A hermenêutica constitucional é questão extremamente tormentosa na doutrina e na aplicação do direito, não só no Brasil, mas em todos os países, especialmente nos de tradição romano-germânica, onde impera a norma legal escrita.
Nesse campo merece especial destaque o controle de constitucionalidade das leis e outros atos normativos infraconstitucionais, principalmente no sentido de promover a máxima aplicabilidade das normas constitucionais, com destaque para a concretização dos direitos fundamentais.
É nítido, desde o pensamento positivista de Hans Kelsen, que a norma jurídica sempre deve estar fundada em norma hierarquicamente superior, de tal sorte que se não está em conformidade com esta não será valida, configurando-se, dessa forma, um sistema de compatibilidade vertical das normas dentro do ordenamento jurídico.
Está aí o estribo teórico da superioridade das normas constitucionais, tidas como as hierarquicamente mais elevadas dentro do sistema. O que, por conseqüência, fundamenta o controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos infraconstitucionais. Em outras palavras, todos os atos normativos, sejam ou não legislativos, devem estar subordinados ao parâmetro constitucional, seja formal, procedimental ou materialmente (CANOTILHO).
Todavia, isto não torna simples a questão referente ao controle da conformidade das normas com a Constituição, isto porque não é tarefa simples a fixação parâmetro constitucional a ser utilizado nesse controle. Segundo CANOTILHO há duas posições possíveis: aquele que considera que o parâmetro deve ser apenas as regras e princípios escritos na Constituição; e aquela que inclui, ao menos, princípios constitucionais implícitos (não escritos).
Definitivamente, numa concepção mais avançada em relação ao pensamento positivista, deve prevalecer a segunda posição, no sentido de dar máxima efetividade às normas constitucionais e de promover a concretização dos direitos fundamentais. Mas dentro dessa concepção nasce outro problema, ainda referente à fixação do parâmetro de confronto no controle de constitucionalidade.
A Constituição não deve ser encarada como mero texto escrito pelo constituinte e ligado diretamente à vontade deste. As normas jurídicas em geral, quando passam a vigorar, desvinculam-se da vontade do seu criador a passam ao campo da interpretação. A Constituição, em especial, é um texto normativo cujo conteúdo permanece aberto, sendo uma obra inacabada e em constante mutação, especialmente através da interpretação constitucional, podendo ser encarada como algo vivo e que possivelmente nunca se poderá considerar completamente pronta e acabada, especialmente no que concerne aos direitos e garantias fundamentais.
Nessa perspectiva é que se verifica que a Constituição não está adstrita ao seu texto, mas nela se encontram princípios implícitos inerentes à ordem constitucional e até mesmo outros textos normativos não incluídos dentro do corpo escrito da Lei Maior que sejam materialmente constitucionais, com especial relevo para os direitos e garantias fundamentais.
Nesse sentido merece especial destaque a posição do Ministro CELSO DE MELO do Supremo Tribunal Federal, exposta com autoridade na decisão proferida na ADI nº 1588 (inteiro teor em anexo), no sentido de “que a Constituição da República, muito mais do que o conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados, há de ser também entendida em função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289, 292 - RTJ 77/657)”
A própria Constituição brasileira de 1988 abre, de forma expressa, espaço para essa interpretação ao fixar em seu artigo 5º, §§2º e 3º, este com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o seguinte:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais
Fica, pois, clara a natureza constitucional, isto é, materialmente constitucional, das normas formalmente infraconstitucionais, sejam leis ou tratados internacionais, quando versarem sobre direitos e garantias fundamentais. Tendo a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, criado a possibilidade dos últimos tornarem-se, também, norma formalmente constitucional através de aprovação por quorum especial.
Não é excessivo destacar que elevação de tais diplomas normativos ao status de normas materialmente constitucionais, diz respeito exclusivamente àqueles que tratem de direitos e garantias fundamentais, tendo em vista sua enorme importância, uma vez que objetivam salvaguardar direitos do ser humano.
Não restam dúvidas de que o parâmetro para o controle das leis e dos atos normativos é a Constituição, todavia essa deve ser entendida no sentido mais amplo, considerando tudo o que em seu conceito possa ser incluído. Na solução dessa questão é que ganha grande importância o conceito de bloco de constitucionalidade.
“O bloco de constitucionalidade expande as disposições dotadas de valor constitucional, ampliando, pois, os direitos e as liberdades públicas, abrindo espaço para o crescimento e fortalecimento dos direitos fundamentais do homem. O bloco de constitucionalidade pode ser entendido como o conjunto normativo que contém disposições, princípios e valores materialmente constitucionais fora do texto da Constituição formal.” (JOSINO NETO, Miguel. “O bloco de constitucionalidade como fator determinante para a expansão dos direitos fundamentais da pessoa humana”. www.jus.com.br)
Destarte, a dificuldade de se atingir um conceito único de Constituição e, por conseguinte, de se fixar um “parâmetro de confronto para a verificação da compatibilidade vertical” (Leonardo Tochetto Paupério) das normas infraconstitucionais, é que possibilita o desenvolvimento teórico e a aplicação prática de um conceito de bloco de constitucionalidade mais abrangente, que ultrapasse os limites do mero texto escrito, composto de regra e princípios explícitos da Constituição; abarcando principalmente os princípios implícitos, ou não escritos, e até mesmo normas infraconstitucionais, que por sua possibilidade de promover a máxima eficácia dos direitos a garantias fundamentais, nos termos da Lei Maior, possam ser entendidas como normas materialmente constitucionais, nesse sentido é a já citada decisão no Ministro CELSO DE MELLO na ADI nº 1588.
Por todo o exposto, verifica-se a grande importância do conceito de bloco de constitucionalidade como núcleo básico do ordenamento jurídico, fundamento da interpretação da ordem constitucional e, conseqüentemente, como parâmetro para a verificação da constitucionalidade das leis e atos normativos infraconstitucionais, no sentido de dar máxima eficácia e promover a concretização dos direitos fundamentais.
COELHO, Bernardo Leôncio Moura. O Bloco de Constitucionalidade e a Proteção à Criança, in Revista de Informação Legislativa, vol. 123, pág. 259 e seguintes)
GOMES CANOTILHO, J. J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição,1998, Almedina.
Josino Neto, Miguel O bloco de constitucionalidade como fator determinante para a expansão dos direitos fundamentais da pessoa humana. in http://jus.com.br/artigos/3619/o-bloco-de-constitucionalidade-como-fator-determinante-para-a-expansao-dos-direitos-fundamentais-da-pessoa-humana
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 1998. Martins Fontes.
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