INTRODUÇÃO
O Estado Democrático de Direito, consagrado no art. 1° da Constituição Federal, tem sua razão de ser na garantia do exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, sempre tendo como valor maior a ser observado a dignidade da pessoa humana.
Os direitos sociais, espécie dos direitos humanos, estão consagrados no art. 6° da Lei Maior, elencados nesta categoria de direitos, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, os quais exigem prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, que possibilitem melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.
No entanto, nenhum dos direitos sociais é assegurado pelo Estado de forma totalmente efetiva, tanto é que em qualquer fonte de informação acessível ao público em geral, como a mídia, jornais e a internet, noticia-se diariamente um grande número de cidadãos ameaçados ou lesados em seus direitos mais elementares.
Tal situação não pode ser admitida, uma vez que o Estado, desde os tempos mais remotos, foi criado com base em vários fins, como o bem comum (denominado por parte da doutrina de bem público) e a segurança.
Já se salientou, há tempos, que o fim principal do Estado seria garantir a prosperidade pública, garantindo-se que cada um possa alcançar sua própria felicidade, através da efetividade de seus direitos fundamentais.
Assim, cabe ao Estado Democrático de Direito, garantir, sob o império da lei, os direitos fundamentais e sociais de, respectivamente, cada pessoa ou de uma coletividade de sujeitos, sob o manto da democracia.
Entretanto, diante de toda a falibilidade do Estado em seu dever de prestar os direitos mais elementares, não pode jazer o povo inerte, sem exigir do ente estatal a sua contraprestação, diante de gigante arrecadação tributária realizada pelos órgãos do Poder Público, para, em tese, cumprir todas as suas várias funções.
Atualmente, o Brasil sofre uma grave crise de inversão valorativa, em que o ser humano, destinatário principal de todo o sistema jurídico, não passa a receber a proteção merecida, cedendo espaço para o ideal capitalista, pelo qual várias autoridades públicas deixam de realizar a política (arte de bem governar) autêntica e cedem aos interesses meramente econômicos, tornando-se corruptas e mesquinhas.
A classe política, ao invés de representar os interesses mais autênticos do povo, nada mais faz do que realizar outros interesses de grupos de classes mais abastadas ou, então, realiza manobras para continuar dominando o poder por muito tempo, esquecendo-se de concretizar ações no interesse direto do povo.
Não é segredo nenhum que, no Brasil, a verdadeira democracia está longe de se alcançada, como um “governo do povo”, mas é o único regime capaz de fazer com que o povo possa se desenvolver, educar-se e participar cada vez mais nos assuntos do próprio Estado, os quais também lhe diz respeito.
Não é preciso que um povo alcance certo nível de educação e desenvolvimento para se implantar e se efetivar um regime democrático, ao contrário, a democracia deve ser implementada para que haja maior desenvolvimento social, econômico, científico e político, em que se valorize a dignidade de cada indivíduo, tanto por parte de outras pessoas como do próprio Estado.
Será a democracia a única solução para a implementação dos direitos sociais? Tudo depende do povo e daqueles que estão no poder, bem como da relações que estes sujeitos mantém entre si e o grau de interesse que um demonstra pelo outro, sob pena haver um distanciamento infinito entre ambos.
Assim, é preciso que o povo lute pelos seus direitos, os quais se não forem efetivados, geraram imensa insurgência para a sua concretização. Uma atividade de controle deve ser exercida sobre os representantes populares que estão no governo, para que ajam dentro de suas atribuições, sendo verdadeiros mandatários dos eleitores e não meros administradores de seus interesses próprios.
Apesar do controle do povo, é preciso que os representantes populares tenham consciência de seu papel e realizem com eficiência suas funções, fazendo com que o Estado em si cumpra todo o seu rol extenso de competência, sob pena de ser coagido judicialmente pelos ameaçados ou lesados em seus direitos sociais.
Por fim, por ser um tema muito polêmico, assim, o desrespeito dos direitos sociais e a mácula à dignidade da pessoa humana por parte do Estado e daqueles que estão do poder são objeto de análise da presente pesquisa, sob o manto da democracia e do sistema jurídico, de forma a se concluir que é preciso avançar e muito além do que já foi conquistado, uma vez que a ordem democrática é recente com a Constituição de 1988 e, o povo, titular do poder, precisa aprender a lidar com todo o poder que detém em suas mãos e que não é exercido em sua totalidade, para se fazer a dignidade da pessoa humana e a justiça social serem os reais fundamentos da República Federativa do Brasil.
1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA EVOLUÇÃO
Após todo período revolucionário do século XVIII, principalmente pelas ideologias políticas francesas, marcado pelo teor individualista (direitos de defesa, direitos do indivíduo frente ao Estado), externou-se os caracteres base de todo escopo essencial dos direitos fundamentais. Postulados pela historicidade em toda sua evolução, institucionalizou-se três premissas gradativas, a saber: a liberdade, a igualdade e posteriormente a fraternidade.
Os direitos fundamentais chamados de primeira geração, são teorizados pelo seu cunho materialista, ao qual, foram atingindo estas características através de um processo cumulativo e qualitativo designando uma nova universalidade com escopos materiais e concretos.
Diante disto, os direitos fundamentais de primeira geração, segundo Bonavides, são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. [1]
Esses direitos fundamentais estão presentes em todas as Constituições das sociedades civis democráticas, não obstante seu caráter de status negativus, em consonância com a descrição de MALISKA: "... esses representavam uma atividade negativa por parte da autoridade estatal, de não violação da esfera individual (os chamados direitos de primeira geração, os direitos civis e políticos)." [2]
Este paradigma dos direitos fundamentais perdurou até o início do século XX, posto que, a partir deste foram ingressados novos direitos fundamentais com uma nova ordem social não mais sedimentada no individualismo puro do modelo anterior, sendo “direitos de dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de Celso Lafer, de propiciar um ‘direito de participar do bem-estar social’." [3]
Os direitos fundamentais da segunda geração se tornam tão essenciais quanto os direitos fundamentais da primeira geração, tanto por sua universalidade quanto por sua eficácia. Assim, segundo CANOTILHO, os direitos fundamentais da segunda geração "são os direitos sociais, culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social..." [4]
Tais direitos da referida segunda geração estão ligados intimamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, bem como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho. Pressuposto a isto, passam estes direitos a exercer uma liberdade social, formulando uma ligação das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.
Então, na esfera dos direitos fundamentais da segunda geração, esta marca uma nova fase dos direitos fundamentais, não só pelo fato de estes direitos terem o escopo positivo, mas também de exercerem uma função prestacional estatal para com o indivíduo.
É mister ainda que se diga a importante reflexão de SARLET acerca dos direitos da segunda geração, ao qual, cita estes direitos como "liberdades sociais, do que dão conta os exemplos de liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como dos direitos fundamentais dos trabalhadores..." [5]
Com os direitos da segunda geração, brotou um pensamento de que tão importante quanto preservar o indivíduo, segundo a definição clássica dos direitos de liberdade, era também despertar a conscientização de proteger a instituição, uma realidade social mais fecunda e aberta à participação e a valoração da personalidade humana, que o tradicionalismo da solidão individualista, onde se externara o homem isolado, sem a qualidade de teores axiológicos existenciais, ao qual somente a parte social contempla.
Emergem assim, um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias institucionais, ao qual, são inerentes das instituições de Direito Público e compõe suas formas e organização, bem como limites ao arbítrio do Estado para com os direitos de segunda geração.
Então, é oportuna a idéia de Carl Schmitt citado por CANOTILHO: "Graças às garantias institucionais, determinadas instituições receberam uma proteção especial...para resguardá-la da intervenção alteradora por parte do legislador ordinário. (...) Demais, é da essência da garantia institucional a limitação, bem como a destinação a determinados fins e tarefas."[6]
Na Constituição Federal de 1988, os direitos de Segunda geração estão expressos no ordenamento a partir do seu art. 6°.
Na evolução dos direitos fundamentais, surgem os direitos da terceira geração, que são direitos atribuídos à fraternidade ou de solidariedade. Assim, especifica MALISKA estes direitos como àqueles "concernentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e a comunicação." [7]
Emergiu, assim, um novo escopo jurídico que vem a somar nos direitos do homem junto com os historicamente versados direitos de liberdade e igualdade. Diante disto, CANOTILHO descreve que, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. [8]
Os direitos da terceira geração são precipuamente, direitos fundamentais requeridos pelo indivíduo devido ao processo de descolonização do segundo pós-guerra e também pelos avanços tecnológicos, delineando assim direitos de titularidade coletiva ou difusa. São direitos de solidariedade ou de fraternidade, conforme ensina SARLET, que descreve "em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação." [9]
Por fim, pode-se descrever, o pensamento de Bonavides acerca dos direitos fundamentais da quarta geração, que correspondem a verdadeira institucionalização do Estado social, quais sejam, direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.
Os direitos fundamentais do homem são prerrogativas e instituições que o Estado concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas, sendo que também significa apenas a limitação do Estado, mas restrição imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem. Nesse sentido, os direitos fundamentais fazem parte da consciência ético-jurídica de uma determinada comunidade histórica. Ao passo que, a dignidade humana não representa um valor abstrato, mas a autonomia ética dos homens concretos. [10]
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O SEU DESCUMPRIMENTO PELO ESTADO.
Sob o prisma do cumprimento dos direitos, confere-se prioridade ao dever de ação e não ao dever de abstenção por parte do Estado, quando se trata de todo o conjunto dos direitos fundamentais. Mesmo no caso dos direitos civis e políticos que, à primeira vista, parecem estar mais vinculados ao dever de abstenção, ainda nestes há o dever de ação do Estado.
No entanto, a ausência de intervenção legislativa não impede o gozo de direitos de 1° geração, uma vez que seus conteúdos estão determinados constitucionalmente, sendo existentes e válidos, mesmo na ausência de lei. [11]
Infelizmente, o mesmo não ocorre com os direitos econômicos e sociais, pois sem a atuação do legislador ordinário, determinada por delegação constitucional, não há como garantir-lhes eficácia. [12]
A Constituição Brasileira consagra os direitos fundamentais em seu art. 5°, prescrevendo cerca de cinco direitos essenciais e sagrados, quais sejam, a vida, igualdade, liberdade, segurança e propriedade. Nos demais incisos deste dispositivo, é possível de se verificar uma complementação na definição e extensão destes direitos, bem como lhe são asseguradas garantias em caso de ameaça ou lesão à sua existência.
