RESUMO: O presente trabalho tem por escopo analisar e definir os contornos da prisão civil no direito brasileiro como método de coerção do devedor de alimentos, demonstrando a sua aceitação no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, face à Constituição Federal de 1988.
Palavras-chaves: Prisão Civil; liberdade; obrigação alimentícia; princípios.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é apresentar, detalhadamente, as questões que envolvem a prisão daquele que, de forma voluntária e inescusável, descumpre a obrigação de prestar alimentos a quem lhe é devido, conforme expresso no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal.
Nesta oportunidade, pretende-se esclarecer o conceito de alimentos, a sua natureza jurídica, identificando quem, em que circunstâncias e de que forma se deve prestá-los.
Importante ainda delimitar os fundamentos legais da obrigação alimentícia e os princípios que lhe norteiam, para que, ao final, seja possível concluir pelo cabimento ou não da prisão do devedor de alimentos.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 ELEMENTOS CONCEITUAIS DOS ALIMENTOS
Àqueles que não podem prover da própria subsistência, compete ao Poder Público desenvolver atividades em seu benefício, tais como assistência social, estímulo ao seguro, além de outras medidas defensivas adequadas. No entanto, cabe também aos parentes do necessitado, ou às pessoas ligadas ao mesmo por elo civil, o dever de propiciar-lhe as mínimas condições de sobrevivência, podendo estas serem exigidas judicialmente (PEREIRA, 2007c, p.495).
Verifica-se que há uma forte tendência no sentido de impor ao Estado a obrigação de socorrer as pessoas necessitadas, mediante incremento de políticas assistenciais e previdenciárias. Mas para aliviar-se deste encargo, o Estado transfere, por lei, tal dever aos parentes do necessitado, “pois os laços que unem membros de uma mesma família impõem esse dever moral e jurídico” (DINIZ, 2004b, p.497-498).
Em conceito vulgar, diz-se que alimentos são “tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida” (CAHALI, 2002, p.15).
Tecnicamente, deve-se acrescentar a esta definição “a idéia de obrigação que é imposta a alguém, em função de uma causa jurídica prevista em lei, de prestá-los a que, deles necessite”. Tanto a lei quanto a doutrina têm atribuído a acepção da palavra alimentos uma idéia plúrima, que compreende não só a obrigação de prestá-los, mas também os componentes da obrigação a ser prestada (CAHALI, 2002, p.16).
Neste sentido, o conceito de alimentos, assim previstos no art. 1.694, do Código Civil, compreende tanto os alimentos naturais ou necessários, quanto os civis ou côngruos (PEREIRA, 2007c, p.495-496).
Entende-se por alimentos naturais aqueles que se destinam à necessidade de subsistência do indivíduo, como à alimentação, vestuário e habitação. Os chamados alimentos côngruos são garantidos pela educação, instrução e assistência, e prestam-se a garantir a qualidade de vida do credor de acordo com as condições sociais das pessoas envolvidas.
Silvio Rodrigues (2007, p.374) define que, em direito, alimentos “denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida”.
No dizer de Maria Helena Diniz (2004b, p.495), a concepção de alimentos envolve tudo o que é imprescindível para a vida da pessoa, como “alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, diversões, e, se a pessoa alimentada for menos de idade, ainda verbas para sua instrução e educação”. Até mesmo as despesas gastas com sepultamento estariam incluídas neste rol de prestações.
A obrigação de alimentar não se confunde com os deveres familiares de sustento, assistência e socorro que tem um cônjuge em relação ao outro (e vice-versa), nem com a obrigação dos pais para com seus filhos menores, em decorrência do poder familiar. O dever de prestar alimentos gera obrigação recíproca e depende das possibilidades do devedor e da real necessidade do alimentando. Já os deveres familiares são unilaterais e devem ser cumpridos incondicionalmente (DINIZ, 2004b, p.498).
Por fim, urge delimitar o conceito de alimentos para efeito de incidência da prisão civil, esclarecendo que devem ser excluídos os créditos de natureza alimentar, como os honorários advocatícios, por exemplo. No entendimento da autora, a prisão civil só pode ser imposta ao devedor de alimentos provenientes da solidariedade familiar, em razão dos próprios fundamentos que justificam a imposição de medida tão drástica.
Sendo assim, pelos mesmos motivos, não se deve admitir a decretação da prisão do devedor que deixa de pagar pensão decorrente da prática de ato ilícito, uma vez que esta obrigação resguarda uma pretensão nitidamente indenizatória, pelo que foge à natureza jurídica dos alimentos devidos no âmbito do direito de família, sobre a qual se falará na próxima seção.
2.1.1 Natureza jurídica e características dos alimentos
Traçado este perfil conceitual dos alimentos, cumpre agora delimitar a sua natureza jurídica.
Na visão de Maria Helena Diniz (2004b, p.501), a natureza jurídica dos alimentos é de “um direito, com caráter especial, com conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, conexa a um interesse superior familiar, apresentando-se como uma relação patrimonial de crédito-débito”.
