SUMÁRIO: Introdução; 1 Estado Regulador: Regulação e Agências Reguladoras; 2 O Modelo Habermasiano de Democracia; 3 O Procedimento da Consulta Pública no âmbito da Anatel: Mecanismo de efetivação da democracia. O debate como pressuposto de legitimidade do Direito na visão de Habermas; Conclusão.
RESUMO: O presente trabalho aborda, sinteticamente, o procedimento da consulta pública no âmbito da Anatel, como mecanismo de efetivação da democracia e de legitimidade do poder regulamentar. A análise é feita sob o enfoque do debate, como pressuposto de legitimidade do Direito, na visão de Habermas. Para tanto, discorre-se inicialmente acerca do surgimento do Estado Regulador, bem como das agências reguladoras. Às agências reguladoras foi conferido o poder normativo. A análise deste trabalho, portanto, foca na legitimidade do poder normativo das agências reguladoras e o mecanismo de participação do cidadão dentro do processo regulatório, consubstanciado pela consulta pública. Será demonstrado, ao longo deste breve estudo, que o procedimento da consulta pública é um instrumento de efetivação da democracia e consequentemente do Estado Democrático de Direito, uma vez que proporciona a participação popular no debate dentro do processo regulatório da Anatel, possibilitando a efetiva interferência do cidadão no conteúdo das normas a serem editas. Em vista disso, o procedimento da consulta pública culmina por conferir legitimidade ao poder regulamentar da agência reguladora.
PALAVRAS-CHAVE: Agências reguladoras. Anatel. Poder Normativo. Legitimidade. Consulta Pública. Democracia. Teoria da Ação Comunicativa. Habermas.
INTRODUÇÃO
As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar, controlar e regulamentar diversos ramos do serviço público. A importância das agências é inquestionável para o bom funcionamento dos serviços públicos, desde que sempre em estrita observância aos princípios constitucionais.
Ocorre que, para exercerem a sua função de controle e de fiscalização, às agências reguladoras foi atribuído o poder normativo, para elaborar atos regulatórios, porém sem inovar no mundo jurídico, de forma a regulamentar as questões técnicas e específicas que se relacionam a sua competência administrativa.
Nesse diapasão, para conferir legitimidade aos atos normativos editados pelas agências reguladoras, são previstos em lei procedimentos, como o da consulta pública, que permitem ao administrado participar diretamente do processo de elaboração do ato normativo, o que representa, em última instância, o efetivo exercício da democracia.
É nesse sentido que a consulta pública revela-se como um exemplo pragmático de exercício de participação do cidadão na produção regulamentar das agências reguladoras e, consequentemente, como meio de legitimação da norma editada, à luz da teoria discursiva do direito e da democracia de Habermas. Segundo o filósofo alemão, a democracia é garantida pela linguagem, pelo consenso, fruto da intersubjetividade. Em outras palavras, a ideia da filosofia da linguagem de Habermas condiciona a validade de todo o saber na intersubjetividade, é dizer, na racionalidade comunicativa.
Neste trabalho, discorre-se, inicialmente, sobre o surgimento do Estado Regulador e, concomitantemente, das agências reguladoras. Em seguida, analisa-se a legitimidade do poder regulamentar a elas conferido. Com efeito, será demonstrado que um dos mecanismos para a legitimação do poder normativo das agências é o procedimento da consulta pública. O referido procedimento, por sua vez, é analisado neste estudo, estabelecendo-se um paralelo, principalmente, com a teoria de Habermas, para quem a deliberação, a troca de informações e o diálogo entre os cidadãos são cruciais para conferir legitimidade ao Direito e afigura-se como um exercício genuíno da democracia.
No caso específico da Anatel, todo regulamento, antes de ser publicado e de passar a entrar em vigor, é submetido às consultas interna e pública. Na consulta interna, abre-se vista para que o corpo técnico da agência possa emitir sua opinião e dar suas sugestões acerca do regulamento, criando-se um verdadeiro diálogo interno. Após a consulta interna, é formalizada a consulta pública, momento em que é dada a oportunidade para toda a sociedade participar do processo de elaboração da norma de direito de telecomunicação que irá ser editada pela agência reguladora. Para ocorrer a consulta pública, a minuta do regulamento é publicada no Diário Oficial da União com prazo para os interessados apresentarem suas sugestões e críticas sobre o regulamento. Instaura-se, assim, um processo administrativo, para analisar as contribuições da sociedade.
A obrigatoriedade da submissão à consulta pública no âmbito da Anatel está estabelecida no art. 42 da Lei nº 9.472 de 1997, que dispõe:
Art. 42. As minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca.
No que tange à consulta pública, cumpre esclarecer que se trata de uma participação direta, em que o cidadão ou empresa interessada tem a oportunidade de manifestar sua concordância ou não com o regulamento, podendo impugnar artigos específicos da minuta, sugerir texto, redação, etc. Em contrapartida, para a efetividade do procedimento de participação social, cabe à autoridade administrativa manifestar-se acerca da contribuição, seja para acolhê-la ou para rechaçá-la, o fato é que a decisão do administrador deverá ser motivada, seja em que sentido for.
