O médico, como qualquer outro profissional, pode cometer erros no exercício de seu mister, sujeitando-se à responsabilização. Na prática, são imputados a esses profissionais uma série de erros, tais como exame superficial do paciente e consequente diagnóstico equivocado, prescrições erradas, negligência pós-operatória, operações prematuras, dentre outras situações.
“O erro médico, quase sempre por culpa, é uma forma de conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde do paciente. É o dano sofrido pelo paciente que possa ser caracterizado como imperícia, negligência ou imprudência do médico, no exercício de suas atividades profissionais”.[1]
Deve-se distinguir o erro médico do acidente imprevisível e do resultado incontrolável. O acidente imprevisível é aquele cujo dano é oriundo de caso fortuito ou força maior, incapaz de ser previsto e evitado pelo médico. O resultado incontrolável, a seu turno, caracteriza-se como o resultado danoso para os quais a ciência e a capacidade profissional do médico ainda não dispõem de uma solução.
Com exceção de algumas especialidades, tais como a cirurgia plástica (em que normalmente se estará diante de uma obrigação de resultado), o médico tem apenas obrigação de meio com relação a seu paciente. Isto é, o médico deve lançar mão de toda a diligência e empenho possíveis, a fim de alcançar o resultado almejado, o qual, no entanto, pode vir a não ser atingido, sem que isso implique culpa do profissional.
“A obrigação do médico é de meio porque o objeto do seu contrato é a própria assistência ao seu paciente, quando se compromete a empregar todos os recursos ao seu alcance, sem no entanto poder garantir sempre um sucesso. Só pode ser considerado culpado se ele procedeu sem os devidos cuidados, agindo com insensatez, descaso, impulsividade ou falta de observância às regras técnicas. Não poderá ser culpado se chegar à conclusão de que todo empenho foi inútil em face da inexorabilidade do caso, quando o especialista agiu de acordo com a lei da arte, ou seja, se os meios empregados eram de uso atual e sem contraindicações. Punir-se, em tais circunstâncias, alegando obstinadamente um ‘obrigação de resultado’ não seria apenas um absurdo. Seria uma injustiça”.[2]
No que tange à obrigação de reparar danos causados a terceiros, a doutrina divide a responsabilidade civil em objetiva e subjetiva. A responsabilidade subjetiva está atrelada ao elemento culpa, que abrange desde a culpa em sentido estrito ao dolo. De acordo com essa teoria, não se há falar em responsabilização civil daquele que agiu de forma correta, irrepreensível, ainda que tenha causado um dano.
A responsabilidade objetiva, a seu turno, prescinde da presença do elemento culpa para sua caracterização. Para que reste configurada, basta a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre eles. “Assim como a teoria da culpa serve de fundamento à responsabilidade subjetiva, a teoria do risco fundamenta a responsabilidade objetiva. Há muita controvérsia entre as duas teorias, sendo verdade, no entanto, que ambas caminham juntas em nosso ordenamento. A responsabilidade com culpa é regra geral, somente sendo admitida a responsabilidade objetiva ou sem culpa em casos expressamente previstos em lei”.[3]
Com efeito, de uma leitura do artigo 186 do Código Civil, depreende-se que a responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro possui, em regra, caráter subjetivo, a saber:
Art. 186. Aquele que, por ação ou missão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O artigo 927, especialmente o seu parágrafo único, no entanto, parece estabelecer a responsabilidade objetiva, excluindo do conceito a necessidade de verificação de culpa ao dispor, in verbis:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem é obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A responsabilidade objetiva, portanto, distancia-se do conceito de culpa, concentrando-se mais da teoria do risco. “A teoria do risco consiste numa exacerbação da responsabilidade objetiva. O prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou – independentemente de ter ou não agido com culpa. Responsável é aquele que causou o dano – não importa o que ele tenha a dizer”.[4]
Com o advento do Código Civil de 2002 e, logo, dos dispositivos acima transcritos, surgiram alguns questionamentos em torno da modalidade de responsabilização civil a ser aplicada aos profissionais de saúde. Sendo consideradas atividades de risco, estariam sujeitas à responsabilidade objetiva, lastreada no artigo 927, parágrafo único, e não à responsabilidade subjetiva consagrada no artigo 926 do referido diploma legal.
