Desde os primeiros desenvolvimentos que permitiram seu maior alcance social, as mídias tornaram-se importantes veículos de ideias. Fosse difundindo ideologias, criando sentimentos de pertencimento ou de repulsa, os meios de comunicação passaram a ser usados também pelos governos. Já na Primeira Guerra Mundial a propaganda de massa, transmitida pelo rádio, foi utilizada como estratégia de guerra.
A propaganda governamental passa a ser usada como meio de manipulação, de condução do povo, podendo até ser aproveitada, somada a um conjunto de fatores, como instrumento de dominação (SOARES, 2008). Ela se torna essencial para transmitir informações motivadoras que são capazes de mobilizar condutas e crenças rumo a uma direção.[1]
Esses mecanismos foram adotados principalmente por regimes não democráticos, autoritários e totalitários, que utilizavam os meios de comunicação como forma de legitimar e promover a aceitação social dos novos modelos de governo instaurados. No entanto, a utilização da imprensa difere entre os estados totalitários e os autoritários, a exemplo dos governos do Estado Novo e da Ditadura Militar no Brasil.
Poder-se-ia dizer que, se os estados totalitários, cujas características só nos interessam aqui no que se refere à comunicação, se apropriam desses meios para uso oficial, nos estados autoritários, do tipo instalado no Brasil, há uma convocação aos meios privados, para uma ação conjunta ou complementar de propaganda ideológica, com contrapartida muito clara no campo econômico.[2]
No cenário do regime não democrático do Estado Novo, Getúlio Vargas utilizou a propaganda governamental para legitimar as ideias que se instauravam no poder. Por meio da censura o governo controlava o que era publicado, permitindo a veiculação apenas de notícias que fossem favoráveis à Vargas. Com as transmissões regulares de rádio a partir da década de 20 e o maior alcance que ele possibilitava, devido ao grande contingente de analfabetos que o país abrigava, o governo consolida o rádio como um dos veículos oficiais de informação. É pelo rádio que Vargas comunica ao povo brasileiro a necessidade do golpe do Estado Novo. A voz de Getúlio torna-se familiar para toda a população do país, buscando criar um sentimento de proximidade com o governo, além das medidas populares que promoveu.
[...] o rádio é um poderoso instrumento político, uma vez que pode servir para mudança ou manutenção de um Estado, das relações sociais, da própria liberdade individual ou coletiva. Esse veículo de informação torna-se instrumento ideológico na medida em que seu controle e propriedade o transformam em arma. Arma que pode mobilizar, induzir, libertar e até escravizar.[3]
No contexto do Estado Novo, o governo cria vários órgãos para regular os meios de comunicação. O Departamento Oficial de Propaganda (DOP) fica responsável pela publicidade governamental, enquanto o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) tem as funções de centralizar, orientar e organizar a propaganda governamental – tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Além da censura, também foi importante a criação de uma imagem mitológica de Vargas – o “Pai dos Pobres” – que associasse simpatia e carisma ao governante.
Controlando os meios de comunicação, o Estado regulava a imprensa privada para promover o governo ao mesmo tempo em que notícias contrárias ao poder eram censuradas. A censura podia ser prévia, dentro das redações ou por telefone, mas também podia ser posterior com o recolhimento das edições com conteúdo reprimido. O rádio também era controlado pelo governo, transmitindo em sua programação apenas o que era permitido. Reconhecendo o alcance e popularidade do cinema, o Estado instituiu cotas para a exibição de filmes nacionais. No entanto, o público não aceitava produções claramente voltadas para a promoção da ideologia do regime vigente, o que levou a produção de filmes incentivados pelo governo ao fracasso.
Nas redações, ou em qualquer outro órgão da imprensa, existia a presença física do censor. Depois, a figura do censor é substituída pela censura por telefone. Também ocorria a censura prévia. Essa era veiculada por meio de boletins que instruíam a imprensa sobre assuntos proibidos. O DIP podia multar ou suspender o órgão infrator (GOULART, 1990, p. 21). Contudo, a censura e a propaganda realizada pelo DIP não era somente a favor do regime. A criação da imagem de Getúlio Vargas foi um fator fundamental.[4]
No rádio, a criação do programa “Hora do Brasil” em 1935 tinha como finalidade divulgar as realizações do governo e os discursos do presidente. Com intuito inicial apenas comunicativo, o rádio expande suas funções também para o entretenimento. Operando sobre os pilares informativo, cultural e cívico, a programação contava com quadros culturais, recordava momentos históricos gloriosos do país e buscava entusiasmar o povo para manter a boa conduta. Promovendo medidas favoráveis ao trabalhador e o sentimento de inclusão pelo rádio, Vargas associa o trabalhador ao cidadão. O trabalho passa a ser valorizado como forma de exercício da cidadania e de suprimir as desigualdades sociais.