Confere-se, desta feita, com a participação da sociedade, legitimidade à norma que será editada e que irá regular as relações de telecomunicações.
Nessa toada, se concluirá, ao final do trabalho, que a consulta pública, ao conferir um espaço de debate à sociedade, representa um mecanismo de legitimidade da norma editada pela Anatel, dentro do processo regulamentar. É dizer, a consulta pública representa justamente a ideia de busca de consenso, de debate entre as partes interessadas, pretendendo-se, por meio dela, que a norma exarada pela agência seja fruto da discussão pública, o que lhe conferirá, ao final, a legitimidade para ser uma norma válida.
1 ESTADO REGULADOR: REGULAÇÃO E AGÊNCIAS REGULADORAS.
No século XX, percebeu-se que era insuficiente a mera enumeração dos direitos individuais, para a efetiva proteção dos indivíduos, sendo necessária a atuação direta do Estado, como conformador dos direitos. O Estado Regulador então surge como garantidor da preservação da prestação material necessária ao exercício dos direitos fundamentais.
Dentro desse contexto, o direito regulatório tem como função a determinação do conteúdo jurídico dos direitos fundamentais. É dizer, ele tem a função de determinar o conteúdo de um direito subjetivo, a partir da dinâmica do ordenamento jurídico em meio às potencialidades concretas criadas pelas políticas públicas, ordens normativas, investimento empresarial, etc. É dizer, o adensamento do conteúdo dos direitos fundamentais depende das decisões estatais relacionadas aos setores essenciais ao desenvolvimento socioeconômico do país, que são tomadas à luz do direito regulatório.
Por outro lado, o ordenamento jurídico moderno busca acompanhar as transformações constantes implementadas pelas inovações tecnológicas, se desvinculando da concepção de ordenamento estanque, que não mais atende às necessidades de normatização de setores complexos de atividades.
A velocidade das transformações tecnológicas somada à globalização, que exige uma uniformização internacional do ordenamento, é um dos fatores de desestabilização do sistema normativo, exigindo uma perspectiva dinâmica do ordenamento. Contudo, é preciso dizer que o ordenamento não precisa dar respostas específicas às necessidades setoriais diante das inovações tecnológicas e da globalização, mas sim conduzir juridicamente a política pública do setor, ou seja, traduzir em preceitos a política pública setorial.
Acontece que cada setor regulado tem as suas especificidades, portanto a aderência do ordenamento jurídico ao setor será tanto maior quanto maior for o conhecimento setorial. Em outras palavras, pode-se afirmar que a eficácia do ordenamento jurídico de regulação depende de maior conhecimento da realidade setorial.
O domínio da realidade setorial é fundamental para a melhor adequação do ordenamento jurídico ao setor regulado, para que seja possível a elaboração de regulamento viável, alcançando-se, com isso, de modo mais efetivo, o interesse público.
Nesse sentido, se sobressai o governo por políticas, que representa a intervenção estatal em setores relevantes de atividades. Essa intervenção mostrou-se necessária como forma de adensamento dos direitos fundamentais em sua dimensão concreta.
É dizer, percebeu-se que a mera enumeração abstrata dos direitos fundamentais não satisfaziam as necessidades sociais. Foi necessário que o Estado passasse a intervir indiretamente, por meio da regulação dos setores de atividades essenciais, por meio do Estado Regulador, para que se garantisse a materialização dos direitos fundamentais.
Com efeito, o Estado Regulador segue um modelo próprio, diferente dos Estados Social e Liberal, pois se caracteriza por coordenar, gerenciar, controlar e intervir indiretamente. Distingue-se, portanto, do Estado Social, que se caracteriza pela intervenção direta do Estado para a promoção do desenvolvimento econômico e social e do Estado Liberal, cuja modelo abstencionista, encarrega ao mercado a função de regulação econômica e social. O Estado Regulador define-se pelo caráter dirigente da administração pública, para a consecução das atividades essenciais à promoção dos direitos fundamentais, por meio da regulação do mercado.
A regulação, por sua vez, pode-se dizer que é o conjunto de produções normativa e administrativa do Estado Regulador que atua sobre os atores setoriais, sob a influência de conjunturas políticas e sociais, com vistas à concretização dos direitos fundamentais.
Com efeito, impende destacar que um dos mecanismos para a implantação do Estado Regulador foi a criação das agências reguladoras, traduzidas em entes de direito público especializados tematicamente, com competência legal precípua para regular e fiscalizar. Às agências reguladoras atribuiu-se o papel de gerenciamento normativo da realidade setorial, com o intuito de se atingir a otimização da eficiência dos setores regulados.
Nesse ponto, Alexandre Santos de Aragão faz uma interessante observação acerca das agências reguladoras dentro do contexto da necessidade de regulamentar os setores econômicos e de mercado. O autor considera que o poder normativo atribuído às agências reguladoras deve ser compreendido como um instrumento de comunicação do sistema jurídico com os demais subsistemas sociais (economia, telecomunicação, educação, etc.). Afinal, as agências são compostas por tecnocratas, experts na matéria regulada e fazem, portanto, a ligação entre o Direito e a matéria técnica especializada a ser regulada. Para ele, as agências reguladoras constituem um mecanismo de diálogo entre o Direito e a economia. Senão vejamos:
É sob essa perspectiva que poder normativo das agências reguladoras, com seu dinamismo, independência, especialização técnica e valorização das soluções consensuais, deve ser valorizada como um importante instrumento de intercomunicação do sistema jurídico com os demais subsistemas sociais envolventes (econômico, familiar, cultural, científico, religioso, etc.).