Em relação aos direitos sociais, deve se vislumbrar a preleção de VIANNA, ao que se veja:
Quanto aos direitos sociais às prestações, as normas que os prevêem contém directivas ao legislador ou, talvez melhor, são normas impositivas de legislação, não conferindo aos seus titulares verdadeiros poderes de exigir, porque apenas indicam ou impõem ao legislador que tome medidas para uma maior satisfação ou realização completa dos bens protegidos. Não significa isso que se trate de normas meramente programáticas, no sentido de simplesmente serem declamatórias (proclamatórias) visto que têm força jurídica e vinculam efetivamente o legislador. O legislador não pode decidir se atua ou não. É-lhe proibido o “non-facere”. [13]
É justamente este “não-fazer” no tocante aos direitos prestacionais que, a Constituição prevê determinados instrumentos processuais para possibilitar efetividade às normas constitucionais asseguradoras de direitos, especialmente aos sociais, ainda não regulamentadas de forma eficaz. O dever de ação é justamente a necessidade de pôr fim à omissão do Poder Público, garantindo-se o dever de prestação. [14]
A efetividade do sistema de direitos fundamentais, depende da capacidade de controle, por parte da comunidade, das omissões do Poder Público. Uma forma de se controlar diretamente essas omissões são o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão, que viabilizam a participação jurídico-política, garantindo o valor e a dignidade da pessoa humana. Ao passo que, a eficácia normativa da Constituição também depende do Poder Judiciário, na qualidade de seu intérprete, detentor do sistema jurisdicional de controle da constitucionalidade.
É de se atentar também ao fato de que, a Constituição Federal, segundo os termos do art. 5°, § 1°, institui o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, o que torna inadmissível, por conseqüência, a inércia do Estado quanto à concretização do direito fundamental, pois a omissão estatal viola a ordem constitucional, considerando-se a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir direito fundamental. [15]
Na verdade, os direitos sociais valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. [16]
Os direitos prestacionais podem ser classificados em seis categorias diferentes, segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, as quais são: direitos sociais relativos ao trabalhador; à seguridade; à educação e cultura; à moradia; à família, criança, adolescente e idoso; ao meio ambiente. [17]
Existe uma outra classificação dos direitos sociais, tendo-se em vista o homem como produtor e como consumidor. Na primeira categoria estão os direitos do trabalhador, enquanto na segunda, elencam-se os direitos relativos à saúde, à segurança social (segurança material), ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à formação profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, indicados no art. 6° da Constituição Federal. [18]
A Lei Máxima consagrou em seu art. 6° os seguintes direitos sociais, como se pode ver:
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. [19]
A Constituição consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela, mediante a ampliação de direitos sociais, econômicos e culturais.
Além de afirmar, em seu art. 6° que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a moradia, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados, ainda apresenta uma Ordem Social (em capítulo próprio), em que consta um amplo universo de normas enunciadoras de programas, tarefas e diretrizes a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade, como estão dentre os deveres do Estado e direitos do cidadão, a saúde (art. 196), a educação (art. 205), a cultura (art. 215), as práticas desportivas (art. 217), a ciência e tecnologia (art. 218), dentre outros.
3. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO EM RELAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS.
Cumpre destacar que, a Constituição Brasileira adota a concepção contemporânea da cidadania, segundo a qual dos direitos sociais são direitos fundamentais, uma vez que não há como se separar os valores liberdade (direitos civis e políticos) e igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais), havendo, pois, a indivisibilidade dos direitos humanos. [20]
Ora, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e interdependentes. [21]
Com base nestas características dos direitos humanos, cabe falar, ainda que sucintamente, sobre estas peculiaridades, que lhes são inerentes.
Nesse diapasão, pode-se afirmar que os direitos humanos são universais, inerentes à dignidade humana e não relativos às peculiaridade sociais e culturais de uma determinada sociedade, seja por incluir em seu elenco não só os direitos civis e políticos, mas também direitos sociais, econômicos e culturais. Aliás, a dignidade humana impõe-se como um núcleo básico e informador do ordenamento jurídico, considerando-se como parâmetro de valoração a interpretação e compreensão do sistema constitucional brasileiro. [22]
Os direitos do homem constituem uma categoria heterogênea, desde quando passam a ser considerados com este nome, incorporando os direitos de liberdade e os direitos sociais (categoria que passou a conter direitos entre si incompatíveis, cuja proteção não pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a proteção dos outros). [23]
Note-se que, os direitos humanos decorrem da dignidade inerente a toda e qualquer pessoa, sem qualquer discriminação. Tanto é assim que, os direitos humanos são tema de legítimo interesse da comunidade internacional, transcendendo, em razão de sua universalidade, as fronteiras do Estado, no que é aplicável o princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais que afetem o Brasil. [24]
Em relação à responsabilidade do Estado Brasileiro, no que toca dos direitos humanos, ela abrange três elementos essenciais da cidadania, a saber: a indivisibilidade e a universalidade dos direitos humanos e o processo de especificação do sujeito de direito. Cumpre, agora, referir-se, ainda que sucintamente, sobre as características dos direitos humanos, de forma peculiar. Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, cabe ao Estado a proteção e defesa dos direitos civis e políticos, bem como a implementação e realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – categorias merecedoras de plena e absoluta observância. Deve ainda o Poder Público conferir eficácia máxima e imediata a todo e qualquer preceito constitucional definidor de direito e garantia fundamental, em razão do princípio da aplicabilidade imediata destes últimos. [25]
No tocante à universalidade dos direitos humanos, o Estado é responsável por concentrar-se no desafio da extensão universal da cidadania, sem qualquer discriminação, e, também, cumprindo as obrigações internacionais assumidas relativamente aos direitos humanos, decorrentes de tratados com este objeto, ratificados pelo Brasil, e, também as organizações internacionais devem orientar suas atividades para os direitos humanos. [26]
Neste sentido, o Poder Público deve fazer tudo quanto possível para conferir a máxima eficácia e efetividade à proteção e defesa dos direitos fundamentais, possibilitando o exercício das garantias fundamentais. Quanto à responsabilidade do Estado, cada órgão do corpo estatal deve cumprir sua função, visando à máxima efetividade dos direitos humanos (englobando-se todas as espécies de direitos do homem).
Neste sentido, é a seguinte preleção da grande jurista FLÁVIA PIOVESAN:
compete ao Legislativo, como destinatário das normas consagradoras de direitos e garantias fundamentais: a) proceder em tempo razoavelmente útil à sua concretização, sempre que esta seja necessária para assegurar a exeqüibilidade de normas, sob pena de inconstitucionalidade por omissão; b) mover-se no âmbito desses direitos, sendo-lhe vedado que, a pretexto de concretização de direitos via legal, opere uma redução da força normativa imediata dessas normas, trocando-a pela força normativa de lei; c) não emanar preceitos formal ou materialmente incompatíveis com essas normas. [27]
Por sua vez, cumpre ao Judiciário, ao que se pode verificar:
a) interpretar os preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais, na sua aplicação em casos concretos, de acordo com o princípio da efetividade ótima e b) densificar os preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais de forma a possibilitar a aplicação imediata, nos casos de ausência de leis concretizadoras. [28]
Em relação ao papel do governo e da Administração, cabe-lhes uma relevante tarefa na concretização dos direitos fundamentais, em razão de sua competência planificadora, regulamentar, fornecedora de prestações, uma vez que estes órgãos desenvolvem tarefas de realização de direitos fundamentais. [29]
Neste sentido, cumpre também ao Estado, estabelecer um processo de especificação do sujeito de direito (sujeito deixa de ser visto em sua abstração e generalidade e passa a ser concebido em sua concretude, em suas especificidades e peculiaridades) a ser desenvolvido pelo Estado, através de políticas públicas que introduzam um tratamento diferenciado e especial aos grupos sociais, àqueles que, por exemplo, sofrem forte padrão discriminatório.[30]
Com efeito, a vigência de demandas sociais, sua resolução momentânea e a pressão social sobre o Poder Público, por vezes, encontram-se em dose acima da capacidade física, política e intelectual de atuação do Estado. Ao que se verifica o Poder Público, sob o ponto de vista da questão social, configura suas atuações através de pressões advindas da demanda comprimida, isto é, tende a levar vantagem na disputa quem atingir maior volume de força política, quem se consolidar como “amigo do rei” e integrar o ponto de vista político-ideológico dos detentores do poder, que usufruem o privilégio de verem contempladas suas pretensões. [31]
4. A INEFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E O PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDAÇÃO POSSÍVEL DOS DIREITOS
É de conhecimento público e notório, uma vez que é notícia diária na mídia, a existência de limitações de ordem econômica à efetivação dos direitos sociais.