A jurisprudência, todavia, tem se posicionado maciçamente no sentido de que a responsabilização civil dos médicos é de natureza subjetiva. É o que se infere dos julgados abaixo:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. CESÁREA. COMA IRREVERSÍVEL. CULPA E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS. REVISÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. DANO MORAL. VALOR RAZOÁVEL.
MANUTENÇÃO. JUROS DE MORA. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA MP 2.180-35/01. INAPLICABILIDADE. TERMO INICIAL. SÚMULA 54/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.
1. A Corte local decidiu com base no conjunto fático-probatório (nexo de causalidade entre o ato cirúrgico e o dano experimentado pela paciente, com culpa do agente). Rever esse entendimento demandaria o revolvimento de fatos e provas - incidência da súmula 07/STJ.
2. Indenização razoável (R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais)), levando em conta o dano experimentado pela paciente.
3. O art. 1º-F com a redação dada pela MP 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 incide "nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos", não se aplicando à hipótese dos autos.
4. Na responsabilidade civil extracontratual, os juros de mora são devidos desde o evento danoso, na forma da súmula 54/STJ.
5. O conhecimento da divergência jurisprudencial pressupõe cotejo analítico,demonstrativo da similitude fática e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, nos moldes dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ.
6. Recurso especial conhecido em parte e desprovido.
(REsp 1289679/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 18/09/2013)
(grifo nosso)
CIVIL. REALIZAÇÃO DE CIRÚRGIA EM HOSPITAL DE UNIVERSIDADE FEDERAL. COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS. SEQÜELAS. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE CULPA DO PROFISSIONAL. INDENIZAÇÃO DESCABIDA. 1. A responsabilidade de universidade federal como autarquia é objetiva, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição, mesmo em se tratando de possível erro médico em hospital de sua titularidade, de modo que a pessoa que se sente lesada precisa provar apenas a ação de um agente da entidade pública (médico, enfermeiro, etc.), o dano e o nexo de causa e efeito entre ambos. 2. Caso concreto em que se alega o surgimento de seqüela na Autora (incontinência urinária), em razão de erro médico cometido durante procedimento cirúrgico para tratamento de tumor no útero. 3. As alegações e provas documentais constantes da inicial não se mostram suficientes a suplantar o substancioso laudo pericial produzido, que concluiu que a seqüela apresentada pela Autora foi decorrente de uma complicação pós-operatória e não um erro cometido pelo médico na cirurgia, tendo a paciente recebido tratamento e acompanhamento posterior adequado e condizente com seu quadro clínico. Ação de agente da Autarquia e nexo causal não comprovados. 4. Com efeito, a obrigação médica não é obrigação de resultado, mas obrigação de meio. Não se pode exigir do médico ou do estabelecimento hospitalar o dever de curar o paciente, mas, sim, o de envidar esforços no sentido de se reverter um quadro desfavorável, que nem sempre é possível se conseguir, em razão dos riscos inerentes a qualquer intervenção cirúrgica. 5. Apelação da Autora desprovida.
(AC 200138000386050, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 24/10/2008, PAGINA 82.)