Apesar da sua origem relativamente antiga, que tem como principal marco a Interstate Commerce Commission, criada nos Estados Unidos da América do Norte em 1887 para regulamentar os serviços interestaduais de transporte ferroviário, as agências reguladoras independentes constituem, cada vez mais, um importante mecanismo de diálogo entre o Direito, que não pode abrir mão do seu caráter normativo, e a economia, que não cessa de aumentar a capacidade de impor a sua própria lógica. (ARAGÃO, 2000)
Com efeito, destaca-se, mais uma vez, o entendimento de Alexandre Aragão Santos, acerca da necessidade de modernização da Administração atrelada às mudanças do Direito, sempre em vistas à consecução dos princípios do Estado Democrático de Direito:
Entendemos que a questão das agências reguladoras independentes deve ser tratada sem preconceitos ou mitificações de antigas concepções jurídicas que, no mundo atual, são insuficientes ou mesmo ingênuas. Com efeito, limitar as formas de atuação e organização estatal àquelas do século XVIII, ao invés de, como afirmado pelos autores tradicionais, proteger a sociedade, retira-lhe a possibilidade de regulamentação e atuação efetiva dos seus interesses.
Devemos estar também atentos para distinguir as verdadeiras novidades do Direito Público daqueles institutos e nomenclaturas que, ou não são consentâneos com o nosso Direito positivo, ou, juridicamente, a ele nada acrescentam. Muitas vezes supostas inovações não passam, substancialmente, de medidas retóricas, de manifestações de vontade política.
No trato da matéria, temos, sobretudo, que prestigiar os valores do ordenamento jurídico constitucional, que, todavia, não se reduzem a mero emprego desta ou daquela forma jurídica historicamente contextualizada no século XVIII.
Devemos ainda evitar que as mudanças no Direito Público cheguem ao ponto de descaracterizá-lo como tal, propiciando a “fuga do Estado para fora do Direito Público”, ou, até mesmo, a sua descaracterização como Direito, desprovendo-o de toda cogência.
Devemos, enfim, estar atentos para necessidade de renovação dos modelos de Administração Pública se dar concomitantemente à coerente transformação do seu Direito. Os dois processos de mudança são interdependentes e devem visar ao efetivo atendimento das exigências do Estado democrático de Direito. Esses processos não estão isentos de contradições e tensões, que, além de não serem inéditas na história do Direito Público, vêm, ao longo dos tempos, constituindo a grande força motriz da sua evolução. (ARAGÃO, 2000).
Nesse diapasão, ante a nova realidade social cada vez mais complexa e dinâmica, sobreveio a necessidade de modernização do Direito e, concomitantemente, da Administração Pública com a criação das agências reguladoras independentes. Nasce, assim, o Estado Regulador, como produto da renovação do Direito e da Administração Pública decorrentes da modernização das relações sociais e da comunicação dos setores técnicos especializados com o Direito.
2 o modelo habermasiano de democracia.
O filósofo alemão, Jürgen Habermas, desenvolveu o modelo de democracia procedimental, segundo o qual, cabe ao Direito garantir e definir institucionalmente mecanismos de participação pública e de deliberação, assim como também deve servir de elo entre a esfera pública e o sistema político. (mattos, 2006, p. 29). É o Direito, portanto, que deve garantir os meios para que as demandas sociais cheguem ao interior do sistema político decisório, de modo que sejam debatidas. Nesse ponto, as garantias constitucionais de liberdade de associação, liberdade de obter informações e a própria garantia de mecanismos de participação pública institucionalizados são fundamentais. (Mattos, 2006, p.29).
No modelo democrático de Habermas, as condições de participação pública são um ponto sensível. É dizer, participar implica deliberação pública e a circulação de poder político para além das instituições que formam o sistema político – Legislativo, Executivo e Judiciário. (MATTOS, 2006, p. 30).
Nesse sentido, segundo Paulo Mattos, a partir do modelo de Habermas de democracia, pode-se falar em mecanismos deliberativos de accountability vertical, que se daria por meio da participação pública direta no processo decisório, consulta pública, por exemplo, não limitada apenas ao processo eleitoral. Nessa esteira, o autor brasileiro, ainda explica que a accountability vertical consiste, na verdade, nas condições de legitimidade do processo decisório, materializadas na participação pública direta como condição de legitimação da atuação normativa.
A análise da legitimidade das agências reguladoras sob o enfoque democrático se faz necessária, já que o processo político de participação democrática está centrado no processo eleitoral de escolha de membros representantes do Legislativo e do Executivo, que deverão atuar pautados pela consecução do interesse público.
