Resumo: Dentro do contexto da filosofia da razão argumentativa de Habermas, o processo judicial também deveria ser entendido como um espaço de discussão, de deliberações coletivas, com o fim de alcançar uma conclusão, a decisão judicial, que dessa forma será mais justa, equânime, válida e, portanto, passível de ser aplicada eficazmente na sociedade.
Palavras-chave: 1. Filosofia do direito; 2. Jürgen Habermas; 3. Processo.
Abstract: Within the context of the philosophy of Habermas's argumentative reason, the judicial process should also be understood as a space for discussion of collective deliberations, in order to reach a conclusion, the court decision, which thus will be more just, equitable, valid and therefore likely to be effectively applied in society.
Keywords: 1. Philosophy of Right. 2. Jürgen Habermas; 3. Process
Sumário: Introdução. Reflexões sobre a teoria da razão argumentativa de Jürgen Habermas e o Processo. Conclusões. Referências.
INTRODUÇÃO.
Segundo a teoria da ação comunicativa de Habermas, as proposições racionais são aquelas que podem ser validadas em um processo argumentativo. Uma das suas premissas centrais é o caráter intersubjetivo da produção de sentido, que ocorre na linguagem.
Em face disso, uma preocupação central no pensamento habermasiano é a preservação das condições pelas quais será possível o florescimento de um debate livre entre as diferentes concepções de vida existentes na sociedade, pois somente dessa forma os consensos alcançados a partir da deliberação coletiva poderiam ser tidos como afirmações legítimas. Em decorrência, um ordenamento político somente pode ser considerado legítimo se puder ser validado por meio de um processo argumentativo, ou seja, de uma relação intersubjetiva comunicativa.
Dentro dessa abordagem, este trabalho pondera sobre a aplicação da teoria habermesiana do agir comunicativo aplicada ao direito, sendo o processo o ponto principal de análise.
REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DA RAZÃO ARGUMENTATIVA DE JÜRGEN HABERMAS E O PROCESSO.
De acordo com o filósofo alemão Jürgen Habermas a sociedade necessita pensar e criticar, coletivamente e continuamente, sobre suas próprias tradições.
Habermas propõe um novo modelo filosófico calcado na intersubjetividade, através do recurso da linguagem, em conexão com o espaço social.
Esse filósofo prioriza a teoria da razão argumentativa. A razão passa a ser analisada a partir de um processo discursivo, que deve ser travado no seio da comunidade. Para ele, é primordial a busca pela fundamentação, a partir da argumentação, para então encontrarmos a razão, ainda que a reposta definitiva seja inalcançável.
A razão estaria no centro de nossas comunicações cotidianas, servindo não para descobertas abstratas, mas, sobretudo, para nos justificar socialmente, tendo a linguagem papel primordial nesse processo. Essa razão comunicativa na esfera pública é que constrói o consenso, ocasiona mudanças e fortalece a sociedade. O diálogo transforma-se em fundamento filosófico, pelo qual se chega à razão, e esta passa a interligar-se com a intersubjetividade.
A partir desta intersubjetividade teremos o ser reflexivo. É necessário que o homem discuta sobre si mesmo, sua natureza, seus valores e objetivos, ampliando essa experiência argumentativa com a sociedade. Essa discussão permanente dentro da comunidade permite a evolução da própria sociedade.
Habermas transforma o quadro filosófico existente ao distanciar a filosofia dos conhecimentos metafísicos e religiosos e aproximá-la da razão comunicativa, sugerindo a reflexão dentro de uma esfera social. Para ele a sociedade está capacitada para repensar as condições de sua constituição e quebrar paradigmas. Habermas propõe uma nova racionalidade, primordialmente crítica, desligada das tradições socioculturais existentes, que transforme nossa realidade social a partir do debate, da comunicação e da fundamentação na produção do conhecimento.
Ele afirma que a racionalidade da sociedade está relacionada aos valores da comunidade, que surgem a partir de deliberações coletivas. Mas estas, para serem universais precisam ser éticas e válidas politicamente.
É necessário um processo de reflexão social permanente, que permita o rompimento de ideologias e a construção de uma sociedade que, democraticamente, através de um processo de deliberações plurais, institucionalize juridicamente e politicamente os reais interesses da coletividade.
Dessa forma, a legitimidade do direito centra-se em argumentos/fundamentos justos e equânimes, dignos de serem reconhecidos e universalizados.
Dentro desse contexto, da filosofia da razão argumentativa de Habermas, penso que o processo judicial também deveria ser entendido como um espaço de discussão, de deliberações coletivas, com o fim de alcançar uma conclusão, a decisão judicial, que dessa forma será mais justa, equânime, válida e, portanto, passível de ser aplicada eficazmente na sociedade.