Conforme identificado pela mesma autora, existem outros doutrinadores que defendem o caráter extrapatrimonial dos alimentos, uma vez que estes se apresentam como uma manifestação do direito à vida, que é personalíssimo. Além disto, defende-se que a verba recebida a título alimentício não aumenta o patrimônio do alimentando e nem serve de garantia para seus credores.
Por sua vez, Maria Berenice Dias (2007, p.450-451) sustenta que a natureza jurídica dos alimentos está relacionada com a origem da obrigação. Neste sentido, cumpre alertar que a prestação alimentícia pode advir de diversas fontes, quais sejam: do direito das famílias; da prática de ato ilícito; de contrato; e de testamento.
Caio Mário da Silva Pereira (2007c, p.496) classifica o aspecto causal dos alimentos como: legítimos (decorrem da lei); testamentários (instituídos por disposição de última vontade); convencionais (estabelecidos contratualmente); ressarcitórios (decorrentes de ato ilícito); e judiciais (estipulados por provimento judicial).
No âmbito do direito de família, a prestação alimentícia pressupõe-se a existência de um vínculo jurídico e “decorre do poder familiar, do parentesco, da dissolução do casamento ou da união estável” (DIAS, 2007, p.450). Os fundamentos desta obrigação são os princípios da solidariedade familiar e da preservação da dignidade da pessoa humana (DINIZ, 2004b, p.496), sobre os quais oportunamente se falará.
Segundo Silvio Rodrigues (2007, p.375), os alimentos têm caráter assistencial, tendo em vista a relação existente entre o direito de exigi-los e a obrigação de prestá-los.
Ante ao exposto, verifica-se que não há na doutrina uma idéia homogênea do que seja a natureza jurídica dos alimentos. Entre as correntes que se apresentam, parece mais razoável a proposta por Maria Helena Diniz e por Orlando Gomes, pela qual se afirma que os alimentos constituem um direito especial de caráter patrimonial e finalidade pessoal relacionada a um interesse superior familiar.
Isto porque os alimentos podem ser prestados tanto in natura como também em pecúnia. Desta forma, se o pagamento de quantia em dinheiro é hábil a adimplir com perfeição a obrigação alimentícia, não há como fugir de que se trata de prestação patrimonial, embora dotada de caráter especial, pela finalidade a que se visa atender.
Conforme acentuado por Yussef Said Cahali (2002, p.49-50), a principal característica do direito de alimentos é representada pelo fato de referir-se a direito personalíssimo. Desta característica decorrem várias outras, como por exemplo, o fato se ser considerado direito pessoal do alimentando, na medida em que sua titularidade não pode ser transferida a outrem.
Dos alimentos, o referido autor afirma que são irrenunciáveis, intransmissíveis, incessíveis, impenhoráveis, incompensáveis, intransacionáveis, imprescritíveis, preferenciais e indeclináveis, irretroativos e irrepetíveis. Aqui tratar-se-á apenas das características mais relevantes, para que não se perca o foco epistemológico do trabalho.
Dizem-se os alimentos impenhoráveis porque, conquanto destina-se à manutenção da subsistência do alimentário, não responde pelas dívidas deste (PEREIRA, 2007c, p.501).
A obrigação de prestar alimentos é imprescritível ainda que não se o tenha exercido por logos anos. “Prescrevem, todavia, as prestações alimentares vencidas, no prazo de dois anos”.
Quanto à característica da incessibilidade, afirma-se que o crédito de alimentos é indissociável da pessoa, pelo que não pode ser cedido a outrem, salvo se trata-se de prestações vencidas.
As normas disciplinadoras dos alimentos são de ordem pública, e, portanto, não podem ser derrogadas por acordo entre particulares. Daí vê-se que os alimentos são irrenunciáveis, sendo vedada qualquer espécie de convenção que possa suspender a aplicação das normas cogentes a eles aplicadas.
No que tange a esta última característica, muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência se a mesma estendia-se aos casos de alimentos oriundos da dissolução do casamento (RODRIGUES, 2007, p.375-379).
Admitia-se a possibilidade de renúncia da pensão alimentícia quando da ocorrência do chamado desquite amigável, sustentando-se que as partes, por mútuo consentimento, poderiam firmar um acordo neste sentido. A questão chegou a ser objeto da súmula 379, do Supremo Tribunal Federal, mas esta ainda foi motivo de diversas críticas, inclusive dentro do próprio Supremo.
Com o Código Civil de 2002, a discussão perdeu sua relevância, na medida em que este registra ser irrenunciável o direito a alimentos, não trazendo qualquer exceção a esta regra, pelo que se presume incidir esta limitação também sobre os alimentos decorrentes de dissolução do casamento ou da união estável. Outrossim, o art. 1.704, CC, prevê expressamente a possibilidade de um dos cônjuges separados judicialmente pleitear pensão alimentícia do outro, caso haja necessidade superveniente.
“Porém, promovido o divórcio, apenas se previamente fixada a pensão ela será devida; inexistente a obrigação até então, com o divórcio desaparece definitivamente a obrigação alimentar decorrente do casamento” (RODRIGUES, 2007, p.380).
