solidificação da democracia, pois ao incluir o portador de necessidades especiais na escola ele se desenvolverá e poderá exercer melhor sua cidadania, pois a educação tem indubitavelmente este papel transformador.
Neste diapasão a educação – direito social público subjetivo – deve ser prioridade nas políticas públicas e uma educação para todos deve concretizar-se a fim de erradicar a exclusão social e garantir a formação de um país livre, justo e solidário.
Pautado nestes objetivos é essencial a implementação de políticas educacionais voltadas à verdadeira inclusão, ou seja, garantir o acesso e a permanência na educação básica de qualidade aos portadores de necessidades educacionais especiais e propiciar recursos para trabalhar com suas necessidades através do atendimento educacional especializado concomitante e complementar ao ensino regular, coibindo a educação especial exclusiva.
A educação especial segregada não permite a interação social entre os diferentes, reforça a homogeneidade, rotula os alunos em “normais” e “deficientes” e muitas vezes não prima por conteúdos pedagógicos adequados. É importante acreditarmos que toda pessoa tem potencial para aprender, para se transformar, para sonhar e acreditar na mudança de sua realidade e a educação é um dos caminhos para tal mister.
Agrupar os alunos em grupos homogêneos ressalta as diferenças, exclui e fere o princípio da igualdade, pois conforme Santos e Paulino igualdade é um dos fundamentos da educação inclusiva. Igualdade não significa tornar igual, “não é nivelar nem uniformizar o discurso e a prática, mas exatamente o contrário: as diferenças, em vez de inibidas, são valorizadas.”(SANTOS; PAULINO, 2006, p.12)
Ainda, neste sentido José Afonso da Silva discorre que “todo ser humano se reproduz no outro como seu correspondente e reflexo de espiritualidade, razão por que, desconsiderar uma pessoa significa, em última análise, desconsiderar a si próprio”(SILVA, 2006, p.37).
A inclusão escolar aos portadores de necessidades educacionais especiais garante, ainda, o tão proclamado princípio da igualdade, esculpido no caput do art. 5º da CF. Não é concebível que a pretexto de melhor atendimento, os portadores de necessidades educacionais especiais estes sejam segregados e excluídos da educação formal regular, conforme assevera Souza Santos: “Temos direito à igualdade sempre que a diferença nos inferioriza. Temos direito à diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza.” (SANTOS, 2002, p. 75). Inquestionavelmente, excluir inferioriza e incluir permite a convivência com a diversidade.
Tanto os alunos com necessidades educacionais especiais quanto os demais, possuem condições de aprender, de crescer, de progredir, dentro de suas diferenças, necessidades e interesses e a educação é o espaço para tanto, vez que se apresenta como um processo, como bem lecionou Paulo Freire “Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte” (FREIRE, 2001, p.40).
Ainda, neste sentido Piaget afirma que:
“Afirmar o direito da pessoa humana à educação é pois assumir uma responsabilidade muito mais pesada que a de assegurar a cada um a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo: significa, a rigor, garantir para toda criança o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual. É antes de mais nada, por conseguinte, assumir a obrigação – levando em conta a constituição e as aptidões que distinguem cada indivíduo – de nada destruir ou malbaratar das possibilidades que ele encerra e que cabe à sociedade ser a primeira a beneficiar, ao invés de deixar que se desperdicem importantes frações e se sufoquem outras (PIAGET, 1988, p. 34).
Ademais, neste novo contexto de educação inclusiva, constata-se que a educação tem um papel muito mais importante do que meramente o repasse de conhecimentos ou a padronização das pessoas para o mercado, mas tem como escopo a transformação social e o pleno desenvolvimento de cada pessoa.
Neste diapasão o jurista e educador Gabriel Chalita assevera que “O pleno desenvolvimento da pessoa humana significa o desenvolvimento em todas as suas dimensões, não apenas no aspecto cognitivo ou da mera instrução, mas do ser humano de forma integral” (CHALITA, ( 2001, p. 107).
Afirmando, ainda, Mantoan que “só combateremos a exclusão escolar na medida em que as escolas se tornarem aptas para incluir, incondicionalmente, todos os seus alunos em um único sistema”. (MANTOAN, 2001, p. 54)
CONCLUSÃO
Após as reflexões suscitada pelo presente trabalho podemos concluir que a educação especial não é um nível escolar, não podendo, assim, o portador de necessidades educacionais especiais, freqüentar esta de maneira exclusiva, fazendo-se, obrigatória sua inclusão na educação regular (educação básica e superior).
Destarte, através de uma educação inclusiva, todos – pessoas com ou sem deficiência – terão a possibilidade de se desenvolverem plenamente, a fim de poderem exercerem sua cidadania e se qualificarem para o trabalho, modificando suas condições sócio-econômicas e assegurando sua existência digna, erradicando a pobreza e a marginalização, possibilitando uma sociedade livre, justa e solidária.
E, para que todos esses objetivos sejam alcançados pelo portador de necessidades educacionais especiais incluído na rede regular, imprescindível se faz um atendimento educacional especializado.
REFERÊNCIAS
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[1] Assistente Social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Comarca de Andradina, Estado de São Paulo. Docente das Faculdades Integradas de Três Lagoas – AEMS.
Advogada, Especialista em Direito e Gestão Empresarial. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos. Docente das Faculdades Integradas de Três Lagoas/MS - AEMS. Docente das Faculdades Integradas de Paranaíba/MS - FIPAR <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Ana Cláudia dos Santos. A inclusão escolar dos portadores de necessidades educacionais especiais como direito fundamental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 fev 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38292/a-inclusao-escolar-dos-portadores-de-necessidades-educacionais-especiais-como-direito-fundamental. Acesso em: 22 nov 2024.
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