Nesse diapasão, à luz do princípio da separação dos poderes, tendo em vista que as agências reguladoras têm poderes para editar normas (quase-legislativo), dirimir conflitos (quase-jurisdicional) e executar leis (quase-executivo), as decisões que envolvam políticas públicas têm de estar legitimadas, uma vez que, por possuírem autonomia, poderão contrariar os interesses políticos do presidente eleito democraticamente pelo povo.
Assim, o modelo democrático proposto por Habermas, ao focar nas condições de deliberação pública, apresenta uma solução para se garantir a legitimidade democrática das políticas públicas a serem implementadas pelas agências reguladoras.
Outrossim, vale ainda destacar que para o filósofo alemão, a ideia de legitimidade tem caráter substancial e não meramente formal. É dizer, não basta garantir e disponibilizar à sociedade mecanismos de participação no processo decisório. É preciso que o conteúdo das políticas públicas possa ser efetivamente influenciado pelos atores da sociedade civil.
A participação pública efetiva é tão importante para o filósofo alemão, que ele a atribuía o valor de direito fundamental de quarta geração. Nesse ponto destacamos o seguinte trecho da obra do filósofo brasileiro Paulo Nader, ao referenciar Habermas:
A autonomia privada existe quando os cidadãos exercem o domínio da ordem jurídica com a criação, mudança ou extinção das leis. Habermas preconizou a quarta geração de direitos fundamentais: os de participação. Estes pressupõem a institucionalização do princípio do discurso, espaço público mediante o qual os cidadãos exercem a autonomia política, participando do processo discursivo e diálogo do consenso. O princípio da democracia, pelo qual os cidadãos participam da formulação da ordem jurídica, confere legitimidade às normas. Os processos de comunicação, estabelecidos em leis, se revelam essenciais ao implemento do princípio democrático. A integração social se faz, portanto, pela ação comunicativa. (NADER, p. 306).
3 O Procedimento da Consulta Pública no âmbito da Anatel: Mecanismo de efetivação da democracia. O debate como pressuposto de legitimidade do Direito na visão de Habermas.
A Constituição Federal (artigo 21, XI, CF[1]) e a Lei Geral de Telecomunicações-LGT atribuíram à Anatel a qualidade de órgão regulador das telecomunicações, conferindo-lhe competência para adotar as medidas necessárias para implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações (artigo 19, I, LGT[2]).
Nessa esteira, verifica-se que a aprovação de normas e regulamentos (assim como suas respectivas alterações) pela Anatel constitui exercício de sua função normativa, a qual decorre de sua natureza de órgão regulador.
Outrossim, a Constituição Federal, em seu art. 37, §3º, prevê expressamente, que devem ser disciplinadas em lei as formas de participação do usuário na administração pública. Senão vejamos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.
No que toca à Anatel, há a previsão normativa de três diferentes mecanismos de participação no processo decisório da agência, são eles: a consulta pública, a audiência pública e o procedimento de denúncia. No presente trabalho, trataremos das audiências públicas.
Nessa esteira, quanto à necessidade de submeter a elaboração e/ou alteração de minuta de ato normativo a procedimento de Consulta Pública, de bom alvitre transcrever os pertinentes dispositivos da LGT e do Regimento Interno da Anatel (aprovado por meio da Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013,), in verbis:
Lei nº 9.472/97 (LGT):
Art. 42. As minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca.
Regimento Interno da Anatel:
Art. 59. A Consulta Pública tem por finalidade submeter minuta de ato normativo, documento ou matéria de interesse relevante, a críticas e sugestões do público em geral.
§ 1º A Consulta Pública pode ser realizada pelo Conselho Diretor ou pelos Superintendentes, nas matérias de suas competências.
§ 2º A Consulta Pública será formalizada por publicação no Diário Oficial da União, com prazo não inferior a 10 (dez) dias, devendo as críticas e as sugestões serem apresentadas conforme dispuser o respectivo instrumento deliberativo.
§ 3º A divulgação da Consulta Pública será feita também na página da Agência na Internet, na mesma data de sua publicação no Diário Oficial da União, acompanhada, dentre outros elementos pertinentes, dos seguintes documentos relativos à matéria nela tratada:
I - informes e demais manifestações das áreas técnicas da Agência;
II - manifestações da Procuradoria, quando houver;
III - análises e votos dos Conselheiros;
IV - gravação ou transcrição dos debates ocorridos nas Sessões ou Reuniões em que a matéria foi apreciada;
V - texto resumido que explique de forma clara e suficiente o objeto da consulta.
§ 4º As críticas e as sugestões encaminhadas e devidamente justificadas deverão ser consolidadas em documento próprio a ser enviado à autoridade competente, anexado aos autos do processo administrativo da Consulta Pública, contendo as razões para sua adoção ou rejeição, e permanecerá à disposição do público na Biblioteca e na página da Agência na Internet.
§ 5º Os pedidos de prorrogação de prazo de Consulta Pública serão decididos pelo Superintendente nas matérias de sua competência e, aqueles relativos a matérias sob a competência do Conselho Diretor, distribuídos ao Conselheiro Relator do processo submetido à Consulta Pública, exceto quando a ausência deste prejudicar a análise tempestiva do pedido, caso em que deverá ser realizado sorteio da matéria, nos termos do art. 9º deste Regimento.