Tanto é assim que, passou-se a sustentar que os direitos sociais estariam condicionados ao que se convencionou chamar de reserva do possível, pela qual o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, a qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. [32]
Assim, os direitos sociais prestacionais "estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Fala-se, ainda, na existência de um direito mínimo de existência, extraído, na Alemanha, do princípio da dignidade humana, em que cabe ao Estado a garantia de um mínimo existencial para cada indivíduo. [33]
Nem tudo o que é desejável e merecedor da busca é realizável, como a realização dos direitos do homem, os quais freqüentemente necessitam de condições objetivas que não dependem da boa vontade dos que os proclamam nem das boas disposições dos que possuem os meios para protegê-los. Isto é um problema cuja solução depende de um certo desenvolvimento da sociedade, e como tal, desafia até mesmo a Constituição mais evoluída e põe em crise até mesmo o mais perfeito mecanismo de garantia jurídica. Desta forma, verifica-se que a efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem depende do desenvolvimento da civilização humana.[34]
O reconhecimento e a proteção dos direitos sociais requer uma intervenção ativa do Estado, o que não é requerida na proteção dos direitos de liberdade, pois estes nasceram contra o superpoder do Estado. Para a realização dos direitos sociais na prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente escrita à sua proteção efetiva, é preciso a ampliação dos poderes do Estado. Os direitos sociais que se concretizam na demanda de uma intervenção pública e de uma prestação de serviços sociais por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado nível econômico e tecnológico. Aliás, o campo dos direitos sociais, aparece como onde há a maior defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação.[35]
A efetividade, ou eficácia social, refere-se à capacidade de produção de efeitos de uma norma no plano fático, sendo, para o positivismo, uma condição de adequação semântica entre o signo (norma) e o objeto (conduta normada).[36]
Uma norma só está apta a produzir efeitos quando verificada a existência dos requisitos de fato. Se estes não existirem, não poderia o destinatário ser obrigado a cumprir o comando normativo. Em sendo assim, na ausência dos recursos para que o Executivo possa disponibilizar aos particulares as prestações demandadas, face à regra de que ninguém é obrigado a coisas impossíveis, estas não seriam exigíveis. Vale salientar, ainda, que a necessidade de suporte econômico para a realização dos direitos sociais é tão acentuada que até os direitos denominados economicamente neutros, como os remunerados posteriormente mediante taxas, requerem, para serem disponibilizados, o alocamento de verbas. [37]
Esta constatação da inefetividade dos direitos sociais e a inaplicabilidade do conceito de reserva do possível ao direito brasileiro, como paradigma de decisões judiciais, não encerra a questão. Entretanto, serve de alerta para a crise vivenciada em modelo de Estado Social que acabou por não ser verificado, como o proposto pela Constituição de 1988. [38]
Estas limitações de cunho econômico, que acarretam a falta de produção de efeitos das normas sociais, tanto as de cunho programático quanto as que já se encontram plenamente regulamentadas no âmbito constitucional e ordinário, não poderiam ocorrer com as normas instituidoras de direitos sociais, as quais consistem em normas jurídicas em sentido pleno, possuindo todos os atributos inerentes à espécie. Entre eles, está a imperatividade. Desta forma, não cabe ao destinatário das normas definidoras dos direitos sociais simplesmente desrespeitá-las, situação agravada pelo fato de que o sujeito passivo destas normas, como visto, é o próprio Estado em suas três funções, cuja atuação é regida por muitos princípios, como os da motivação de seus atos e da eficiência, não podendo afastar-se de suas obrigações. A solução, então, é partir para o princípio da máxima efetivação possível destes direitos, com o estabelecimento de políticas públicas para o desenvolvimento econômico, sempre com vista à redistribuição dos recursos existentes, na forma prescrita constitucionalmente. [39]
Ademais, a Constituição prevê inúmeros writs (remédios constitucionais), como o Mandado de Injunção, o Mandado de Segurança, a Ação Popular e inúmeros outros que, mesmo não surtindo efeitos imediatos, face à interpretação de seu objeto dada pelos Tribunais, devem ser constantemente invocados, de maneira a atenuar as resistências por parte dos operadores jurídicos.
São estas iniciativas que podem se constituir em uma saída para a situação das camadas mais pobres do País, que tem na atuação governamental, talvez, a única possibilidade de serem definitivamente integrados à realidade social, gozando de uma autêntica cidadania, nos moldes da Constituição de 1988.
5. A INEFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E A MÁCULA À DIGNIDADE HUMANA.
O conceito de pessoa, como categoria espiritual ou subjetividade, que possui valor em si mesmo, como ser de fins absolutos, e que, em conseqüência, é possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais e de dignidade, surge com o Cristianismo, sendo depois desenvolvida pelos Escolásticos. A proclamação do valor distinto da pessoa humana terá como conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem, o reconhecimento de que, na vida social, o homem, não se confunde com a vida do Estado, além de provocar um "deslocamento do Direito do plano do Estado para o do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade"[40].
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, obriga irrestrita e incontornavelmente o Estado, seus dirigentes e todos os atores da cena política governamental, pelo que tudo o que o contrarie é juridicamente nulo. Cabe a este princípio o peso completo de uma fundação normativa de uma coletividade, cuja legitimidade, após um período de inumanidade e sob o signo da ameaça atual e latente à dignidade do homem, está no respeito e na proteção da humanidade.[41]
Através do princípio da dignidade da pessoa humana, preleciona a FLÁVIA PIOVESAN o seguinte:
o homem não é mais visto como uma partícula isolada, indivíduo despojado de suas limitações históricas, nem sem realidade da “massa” moderna. Ao contrário, ele passa a ser entendido, antes, como “pessoa”, de valor próprio indisponível, destinado ao livre desenvolvimento, mas também simultaneamente membro de comunidades, de matrimônio e família, igrejas, grupos sociais e políticos, das sociedades políticas, não em último lugar, também do Estado, com isso, situado nas relações inter-humanas mais diversas, por essas relações em sua individualidade concreta essencialmente moldado, ma também chamado a co-configurar responsavelmente convivência humana. [42]
Com efeito, o KANT diz que caracteriza o ser humano e o faz dotado de dignidade especial, é o fato dele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo. Como diz KANT, "o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade".[43]
O princípio da dignidade da pessoa humana, é o principal norteador para a atuação do Estado, bem como dos indivíduos e da própria sociedade civil. Desta forma, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de inconstitucionalidade e de violação à dignidade da pessoa humana, considerando se cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos.
Dessa forma, ressalte-se a lição de ROBERTO LYRA FILHO, para que se perspective e se efetive uma justiça social (objetivo constitucional), garantindo-se os direitos elementares do ser humano, e, por conseqüência, os direitos sociais, como fim primaz, senão veja-se:
Justiça é Justiça Social, antes de tudo: é atualização dos princípios condutores, emergindo nas lutas sociais, para levar à criação duma sociedade, em que cessem a exploração e opressão do homem pelo homem; e o Direito não é mais, nem menos, do que a expressão daqueles princípios supremos, enquanto modelo avançado de legítima organização social da liberdade. Direito é processo, dentro do processo histórico: não é uma coisa feita, perfeita e acabada; é aquele vira-ser que se enriquece nos movimentos de libertação das classes e grupos ascendentes e que definha nas explorações e opressões que o contradizem, mas de cujas próprias contradições brotarão as novas conquistas. À injustiça, que um sistema institua e procure garantir, opõe-se o desmentido da Justiça Social conscientizada; às normas, em que aquele sistema verta os interesses de classes e grupos dominadores, opõem-se outras normas e instituições jurídicas, oriundas de classes e grupos dominados, e também vigem, e se propagam, e tentam substituir os padrões dominantes de convivência, impostos pelo controle social ilegítimo; isto é, tentam generalizar-se, rompendo os diques da opressão estrutural. As duas elaborações entrecruzam-se, atritam-se, acomodam-se momentaneamente e afinal chegam a novos momentos de ruptura, integrando e movimentando a dialética do Direito. Uma ordenação se nega para que outra a substitua no itinerário libertador. O Direito, em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda. [44]
Finalmente, cabe argumentar que o desrespeito à dignidade da pessoa humana, tanto pelo Estado como pelo indivíduo por si mesmo, deriva de uma crise ética pela qual o homem passa, sendo que, o estabelecimento da dignidade como princípio maior, consubstancia-se numa tentativa de fazer com que as autoridades públicas, na esfera de seu obrar, passem a respeitar os administrados como pessoa dignas. Esta perspectiva é vista por JETE FIORATI na análise da obra de Hannah Arendt:
Apesar do esgarçamento do mundo comum, é necessário que se tenha algum padrão mínimo a orientar a conduta individual, mesmo que seja na sociedade dos ‘homens que laboram’, uma vez que, se assim não for, partiremos para o isolamento. Modernamente com a perda desse mundo comum, somente as leis terminam por descrever uma conduta mínima, conduta essa que muitas vezes se antepõe aos desejos mais íntimos de cada um de nós. Ocorre que, como as leis não representam mais os desvalorizados valores da comunidade, mas sim prescrições derivadas do poder que podem mudar a qualquer hora, podemos opinar sobre sua validade a qualquer momento. Portanto, ainda temos que procurar algum critério para fundar as condutas em sociedade para evitar que elas se transformem em condutas próprias da vida na selva. Entre eles, critérios de respeito ao homem, mesmo sendo ele o animal laborans que deve ter seu direto à vida, à liberdade, à saúde, ao labor do qual provê a sua subsistência e alimento expressos em regras escritas ou costumeiras, regras essas que se inserem na categoria dos Direitos do Homem, que podem preencher a função de definir uma condição humana mínima ao homem como forma de um patrimônio simbólico fundante de um mundo esgarçado. [45]
6. DEMOCRACIA: UMA SOLUÇÃO QUE DEPENDE DO POVO E DOS POLÍTICOS
A democracia pode ser conceituada como a condição, pela qual o povo, desconhecendo a autoridade de um único indivíduo ou de uma classe privilegiada, sendo o verdadeiro depositário do poder e refletindo a consciência grupal, alicerçado na liberdade e na igualdade, organiza-se politicamente, estruturando o governo pelas vias constitucionais, no qual se garante a representação das minorias, o seu direito de fiscalização e de crítica, bem como a alternância do poder. [46]
A democracia se funda em dois princípios fundamentais: soberania, segundo o qual o povo é a única fonte de poder e, a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expressão da vontade popular. A igualdade e a liberdade são princípios e também valores democráticos, que devem se realizar na prática. [47]
Esta concepção justifica a supremacia da massa legítima detentora do poder, e não pela minoria dos indivíduos. Os outros dois princípios da democracia são a liberdade e a igualdade. [48]
Desta forma, segundo STUART MILL, é preciso que se coadunem três condições fundamentais para que este tipo de governo subsista permanentemente: que o povo esteja disposto a aceitá-lo; que o povo tenha vontade e capacidade de fazer o necessário para sua preservação; que este povo tenha a vontade e a capacidade de cumprir os deveres e exercer as funções que lhe impõe este poder.[49]
Atualmente, o sistema brasileiro adota a democracia mista ou semidireta, em que se condensam os sistemas da democracia direta e representativa, de forma a prevalecer o regime representativo, mas em certas ocasiões, o povo é chamado para, diretamente, pronunciar-se sobre determinados problemas, como no caso do referendum e do plesbicito. Neste tipo de democracia existe também a iniciativa popular, na qual um certo número de eleitores toma a si a iniciativa de um projeto de lei, levando o Poder Legislativo a elaborar a norma jurídica, do que também pode decorrer o referendum e , no qual o povo pode chancelar o preceito jurídico nascido da iniciativa de um grupo[50].