O art. 1.708, do Código Civil preceitua que o dever de prestar alimentos cessará se o consorte credor se casar ou estabelecer relação de união estável ou de concubinato. Este direito cessará também se o alimentando adotar procedimento indigno em relação ao devedor. Existem ainda outras formas do cônjuge ou companheiro perderem o direito a pensão alimentícia, estando a maioria delas relacionadas à questão da culpa, mas que carecem de maiores detalhamentos em razão do foco do presente trabalho.
Voltando à visão de Silvio Rodrigues (2007, p.376) a prestação alimentícia passa uma idéia de atualidade, pois é exigível no presente e não no passado, já é inadiável a necessidade a justifica.
Por fim, Maria Helena Diniz (2004b, p.515) lembra que os alimentos são irrestituíveis, qualquer que tenha sido o motivo pelo qual se fez cessar o dever de prestá-los.
2.1.2 Credor e devedor
Cumpre aqui apenas esclarecer quais as pessoas que estão, por lei, obrigadas a prestar alimentos e em benefício de quem devem fazê-lo.
“A obrigação de prestar alimentos é recíproca [...] entre ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau” (DINIZ, 2004b, p.509). Estes podem ser tanto credores, quanto devedores de alimentos, uns em relação aos outros.
Do Art. 1697 extrai-se uma ordem preferencial ou o chamado benefício de ordem. Ficado no princípio da proximidade. A responsabilidade é, portanto, subsidiária, pois um mais parente mais distante só estará obrigado a pagar alimentos se não existirem pessoas com laços parentais mais proximos ou se estes estiverem impossibilitados de cumprir com tal obrigação.
Contudo, não tendo o parente mais próximo condições financeiras para arcar sozinho com toda a pensão alimentícia, é possível que um outro parente mais distante seja compelido a complementá-la (DINIZ, 2004b, p.510-511).
Havendo mais de um devedor em mesmo grau de parentesco, como no caso de cônjuges em relação a seu filho, podem aqueles ratear a dívida, arcando cada um com sua respectiva quota-parte. Se o credor pleitear alimentos de apenas um dos co-obrigados, é admissível a intervenção de terceiros para chamamento ao processo dos demais responsáveis.
Maria Helena Diniz (2004b, p.512) afirma que não há solidariedade entre os coobrigados, uma vez que uma das características da obrigação alimentícia é a sua indivisibilidade. Por isso, se um deles suportar sozinho o encargo, não poderá exigir dos demais responsáveis nenhuma restituição.
Na mesma linha, Paulo Lôbo (2008, p.352-353) alerta que “os alimentos constituem obrigação derivada do princípio da solidariedade, mas não é ‘obrigação solidária’”. Além do mais, só há obrigação solidária quando a lei ou as partes expressamente a prevêm.
No caso da obrigação de prestar alimentos o que existe é uma relação de subsidiariedade entre os parentes. A única possibilidade de solidariedade é a prevista no art. 12, do Estatuto do Idoso, onde são solidariamente responsáveis todos os que constituem a sua descendência.
Uma vez dissolvido o vínculo matrimonial ou a união estável, a obrigação de mútua assistência converte-se em obrigação de alimentar, muito embora cônjuges e companheiros não sejam parentes.
Cabe mencionar que aos filhos será devida pensão alimentícia se estes, ao completarem a maioridade, necessitarem deste auxílio. Antes disto, a obrigação dos pais para com o sustento de seus filhos decorre do poder familiar (DINIZ, 2004b, p.513-514).
É possível ainda pleitear alimentos em prol do nascituro, por meio de sua mãe, para que este possa se desenvolver de forma saudável. Neste caso, os alimentos terão natureza distinta, já que a finalidade é pôr a salvo a vida do nascituro (LÔBO, 2008, p.355).
2.1.3 Requisitos para fixação da pensão alimentícia
Alguns requisitos devem ser observados para concessão do direito aos alimentos. São eles: a necessidade do alimentando, as possibilidades econômico-financeiras do alimentante, a proporcionalidade entre estes pressupostos, e a reciprocidade (somente na relação entre parentes).
Neste sentido, diz o art. 1.694,§1º que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
A necessidade surge quando a pessoa não dispõe de meios para a sua própria subsistência. Esta incapacidade, no dizer de Caio Mário da Silva Pereira (2007c, p.497), pode se dar por qualquer causa, “seja ela devida à menoridade, ao fortuito, ao desperdício, aos maus negócios, à prodigalidade”.
Quanto a este requisito, deve o magistrado verificar as justificativas do pedido do alimentante, apurando a sua indigência, levando em conta suas condições sociais, sua idade, saúde, além de outros fatores que influenciem na medida (DINIZ, 2004b, p.500). É preciso que a pessoa esteja impossibilitada de prover, pelo seu trabalho, a sua subsistência.
O direito aos alimentos depende ainda da possibilidade que tenha o alimentante de prestá-los sem que com isso comprometa o seu próprio sustento. Ou seja, se o alimentante não tiver condições reais de prestá-los integralmente, fará isso dentro dos seus limites, facultando-se ao credor reclamar a complementação de outro parente.