§ 6º Na fixação dos prazos para a apresentação de críticas e sugestões às Consultas Públicas, a Agência deverá considerar, entre outros, a complexidade, a relevância e o interesse público da matéria em análise.
Conforme se depreende dos artigos em testilha, pode-se afirmar que a consulta pública é uma ferramenta da democracia, isso porque submete minuta de ato normativo, documento ou matéria de interesse relevante, a críticas e sugestões dos cidadãos. Neste ponto, insta transcrever trecho do Parecer nº527/2013/JCB/PFE-Anatel/PGF/AGU, que analisa a necessidade do Procedimento de Consulta Pública no âmbito da Administração, de forma a conferir legitimidade a seus atos:
15. Com efeito, o fato de os administrados estarem submetidos às normas da Anatel não lhes retira o direito de serem ouvidos, participar, negociar e tentar fazer prevalecer seus interesses. É preciso que essa colaboração ocorra, entretanto, de forma institucionalizada e previamente estipulada, com o fito de garantir a transparência desse processo de abertura à sociedade, momento adequado para que os diversos atores sociais e o Poder Público possam contrapor interesses, objetivos e políticas entre si.
16. A Consulta Pública, então, serve como fórum apropriado ao recolhimento e à ponderação sobre as diversas possíveis manifestações formuladas por indivíduos e grupos sociais interessados no tema específico. Na interpretação de Floriano de Azevedo Marques Neto, os entes públicos incumbidos de exercer a regulação estatal sobre um determinado setor da economia devem ser concebidos com ampla transparência e permeabilidade, sem descuidar de certa neutralidade. A permeabilidade se revela no diálogo permanente, transparente e aberto do regulador com os agentes sujeitos à regulação.
17. Ao tratar do assunto, a Exposição de Motivos n° 231/MC–EM-LGT, de 10.12.1996, afirmou a Consulta Pública como instrumento capaz de “dificultar comportamentos oportunistas e inibir ações indesejáveis por parte de operadoras e grupos de interesses”, realçando a característica de transparência e permeabilidade institucionalizada imprimida à Anatel.
18. No mesmo sentido, Alexandre Santos de Aragão explica que os espaços públicos de discussão foram criados como mecanismos de legitimação do processo decisório, no intento de reduzir o déficit democrático da regulação administrativa. Vê-se, pois, que o viés democrático é impingido às instituições públicas na medida em que nelas se abrem espaços destinados à manifestação do indivíduo, no exercício do direto de sua cidadania.
Acerca do procedimento de consulta pública no âmbito da Anatel, destaca-se trecho de obra do autor, Paulo Todescan Lessa Mattos, que aborda o tema, ao analisar os mecanismos de participação pública e legitimidade decisória sobre o conteúdo da regulação. In verbis:
A consulta pública é o principal mecanismo de participação pública no processo decisório da Anatel na definição de conteúdo da regulação. Isso porque está diretamente associado à função normativa da agência.
Conforme os procedimentos previstos no Regimento Interno da Anatel, os provimentos normativos da agência serão veiculados mediante resoluções, de competência exclusiva do Conselho Diretor. São legitimados a propor a edição de ato normativo os conselheiros membros do Conselho Diretor, o Conselho Consultivo, o Ouvidor e o Poder Executivo. Além disso, o inciso IV do art. 48 do Regimento Interno estabelece que qualquer pessoa, física ou jurídica tem legitimidade para encaminhar proposta de ato normativo à agência.
O processo de tramitação do ato normativo a ser editado estabelece que o conselheiro relator, sorteado pelo presidente do Conselho Diretor, deve submeter a proposta à apreciação prévia do colegiado. Uma vez admitida, a proposta é levada à consulta pública. Esgotado o prazo previsto para a consulta, as contribuições são analisadas e, finalmente, a norma é editada.
A consulta pública é, dessa forma, um meio direto de participação dos administrados na formulação das normas editadas pela Anatel. O Regimento Interno da Anatel é claro a esse respeito. Antes de ser votado pelo Conselho Diretor, todo ato normativo deve ser colocado à disposição dos administrados para que opinem a respeito do projeto de nova norma. A consulta pública deve ser formalizada mediante publicação no Diário Oficial da União, com prazo nunca inferior a dez dias. Qualquer pessoa pode formular críticas e sugestões, as quais deverão, necessariamente, ser examinadas pelo Conselho Diretor antes da edição da resolução. Ao examiná-las, o Conselho Diretor deve expor os motivos que levaram à adoção ou não das medidas propostas. Essas razões deverão ser arquivadas na biblioteca da Anatel, ficando à disposição de qualquer interessado.
[...]
Considerados esses três mecanismos de participação pública direta, apenas o primeiro - a consulta pública – permite objetivamente que haja um controle do processo decisório da agência sobre o conteúdo da regulação. Em outras palavras, é por meio das consultas públicas para a edição de normas que os interessados podem se manifestar sobre o conteúdo das normas a serem editadas pela agência. Assim, o mecanismo de consulta pública é o instrumento de participação deliberativo que está diretamente ligado ao processo de legitimação democrática da regulação, enquanto função normativa estabelecida por agências reguladoras. (MATTOS, 2006. p. 262).