A democracia, então, deve ser entendida como um espaço de atuação do sujeito, onde os indivíduos e os entes jurídicos disputam o exercício do poder político (controle e decisão). É, portanto, o campo da intersecção de vontades do agir político, onde a sua natureza multiforme e contestável lhe dá forças ao mesmo tempo em que gera as contradições que a imobilizam, num constante e construtivo paradoxo. A alternativa para se conseguir romper essa circularidade paradoxal pode estar na conjunção ao discurso jurídico, que com novos signos, pode permitir-lhe enfrentar, de forma mais eficiente, os novos tempos. [51]
"Nenhum ordenamento político está definitivamente estabelecido. Todo o sistema político é constantemente questionado em relação à sua legitimação e à sua eficiência. Isso vale, sobretudo, para as democracias" [52], pois que sendo o cerne do discurso político que contempla a legitimação da soberania, bem como a forma do agir da cidadania, a democracia se viu submetida às exigências que acabaram questionando o seu sentido primordial.
Para que não se fale em abandono do discurso em torno da democracia, é obrigatório desenvolver políticas de inclusão eficientes, a tal ponto que possam fazer frente à construção da exclusão perpetrada pelos interesses das grandes corporações, enfim, pelos interesses do capital. [53]
Nesse escopo, a democracia vai necessitar redefinir os conceitos de cidadania e de soberania, conceitos condicionais ao sucesso ou fracasso do regime democrático sobreviver aos desafios que ele carrega em seu interior e que a globalização aprofundou.[54]
Desta forma a democracia existe em permanente tensão com forças que desejam manter interesses, os mais diversos, manter ou chegar ao poder para conquistar interesses de grupos específicos, sendo que muitas vezes estas forças se desequilibram, principalmente com a acomodação da participação popular e o desinteresse de participação no processo da democracia representativa, em razão da percepção da ausência de representatividade e do desencanto com os resultados apresentados. [55]
A democracia em que se acredita neste momento de transformação da sociedade, é a democracia que se constrói do dialogo livre, no livre pensar numa sociedade,onde a construção de espaços de comunicação sejam possíveis, o que depende da construção da cidadania como idéia de dignidade, libertação da miséria e respeito humano. Não há efetiva liberdade sem meios para exercê-la, e estes meios são os direitos que libertam o ser humano da miséria e da ignorância.[56]
Para se resgatar e se fortalecer a democracia representativa, há que se ter o fortalecimento da participação popular através da criação de mecanismos que ofereçam permeabilidade ao poder do Estado, criando canais de participação cada vez maiores, superando gradualmente a velha dicotomia entre Estado e sociedade civil. Essa participação popular almejada, que resulte em decisão, mais democracia e controle social efetivo ocorrerá de maneira efetiva e eficiente, justamente, no poder local. [57]
7. O PAPEL DO POVO
Entende-se por povo “todos os indivíduos adultos que estão sujeitos ao governo exercido diretamente pela Assembléia desses indivíduos ou indiretamente pelos representantes eleitos.” [58]
Enquanto massa de indivíduos de diferentes níveis econômicos e culturais, o povo não tem uma vontade uniforme, pois somente o indivíduo tem uma vontade real. Mas o “governo do povo” pressupõe uma vontade do povo voltada para a realização daquilo que, segundo a opinião deste, constitui o bem comum. Este termo designa, na verdade, “um governo no qual o povo participa direta ou indiretamente, ou seja, um governo exercido pelas decisões majoritárias de uma assembléia popular, ou por um corpo de indivíduos, ou até mesmo por um único indivíduo eleito pelo povo.” [59]
A fim de se evitar que não haja identidade entre a vontade do povo e a decisão dos representantes, certos instrumentos de coordenação e de expressão da vontade popular, como partidos políticos, sindicatos, associações políticas, imprensa livre e a própria opinião pública, exercem um papel importante, fazendo com que os representantes possam saber as reivindicações do povo. Tanto é assim que, o sistema de partidos políticos tende a dar uma feição imperativa ao mandato político, na proporção que os representantes estejam comprometidos com o cumprimento de programa e diretrizes de sua agremiação, a qual será cada vez mais vinculada ao povo, quando estes órgãos forem bem mais dependentes da vontade de seus filiados. A esta altura, é possível de se afirmar que, embora existam falhas, o governo representativo pode ser identificado como o tipo ideal do governo, mais perfeito, ao qual todos os povos se adaptam melhor em proporção ao seu grau de desenvolvimento geral. Assim, “quanto menos avançado estiver um povo em seu desenvolvimento menos lhe será adequada, geralmente falando, esta forma de governo; embora isto não seja universalmente verdadeiro, visto que a adaptabilidade de um povo ao governo representativo depende muito mais do grau em que possui certos requisitos especiais do que a posição que ocupa na escala geral da humanidade.” [60]
É preciso que o povo dê o valor suficiente a uma Constituição representativa, para que esta possa ser conservada. Ora, as instituições participativas, para sua permanência, dependem necessariamente da presteza do povo em lutar por elas quando estiverem ameaçadas, pois se elas não forem estimadas o suficiente para tanto, raramente conseguirão firmar-se, e se o conseguirem, certamente serão derrubadas, tão logo o Chefe do poder ou qualquer líder partidário, que conseguir reunir forças para um golpe relâmpago. [61]
No entanto, quando o povo carece tanto de vontade quanto de capacidade para desempenhar o papel que lhe cabe em uma Constituição representativa (quando ninguém ou apenas uma pequena fração sente o grau de interesse pelos assuntos gerais do Estado necessário à formação de uma opinião pública), os eleitores só se servirão de seu direito ao sufrágio, para atender aos seus interesses privados ou de sua localidade. [62]
Há alguns casos que o governo representativo não pode existir permanentemente, mas há outros, nos quais outra forma de governo seria preferível, situações que ocorrem quando o povo, para progredir tenha lições a aprender ou algum hábito ainda não adquirido, para cuja aquisição o governo representativo poderia ser um impedimento, no que ainda seja preciso aprender a obediência, sendo que sua Assembléia representativa não faria mais do que refletir sua própria turbulenta insubordinação. [63]
Ao contrário, um povo não estará menos despreparado para o governo representativo se tiver o defeito contrário, a passividade extrema e a submissão imediata à tirania, ao passo que um povo assim prostrado pelo caráter e pelas circunstâncias poderia vir a obter instituições representativas, mas acabaria inevitavelmente escolhendo como representantes os seus tiranos. [64]
Existem certas enfermidades ou lacunas de um povo, que o desqualificam para fazer o melhor uso possível do governo representativo, como fortes preconceitos de qualquer espécie, fixação obstinada por velhos hábitos, vícios de caráter nacional, ignorância ou falta de cultura intelectual; tais defeitos, se prevalecentes em um povo, serão, via de regra, fielmente refletidos em suas assembléias legislativas. E, se a administração executiva, a gestão direta da coisa pública, vier a ser ocupada por pessoas comparavelmente livres destes defeitos, maiores benfeitorias seriam mais freqüentemente realizadas por eles, se não estivessem limitadas pela necessidade constante de consentimento por parte dos corpos representativos. [65]
Os defeitos de uma forma de governo podem ser tanto positivos quanto negativos. Serão negativos, se não for concentrado, nas mãos das autoridades, poder suficiente para desempenhar suas funções necessárias de um governo ou, então, quando não se desenvolver suficientemente, pelo exercício, as capacidades ativas e sentimentos sociais dos cidadãos individuais. [66]
Já, os defeitos positivos consistem na ignorância e incapacidade gerais ou qualidades intelectuais insuficientes da assembléia controladora, bem como o de estar esta sob a influência de interesses que não se identificam com o bem-estar da comunidade. [67]
Assim, é preciso que na profissão de governar, não seja feito como em outras profissões, em que a idéia da maioria é fazer somente o que foram ensinados a fazer, ao contrário, é preciso num governo popular, que as concepções de um homem de engenhosidade original prevaleçam sobre o espírito inerte e hostil da mediocridade. [68]
No entanto, diante da desigualdade social e da fragilidade do indivíduo diante da empresa e da burocracia clama-se pela legitimação de um sujeito histórico “coletivo”, representado pelo sindicato, a comunidade, o movimento e mesmo o partido que aparecem como atores em constituição para contraporem-se ao arbítrio e à exploração.
Com efeito, a concepção individualista do cidadão-eleitor é posta em xeque, mormente pela força do “nós coletivo”, única capaz de legitimar uma vontade geral que se concretiza. A presença difusa, diante de uma atitude democrática e coletivista gera a desconfiança da massa diante dos parlamentares, para não falar no “fosso” entre a sociedade-massa e o Estado. Pode-se afirmar assim que, sem que exista transparência da informação e do processo de tomada de decisões no Estado e na burocracia e sem que existam mecanismos de controle e de participação envolvendo tanto os partidos e do público em geral, o processo de democratização torna-se vazio e encontra pouca receptividade numa sociedade.[69]
Com efeito, uma população, cuja existência é constantemente marcada pela violação de quase todos os seus direitos, independentemente de seu regime político, é sempre atingida no grau em que se desejaria, ainda mais quando certas medidas continuam como sempre foram contra a pobreza, a desigualdade social, a falta de esclarecimento, etc. No entanto, é preciso se assinalar o papel exercido pelos meios de comunicação na formação da imagem pública do regime, sobretudo quanto à desconfiança arraigada em relação à política e aos políticos reforça a descrença sobre a própria estrutura de representação partidária-parlamentar.[70]
Ocorre que, no Brasil, observa-se a busca de uma maior descentralização e o fortalecimento do poder local integrado em uma federação. É importante ressaltar que não basta descentralizar, é fundamental que este processo leve em consideração a democracia participativa local e que busque um desenvolvimento territorial equilibrado, reduzindo as desigualdades sociais e regionais.