No que concerne à proporcionalidade, diz-se que os alimentos “serão fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (PEREIRA, 2007c, p.498). Ou seja, o que se deve fazer é equacionar os dois primeiros requisitos para se chegar a um denominador comum que atenda às necessidades do alimentante sem prejudicar o sustento do alimentário.
Por fim, pelo critério da reciprocidade, tem-se que a obrigação de prestar alimentos entre parentes é recíproca. Em razão disto, a mesma pessoa que os pleiteia inicialmente pode, futuramente, vir a prestar alimentos ao seu devedor atual.
Quanto a este último requisito, Maria Helena Diniz (2004b, p.499) lembra que deve haver companheirismo, vínculo de parentesco ou conjugal entre alimentando e alimentante. No entanto, ressalta que não é qualquer parente que tem a obrigação de prestar alimentos, conforme se viu na seção anterior.
Por fim, há que se falar que que a lei nº 8.560/92 prevê a possibilidade de se conceder alimentos provisórios, ou seja, antes mesmo de se comprovar a paternidade do alimentário, desde que a vida deste esteja em perigo.
2.2 A AÇÃO DE ALIMENTOS
Antes da promulgação da Lei nº 5.478/68, a ação de alimentos era regulada por uma legislação dispersa e difusa, que acabavam por provocar uma série de embaraços processuais. A referida lei surgiu com a intenção de sistematizar o processo da ação de alimentos no sentido de dar-lhe maior celeridade e eficiência, mediante rito especial compatível com o desespero daqueles que dela necessitam (CAHALI, 2002, p.753-755).
De outro lado, manteve-se a possibilidade da ação ordinária de alimentos, com algumas inovações trazidas principalmente pelo Código de Processo Civil de 1973 e também pelo Código Civil de 2002.
Assim, havendo prova pré-constituída da obrigação, materializada pela relação de paretesco ou matrimonial, utiliza-se da ação especial de alimentos. Nos demais caso, como por exemplo, na ação de investigação de paternidade, em que ainda se prescinde da prova do parentesco, aplica-se o procedimento ordinário.
Atualmente, conforme entendimento de Yussef Said Cahali (2002, p.755), o CPC continua sendo a lei geral, aplicando-se subsidiariamente às ações especiais de alimentos.
Optando-se pelo rito ordinário há de se falar que o art. 100, II, do CPC modifica a regra geral de competência em benefício do alimentando, por ser esta a parte nitidamente mais fraca da relação processual. Assim, é permitida a propositura da ação no domicílio do autor, e não no do réu (RODRIGUES, 2007, p.389).
Ainda sobre a ação ordinária de alimentos, é “permitida a formulação de pedido cautelar, incidente ou antecedente, de alimentos provisionais (arts. 852 e s.), facultando-lhe, ainda, alternativamente, o requerimento de tutela antecipada [...]” (RODRIGUES, 2007, p.389-390).
Importante que se diga que não há processo sincrético em ação ordinária de alimentos. A ação de alimentos terá um processo de conhecimento e um processo de execução, assim como ocorre no regime de precatórios da Fazenda Pública.
Além da execução dos bens do devedor, é permitido ao credor alimentando outros recursos, que variam desde o desconto da pensão alimentícia em folha de pagamento à prisão do inadimplente, a qual será melhor abordada em próxima seção.
Conforme já mencionado, é possível ainda a concessão dos chamados alimentos provisionais, os quais podem ser instituídos em medida cautelar (incidente ou antecedente), nas ações de separação judicial, de divórcio, de anulação ou de nulidade de casamento, de investigação de paternidade e de alimentos. “O juiz fixando tais alimentos, proporciona ao litigante meios materiais para manter-se durante o litígio, bem como para custear a demanda, pagar advogado, etc” (RODRIGUES, 2007, p.391).
Ou seja, os alimentos provisionais têm natureza antecipatória e cautelar, pois visam manter o alimentante durante a pendência da ação (DINIZ, 2004b, p.507).
De outro lado, existe também a possibilidade de serem concedidos os chamados alimentos provisórios, os quais têm natureza antecipatória, podendo ser fixados incidentalmente no curso de processo cognitivo ou liminarmente em despacho inicial, em ação de alimentos de rito especial, após prova do parentesco, casamento ou de união estável.
Neste sentido, diz o art. 4º da Lei nº 5.478/98, que “ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”.
Sobre os alimentos provisórios, Silvio Rodrigues (2007, p.393) alerta que o magistrado deve ter extrema cautela quando da sua fixação, para não gerar grandes injustiças, uma vez que o réu permanece pagando esses alimentos até o proferimento da decisão final, o que muitas vezes representa um extenso período.
A ação especial de alimentos, como já se viu, depende de prova pré-constituída e limita-se exclusivamente à pensão alimentícia. A lei nº 5.478/68 traz os seus aspectos processuais e materiais.
Apenas a título de exemplificação, a lei traz no seu art. 24 importante inovação, na medida em que permite ao responsável pelo sustento da família que deixar a residência, oferecer judicialmente os alimentos a que está obrigado.