Destaque-se que não pretendo elevar o processo ao foco primordial do direito, acima de outros interesses caros ao conhecimento jurídico, como a ética ou a justiça, sob pena desse se tornar um fim em si mesmo, o que é inaceitável fática e juridicamente. Contudo, se entendermos o processo como um mecanismo discursivo, que deve ser travado no seio da comunidade, no qual se busca a fundamentação a partir da argumentação, para encontrarmos a razão judicial, alcançaremos um meio eficaz e plural de soluções de conflitos.
Quando se efetiva o processo, dentro de um contexto social de participação coletiva para a chegada a uma conclusão, esta se torna inevitavelmente mais respeitada pela sociedade, posto que a decisão será consequência de uma discussão amparada em argumentos/fundamentos dentro da esfera social, oriunda de um procedimento argumentativo/cooperativo de busca da verdade, colocando todos os atores processuais em pé de igualdade e interagindo para o encontro da melhor solução.
Sob essa ótica, o raciocínio jurídico não deve ser uma mera operação dedutiva de aplicação da lei ao caso concreto, devendo ser realizado a partir da teoria da argumentação, mas sem que se descuide da norma legal estabelecida e do seu conteúdo ético e de justiça.
A legalidade, para Habermas, não seria a única fonte de legitimidade do direito. Bittar cita em seu livro importante trecho da obra de Habermas (BITTAR. 2009. p. 491-192):
O surgimento da legitimidade a partir da legalidade não é paradoxal, a não ser para os que partem da premissa de que o sistema do direito tem que ser representado como um processo circular que se fecha recursivamente, legitimando-se a si mesmo. A isso opõe-se a evidência de que as instituições jurídicas da liberdade decompõe-se quando inexistem iniciativas de uma população acostumada à liberdade. Sua espontaneidade não pode ser forçada através do direito; ele se regenera através das tradições libertárias e se mantém nas condições associocionais de uma cultura política liberal. Relações jurídicas podem, todavia, estabelecer medidas para que os custos das virtudes cidadãs pretendidas não sejam muito altos. A compreensão discursiva do sistema dos direitos conduz o olhar para os dois lados: de um lado, a carga de legitimação da normatização jurídica das qualificações dos cidadãos desloca-se para os procedimentos da formação discursiva da opinião e da vontade institucionalizados juridicamente. De outro lado, a juridificação da liberdade comunicativa significa também que o direito é levado a explorar fontes de legitimação dos quais ele não pode dispor. (grifo nosso)
Podemos chegar a conclusão que a legitimidade do direito é obtida pela teoria do discurso. Assim, quanto mais formado pela multiplicidade de opiniões, e quanto mais garantido a participação igualitária na formação do discurso, maior será a legitimidade do direito.
Como exemplo de manifestação social dentro de um processo judicial, temos a audiência pública, instrumento de participação popular que ocorre nos processos envolvendo interesses coletivos, cujo objetivo é fundamentar a tomada de decisões, através do debate social efetivo.
Nas audiências públicas constrói-se um espaço democrático de pensamento e crítica, efetivado dentro do seio da comunidade, que auxilia na tomada de decisões judiciais.
Ao abrir uma esfera coletiva de deliberação e ao aproximar o cidadão do processo decisório, a audiência pública concede maior legitimidade para as decisões.
Outro exemplo de implementação habermesiana da razão comunicativa é visualizada na figura do amicus curiae – amigos da corte –, instituto de origem norte americana no qual se admite a intervenção judicial de indivíduos e grupos sociais que tenham interesse na causa.
Estes dois institutos jurídicos são instrumentos que trazem ao processo a manifestação da sociedade, através dos seus vários grupos, o que auxilia na produção de decisões mais legítimas.
Trata-se de exemplos da Democracia Deliberativa utilizados na legislação e jurisprudência brasileira, em especial pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que possibilitam a produção de decisões através de debates amplos e abertos.
O direito não pode ficar aprisionado a um modelo hermético de regras jurídicas, sendo necessário ligarmos a aplicação das normas à comunicação com a sociedade, e dessa forma, alcançaremos uma decisão mais justa, equitativa, razoável e eficaz para a comunidade.
O ordenamento jurídico deve ser construído com mecanismos que viabilizem a participação da sociedade na produção da decisão. Não se pode aceitar uma aplicação do direito que seja descompromissada da realidade social. Novas formas de participação públicas plurais devem ser desenvolvidas, visando à construção de uma cidadania democrática e participativa, com espaços públicos de deliberação, em que se possa exercer a liberdade de expressão, com a manifestação dos interesses sociais dos diversos grupos interessados.
Habermas entende que a legitimidade de um ordenamento jurídico decorre do equilíbrio dialético e para tanto: “recomenda-se considerar o procedimento democrático a partir de pontos de vista da teoria do discurso: sob condições do pluralismo social e de visões do mundo, é o processo democrático que confere força legitimadora ao processo de criação do direito”.
Desta forma o indivíduo, participando efetivamente do processo discursivo político está apto a produzir as normas que este mesmo indivíduo observará.