Cartilhas e textos de propaganda, cuidadosamente redigidos, procuravam estabelecer a noção de cidadania para os trabalhadores (...): “todo o trabalho é útil. [...] porque se trabalha para o bem geral. Só não são úteis à Pátria os ociosos, os derrotistas e os boateiros. Estes são inimigos da Pátria”, dizia uma publicação intitulada O Brasil é bom. Ao eleger os trabalhadores como interlocutores privilegiados, valorizando-os socialmente e reconhecendo-os politicamente, o Estado varguista declarava que eles, por viverem honestamente de seu trabalho e se organizarem em seus sindicatos, eram dignos do direito de cidadania, enquanto os malandros e os comunistas, em particular, ficariam à margem das garantias sociais e da própria sociedade.[5]
Além de vários motivos como a Segunda Guerra Mundial e o esgotamento do regime, a crise do Estado Novo enfrentou também a imprensa, que começou a resistir mais fortemente à censura, publicando matérias e entrevistas estimulando as ideias de democracia, consolidadas pelas eleições presidenciais.
Vários regimes totalitários e autoritários utilizaram os meios de comunicação, como rádio, cinema e televisão, para controle de massas. Por esse motivo, durante as guerras mundiais, desenvolveu-se a Teoria Hipodérmica. De caráter behaviorista, essa concepção relaciona o estímulo dos meios de comunicação a uma reação imediata dos receptores.
É como se a comunicação de massa emitisse estímulos que seriam absorvidos e respondidos pela massa. Nesse caso, a audiência é entendida como uma massa amorfa, que responde com imediatismo e de maneira uniforme aos estímulos recebidos. Ao emitir um estímulo – podendo ser uma propaganda, por exemplo - os meios de comunicação teriam como resposta o comportamento desejado pelos emissores, uma vez que o estímulo fosse enviado e aplicado de maneira correta (DANTON, 2008).[6]
Dessa forma, os regimes totalitários que se instauram em vários países da Europa no período anterior à eclosão da Segunda Guerra divulgam as ideologias desejadas pelo governo, além de ideias como patriotismo e nacionalismo. Essas teorias se refletem em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde são apropriadas por Vargas durante o Estado Novo e também pela Ditadura Militar, que vigora entre 1964 e 1985. Os líderes políticos desses governos utilizam símbolos para se dirigir às massas e comovê-las.
O totalitarismo e autoritarismo possuem suas bases na grande massa. É nela que o regime busca legitimidade e apoio para suas ações. E para ser conquistada, há a necessidade de uma imensa propaganda governamental. Essa propaganda está sempre aliada ao uso da violência e do terror. “Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo, mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias” (ARENDT, 1989, p. 390).[7]
O regime militar usou a censura como forma de coibir as manifestações contra o governo. No entanto, essa postura foi adotada concomitantemente com o incentivo ao crescimento industrial. Essas políticas se refletiram nos meios de comunicação privados, numa articulação entre os interesses militares e os dos proprietários do setor – interessados na expansão da indústria cultural promovida pelo regime. Por isso, juntamente com os setores mais conservadores da sociedade que temiam o avanço do comunismo, a imprensa apoiou o golpe militar, de forma direta ou não. Ao mesmo tempo em que algumas publicações tinham opiniões favoráveis ao golpe, mas não se manifestaram, outras deliberadamente conspiraram e apoiaram o regime instalado.