O art. 5º da mesma lei dispõe que o escrivão deve remeter ao devedor a segunda via da petição ou do termo, juntamente com a cópia do despacho do juiz, e a comunicação do dia e hora da realização da audiência de conciliação e julgamento, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
“A sanção pelo não comparecimento do autor à audiência de ação de alimentos é o arquivamento do pedido e não a absolvição de instância” (CAHALI, 2002, p.801). Esta ausência deve ser voluntária, devendo ser levadas em consideração as hipóteses de força maior ou não comparecimento justificado.
Sobre a revelia na ação de alimentos, Yussef Said Cahali (2002, p.812) afirma que esta não leva, por si só, à fixação da pensão pleiteada, o que não impede o reconhecimento do fato constitutivo de prestar alimentos, devendo o juiz fixá-los pelos valores apurados no conjunto probatório. Ressalte-se que a presunção gerada pela revelia não é absoluta, mas apenas relativa.
Por fim, cumpre salientar que da sentença condenatória de alimentos cabe apelação tão somente no efeito devolutivo, mas se a sentença proferida na ação de alimentos for de improcedência a apelação será recebida nos seus efeitos devolutivo e suspensivo. É o que se depreende do art. 14 da Lei 5.478/68 e do art. 520, II, do Código de Processo Civil.
2.3 A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
2.3.1 A dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade
Antes de adentrar diretamente no estudo das relevantes questões que envolvem a prisão do devedor de obrigação alimentícia, importante traçar alguns aspectos sobre os princípios constitucionais que lhe fundamentam, a saber, o princípio da solidariedade e o da dignidade da pessoa humana, sem qualquer pretensão de aqui esgotá-los, mas apenas trazendo os seus aspectos pertinentes ao tema.
Com o rompimento da concepção tradicional de família, agora vista como célula democrática, igualitária e desmatrimonializada, esta passa a ser enraizada pela solidariedade social e por outras condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, além das desigualdades, regida pelo afeto, como grande mola propulsora (FARIAS, 2006, p.8).
Assim, sob o prisma constitucional, conforme é lembrado por Paulo Lôbo (2008, p.345), a obrigação de alimentos é fundada no princípio da solidariedade, previsto no inciso I, do art. 3º da Carta Magna, o qual se impõe à organização de toda sociedade brasileira.
Além disso, o art. 226, CF dispõe que a família é a base da sociedade, “o que torna seus efeitos jurídicos, notadamente os alimentos, vincados no direito/dever de solidariedade”. A obrigação alimentar é, portanto, fincada no princípio da solidariedade, seja na relação entre parentes, seja na relação familiar.
Maria Berenice Dias (2007, p.61-62) afirma que a solidariedade compreende a fraternidade e a reciprocidade e que a pessoa só existe enquanto coexiste. Esse princípio é consagrado das mais diferentes modalidades como, por exemplo, no dever que tem os pais de assistência para com seus filhos, o amparo às pessoas idosas e, ainda, através da imposição de obrigação alimentar.
Sobre este último aspecto, Cristiano Chaves de Farias (2006, p.10) afirma que a fixação dos alimentos deve obediência a uma perspectiva solidária, direcionada pela cooperação, pela isonomia e pela justiça social, com o fim de atingir a consolidação da dignidade humana. Assim é que o dever de prestar alimentos possuía a relevante função de garantir a própria subsistência e manutenção de pessoas ligadas por um vínculo parental.
Observa-se, portanto, que a solidariedade é o fundamento constitucional da obrigação alimentícia, enquanto a finalidade visada pela norma que a determina é a subsistência da pessoa humana, que não disponha de meios para, por si só, garanti-la.
O princípio da dignidade da pessoa humana insere-se como valor nuclear da ordem constitucional e como fundamento de toda a ordem jurídica. É o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais (DIAS, 2007, p.59-60).
Contextualizando este princípio basilar, vetor da própria República brasileira, à questão dos alimentos, verifica-se que o dever de alimentar desenha-se como verdadeira materialização do direito à vida digna, proclamado pelo art 1º, inciso III, da Constituição Federal (FARIAS, 2006, p.8).
A dignidade da pessoa humana relaciona-se ao novo conceito de família passando a proteger, igualitariamente, todos os seus membros.
“Aliás, reside na própria afirmação da dignidade da pessoa humana o fundamento axiológico da obrigação alimentícia, admitindo, até mesmo, a excepcional prisão civil do devedor” (FARIAS, 2006, p.9).
2.3.2 Definição e requisitos para a decretação da prisão
O interesse do Estado na estrita observância do art. 1.694, do Código Civil é, sem dúvida alguma, de ordem pública. Isto porque, a sua inobservância aumenta o número de pessoas desprotegidas a quem o próprio Estado deve resguardar. Em razão, também, disto (mas não exclusivamente) a sanção para aquele que descumpre o dever de prestar alimentos é tão violenta que pode chegar à sua prisão (RODRIGUES, 2007, p.373-374).
Uma vez fixados os alimentos definitivos ou provisionais, o art. 733 do Código de Processo Civil determina a citação do devedor para que em três dias ele efetue o pagamento, prove que o fez ou justifique a impossibilidade de efetuá-lo. Não pagando, nem validamente se escusando, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um a três meses.