Colocar em práticas as normas constitucionais, tornando-as aliadas da realização das políticas sociais necessárias, "meo iudicio", é o grande desafio que se deve enfrentar, pois as autoridades e até mesmo o povo têm-se furtado a implementar as prerrogativas constitucionais. Em relação ao povo, a não-implementação das normas constitucionais não decorre da falta de vontade, mas sim da ausência de conhecimento do poder que detém e da falta de cultura participativa e de informação sobre os meios para realizá-la. A efetiva utilização de tais mecanismos, sem dúvida, engrandeceria a sociedade. Não só pela participação popular na escolha de seu próprio destino, mas também pela inequívoca assimilação dessas escolhas pelos representantes populares. O povo, portanto, ao se deparar com normatividade não condizente com a sua vontade, deverá lutar no sentido de desarraigá-la do sistema jurídico positivo, pois é ele o titular do poder constituinte. Não deverá lamentar-se, somente, como se apenas fosse um mero lacaio. [71]
Afirmar a incompetência do povo, em suas pessoas mais simples e ingênuas, com base na desigualdade natural ou na deslealdade dos líderes de suas organizações, significa admitir a existência de uma racionalidade, sendo esta o meio adequado para a obtenção de determinado fim. [72]
Esta racionalidade daria acesso privilegiado, no sentido de que só percorrendo determinados caminhos, ou detendo determinados recursos, haveria o uso pleno da razão, para, então, poder gerir a coisa pública. No entanto, tal afirmação é desprovida de toda plausibilidade, uma vez que a democracia ainda significa a participação de cada indivíduo nas decisões concernentes às suas condições de vida. [73]
No entanto, a democracia não será um governo de expressão da vontade popular, quando os atos de governo se alicerçam sobre a vontade autônoma do representante. Quando isso ocorre, a participação passa a se confundir com o ato do eleitor individual no momento da votação, uma vez que, a partir daí, não disporá mais de influência sobre a vida política de seu país do que a momentânea que goza no dia da votação. [74]
Por certo, esta participação já estará relativizada por automatismo partidário e pela pressão dos meios de informação e da desinformação da propaganda, no que os investidos pela representação ficam desligados de seus eleitores, pois não os representam em particular, mas sim a uma nação inteira. [75]
Nesse sentido, a representação está alicerçada sobre a ilusão da “identidade entre povo e representante popular”, a qual se baseia na crença de que, quando este decide, resolve por aquele, ou seja, decide pelo povo, sem que haja o desdobramento ou atividade entre os dois entes distintos, o povo, destinatário das decisões, e a autoridade, que decide pelo povo. [76]
No entanto, há nesta teoria um paradoxo evidente, uma vez que o povo não pode atender certos requisitos culturais, econômicos ou sociais em um regime não democrático, para, então, daí gozar da democracia. Na verdade, tais situações como educação, nível cultural, desenvolvimento da qualidade de vida, junto dos direitos sociais, deve ter sua melhoria realizada pela democracia, uma vez que este panorama de melhora consubstancia-se em objetivo do regime democrático.
Cumpre destacar que a democracia não pode ser instaurada de uma vez por todas e, assim, perdurar, do contrário, trata-se de um processo que evolui a cada etapa uma vez que a cada conquista feita, abrem-se outras perspectivas a serem atingidas[77].
Destarte, há um caminho à luz, há a esperança de que todos os cidadãos tenham seus direitos garantidos de fato, e não somente de direito. No exato momento em que todos do povo, através de um mínimo de educação e maior informação, titulares do poder constituinte do Estado, tiverem a consciência de que aqueles legisladores e governadores são representantes seus, e tiverem o conhecimento de que as normas e leis deverão ser, além de legais, legítimas, traduzindo a vontade popular como um todo.
8. OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA LEGITIMIDADE E AS FALHAS DOS POLÍTICOS
Antes de se adentrar à tarefa dos políticos e do Estado quanto à efetivação dos direitos sociais, através da democracia, cumpre ressaltar, ainda que sucintamente, os dois princípios que norteiam a ação do Estado, quais sejam, a legalidade e a legitimidade.
O princípio da legalidade sujeita o Estado ao império da lei, a qual realiza o princípio da igualdade e da justiça, através da busca pela “igualização” das condições dos socialmente desiguais. A lei deve ser entendida como “expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes, em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição”. [78]
É por isso, que o Estado ou Poder Público não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem ordenar a proibição de nada aos administrados, senão em virtude de lei. Desta forma, o exercício obrigatório de uma ação positiva ou negativa por parte de um indivíduo, somente pode se dar através da lei, a fim de sejam evitados atos decorrentes de simples discricionariedade ou mero arbítrio, que viriam a atingir frontalmente os direitos e liberdades fundamentais. [79]
O princípio da legalidade não tutela em si um bem da vida, mas garante ao particular a prerrogativa de impedir as injunções que lhe sejam impostas por outra maneira que não seja a da lei. Este princípio garante que não é qualquer conteúdo das leis que se legitima, mas somente o preceito normativo que se produzem dentro da Constituição e especialmente de acordo cm sua ordem de valores, servindo aos direitos fundamentais. [80]
Conforme a preleção de NOBERTO BOBBIO, também citado por JOSÉ A. DA SILVA, a legalidade e a legitimidade são atributos do poder, mas são qualidades diversas deste, pois esta é a qualidade do título do poder, e aquela é a qualidade do seu exercício, pois “quando se exige que um poder seja legítimo, pergunta-se se aquele que o detém possui um justo título para detê-lo; quando se invoca a legalidade de um poder, indaga-se se ele é justamente exercido, isto é, segundo as leis estabelecidas. O poder legítimo é um poder, cujo título é justo; um poder legal é um poder, cujo exercício é justo, se legítimo.” [81]
Segundo D’ENTRÈVE, citado por JOSÉ A. DA SILVA, “legalidade e legitimidade cessam de identificar-se no momento em que se admite que uma ordem pode ser legal mas injusta.
Assim, é possível de se afirmar que, um Poder Legislativo democrático e politizado pela legitimidade de sua procedência, será o órgão fadado à consecução de uma obra desenvolvimentista que faça o ônus da mudança de estruturas pesar menos sobre as classes mais atingidas pelas quotas do sacrifício comum, de modo que todos sintam a participação como recompensa, uma vez que sua função é representar sempre os governados, em face de toda a necessidade ou exigência governativa que implique ônus ou sacrifício de um povo. Este é o único caminho para se ultrapassar o subdesenvolvimento sem provocar o sacrifício das liberdades políticas, sem suscitar espasmos revolucionários, sem renegar o pluralismo jurídico-social, é associar em laços de consentimento e confiança mútua a vontade de governantes e governados. [82]
Por trás de todo e qualquer poder, seja ele político ou jurídico, subsiste uma condição de valores consensualmente aceitos e que refletem os interesses e necessidades de uma determinada comunidade. A legitimidade incide no consenso dos ideais, dos fundamentos, crenças, valores e princípios ideológicos, supondo a transposição da simples detenção do poder e a conformidade com as acepções do justo, advogadas pela coletividade. Explicitada como legitimidade do título refere-se às pessoas ou aos órgãos do poder que dispõem de um justo título baseado em costumes e princípios comumente aceitos, ao passo que a legitimidade intrínseca diz respeito à natureza justa ou injusta do poder, não só quanto ao título, mas quanto aos fins, aspirações ou valores perseguidos pelos poderes.[83]
Cabe destacar que, existe a decorrência da integração social que envolve a aceitação ou não de uma legitimidade, projetando-se um processo de legitimação, cuja manifestação aparece não por temor ou obediência, mas porque os autores sociais reconhecem tal condição como boa e justa. No que, pode-se afirmar que a legitimidade possibilita uma coesão da organização social. [84]
Atualmente, uma nova legitimidade, enquanto expressão da vontade do justo reconhecimento da comunidade, que determina e fundamenta em definitivo os horizontes de uma nova legalidade institucionalizada. Ora, numa cultura jurídica pluralista, democrática e participativa, ela não se funda na legalidade positiva, mas resulta da consensualidade das práticas sociais instituidoras e das necessidades reconhecidas, como “reais, justas e éticas”. [85]
Nos anos 40, o jurista e pensador fascista FRANCISCO CAMPOS teria cunhado uma frase de peculiar cinismo e realidade: “tem lei que pega e lei que não pega”. Ela “pega” quando responde à força ou aos grandes interesses e “não pega” quando deixa de atendê-los. Isto significa o mesmo que dizer que a lei pouco ou nada tem a ver com o público, no sentido democrático. Nem é formada por uma opinião pública nem atende a um interesse público, trata-se de uma “anti-lei”, simples pretexto para o exercício do particularismo e da força. Aliás, qualquer que seja o mal-estar diante de tanto cinismo, está aí, de fato, uma descrição de alguns aspectos da realidade do poder neste país ainda hoje. [86]
A inviabilidade econômica ou a recusa política de uma tentativa de solucionar pelo menos as desigualdades mais alarmantes mostra a incapacidade do governo de persuadir a população de que, embora pouco se possa fazer, existe um compromisso do regime para resolver tais problemas num futuro próximo. No entanto, existem alguns argumentos que explicam por que se pode esperar que a legitimidade da democracia seja de algum modo isolada das percepções negativas sobre sua eficácia sócio-econômica, como a existência de procedimentos democráticos para a escolha dos governantes, a crença no processo eleitoral com instrumento que conduza à alternância de governos e novas políticas econômicas, a estruturação da competição partidária e a memória coletiva sobre os abusos dos regimes autoritários são alguns deles. [87]
É a vontade do povo que confere legitimidade à norma, à lei; entretanto, a legalidade formal é tão somente o preenchimento dos requisitos formais e organizacionais na sua feitura em todas as suas fases. Deve-se, por conseguinte, haver um liame, uma relação, entre legalidade e legitimidade. No momento em que coincidirem, identificando-se, haverá a norma justa, derivada da vontade popular e promulgada conforme o sistema jurídico positivo. [88]
Diante da situação brasileira, é possível se diagnosticar quem são os políticos e os demais participantes do jogo político da atualidade brasileira, com as seguintes características, conforme as facetas que se mostram:
