A lei 12.462/2011 nos apresenta um conjunto de normas atinentes à licitações e contratos da Administração Pública, inicialmente, voltadas aos eventos esportivos que o Brasil logo sediará. Dissemos incialmente eis que algumas alterações foram feitas na referida lei de forma a ampliar o seu espectro de incidência. Cuida-se do chamado Regime Diferenciado de Contratação- RDC.
Além dos Jogos Olímpicos de 2016 e da Copa do Mundo de 2014, a lei se aplica às obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais; as ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); às obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS; às obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo e às licitações e contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino.
As controvérsias acerca dos jogos, sobretudo dos gastos públicos superam o âmbito dos protestos sociais e premeiam também o âmbito jurídico. A lei em referencia é objeto de Ações de Inconstitucionalidade em tramite junto ao STF e objeto de divergências entre a doutrina. (ADI 4.645 e 4.655)
Abordaremos neste artigo a polêmica envolvendo o dispositivo legal do RDC que prevê a publicidade diferida do orçamento estimado que a Administração apresenta nos processos licitatórios.
Eis a letra da lei:
Art. 6o Observado o disposto no § 3o, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.
(…)
§ 3o Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.
(grifo nosso)
A polêmica em torno da norma refere-se a suposta violação do princípio da publicidade que deve nortear a atividade administrativa e que sempre foi observada pela lei 8.666/9, neste aspecto específico, em seus arts. 7°, § 2°, II, c/c art. 40, § 2°, II, a LLCA aponta a necessidade de publicação prévia do orçamento estimado pela Administração Pública.
Nosso posicionamento é pela completa legalidade da norma do RDC. Não só de publicidade vive a atividade administrativa, faz relevo neste ponto, o princípio da eficiência. Ademais, não reputamos que a norma traga em si desvio ao princípio da publicidade. O operador deve perceber que se trata de afastamento episódico, temporário e restrito do princípio da publicidade. Sua curta duração vive até o final da fase competitiva do certame e o orçamento é, sem exceção, disponibilizado para os órgãos de controle interno e externo.
A experiência nos demonstra que nem sempre a publicação anterior do orçamento resulta em preços atrativos para a administração, eis que os participantes acabam levando os mesmos como parâmetro para formação de seus preços, fato que nem sempre se mostra favorável. Afora a facilidade de aguçar o espírito de conluio entre os licitantes diante de eventual orçamento atrativo proposto, combinando-se um preço vencedor e dividindo os lucros em prejuízo ao erário.
A relatividade dos princípios constitucionais e a consequente aplicação do princípio da proporcionalidade nos faz abraçar a legalidade da norma vista sobre sua ótica teleológica: criar um panorama adequado para que os preços ofertados pelos licitantes sejam os mais baixos possíveis, mormente porque envolvido considerável volume de recursos públicos, haja vista a espécie de contratos a que o Regime Diferenciado de Contratações Pública está direcionado.
Segundo o art. 24, III, da Lei 12.462/11 serão desclassificadas as propostas que se mostrem acima do orçamento “sigiloso“ estimado pela Administração Pública. Desta feita, são potencializadas as chances de que os preços ofertados pelos licitantes sejam, de fato, os mais baixos possíveis, ante o perigo de desclassificação caso superem o valor apontado. Trata-se de garantia de efetividade[1], donde as normas previstas no novel diploma, afastam as deposições da lei 8.666/93 [2] e se vocacionam a materializar a eficiência prestigiada pelo constituinte.
Em que pese as divergências envolvendo a lei em questão, fato a se registrar é que a superação de dispositivos legais considerados pouco uteis e antieconômicos previstos na lei geral de licitações tem sido uma constante em nossa ordenamento. Como exemplo podemos citar a inversão de fases no pregão, onde a classificação precede a fase de habilitação. Ora, pra que analisar a habilitação de todos os concorrentes se somente um sagrar-se-á vencedor?