A prisão civil tem o objetivo de reforçar o cumprimento da obrigação, não se apresentando como medida penal, nem como ato de execução pessoal. Por isso mesmo o art. 19 da Lei nº 5.478/68 estabelece um limite máximo de sessenta dias, dentro do qual o devedor será libertado se adimplir a dívida alimentar (LÔBO, 2008, p.367).
Observa-se, assim, que a prisão do devedor de alimentos não possui natureza punitiva de sanção ou pena, mas configura-se como uma forma, ágil e eficaz, de se garantir o cumprimento das prestações alimentícias. É o que defende Cristiano Chaves de Farias (2006, p.16) para quem a prisão do alimentante “não tenciona sancionar aquele que deixou de pagar os alimentos, mas, diversamente, tende a coagi-lo ao pagamento da prestação tão importante para a subsistência do alimentando”.
Em definição bastante esclarecedora, Yussef Said Cahali (2002, p.1004) afirma que
a prisão civil é meio executivo de finalidade econômica; prende-se o executado não para puni-lo, como se criminoso fosse, mas para forçá-lo indiretamente a pagar, supondo-se que tenha meios de cumprir a obrigação e queira evitar sua prisão, ou readquirir sua liberdade.
Pela própria natureza da prisão civil, o cumprimento da pena pelo alimentante inadimplente não lhe exime da obrigação de prestar os alimentos. Assim, embora não possa o devedor ser preso novamente pelo mesmo débito, o mesmo processo executório poderá prosseguir para cobrança do débito mediante execução da sentença ou pelo rito da expropriação (DIAS, 2007, p.512).
Tratando da questão da reiteração da prisão civil, importante mencionar que esta é plenamente possível, desde que fundamentada em fato diverso, que configure novo descumprimento da obrigação alimentícia, sob pena de se incidir em bis in idem.
Por outro lado, não se pode decretar a prisão do devedor de alimentos de forma aleatória ou imprudente, sob pena de convertê-la em instrumento de vingança privada ou mesmo de agravar as condições de rendimento do devedor, em prejuízo do próprio credor (LÔBO, 2008, p.358).
Da mesma forma, não se admite a decretação da prisão sem a devida fundamentação do ato decisório, que deve atender aos preceitos do art. 93, IX, da Constituição Federal. Neste sentido, O Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a simples expressão “por inadimplemento alimentar” não supre a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais. Por isso, “a necessidade e a finalidade da prisão devem vir esclarecidas e justificadas pelo decreto prisional” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p.680).
Também não haverá prisão civil do alimentante se o seu inadimplemento for involuntário, bem como se houver causa escusável. É o que determina o próprio texto constitucional contido no art. 5º, inciso LXVII.
Assim, se, por exemplo, o alimentante tem a capacidade de prestar alimentos ao alimentando, mas o surgimento de grave moléstia em outro parente fez com que gastasse boa parte de seus recursos financeiros em tratamentos médicos, não pode aquele devedor ser levado à prisão por inadimplência, uma vez que um fato superveniente deu origem a válida causa escusável.
Paulo Lôbo (2008, p.368) defende ainda que a pena imposta ao devedor de alimentos deve ser cumprida em regime aberto em casas de albergado e, se estas não houver, em prisão domiciliar, uma vez que a prisão decorrente do inadimplemento de obrigação civil não pode ser equiparara àquela oriunda de ilícitos penais.
Contrário é o entendimento de Maria Berenice Dias (2007, p.512), para quem a prisão domiciliar retira o caráter intimidativo da providência. Citando Araken de Assis, a referida autora afirma que é preciso deixar bem claro ao alimentante relapso que, inadimplida a sua obrigação de prestar alimentos, a pena concretizar-se-á da pior maneira possível, através de confinamento em presídio comum.
Entende-se que este posicionamento de Maria Berenice Dias é demasiadamente severo ao executado, que não pode, ao menos na esfera civil, ser visto como um criminoso. Ademais, é sabido que a função da prisão civil não é punitiva, mas meramente coercitiva, pelo que a prisão domiciliar já é suficientemente hábil a forçar o pagamento.
Se a conduta do devedor configurou ou não algum ilícito penal, como um abandono material, por exemplo (art. 244, do Código Penal), eventual sanção decorrerá de um procedimento penal, mas não da ação de alimentos.
A prisão civil só pode ser admitida nos casos expressamente previstos em lei, principalmente em razão da excepcionalidade da medida enquanto meio restritivo da liberdade humana.
Neste sentido, diz-se que é cabível a prisão civil somente nas relações de direito de família (arts. 1.566, III e 1.694, CC), inadmissível, portanto, a sua cominação em casos de descumprimento de obrigação alimentícia decorrente de ação de responsabilidade ex delicto (CAHALI, 2002, p.1005-1006). Este é também o entendimento compartilhado pela a autora do presente trabalho.
Yussef Said Cahali (2002, p.1007-1009) lembra que não é dado ao juízo deprecado o direito de determinar a prisão civil do devedor de alimentos.