Esse cenário demonstra que mesmo os meios de comunicação apresentam posições políticas, que podem influenciar de várias formas o comportamento desses serviços. A princípio o regime militar não exercia um controle formal sobre a imprensa, censurando apenas o que considerava impróprio. Esperava um apoio voluntário dos meios de comunicação ao regime, o que pode ser visto pela tentativa de incorporar a imprensa de forma mais significativa aos parâmetros da ditadura apenas a partir do governo Médici, usando principalmente a televisão. Não havia uma política organizada para a autopromoção pelos meios de comunicação, que se mantiveram privados durante todo o regime, somente uma
aspiração dos militares de poderem contar com os meios de comunicação na consolidação do regime e na sedimentação de uma imagem-símbolo: a da unidade das Forças Armadas, como avaliadora e sustentadora de um estado todo-poderoso, condutor dos destinos de uma nação coesa em torno de um destino comum, com total ausência de contradições internas e interesses diferenciados.[8]
As comparações entre a censura e o uso da imprensa durante o Estado Novo com Getúlio Vargas e a Ditadura Militar devem ser feitas com cuidado. Vargas incorporou aos meios de comunicação práticas de propaganda e educação, transformando-os em veículos de promoção de políticas do Estado. O período militar passava também pela influencia de uma conjuntura econômica internacional muito diferente, na qual os bens culturais tinham maior exploração mercantil.
Caberia, no caso do Estado Novo, falar mais da participação de intelectuais, em geral, com engajamento variável, e não apenas de jornalistas, em novos meios de comunicação11, e menos da busca de articulação com órgãos de comunicação existentes antes do golpe, como foi o caso do regime militar, na construção de um projeto de estado nacional.[9]
Seja como for, o conjunto das atitudes e ações do estado militar, especialmente em relação ao jornalismo, concorreu principalmente para manter os proprietários das grandes publicações e seus profissionais intimidados o suficiente, para não “ousarem”, e as empresas independentes totalmente incapacitadas economicamente de manterem publicações de oposição ao regime.[10]
O regime militar geralmente só promovia ações de repressão acentuadas aos grupos da imprensa que discordavam constantemente e de forma veemente da ditadura. Aqueles que se recusaram a enquadrar-se no modelo de governo vigente sofreram perseguição, censura e foram fechados em muitos casos. Assim como no Estado Novo, a censura podia ser prévia ou posterior. No entanto, uma nova forma de censura se destaca durante o regime militar, principalmente no período imediatamente após o golpe, a autocensura. Com o objetivo de impedir que o sistema de produção jornalístico fosse afetado, havia a manipulação intencional e a omissão calculada de informações.
Abramo explicita quatro padrões (e mais um específico, utilizado pelo telejornalismo), através dos quais as informações são alteradas no processo da sua produção e difusão ao público. Mencionem-se dois deles, pela sua abrangência: 1) Ocultação de fatos ou aspectos desses, não por desconhecimento, mas por decisão, na fase de planejamento das coberturas jornalísticas, de ignorá-los, a partir de critérios de classificação do que “é” ou “não é jornalístico”; e 2) Fragmentação da informação, produzida pela descontextualização dos fatos em questão, seleção e desconsideração, que elimina aspectos particulares, o que corresponde a uma racionalização a posteriori do padrão de ocultação.[11]
A autocensura encontra várias justificativas de acordo com o contexto em que se insere. No regime militar, principalmente a partir do governo Geisel, era vista como uma forma de não provocar o retorno da ditadura mais extremada. Já durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o perigo da volta da inflação justificava o apoio à política econômica adotada pela administração sem posições que a questionassem mais profundamente, devido ao medo de desencadear uma crise – o risco do caos. Essas perspectivas não entendem a imprensa como construtora do fato que divulga, constituindo apenas um veículo de informações objetivo.
Essa postura de reação dos meios de comunicação ao contexto de forma independente evidencia as imprecisões que envolvem as questões de liberdade de imprensa e controle das informações veiculadas para a população em geral que esses órgãos detêm. A Constituição de 1988 em seu artigo 220 assegura a liberdade de imprensa, porém seu artigo 5º também permite o livre acesso dos cidadãos às informações.
Ao mesmo tempo em que os regimes mais representativos e plurais permitem um menor controle sobre a mídia, devido aos mecanismos legais que protegem a liberdade de imprensa, as democracias liberais apresentam uma fragilidade quanto à proteção da liberdade de expressão, que pode ser facilmente suprimida ao se reconhecer o acesso a informações como um risco para a segurança da sociedade e do Estado. Isso gera prejuízos para a formação integral da opinião pública, e uma estagnação do processo de emancipação político e social.