Ilustra muito bem o pensamento de Habermas sobre o tema:
[...] regulamentações que podem requerer legitimidade são justamente as que podem contar com a concordância de possivelmente todos os envolvidos enquanto participantes em discursos. Se são discursos e negociações - cuja justeza e honestidade encontram fundamento em procedimentos discursivamente embasados - o que constitui o espaço em que se pode formar uma vontade político racional, então a suposição de racionalidade que deve embasar o processo democrático tem necessariamente de se apoiar em um arranjo comunicativo muito engenhoso; tudo depende das condições sob as quais se podem institucionalizar juridicamente as formas de comunicação necessárias para a criação legítima do direito.
Dessa forma, criaremos um espaço de discussão permanente para a sociedade, dentro do ordenamento jurídico, que permitirá a evolução da própria comunidade.
Para Habermas, o problema da modernidade estaria na incapacidade das esferas de solidariedade social agirem comunicativamente em razão da colonização do mundo, envolvido nos sistema burocrático e econômico.
A colonização do mundo da vida se traduz também por alterações sérias no processo de comunicação pública, que subverte qualquer elemento estético mais refinado em favor de uma sociedade massificada e consumista de bens culturais descartáveis. A cultura e a arte, definidos por Habermas como formas de estilo e de expressão não –discursivas, pré-linguísticas ou extralingüísticas, ritualizadas, cunhadas de modo plástico, cujo conteúdo significativo performativo ou pré-predicativo ainda está, por assim dizer, à espera de uma explicação através do medium linguístico, deixam com isso de se tornar elementos de educação popular e se tornam formas de entretenimento que colaboram com a perda de capacidade crítica da população, colocando-a em uma posição passiva de consumir/digerir tudo que interessa à indústria em questão. .
Em oposição a esse sistema de dominação, Habermas concebe um sistema social no qual os indivíduos gozem de capacidade de aprendizado crítico, no qual o direito passaria a consubstanciar mecanismo de organização social em bases legítimas.
Por fim, ressalto que a participação social no processo não deve levar automaticamente a uma decisão que atenda unicamente ao clamor público, mas considerar, também, após a aferição das manifestações dos envolvidos, a validade universal dos posicionamentos, tendo por balança os princípios éticos, políticos e de justiça.
CONCLUSÕES
Habermas prioriza a teoria da razão argumentativa, propondo pensar e criticar coletivamente sobre nossas próprias tradições. A razão passa a ser analisada como uma possibilidade social a partir de um processo argumentativo. Para ele, é primordial a busca pela fundamentação, a partir da argumentação, para então encontrarmos a razão, ainda que a reposta seja inalcançável.
A razão estaria no centro de nossas comunicações cotidianas, servindo não para descobertas abstratas, mas, sobretudo para nos justificar socialmente, tendo a linguagem papel primordial nesse processo. Essa razão comunicativa na esfera pública é quem constrói o consenso, ocasiona mudanças e fortalece a sociedade. A razão passa a interligar-se com a intersubjetividade.
Habermas afirma que a racionalidade da sociedade está relacionada aos valores da comunidade, que surgem a partir de deliberações coletivas. Mas estas, para serem universais precisam ser éticas e válidas politicamente.
Habermas transforma o quadro filosófico existente ao distanciar a filosofia dos conhecimentos metafísicos e religiosos, e aproximá-la da razão comunicativa, sugerindo a autorreflexão dentro de uma esfera social. Para ele a sociedade está capacitada para repensar as condições de sua constituição e quebrar paradigmas.
A partir da intersubjetividade teremos o ser reflexivo. È necessário que o homem discuta sobre si mesmo, sua natureza, seus valores e objetivos, ampliando essa experiência argumentativa com a sociedade. Essa discussão permanente na sociedade permite a evolução.
Dessa forma, a legitimidade do direito centra-se em argumentos/fundamentos justos e equânimes, derivados da perene discussão intersubjetiva, dignos de serem reconhecidos e universalizados.
REFERENCIAS
BITTAR, Eduardo C. B. e outro. Curso de Filosofia do Direito. Editora Atlas. São Paulo: 7ª ed, 2009.
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Habermas e o Direito Brasileiro. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre facticidade e validade. 2ª Vol II, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
______. Para a Reconstrução do Materialismo Histórico. Rio de Janeiro, 1983.
______. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política, Edições Loyola. São Paulo, 2002.
Procuradora Federal desde 03/03/2008, atualmente lotada na Procuradoria Federal Especializada do INCRA; Ex. Procuradora do Estado do Pará; Ex. Defensora Pública do Estado do Pará e Ex. Advogada do Banco do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVILA, Kellen Cristina de Andrade. Reflexões sobre a teoria da razão argumentativa de Jürgen Habermas e o Processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38658/reflexoes-sobre-a-teoria-da-razao-argumentativa-de-jurgen-habermas-e-o-processo. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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