O referido autor traz a baila uma discussão sobre a possibilidade ou não do juiz decretar a prisão civil de ofício, independentemente do requerimento do credor, tendo em vista a redação do §1º do art. 733 do Código de Processo Civil.
Sobre o tema, doutrinadores como Pontes de Miranda, posicionam-se favorável à possibilidade de atuação ex officio do magistrado. No entanto, a maioria dos autores, entre eles o próprio Yussef Said Cahali, entende que deve haver a manifestação, de alguma forma, por parte do credor (ou do seu representante legal), uma vez que é este quem terá sempre melhores condições de avaliar a eficácia e oportunidade da prisão.
Com efeito, o credor é o maior interessado no cumprimento da obrigação e deve o juiz, a princípio, aguardar a sua manifestação antes de decretar a prisão do devedor. No entanto, filia-se ao entendimento de que, se o autor iniciou a execução da sentença de alimentos nos moldes do art. 733 do CPC, sua manifestação já está implícita nesta conduta, sendo desnecessário exigir-se novo pedido expresso.
Quanto aos prazos de duração da prisão civil decorrente do descumprimento de obrigação alimentar, há uma gritante contradição entre o art. 19 da Lei nº 5.478/68 e o art. 733, §1º do CPC: é que o primeiro estabelece o prazo máximo de sessenta dias, referindo-se aos chamados alimentos definitivos, os quais são fixados por acordo entre as partes ou após a perfectibilização do contraditório; enquanto o art. 733, §1º do CPC prevê o prazo de um a três meses de prisão para o devedor inadimplente de prestar alimentos provisionais, que são fixados inaudita altera pars.
Verifica-se, pois, que o prazo mínimo da prisão será de trinta dias, conforme expresso no Código de Processo Civil, sem qualquer disposição contrária. Porém, quanto ao tempo máximo de prisão, entende-se aqui que deve ser aplicado o art. 19, da Lei de Alimentos, seja porque o diploma processual não o revogou expressamente, seja por representar norma mais favorável ao réu, que já sofre com a medida restritiva de liberdade.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2007, p.511) diz que “como a prisão é providência executiva, deve ser promovida pelo meio menos gravoso ao devedor (CPC 620)”.
Tanto a decisão que indefere o pedido de prisão civil, como a que lhe decreta, desafiam Agravo de Instrumento, conquanto caracterizam-se como decisões interlocutória. Além disso, também o §2º, do art. 19, da Lei nº 5.478/68 determina que “da decisão que decretar a prisão do devedor, caberá agravo de instrumento”, sendo que este recurso não terá o condão de suspender a execução da ordem de prisão, conforme preceitua o §3º do mesmo dispositivo.
Por fim, insta esclarecer que a inobservância dos limites constitucionais e legais quando da decretação da prisão do devedor de alimentos pode ser impugnada por meio de habeas corpus. Porém, se o apenado pretende apenas discutir prova da necessidade do alimentando ou da sua impossibilidade econômico-financeira, não há como impetrar o referido remédio constitucional (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p.681).
2.3.3 O problema da execução dos alimentos pretéritos
Discute-se na doutrina e jurisprudência brasileiras sobre a possibilidade de se compelir o devedor de alimentos a pagar as prestações vencidas há mais de três meses, também chamadas de prestações pretéritas, através da prisão civil.
O reiterado entendimento jurisprudencial resultou na edição da Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo".
Corrobora do mesmo posicionamento o autor Paulo Lôbo (2008, p.368), para quem os alimentos, após o decurso do prazo de três meses, perdem a sua natureza alimentar, no sentido estrito, pelo que não se justificaria um decreto de prisão. Aduz ainda que
se o alimentando deixa passar esse tempo, permitindo a acumulação, é porque não necessitaria dos alimentos mais antigos para a sua subsistência imediata, devendo cobrá-los pelos meios processuais da execução de prestação alimentícia, prevista no art. 732 do CPC, até o limite prescricional correspondente ao de dois anos, mediante penhora.
Sem se posicionar, Caio Mário da Silva Pereira (2007c, p.525) apenas lembra que tem sido majoritário o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, pela inadmissibilidade da execução, nos moldes previstos no art. 733 do CPC, quando se trata de débitos pretéritos.
Contudo, em que pese a cristalização do entendimento pela súmula do STJ, há quem sustente a impossibilidade de diferenciação entre as prestações alimentícias, independentemente se estas são dívidas antigas ou recentes.
Afirma-se que esta distinção estimularia o inadimplemento das prestações, frustrando, assim, as garantias constitucionais. Da mesma forma, diz-se não ser razoável permitir que um devedor que, dolosamente, deixa de pagar dois anos de pensão alimentícia, esteja livre da prisão civil mediante depósito das três últimas parcelas, apenas (FARIAS, 2006, p.19).
Cristiano Chaves de Farias (2006, p.21) critica bastante essa distinção entre alimentos atuais e pretéritos, chegando a afirmar que essa diferenciação importa em tratamento desigual para devedores e credores com dívidas de idêntica natureza. E, ainda, que tal possibilidade martiriza a legalidade constitucional (em especial o caput do art. 5.º), além de ser fonte induvidosa de injustiças.