Com efeito, pode-se afirmar, que o procedimento da consulta pública é sem dúvida um instrumento de efetivação da democracia e consequentemente do Estado Democrático de Direito, uma vez que proporciona a participação popular ao debate no processo regulatório das agências, possibilitando a efetiva interferência do cidadão no conteúdo das normas a serem editas.
Para ilustração do feito, cito um trecho do texto de Ricardo Castilho, que traz a visão do filósofo alemão Habermas acerca da democracia, que para ele, em resumo, é a possibilidade de o cidadão poder ser autor e destinatário da norma de direito. Vejamos:
Habermas considera que, numa democracia, o cidadão deve ser, ao mesmo tempo, destinatário e autor das normas jurídicas. Por isso, define uma relação de autonomia recíproca entre soberania do povo (pública) e direitos humanos (privados). Soberania popular porque todos os destinatários da norma jurídica devem concordar com ela. E direitos humanos porque a norma jurídica deve abranger a ação orientada pelo interesse privado. (CASTILHO, 2012.p.266)
Para o filósofo alemão, a democracia é garantida pela linguagem, pelo consenso, fruto da intersubjetividade. O que a consulta pública representa é justamente essa ideia de busca de consenso, de debate entre as partes interessadas, pretendendo-se, por meio dela, que a norma seja fruto da discussão pública, o que lhe conferirá, ao final, a legitimidade para ser uma norma válida.
Ora, como visto, o procedimento da Consulta Pública previsto no Regimento Interno da Anatel proporciona ao cidadão participar ativamente do processo de elaboração de suas normas. É dizer, o próprio destinatário da norma será também autor dela.
Ademais, o procedimento citado possibilita o amplo debate em busca de consenso entre os cidadãos, o que efetivamente representa para Habermas a garantia da democracia.
No texto, “Razão prática, Moral e Direito-uma leitura contemporânea” é explicada sinteticamente a filosofia da linguagem de Habermas:
a moral como o âmbito de atribuição de validade a normas universais. O faz, entretanto, não mais nos termos de uma filosofia da consciência – que tomava o sujeito cognoscente como ponto de partida e referencial epistêmico – mas de uma filosofia da linguagem – que se baseia no caráter intersubjetivo de validação de todo saber -, valendo-se de uma compreensão de racionalidade comunicativa potencialmente emancipadora, ancorada no mundo da vida, portanto, gerada e operada intersubjetivamente. (grifei) (SCOTTI, p. 1).
Do trecho em testilha, destaca-se a ideia da filosofia da linguagem de Habermas, que condiciona a validade de todo o saber na intersubjetividade, é dizer, na racionalidade comunicativa. Nessa toada, cumpre esclarecer acerca da ideia de intersubjetividade de Habermas, que se baseia na racionalidade e nos remete à relação entre os sujeitos, diferentemente da ideia de relação subjetiva entre sujeito e objeto. A intersubjetividade, para o filósofo alemão, seria a base da sociedade racional e é dentro deste contexto apresentado, que Habermas nos apresenta a noção de legitimidade social.
Habermas afirma que a racionalidade da sociedade moderna está ligada às decisões coletivas e nesse contexto ele destaca a importância da ação comunicativa, que para ele seria um novo fundamento da razão. Ao pensar a racionalidade, Habermas diz que a razão não é apenas instrumental, ela também pode ser intersubjetiva, comunicativa.
A ação comunicativa, em outras palavras, seria justamente, o debate, a discussão, a comunicação entre os cidadãos que culminam nas decisões coletivas. A ideia da Consulta Pública é justamente submeter a debate minuta de norma a ser editada pela Agência. É esse debate e discussão entre os cidadãos- ação comunicativa na visão de Habermas – que conferirá a legitimidade ao regulamento.
Pois bem, nesse contexto insta ressaltar que, Jürgen Habermas se destaca por pensar os problemas sociais e humanos a partir da vertente da comunicação. Para o filósofo, a deliberação, a troca de informações, o diálogo entre os cidadãos é crucial para conferir legitimidade ao direito e afigura-se como um exercício genuíno da democracia. Trata-se, sinteticamente, da ideia central da Teoria do Agir Comunicativo, elaborada por ele. Com efeito, seguem colacionadas as lições do Professor Eduardo C. B. Bittar, acerca da Teoria do Agir Comunicativo de Habermas:
Afinal, como se pode avaliar o Direito a partir da concepção apresentada por Jürgen Habermas? Partindo da razão comunicativa, é possível pensar que o Direito legítimo se funda sobre as experiências ordinárias colhidas no mundo da vida, de onde se extraem condições para a participação na arena da esfera pública, através da qual os circuitos de comunicação habilitam os atores sociais à produção de decisões social e juridicamente relevantes.
Assim, pode-se com Habermas, pensar no Direito como sendo um instrumento necessário da experiência social, mas, sobretudo imprescindível para a vivência governada pela razão, enquanto razão comunicativa, em lugar da irracionalidade e do atomismo sociais. É assim que o Direito se anela à ideia de ser uma prática social de deliberação, compartilhamento e estabelecimento de referencias do agir comum; (BITTAR, 2011. p. 513)
Outrossim, para Habermas, o cidadão deve dentro do Estado Democrático de Direito ser o autor das normas que o regem, de modo que assim seja conferida legitimidade ao Direito. Isso porque, é inerente ao Estado Democrático de Direito, a participação no debate público, que conforma a soberania democrática.