(grifo nosso)
ADMINISTRATIVO. CIRURGIA REALIZADA EM HOSPITAL VINCULADO À UFC. CONTEÚDO PROBATÓRIO DOS AUTOS QUE AFASTA A HIPÓTESE DE ERRO MÉDICO. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O EVENTO DANOSO E O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1 - Autor que atribui à UFC e ao Hospital Universitário Walter Cantídio a responsabilidade pelo agravamento da patologia que lhe acomete, decorrente de erro médico em face de cirurgia de Timpanoplastia e Canalopastia a que foi submetido, que resultou em anacusia do ouvido esquerdo e paralisia facial periférica, deixando-o em situação extremamente pior do que se encontrava anteriormente. 2 - Responsabilidade objetiva do Estado que decorre de expressa previsão no parágrafo 6º, do art. 37, da CF/88. Para configuração da responsabilidade do Estado, não se faz necessária a demonstração da existência de elementos subjetivos - dolo ou culpa - sendo esses essenciais apenas para o exercício do direito de regresso contra o responsável. Indispensável à caracterização da dita responsabilidade que é a presença dos três elementos: Conduta (ação ou omissão) de agente do Estado + nexo de causalidade + dano. 3 - Inexistência de dúvidas quanto à perda da capacidade auditiva do autor em relação ao ouvido esquerdo, bem como da paralisia facial periférica que o acometeu. Todavia, do conteúdo probatório dos autos, não se depreende nexo causal, direto e imediato, entre conduta da ré com o evento danoso, inexistindo, pois, responsabilidade estatal. 4 - Provas dos autos que afastaram a hipótese, arguida pelo Autor, de que teria havido negligência ou imperícia da equipe médica responsável pelo procedimento cirúrgico, e que a anacusia e a paralisia facial periférica são consequências diretas da cirurgia de timpanoplastia. Tanto os documentos colacionados aos autos, quanto o laudo pericial produzido em Juízo, atestaram que a perda da audição do autor não decorreu do procedimento cirúrgico em si, mas tão somente, em virtude de processo infeccioso ocorrido após o autor ter recebido alta do hospital. 5 - Improcedência dos pedidos. Manutenção da sentença. Apelação Cível improvida.
(AC 00137656020104058100, Desembargador Federal Geraldo Apoliano, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::23/05/2013 - Página::323.)
(grifo nosso)
Vê-se, destarte, que o médico não pode ser responsabilizado indiscriminadamente por qualquer conduta praticada que acarrete dano ao paciente. Tampouco se pode admitir, de outra banda, que fique sempre imune à obrigação de reparar danos, ainda que provocados por conduta culposa. “Há dois fatos que não podem passar despercebidos numa discussão como essa: primeiro, nem todo mau resultado é sinônimo de erro médico; segundo, não se deve omitir que a má prática médica exista e que os pacientes deixem de ser justamente reparados”.[5]
Assim, quando presente o elemento culpa, o médico só poderá eximir-se do dever de indenizar se demonstrar ausência de culpa ou inexistência de nexo causal. “Ausentes imperícia, imprudência ou negligência, resultará eliminado o fator de atribuição. A prova da ausência de culpa, na responsabilidade civil médica, implica a demonstração de que o dano era imprevisível ou inevitável – ocorrências muito próximas do caso fortuito (este, imprevisível e inevitável)”.[6]. Ainda, “é preciso distinguir entre a falha decorrente da imprudência, negligência ou imperícia, daquela que resulta da própria precariedade da ciência médica, dos recursos ao alcance do profissional ou da falibilidade das ações humanas. Não se pode exigir do médico que acerte sempre; mas não se lhe desculpa o erro grosseiro”.[7]
Pode-se concluir, portanto, que a rigor a culpa médica obedece aos mesmos critérios para definição da culpa comum. Diante das circunstâncias do caso posto a sua apreciação, o juiz deverá observar se a conduta adotada pelo médico com relação ao paciente deu-se em conformidade com os padrões científicos aplicáveis. “O Prof. Caio Mário (Responsabilidade médica, Coad, II/7) sustenta que a culpa médica aprecia-se como qualquer outra. Desde que o juiz entenda que um médico prudente ter-se-ia comportado, nas mesmas circunstâncias, diversamente do acusado, deve condená-lo à reparação”.[8]
REFERÊNCIAS:
COUTINHO, Léo Meyer. Responsabilidade ética – penal e civil do médico. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1997.
COUTO FILHO, Antonio Ferreira. SOUZA, Alex Pereira. A improcedência no suposto erro médico. 2. ed., rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002.
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 11. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
[1] FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 11. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 253.
[2] FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 11. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 267.
[3] COUTO FILHO, Antonio Ferreira. SOUZA, Alex Pereira. A improcedência no suposto erro médico. 2. ed., rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 11.
[4] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 34.
[5] FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 11. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 291.
[6] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 35.
[7] COUTINHO, Léo Meyer. Responsabilidade ética – penal e civil do médico. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1997, p. 8.
[8] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.50.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Larissa Suassuna Carvalho. O erro médico e sua responsabilização civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38656/o-erro-medico-e-sua-responsabilizacao-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.