Aqui, acredita-se que o limite de três prestações vencidas é parâmetro razoável para garantir a subsistência e integridade do alimentando. O que eventualmente exceder este limite passa a ter natureza apenas indenizatória, não carecendo de medida coercitiva tão invasiva, podendo ser perfeitamente exigida através das demais formas de execução permitidas na legislação brasileira e que atingem tão somente a expressão patrimonial do devedor.
Outrossim, se o próprio legislador constitucional define as possibilidades de prisão civil enquanto medidas excepcionais, é tão somente nestes termos, e de forma restrita, que se deve aplicar tal medida.
3. CONCLUSÃO
Diante de todas as questões expostas ao longo do presente trabalho, cumpre apresentar as principais conclusões acerca da prisão como método de coerção do devedor de alimentos.
Insta ressaltar que a liberdade de locomoção é o direito fundamental que o inciso LXVIII do art. 5º, da Constituição Federal visa tutelar. Portanto, face à previsão de que ninguém pode ser preso por dívidas, deve-se ter em mente que a prisão civil é uma limitação a este direito e que, como tal, deve ser admitida apenas de forma excepcional.
Esclarecida esta premissa inicial, cumpre destacar os fundamentos constitucionais que ensejaram o legislador constituinte a permitir a prisão do devedor de alimentos. Verificou-se que o princípio da solidariedade, previsto no art. 3º, I, da Constituição Federal e a dignidade da pessoa humana são os principais fundamentos da prisão do devedor de alimentos.
Sabe-se que o alimentante encontra-se temporariamente impossibilitado de prover recursos para a sua própria subsistência, como é o caso das crianças; ou mesmo definitivamente incapacitado, a exemplo de um parente acometido por moléstia grave e permanente. Pode ser ainda que a pessoa esteja apenas desempregada, passando por dificuldades financeiras que o privem das necessidades mais basilares à sua digna sobrevivência.
Ante a situação de hipossuficiência do alimentante, com repercussão no direito à vida e à saúde, e partindo-se do pressuposto que o magistrado efetivamente observou os requisitos para a fixação da pensão alimentícia, entende-se razoável que o alimentando que, de forma voluntária e inescusável, deixa de prestar alimentos, tenha a sua prisão decretada.
Conforme tratado, a prisão civil do devedor de alimentos não se presta a impor uma punição ao devedor, porquanto iria de encontro com a sua própria natureza jurídica. O objetivo da prisão é induzir ao adimplemento da obrigação, sendo importante conferir tratamento diferenciado ao devedor de dívida civil em relação àquele que pratica ato ilícito penal.
Conclui-se, portanto, que o bem jurídico tutelado na obrigação de prestar alimentos é a subsistência do alimentante e é justamente em razão da sua relevância que se admite a adoção de medida tão enérgica, como a prisão, contra o devedor inadimplente.
Neste sentido, a prisão do devedor de alimentos configura-se como uma forma ágil e eficaz de forçá-lo ao adimplemento da sua obrigação para com o alimentando. No entanto, deve-se ter bastante cuidado antes da decretação da medida, sob pena de convertê-la em instrumento de vingança entres as partes envolvidas. Ademais, devem ser observados todos os requisitos constitucionais e legais, inclusive com a devida fundamentação do ato decisório.
Entende-se ainda que, em regra, não é dada ao juiz a possibilidade de determinar de ofício a prisão do alimentando. Contudo, na medida em que o credor iniciou a da sentença nos termos do art. 733, do Código de Processo Civil, sua manifestação já está implícita, não havendo necessidade de novo pedido expresso.
O prazo máximo em que se deve admitir a prisão do devedor de alimentos é o estabelecido pelo art. 19 da Lei de Alimentos, qual seja, de sessenta dias. Além disto, entende-se que somente as três últimas prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo dão ensejo à decretação da prisão do alimentando, nos moldes do que preceitua a Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça. As demais prestações poderão ser executadas pelas outras formas admitidas na legislação brasileira, que não a prisão civil.
Neste sentido, embora o art. 733, § 1º do Código de Processo Civil estabeleça um limite máximo de 3 (três) meses para a prisão do devedor de alimentos provisionais, entende-se que o devedor de prestação alimentícia só poderá permanecer preso até, no máximo, sessenta dias.
De outro lado, na outra exceção ao princípio de que ninguém será preso por dívidas, o que se tutela é a saúde e a vida do alimentante, imprescindíveis para a manutenção de uma vida digna e muitas vezes ao próprio desenvolvimento da pessoa, se tratar-se de criança ou adolescente.
Dentro deste contexto, os alimentos encontram relevante função, pelo que a aplicação de uma medida privativa de liberdade que vise garantir a sobrevivência da parte hipossuficiente mostra-se perfeitamente aceitável, desde que observados todos os seus requisitos legais.
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Advogada, Formada pela Universidade Salvador- UNIFACS, Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Diana Rabelo de. A prisão como método de coerção do devedor de alimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38751/a-prisao-como-metodo-de-coercao-do-devedor-de-alimentos. Acesso em: 22 nov 2024.
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