Em outras palavras, garantir ao cidadão a participação efetiva na elaboração das normas, como acontece, no âmbito da Anatel, no procedimento de consulta pública, significa, na visão de Habermas, conferir ao Direito o caráter de legítimo meio de integração social. Por oportuno, impende transcrever o seguinte trecho do texto de Guilherme Scotti “Razão prática, Moral e Direito – uma leitura contemporânea”:
A Teoria Discursiva do Direito e da Democracia rompe com os modelos explicativos tradicionais, ao fundar a legitimidade do direito moderno numa compreensão discursiva da Democracia. Como demonstrado pela própria história institucional da modernidade, o direito positivo, coercitivo, que se faz conhecer e impor pelo aspecto da legalidade, precisa, para ser legítimo, ter sua gênese vinculada a procedimentos democráticos de formação da opinião e da vontade que recebam influxos comunicativos gerados numa esfera pública política e onde um sistema representativo não exclua a potencial participação de cada cidadão, sujo status político não depende de pré-requisitos (de renda, educação, nascimento etc). A essa relação entre positividade e legitimidade, Habermas denomina tensão interna entre facticidade e validade, pois presente no interior do próprio sistema do Direito.
Nessa linha, importa destacar trecho da obra do filósofo Paulo Nader, citado por Roberto Basilone Leite, que também analisa a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas:
(...) Habermas criou o modelo da razão discursiva, que aplicou em suas atividades acadêmicas. Teoria da comunicação é um resultado de sua atitude crítica em relação a outras teorias examinadas e discutidas na atividade acadêmica. Na avaliação de Ludwig Friedeburg, tão grande a importância atribuída por Habermas à comunicação que, para ele, constituía a base da vida terrena.
A ação comunicativa é analisada por Habermas como forma de libertação ou de emancipação dos membros da sociedade. A fim de alcançar tal objetivo, comenta Rogério Gesta Leal, o filósofo Habermas propõe a mudança de paradigma: em lugar de o cidadão legitimar as esferas do Estado, transferindo-lhes o poder, deveria assumí-lo pela própria cidadania. Na metodologia reconstrutiva de Habermas, os cidadãos devem ser considerados, ao mesmo tempo, autores e destinatários da ordem jurídica. (LEITE, 2008, apud. NADER).
Do trecho extraído, imperioso concluir que o procedimento de consulta pública ora analisado revela-se como um exemplo da aplicação prática da Teoria Discursiva do Direito e da Democracia de Habermas no âmbito da agência reguladora. Isso porque, como visto, a referida teoria sustenta que a legitimidade do Direito moderno baseia-se fundamentalmente na compreensão discursiva da Democracia, é dizer, na participação efetiva dos cidadãos na discussão e elaboração das normas que a eles serão dirigidas. Ademais, o mesmo texto ainda traz a ideia de que no Estado Democrático de Direito, a legitimidade do sistema político deriva do poder comunicativo. Senão vejamos:
No Estado Democrático de Direito, o poder político, para ser legítimo, deve derivar do poder comunicativo gerado a partir da esfera pública política. O Estado, embora ocupe o centro dessa esfera pública, com os complexos parlamentares, não mais se confunde com a ela, em seu todo (como se concebia nos paradigmas liberal e social, especialmente nesse último). A sociedade civil, seus movimentos sociais, organizações e associações de toda ordem, os meios de comunicação de massa, partidos políticos etc. compõem um complexo mais ou menos institucionalizado de formação, reprodução e canalização da opinião pública e da vontade política que, filtrados por sua pertinência, constituem o input dos órgãos políticos estatais. (LEITE, 2008).
Por todo o exposto, forçoso é concluir que o poder normativo das agências reguladoras é legitimo na medida em que os destinatários da norma que a ela se submetem terão a oportunidade de participar do processo de sua elaboração, por meio do procedimento de consulta pública, que na prática representa um exercício da democracia, relacionando-se, consequentemente, com o paradigma do Estado Democrático de Direito.
CONCLUSÃO
O presente estudo teve por objetivo a análise da legitimidade do poder normativo das agências reguladoras consubstanciada no procedimento de consulta pública. É dizer, buscou-se legitimar a atuação regulatória das agências reguladoras com enfoque na consulta pública, fazendo um paralelo com o exercício da democracia no Estado Democrático de Direito. Chega-se, ao final, à conclusão de que o fundamento de validade dos atos normativos editados pelas agências reguladoras decorre do fato de haver participação direta dos cidadãos interessados na norma.
Foi discorrido, inicialmente, acerca do surgimento do Estado Regulador e das agências reguladoras, acompanhados da modernização do Direito e da administração pública.