De outra banda, a própria lei do pregão não é incisiva ao dispor sobe a publicidade prévia do orçamento estimado, sendo o sigilo, inclusive, chancelado pelo Tribunal de Contas da União sem nenhuma pecha de inconstitucionalidade. Colacionamos o seguinte trecho do Acordão n° 1888/2010 do Plenário do TCU:
(...)
11. O fato de essa planilha ter sido inserida no edital sem o preenchimento dos valores não traduz prática que viola os dispositivos legais atinentes à matéria. Como visto, na licitação na modalidade pregão, o orçamento estimado em planilhas e preços unitários não constitui um dos elementos obrigatório do edital, devendo estar inserido obrigatoriamente no bojo processo relativo ao certame. Ficará a critério do gestor, no caso concreto, a avaliação da oportunidade e conveniência de incluir esse orçamento no edital ou de informar, no ato convocatório, a sua disponibilidade aos interessados e os meios para obtê-lo.
12. Esse tem sido o entendimento exarado por este Tribunal em recentes decisões acerca da matéria, ex vi dos Acórdãos nº 1.925/2006-Plenário e 201/2006-Segunda Câmara.
13. Assim, não merecem prosperar as alegações da representante quanto a esse aspecto.
Logo, de novidade não se trata e há a importante visão favorável do TCU sobre a forma de publicidade diferida.
Noutro passo, o orçamento sigiloso não constitui regra intransponível no RDC, em que pese ser a regra geral. Basta que situações justificáveis dentre do direito se apresentem, também voltadas para a eficiência, de modo que estará afiançado apresentar o orçamento antecipadamente, no entanto, sempre após o encerramento da fase competitiva. [3] O TCU assim já teve oportunidade de se manifestar (Acórdão n. 306/2013). O sigilo foi afastado por ocasião da primeira etapa de negociação (art. 26 da Lei n. 12.462/2011), como forma de evitar o fracasso da licitação. Ainda, recentemente houve alteração no decreto n° 7.581/2011 que regulamenta o RDC, dispondo no §, 3° art. 43, a antecipação da publicidade do orçamento estimado, também voltada para a vantajosidade da Administração. [4]
Feitas todas estas considerações, entendemos plenamente compatível com a Constituição Federal a publicidade diferida do orçamento estimado nas contratações do RDC. Trata-se de norma voltada para a eficiência e economicidade nas contratações na tentativa de resguardar o erário.
BIBLIOGRAFIA:
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo. Atlas. 2012.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 7° ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: método, 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4° Ed. Saraiva, 2013.
[1] Art. 1o (...) § 1o O RDC tem por objetivos:
I - ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes;
(…)
[2] Art. 1°, § 2o A opção pelo RDC deverá constar de forma expressa do instrumento convocatório e resultará no afastamento das normas contidas na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, exceto nos casos expressamente previstos nesta Lei.
[3] RDC: Art. 26. Definido o resultado do julgamento, a administração pública poderá negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado.
[4] Art. 43. Após o encerramento da fase de apresentação de propostas, a comissão de licitação classificará as propostas por ordem decrescente de vantajosidade.
[...]
§ 3º Encerrada a etapa competitiva do processo, poderão ser divulgados os custos dos itens ou das etapas do orçamento estimado que estiverem abaixo dos custos ou das etapas ofertados pelo licitante da melhor proposta, para fins de reelaboração da planilha com os valores adequados ao lance vencedor, na forma prevista no art. 40, § 2º. (Incluído pelo Decreto nº 8.080, de 2013).
Procurador- AGU/PGF. Pós-graduação em Advocacia Pública (2015) - Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Coimbra. Pós-Graduação em Direito Processual Civil (2009) - PUC/SP. Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia- UNAMA (2002). Atuação profissional na área cível, em direito público, com destaque para Direito Ambiental, Tributário, Administrativo, Constitucional.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NORAT, Ygor Villas. A publicidade do orçamento no regime diferenciado de contratações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38514/a-publicidade-do-orcamento-no-regime-diferenciado-de-contratacoes. Acesso em: 25 nov 2024.
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