o alheamento e desinformação e a desorganização dos setores populares; a precária estruturação dos partidos e sua incapacidade de mediação efetiva entre sociedade e Estado tanto em termos de representação de interesses quanto de investir-se de real responsabilidade governamental; a propensão do empresariado a desfrutar ‘apoliticamente’ do acesso ao aparelho do estão antes que a organizar-se politicamente para buscar pela via partidária, com o apoio popular que isso requer, o controle explícito das políticas do estado; certa suspeita ou mesmo aversão empresarial perante o jogo político democrático que é a contraface dessa atitude ‘apolítica’; o grande poder do aparelho burocrático como tal, a ausência de mecanismos que assegurem a responsabilidade da conduta estatal e o potencial autocrático que se associa ao controle daquele aparelho.[89]
Cumpre destacar que, a enorme distância sócio-econômica entre as classes dominantes e dominadas é transposta para a politicamente existente entre as “elites” e o povo. Estes hiatos mutuamente impedem a emergência de instituições políticas próprias da democracia, com práticas previsíveis e regulares, habital e generalizadamente acatadas e usualmente incorporadas em instituições públicas capazes de processar as demandas de, pelo menos, todos os setores politicamente ativos da sociedade sem disrupções e violências, de acordo com a lei. A política brasileira é guiada por um estilo patrimonialista de uma República oligárquica. Existe “predomínio de relações pessoais, clientelismo, fortes regionalismos, escassa ou nula disciplina partidária e ideologias sumamente difusas. O pressuposto básico disto tudo é que a política é feita por cavalheiros no Parlamento e no Executivo; dito em outras palavras: uma boa parte da população está excluída da política. Espelho do mundo social, esta forma de fazer política também cria um mundo sem mediações: para ela, a lógica da representação só opera intermitentemente, quase apenas quando não há forma de evitá-la.” [90]
Nesta ausência de representação, não se avança na criação e fortalecimento das instituições que, ao estabelecer as mediações, iriam liquidar o predomínio patrimonialista. Tanto é assim que, embora com exceções importantes, o Congresso Nacional e os Parlamentos dos Estados-Membros e Municípios parecem ser os lugares em que mais se condensam políticos do pior estilo, “claramente incapazes de transcender estreitos interesses locais ou setoriais; baixa participação nas sessões; debates quase sempre paupérrimos; incapacidade de iniciativa legislativa, que se traduz em boa parte das decisões principais são dotadas via decreto-lei ou projetos de lei que já vem “preparados” pelo Executivo, ao mesmo tempo em que as iniciativas progressistas e liberalizantes de alguns legisladores esbarram no interesse conservadorismo deste estilo de fazer política; eis apenas alguns dos problemas de uma longa lista.”[91]
Porém, ultimamente, tem-se desenvolvido o ceticismo daqueles que pensam que os políticos somente perseguem interesses pessoais.
Assim, as autoridades do Poder Executivo precisam estar sustentadas por uma opinião e um sentimento afetivos no país, o que afasta os terrores contra o governo, de forma que poderá ser até ajudado pela própria população. [92]
No entanto, quando o povo carece tanto de vontade quanto de capacidade para desempenhar o papel que lhe cabe em uma Constituição representativa, ao passo que ninguém ou apenas uma pequena fração, sente o grau de interesse pelos assuntos gerais do Estado necessário à formação de uma opinião pública, os eleitores só se servirão de seu direito ao sufrágio, para atender aos seus interesses privados ou de sua localidade. [93]
Neste sentido, uma pequena classe que ganhar o comando do governo representativo, só o usará na maior parte do tempo para fazer fortuna. E, se o Executivo for fraco, o país será perturbado por meras lutas, meras disputas por um lugar ao sol; se for forte, se fará despótico, simplesmente para agradar aos representantes, ou apenas àqueles capazes de criar problemas. [94]
Desta forma, o único resultado da representação nacional é que, além daqueles que realmente governam, existe uma “assembléia” que vive à custas do povo e que nenhum abuso, no qual uma parte da Assembléia tiver algum interesse, será eliminado. [95]
Em relação aos interesses de uma Assembléia, ou mesmo o interesse do Estado de se realizar o bem comum, é preciso se atentar para os interesses do indivíduo, como bem ressalta STUART MILL, dizendo o seguinte:
se também quiser saber quais são praticamente os interesses de um homem, terá de saber quais são os seus sentimentos e pensamentos normais. Todas as pessoas têm dois tipos de interesse: interesses com os quais se preocupam e interesses com os quais não se preocupam. Todas as pessoas têm interesses egoístas e não-egoístas, e uma pessoa egocêntrica terá se acostumado a se preocupar com os primeiros e não com os segundos. Todas as pessoas têm interesses presentes e distantes, e a pessoa imprevidente é a que se preocupa com os interesses presentes e não se preocupa com os distantes. [96]
E continua o filósofo inglês, afirmando que, no momento em que um homem ou uma classe de homens se vê com o poder nas mãos, os interesses individuais deste homem ou os interesses específicos desta classe, passam a ter um grau totalmente novo de importância a seu ver. [97]
Vendo-se reverenciados por outros, tornam-se adoradores de si mesmos, e acham-se no direito de valer cem vezes o que valem outras pessoas; ao passo que a facilidade com que adquirem de fazer o que melhor lhes apetece, sem se preocuparem com as conseqüências, enfraquece sensivelmente o hábito de prever até mesmo as conseqüências que poderiam afetá-los. [98]
Este é o significado da tradição universal, baseada na experiência universal, de que o poder corrompe os homens. Todos sabem o quanto seria absurdo dizer que um homem será o mesmo que sempre foi e fará o mesmo que sempre fez, quando déspota ou sentado num trono; onde o lado mau de sua natureza humana, ao invés de restringido e mantido a ferros por cada circunstância de sua vida e por cada pessoa que o cerca, será cortejado por todos e servido por todas as circunstâncias.” [99]
Por fim, menciona o ilustre autor a célebre verdade: “por mais modestos, por mais submissos à razão que possam ser os homens, enquanto pairar sobre eles um poder mais forte do que eles, devemos sempre esperar uma mudança total quando se tornam o poder mais forte.”[100]
Já, o Brasil é um caso em que não se fez nem revolução nem uma efetiva democracia, pois os equívocos habituais sobre o sentido da política são o resultado de uma história em que a política tem sido, desde sempre, privilégio de poucos. Afirmou MARX, certa vez, que “o peso do passado oprime, como um pesadelo, o cérebro dos vivos.” Na tradição brasileira, a mistura do passado, de sensibilidade conservadora e de boas intenções para o futuro é chamada de “realismo político”, uma vez que numa conversa com qualquer político, é possível de se ver idéias que ele expressa em particular, com os amigos ou com a família, são, em geral, as de um homem moderno e razoavelmente civilizado, no entanto, a política real é outra coisa, é o que se faz para conquistar ou manter o poder, que se traduz no Estado. [101]
Assim, a ação política da população passa a orientar-se para a descarga de frustrações enraizadas ou para a imposição de punições ritualísticas aos políticos através do processo eleitoral. No que, a inautenticidade e a desmoralização da vida pública brasileira dão um sentido maléfico às instituições partidárias e aos processos que lhe são correlatos. “Mesmo aqueles que entram no processo político com idéias mais articuladas sobre seus valores e objetivos passam a perceber que pouca coisa no mundo dos partidos ou das eleições permite a expressão do que sentem ou necessitam e, incapazes de articular suas posições públicas, utilizam-se do sistema político para expressar suas preocupações privadas.” [102]
Cabe salientar, ainda, que “ a perda de confiança nos representantes políticos constitui-se em algo mais que a tensão entre eles e os representados, inerente a todos os sistemas políticos representativos: no contexto histórico atual ela se apresenta de forma expandida e totalizante, o que aumenta a deslegitimidade da própria estrutura da representação partidária e parlamentar.” [103]
A falta de credibilidade dos representantes políticos não se estende necessariamente ao regime democrático como um todo, mas a ruptura dos canais institucionais de expressão de demandas, que freqüentemente acompanha a deslegitimação das estruturas representativas, enfraquece a legitimidade do regime em seu conjunto. [104]
9. A TAREFA DO ESTADO FRENTE À NÃO-CONCRETUDE DOS DIREITOS ELEMENTARES DO POVO E DO DESCASO DOS POLÍTICOS.
A desigualdade social brasileira tem fortes raízes, que devem ser sempre consideradas na elaboração de políticas e na formação de expectativas quanto a resultados imediatos de programas sociais. O alcance de resultados depende de ações para a neutralização ou eliminação de fatores geradores de desigualdades na esfera econômica da produção e de fatores geradores de desigualdades no mercado de trabalho, no sistema educacional e na execução de políticas sociais. [105]
A desigualdade social brasileira tem as seguintes raízes:
a) em decisões alocativas concernentes à terra, trabalho e subsídios ao capital na era colonial (..); b) na implementação de um modelo para o campo que, sem alterar a estrutura fundiária, impediu a criação de um segmento rural de pequenas e médias propriedades que constituíssem uma agricultura moderna (...); c) na forma descompromissada como segmentos das elites se relacionam com o Estado e a coisa pública, em que a interligação entre desigualdade e crise social no Brasil se cristaliza em um quadro de crescimento nos termos de uma industrialização tardia, em que o Estado teve de assumir um papel central para consolidar a industrialização brasileira em cinco décadas. [106]
Ora, o mercado de trabalho, a saúde, a moradia e educação constituem os focos principais e possíveis de intervenção do Estado no sentido de implementação de políticas de redução da desigualdade social e da pobreza. Embora, o mercado de trabalho não explique toda a desigualdade e toda a pobreza, (cujos determinantes básicos estão na estrutura de distribuição de recursos e também na relação entre Estado e segmentos sociais), ele revela e sanciona desigualdades e injustiças historicamente cristalizadas na sociedade brasileira. [107]
Embora se saiba do poder que a educação pode desempenhar, é necessário ter em conta que o acesso a esse direito depende da distribuição da riqueza e da renda e, portanto, se materializa nas diferentes capacidades de acesso de segmentos sociais a benefícios diretos do Estado, de forma legítima ou espúria. [108]
Ora, um povo dotado de educação e, via de conseqüência, de instrução tem condições de conhecer os problemas de ordem pública e de participar dos mesmos, através de atividades várias, principalmente, através da expressividade do voto e integração nos órgãos governamentais. Assim sendo, o povo saberá o que quer e lutará pelo seu direito, compreendendo com maturidade e vivência, avaliando, em toda sua grande e extensão o sentido do princípio democrático, que rege os povos com cultura e consciência política melhor desenvolvidas. [109]
Visa, assim, a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana.