No século XX, constatou-se que os modelos até então conhecidos de Estado (Social e Liberal) tornaram-se ultrapassados diante da nova sociedade que se desenvolvia. Nasceu, assim, o novo modelo de Estado não tão abstencionista como o Liberal e tampouco produtor como o Social. O Estado Regulador caracteriza-se por ser garantidor da preservação da prestação material necessária ao exercício dos direitos fundamentais. Assim, por meio da regulação, o Estado determina o conteúdo jurídico dos direitos fundamentais. É dizer, ele confere concretude ao conteúdo de um direito subjetivo. Essa intervenção indireta mostrou-se necessária como forma de adensamento dos direitos fundamentais em sua dimensão concreta.
Além disso, diante a nova realidade social cada vez mais complexa e dinâmica, sobreveio a necessidade de modernização do Direito e concomitantemente, da administração pública com a criação das agências reguladoras independentes. Nasce, assim, o Estado Regulador, como produto da renovação do Direito e da administração pública decorrentes da modernização das relações sociais e da comunicação dos setores técnicos especializados com o Direito.
Nesse ponto, restou esclarecido que um dos mecanismos para a implantação do Estado Regulador foi justamente a criação das agências reguladoras, traduzidas em entes de direito público especializados tematicamente, com competência legal precípua para regular e fiscalizar. Às agências reguladoras atribuiu-se o papel de gerenciamento normativo da realidade setorial, com o intuito de se atingir a otimização da eficiência dos setores regulados.
Foi discorrido, brevemente, acerca do modelo de democracia teorizado por Habermas. O filósofo alemão desenvolveu o modelo de democracia procedimental, segundo o qual, cabe ao Direito garantir e definir institucionalmente mecanismos de participação pública e de deliberação, assim como também deve servir de elo entre a esfera pública e o sistema político. (mattos, 2006, p. 29). É o Direito, portanto, que deve garantir os meios para que as demandas sociais cheguem ao interior do sistema político decisório, de modo que sejam debatidas. Nesse ponto, as garantias constitucionais de liberdade de associação, liberdade de obter informações e a própria garantia de mecanismos de participação pública institucionalizados são fundamentais. (Mattos, 2006, p.29).
O modelo democrático proposto por Habermas foca nas condições de deliberação pública, apresentando, assim, uma solução para se garantir a legitimidade democrática das políticas públicas a serem implementadas pelas agências reguladoras.
Outrossim, de acordo com o modelo democrático do filósofo alemão, não basta garantir e disponibilizar à sociedade mecanismos de participação no processo decisório. É preciso que o conteúdo das políticas públicas possa ser efetivamente influenciado pelos atores da sociedade civil.
Por derradeiro, destaca-se o procedimento da consulta pública no âmbito da Anatel, como mecanismo de efetivação da democracia, sob o enfoque do debate, como pressuposto de legitimidade do Direito, na visão de Habermas. O procedimento da consulta pública é sem dúvida um instrumento de efetivação da democracia e consequentemente do Estado Democrático de Direito, uma vez que proporciona a participação popular no debate dentro do processo regulatório das agências, possibilitando a efetiva interferência do cidadão no conteúdo das normas a serem editas.
Desse modo, foi feito um paralelo entre o procedimento da consulta pública e a teoria da ação comunicativa de Habermas. Isso porque, segundo o filósofo alemão, a democracia é garantida pela linguagem, pelo consenso, fruto da intersubjetividade. Em outras palavras, a ideia da filosofia da linguagem de Habermas condiciona a validade de todo o saber na intersubjetividade, é dizer, na racionalidade comunicativa.
É nesse sentido que se conclui que a consulta pública, ao conferir um espaço de debate à sociedade, representa um mecanismo de legitimidade da norma, dentro do processo regulamentar das agências. É dizer, a consulta pública representa justamente a ideia de busca de consenso, de debate entre as partes interessadas, pretendendo-se, por meio dela, que a norma seja fruto da discussão pública, o que lhe conferirá, ao final, a legitimidade para ser uma norma válida.
Por todo o exposto nesse trabalho, pode-se concluir que o procedimento de consulta pública revela-se como um exemplo da aplicação prática da teoria discursiva do direito e da democracia de Habermas no âmbito da agência reguladora. Isso porque, como visto, a referida teoria sustenta que a legitimidade do Direito moderno baseia-se fundamentalmente na compreensão discursiva da democracia, é dizer, na participação efetiva dos cidadãos na discussão e elaboração das normas que a eles serão dirigidas. Portanto, o poder normativo das agências reguladoras é legítimo, à luz da teoria discursiva de Habermas, na medida em que, por meio da consulta pública, proporciona à sociedade o espaço para debater e para efetivamente interferir no conteúdo da norma. A consulta pública, em resumo, é um instrumento para o exercício da cidadania, da democracia, uma manifestação prática do Estado Democrático de Direito.
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[1]Constituição Federal: Art. 21. Compete à União:(…)
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
[2] Lei nº 9.472/97- LGT: Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações;
Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal Especializada da Anatel. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Júlia de Carvalho. O procedimento da consulta pública: mecanismo de efetivação da democracia e de legitimidade das normas regulamentares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38949/o-procedimento-da-consulta-publica-mecanismo-de-efetivacao-da-democracia-e-de-legitimidade-das-normas-regulamentares. Acesso em: 22 nov 2024.
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