Como considerava-se que a propriedade privada formaria a base da liberdade do indivíduo separadamente e do desenvolvimento das forças econômicas, assim, também o caráter privado do jornalismo seria tido como pressuposto insubstituível da liberdade de imprensa. Marcondes Filho (1984) examinando este ponto, e documentando-o a partir da experiência alemã, reconhece que se a forma de produção é o pressuposto da liberdade de imprensa, a garantia da liberdade seria, então, o seu caráter privado e não o direito constitucional do cidadão.[12]
Ao mesmo tempo em que pensadores iluministas, como John Stuart Mill, relacionavam a liberdade de expressão à vigência de um regime democrático, outros adotam a perspectiva de que para ser livre a imprensa deve basear-se em seu caráter privado. Dessa forma, a mídia formaria impérios próprios que não se submeteriam a nenhum controle estatal. “Na esteira dessas contradições, recorde-se que, se o jornalismo organiza-se nos moldes da forma privada de produção, a informação é uma mercadoria, mesmo que considerada sua natureza especial.”[13]
Considerada a mais progressista no âmbito de direitos humanos, civis e sociais do país em toda a sua história, a Constituição de 1988 explicitamente garante a liberdade de imprensa. Essa atividade pode ser percebida apenas com um caráter privado e econômico, ou pode ser relacionada à manutenção da democracia, numa relação de mútua dependência. A proibição do monopólio e do oligopólio são formas de conter abusos do “poder social da imprensa”, que exerce forte influência sobre formação da opinião pública, de acordo com as informações que veicula.
Bibliografia
ADORNO, SERGIO. Direitos humanos. In: OLIVEN, RUBEN GEORGE. RIDENTI, MARCELO. BRANDÃO, GILDO MARÇAL (org.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: ANPOCS/Hucitec, 2008, p. 191-224.
CAPELATO, MARIA HELENA ROLIM. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: Papirus, 1998. Resenha de: FERREIRA, JORGE. Propaganda política estatal: comparando ditaduras. Tempo, v. 5, n. 9, p. 179-183, 2000. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/tempo/resenhas/res9-1.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2011.
COHN, AMÉLIA. A questão social no Brasil: a difícil construção da cidadania. In: MOTA, CARLOS GUILHERME. (org.) Viagem incompleta – A grande transação. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Senac, 2000, p; 383-403.
DE AGUIAR, CARLY B. Mídia e autoritarismo no Brasil Pós-64: a propósito de continuidades e rupturas. Comunicação: Veredas, Marília, n. 3, p. 255-286, nov. 2004. Disponível em: <http://revcom.portcom.intercom.org.br/index.php/comunicacaoveredas/article/viewFile/5281/4861>. Acesso em: 12 nov. 2011.
HORTA, HIGO AMARAL. Nas ondas do autoritarismo: uma análise do uso do rádio no período Vargas. Belo Horizonte, 2008. Disponível em: <http://convergencia.jor.br/bancomonos/2008/higo_amaral.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2011.
MOTA, CARLOS GUILHERME. Para uma visão de conjunto: a história do Brasil pós-1930 e seus juristas. In: MOTA, CARLOS GUILHERME. SALINAS, NATACHA S.C. (org.). Os juristas na formação do Estado-Nação brasileiro – 1930-dias atuais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25-141.
[1] HORTA, 2008, p. 10
[2] DE AGUIAR, 2004, p. 270-271
[3] HORTA, 2008, p. 40
[4] HORTA, 2008, p. 46
[5] FERREIRA, 2000, p. 181
[6] HORTA, 2008, p. 19
[7] HORTA, 2008, p. 20-21
[8] DE AGUIAR, 2004, p. 268
[9] DE AGUIAR, 2004, p. 268
[10] DE AGUIAR, 2004, p. 269
[11] HORTA, 2008, p. 275
[12] DE AGUIAR, 2004, p. 273
[13] DE AGUIAR, 2004, p. 274
Estudante - Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JULIANA THOMAZINI NADER SIMõES, . A mídia e a censura nos regimes de exceção - liberdade de imprensa e acesso a informações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38764/a-midia-e-a-censura-nos-regimes-de-excecao-liberdade-de-imprensa-e-acesso-a-informacoes. Acesso em: 22 nov 2024.
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