O Estado Democrático de Direito se sujeita ao império da lei, que deve realizar igualdade e justiça, influindo na realidade social. Assim, se a Constituição se abre para as transformações políticas, econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência dos valores socialmente aceitos. [110]
O Estado Democrático de Direito tem por tarefa superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social, seguindo os princípios da constitucionalidade, da justiça social, da igualdade, da divisão de poderes, da legalidade e da segurança jurídica. Assim sendo, a democracia deve fazer do Estado um instrumento real para todas a pessoas, passível de ser utilizado para neutralizar as relações de dominação onde quer que surjam e de ser posto a serviço de objetivos comuns, minimizando ao mesmo tempo os risco de que venha ele próprio, no processo de equiparar-se par tais fins, a transformar-se no sujeito ou foco por excelências das relações de dominação. Como se pode verificar, o Estado não é algo, antes de tudo, contido, mas sim algo a ser construído de maneira adequada, e o êxito no processo de construção institucional do Estado é a condição mesma para sua contenção eficaz, naqueles aspectos em que tal condição se faz necessária. [111]
Em uma época recente, o Brasil vivenciou uma crise constitucional, em que houve fragilidade da aparelhagem institucional e dos procedimentos e regras destinadas a enquadrar o processo político, com recursos peculiares de controle, como a coerção física, caracterizada, enfim, por idas e vindas de períodos mais ou menos abertamente autoritários, os quais foram afastados há pouco tempo no Estado Brasileiro, mas que deixaram alguns resquícios, como qualquer regime anterior os produz. [112]
No Estado Brasileiro, a crise constitucional, ainda não deixou de existir, uma vez que, a experiência prévia da escravidão continua tendo marcantes efeitos na estrutura social do país, gerando um ”hiato social”, que consiste na distancia regularmente grande que separa as massas populares dos setores das classes sócias, gerando-se um autoritarismo no plano das relações entre estas classes. [113]
Esta crise afeta a consolidação de uma democracia social, onde os direitos sociais devem ser passíveis de serem assegurados pela atuação do Estado, afinal são direitos de crença ou expectativas que o Estado deve praticar como prestação social. Além do mais, deve garantir-se também os direitos civis e políticos. No entanto, no Brasil tais direitos civis e políticos encontram-se formalmente assegurados, dos quais parcelas substanciais da população brasileiras estão privadas, pois são dotadas de uma “cidadania de segunda classe”, atentando-se, por exemplo, para o cotidiano das relações entre o aparato policial e repressivo do Estado e as camadas mais carentes da população. O que poderia amenizar tal situação seria melhorar e possibilitar o acesso adequado aos direitos sociais, atentando-se também para os aspectos difusos que devem ser contornados, para que a maioria da população possa ascender ao sentido profundo da dignidade humana, impossibilidade esta que é correlativa à falta de um sentimento fundamental de igualdade social, uma vez que a estrutura social apresenta claros aspectos de estratificação de castas, com a convivência de submundos além de cujas fronteiras não ocorre o sentimento de comparabilidade e de “intercambialidade”. [114]
Por fim, sabe-se que o Estado se faz presente, de fato, no cotidiano de qualquer cidadão, através de tributação, coerção, regulação, etc. Para a elite política os negócios do Estado constituem seus próprios negócios, mas não é verdade que o Estado seja efetivamente coisa privada destas elites. Na verdade, cada indivíduo se comporta racionalmente no que se refere aos assuntos que lhe são próprios, esta mesma postura ocorreria no momento em que se desse conta de que os negócios do Estado lhe são próprios, não cabendo tão somente responsabilidade ao aparato estatal, mas sim da participação dos cidadãos na vida política. [115]
10. O FUTURO DO ESTADO
A partir de uma análise das tendências das sociedades globais, é possível se de vislumbrar um reflexo sobre o Estado. Assim, tendo-se em vista as necessidades e as possibilidades captadas na realidade, é possível de se estruturar as futuríveis do Estado. Nesse sentido, DALMO DALLARI afirma que, no âmbito interno, considerando-se o relacionamento entre governantes e governados e a organização do Estado em face de seus objetivos internos, existem duas tendências: “a integração crescente do povo nos fins do Estado e a racionalização objetiva implicando formas autoritárias de governo.” [116]
Através da integração crescente do povo nos fins do Estado, este não deixará apenas ao indivíduo a tarefa de cuidar de seu progresso material e de seu desenvolvimento cultura. Ora, os interesses individuais deverão ser considerados matéria de responsabilidade pública. Ao passo que, a racionalização compreende o aproveitamento de todos os recursos modernos de comunicação e organização, para que os governantes conheçam melhor a realidade, e, passem a decidir com mais segurança e agir com maior eficácia. [117]
No plano, onde se dá o confronto dos Estados e ocorre o relacionamento entre eles, ocorrerá uma relativa homogeneidade, pela qual haverá uma relativa redução das variedades de Estados, com o aparecimento de regras fundamentais convenientes e aplicáveis em qualquer sociedade. Outra característica é que haverá uma tendência a uma orientação predominantemente nacionalista, com afirmação de individualidade e independência por parte dos Estados. [118]
CONCLUSÃO
O Estado Democrático de Direito existe para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Nesse sentido, os direitos sociais, também como dimensão dos direitos fundamentais do homem, exigem prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.
Para que possam ser efetivados os direitos sociais, deve se partir do princípio da máxima efetivação possível destes direitos, com o estabelecimento de políticas públicas para o desenvolvimento econômico, sempre com vista à redistribuição dos recursos existentes, na forma prescrita constitucionalmente.
Desta forma, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de inconstitucional e de violação à dignidade da pessoa humana, considerando se cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos.
No entanto, todo o desrespeito à dignidade da pessoa humana, tanto pelo Estado como pelo indivíduo por si mesmo, deriva de uma crise ética pela qual o homem passa, sendo que, o estabelecimento da dignidade da pessoa humana como princípio maior, consubstancia-se numa tentativa de fazer com que tanto as autoridades públicas, na esfera de seu obrar, passa a respeitar os administrados como pessoa dignas. Neste esteira, esta tentativa também se estende aos próprios cidadãos que devem respeitar uns aos outros, como semelhantes, como forma de se cumprir o maior mandamento deixado por Jesus Cristo: “amais uns aos outros, assim como Eu vos amei”.
No entanto, há um caminho à luz, pois existe a esperança de que todos os cidadãos tenham seus direitos garantidos de fato, e não somente de direito. No exato momento em que todos do povo, através de um mínimo de educação e maior informação, titulares do poder constituinte do Estado, tiverem a consciência de que aqueles legisladores e governadores são representantes seus, e tiverem o conhecimento de que as normas e leis deverão ser, além de legais, legítimas, traduzindo a vontade popular como um todo, ter-se-á um país melhor, onde o respeito à democracia, à cidadania e ao bem-estar social sobressairá. E a partir de então, não se permitirás mais a usurpação do poder por aqueles detentores do mesmo e asseguraremos uma maior efetividade do texto constitucional, garantindo que todos os direitos por ele previstos não sejam simples letra morta.
Na verdade, todas as sociedades terão populações mistas de “anjos e demônios”, ou melhor, elas consistem em pessoas com diferentes proporções de qualidades angelicais e demoníacas ao mesmo tempo. Sendo que, a proporção de “anjos e demônios” irá depender dos retornos de cada um, das recompensas resultantes para os “anjos” que podem cooperar uns com os outros e para os “demônios” que têm sucesso em seu otimismo. [119] Diante desta afirmação, verifica-se que, a existência de uma sociedade ideal é impossível!
Apesar de a sociedade ser um misto de “anjos e demônios”, cumpre destacar que, a única maneira de se efetivar a democracia e a justiça social no Brasil, quando o povo se conscientizar de que é detentor do poder, o que só se pode conseguir através da educação, a fim de que cada pessoa lute por seus direitos, fazendo com que a dignidade humana seja mais efetiva.
Por esta afirmação do grande ROUSSEAU, pode-se afirmar que, o homem educado no seio de uma sociedade, de modo igualitário, virá a respeitar os demais, uma vez que tem ciência de seu papel em uma sociedade política, vislumbrando que seus interesses, além dos particulares, também são públicos, pois o Estado é responsável pela prestação de serviços públicos, os lhe garantem (bem como à sociedade) bem comum e segurança.
É preciso incutir na mente da mocidade as grandes qualidades que tornam um cidadão útil, para que possa compreender seus direitos e deveres, com o que se atingiria a democracia na prática.
Com efeito, cabe dizer que, para combater uma democracia de papel, a racionalidade, o bom senso, a responsabilidade nas decisões, são qualidades que estão diretamente relacionadas com o grau de envolvimento do sujeito com assuntos de seu interesse. Ora, o Estado se faz presente, de fato, no cotidiano de qualquer cidadão, através de tributação, coerção, regulação, etc, tendo uma elevada participação na vida dos cidadãos, embora a elite política entenda que os negócios do Estado constituem seus próprios negócios.
Então, pode-se dizer, trazendo-se à luz as lições do brilhante jurista Beccaria, as seguintes palavras:
Desejais prevenir crimes? Fazei leis simples e claras; e esteja o país inteiro preparado a armar-se a defendê-las, sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em destruí-las.
Que elas não favoreçam qualquer classe em especial; protejam igualmente cada membro da sociedade; tema-as o cidadão e trema apenas diante delas. O temor que as leis inspiram é saudável, o temor que os homens inspiram é uma fonte nefasta de delitos. (...)
Desejais evitar crimes? Caminhe a liberdade acompanhada das luzes. Se as luzes produzem alguns malefícios, é quando são pouco difundidas; porém, à proporção que se espalham, as vantagens que propiciam se tornam maiores (...)
Se prodigalizardes luzes ao povo, a ignorância e a calúnia desaparecerão diante delas, a autoridade injusta tremerá, somente as leis ficarão inabaláveis, todo-poderosas, e o homem esclarecido amará uma constituição cujas vantagens são notórias, quando conhecidos os seus dispositivos, e que dá fundamentos sólidos à segurança pública. (...)
Finalmente, a maneira mais segura, porém ao mesmo tempo mais fácil de tornar os homens menos propensos à prática do mal, é aperfeiçoar a educação. [120]
Nesse sentido, BECCARIA, há alguns séculos atrás, concluiu sua obra, afirmando que a maneira mais segura e mais difícil de tornar os homens menos propensos à prática do mal, é aperfeiçoar a educação. Tanto é assim que, BECCARIA faz alusão à obra Emílio de Rousseau, escrito em 1762, de forma a afirmar que é preciso encaminhar as crianças para a virtude, pela estrada arejada do sentimento e afastá-las do mal pela força invencível da necessidade e dos inconvenientes que acompanham a má ação. [121]
Por fim, pode-se dizer que a ordem democrática foi recém-instalada no Brasil, portanto a Constituição Federal e demais legislação levarão anos para serem cumpridos em sua integralidade, até que a sociedade se eduque. No entanto, há toda esperança de que este dia chegará, em razão da lição de um homem, chamado Salomão, que herdou a virtude de Deus, pelo seu próprio pedido: “A vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito”. (Provérbios 4, 16)
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[1] CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 101.
[2] MALISKA, M. A. O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001. (s. p.)
[3] SARLET, I. W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 26.
[4] CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 102.
[5] SARLET, op. cit. p. 28.
[6] CANOTILHO, op. cit. p. 105.
[7] MALISKA, M. A. O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001.
[8] CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 112.
[9] SARLET, I. W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 32.
[10] VIANNA, L. W. A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 30.
[11] VIANNA, op. cit. p. 33.
[12] VIANNA, loc. cit.
[13] VIANNA, L. W. A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. P. 33.
[14] VIANNA, op. cit p. 34.
[15] PIOVESAN, Temas de direitos humanos. P. 330.
[16] SILVA, op. cit. p. 286.
[17] SILVA, loc. cit.
[18] SILVA, loc. cit.
[19] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[20] PIOVESAN, F. op. cit. p. 340.
[21] PIOVESAN, F. op. cit. P. 337/8.
[22] PIOVESAN, F. op. cit. p. 338.
[23] BOBBIO, N. A era dos Direitos. P. 43.
[24] PIOVESAN, loc. cit.
[25] PIOVESAN, F. ob. cit. P. 342/4.
[26] PIOVESAN, op. cit. P. 345.
[27] PIOVESAN, F. op. cit. P. 344.
[28] PIOVESAN, loc. cit.
[29] PIOVESAN, op. cit. p. 345.
[30] PIOVESAN, op. cit. p. 346.
[31] RUSCHEINSKY, A. Metamorfoses da Cidadania. São Leopoldo: Ed. da UNISINOS, 1999. P. 163.
[32] LIMA, F. D. S. Em busca da efetividade dos direitos sociais prestacionais. Considerações acerca do conceito de reserva do possível e do mínimo necessário. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2177>. Acesso em: 11/04/2005.
[33] LIMA, loc. cit.
[34] BOBBIO, op. cit. P. 44/5 .
[35] BOBBIO, N. A era dos Direitos. P. 76/7.
[36] LIMA, F. D. S. Em busca da efetividade dos direitos sociais prestacionais. Considerações acerca do conceito de reserva do possível e do mínimo necessário. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2177>. Acesso em: 11/04/2005, às 17 hs.
[37] LIMA, loc. cit.
[38] LIMA, F. D. S. Em busca da efetividade dos direitos sociais prestacionais. Considerações acerca do conceito de reserva do possível e do mínimo necessário. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2177>. Acesso em: 11/04/2005.
[39] LIMA, loc. cit.
[40] REALE, op. cit.. p. 4
[41] PIOVESAN, F. ob. cit. P. 389/91.
[42] PIOVESAN, F. ob. cit. P. 392.
[43] KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, s.d. p. 68.
[44] LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito – Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. p. 32.
[45] FIORATI, Jete Jane. "Os direitos do homem e a condição humana no pensamento de Hannah Arendt." Revista de Informação Legislativa, ano: 36; n. 142, abr/jun, 1999, p. 60.
[46] RUSSOMANO, R. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. p. 111.
[47] SILVA, A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002 P. 131/2
[48] RUSSOMANO, op. cit. p. 112.
[49] MILL, J. S. Considerações sobre o governo representativo. Trad. De Manoel I. de L. Santos Jr. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 39.
[50] RUSSOMANO, op. cit. p. 117.
[51] ROCHA, C. L. A. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. Disponível em www.jus.com.br. Acesso em 15/06/2005, às 15 hs
[52] GÓMEZ, José Maria. Política e Democracia em Tempos de Globalização. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 52.
[53] BOURDIEU, Pierre. Lições de Aula. São Paulo: Editora Ática, 1988. P. 35/6.
[54] BOURDIEU, loc. cit.
[55] MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A crise da democracia representativa. O paradoxo do fim da modernidade. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4828>. Acesso em: 16/06/2005.
[56] MAGALHÃES, loc. cit.
[57] MAGALHÃES, loc. cit.
[58] KELSEN, H. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 141.
[59] KELSEN, loc. cit.
[60] MILL, J. S. Considerações sobre o governo representativo. Trad. De Manoel I. de L. Santos Jr. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. P. 39.
[61] MILL, J. S. Considerações sobre o governo representativo. Trad. De Manoel I. de L. Santos Jr. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 40.
[62] MILL, loc. cit.
[63] MILL, loco cit.
[64] MILL, loc. cit.
[65] MILL, loc. cit.
[66] MILL, loc. cit.
[67] MILL, loc. cit.
[68] MILL, J. S. Considerações sobre o governo representativo. Trad. De Manoel I. de L. Santos Jr. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 59/60.
[69] STEPAN, A. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 478/9.
[70] STEPAN, op. cit. p. 585/7.
[71] ALMEIDA, Alysson Oliveira de. O poder emana do povo! . Jus Navigandi, Teresina, a. 2, n. 26, set. 1998. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=65>. Acesso em: 16/06/2005, às 15:30 hs.
[72] SOARES, R. P., et. Al. Estado, participação política e democracia. São Paulo: ANPOCS, 1985. P. 70/1.
[73] SOARES, loco cit.
[74] SILVA, A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 140.
[75] SILVA, loc. cit.
[76] SILVA, loc. cit.
[77] SILVA, op. cit. P. 129/130.
[78] SILVA, A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 419.
[79] PRICE WATERHOUSE. A Constituição do Brasil 1988 comparada e comentada. São Paulo: Price Waterhouse, 1889. p. 156.
[80] SILVA, op. cit. P. 69.
[81] SILVA, op. cit. P. 424
[82] BONAVIDES, P. Política e Constituição. Os caminhos da Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 365/6.
[83] WOLKMER, A. C. Ideologia, Estado e Direito. 2. ed. rev. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. P. 81.
[84] WOLKMER, loc. cit.
[85] WOLKMER, A. C. Ideologia, Estado e Direito. 2. ed. rev. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 89.
[86] STEPAN, A. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 494.
[87] STEPAN, op. cit. p. 575/6.
[88] ALMEIDA, loc. cit.
[89] REIS, F. W. O’ DONNELL, G. A democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 27.
[90] REIS, op. cit. p. 81.
[91] REIS, F. W. O’ DONNELL, G. A democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 82.
[92] MILL, J. S. Considerações sobre o governo representativo. Trad. De Manoel I. de L. Santos Jr. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 40.
[93] MILL, loc. cit.
[94] MILL, loc. cit.
[95] MILL, loc. cit.
[96] MILL, J. S. Considerações sobre o governo representativo. Trad. De Manoel I. de L. Santos Jr. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 66.
[97] MILL, loco cit.
[98] MILL, op. cit. p. 67.
[99] MILL, loco. cit.
[100] MILL, loco. cit.
[101] STEPAN, A. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 488/9.
[102] STEPAN, op. cit. p. 590/1.
[103] STEPAN, loc. Cit.
[104] STEPAN, loc. cit.
[105] BENECKE, D. W., NASCIMENTO, R. Política social preventiva: desafio para o Brasil. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2003. P. 85.
[106] BENECKE, D. W., NASCIMENTO, R. Política social preventiva: desafio para o Brasil. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2003 . P. 85/6.
[107] BENECKE, op. cit. P. 89.
[108] BENECKE, op. cit. P. 85.
[109] RUSSOMANO, R. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. p. 114/5.
[110] SILVA, A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 121/2.
[111] REIS, op. cit. p. 16.
[112] REIS, F. W. O’ DONNELL, G. A democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 20.
[113] REIS, op. cit. p. 21.
[114] REIS, loc. cit.
[115] SOARES, op. cit. P. 71/2.
[116] DALLARI, D. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 171.
[117] DALLARI, op. cit. P. 171/2.
[118] DALLARI, D. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 174/5.
[119] FUKUYAMA, loc. cit.
[120] BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 102, 103, 106.
[121] BECCARIA, op. cit. p. 106/7.
Analista Judiciária da Justiça Federal e ex-servidora do Instituto Nacional do Seguro Social. Pós-graduada em Direito Previdenciário e em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KOEHLER, Michele. A inefetividade dos direitos sociais e a mácula à dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38631/a-inefetividade-dos-direitos-sociais-e-a-macula-a-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 22 nov 2024.
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