Resumo: No presente artigo foi adotada a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, a fim de se buscar respaldo doutrinário para lhe propiciar o desenvolvimento; houve levantamento de dados a partir da abordagem dedutiva, tendo como métodos de procedimento o hermenêutico e o histórico. Abordou-se institutos inerentes ao ICMS, ao comércio eletrônico e aspectos relativos aos princípios do Direito Tributário contidos na Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988). Examinou-se a aplicabilidade do princípio da não cumulatividade nas vendas do comércio eletrônico; as hipóteses de cabimento da alíquota interestadual do ICMS; bem como analisou-se a Guerra Fiscal entre os Estados Federados. E, objetivando uma maior compreensão a respeito dos sobreditos institutos, examinou-se os dispositivos contidos na Lei Complementar nº. 87 de 1996 e o Projeto de Emenda à Constituição nº. 103/2011. Nesse diapasão, coube analisar o conflito gerado na repartição de receitas do ICMS incidente sobre a venda eletrônica interestadual de mercadorias a consumidores não contribuintes em face do princípio da não cumulatividade.
Palavras-Chave: Guerra Fiscal; ICMS; Comércio eletrônico; Princípio da não cumulatividade.
Abstract: In this article was adopted the bibliographic and jurisprudential research, with the aim of seeking doctrinal support to foster its development; was data collection from the deductive approach, adopting the hermeneutic and historical methods of procedure. Was approached institutes inherent to the ICMS, electronic trade and issues related to the principles of Tax Law contained in the Federal Constitution of 1988 (CRFB/1988). Was examined the applicability of the principle of non-cumulative sales of e-commerce; the chances of the application of the interstate ICMS rate; as well as was analyzed the tax war between the Federated States. And aiming at a better understanding about the aforesaid institutes, was examined the devices contained in the Supplementary Law nº. 87 of 1996 and the Draft Amendment to the Constitution nº.103/2011. In this vein, it was necessary to examine the conflict generated in ICMS revenue sharing on interstate e-commerce of goods to not tax payers consumers in view of the principle of the non-cumulative.
Keywords: Tax war; ICMS; E-commerce; Principle of Non-Cumulativity.
1 INTRODUÇÃO
Os princípios tributários contidos na Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988) são garantias do contribuinte na relação jurídica formada com o Fisco. Entretanto, fator inimaginado pelo legislador constituinte originário, como o a globalização dos mercados, modificou a sistemática da forma de consumo.
No mesmo passo, o crescimento acelerado e o estímulo ao comércio eletrônico brasileiro estabeleceram uma guerra bilionária entre os Estados que compõe a Federação pelo recolhimento de impostos provenientes das vendas eletrônicas.
Ocorre que a CRFB/1988 definiu em seu artigo 155, § 2º, inciso VII, que nas operações interestaduais de circulação de mercadorias destinadas ao consumidor final (não contribuinte) cabe somente a aplicação da alíquota interna, ou seja, a do Estado de origem da mercadoria.
De outro modo, incide a alíquota interestadual quando o destinatário do objeto de mercancia entre os Estados for um contribuinte do imposto. Assim, será possível a divisão de lucros entre os Estados na hipótese em que a operação possua como destinatário pessoa diversa do consumidor final.
Percebe-se, contudo, que os Estados mais ricos concentram os principais centros de distribuição do país e, por conseguinte, detêm maior arrecadação do ICMS.
Por outro lado, os demais Estados se voltaram contra tal situação, reclamando para si uma parcela da arrecadação do ICMS relativo às vendas eletrônicas com incidência da alíquota interna através da instituição do Protocolo ICMS nº 21 de 2011, que acirrou a Guerra Fiscal no âmbito do comércio eletrônico, ao mesmo tempo em que feriu garantias constitucionais do contribuinte, a exemplo do princípio da não cumulatividade, sob argumentos de propiciar uma divisão mais equânime dos lucros e cumprir o objetivo de redução das desigualdades regionais, inserto no artigo 3º, inciso III, da CRFB/1988.
Nesse cenário, eis que necessário se fez sopesar os princípio do ICMS que servem de garantia ao contribuinte, em contraponto aos interesses dos Estados mais pobres da Federação, a fim de analisar a possibilidade de utilização de mecanismos de arrecadação do ICMS que também possam beneficiá-los.
2 DO ICMS
2. 1. Conceito e Breve Evolução Histórica
Tendo em vista que este artigo se presta ao exame do conflito que emerge na repartição de receitas do ICMS incidente sobre a venda eletrônica interestadual de produtos a consumidores não contribuintes, é primordial que se entenda as origens deste imposto, quais as suas particularidades, bem como os princípios a ele inerentes.
Sendo assim, imprescindível é a análise da origem e do contexto histórico em que surgiu o acrônimo hodiernamente conhecido por ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), com previsão contida no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988).
Acerca do vocábulo, Roque Antônio Carrazza (2012, p. 42) aponta que “O ICMS descende diretamente do ICM, da Constituição de 1967/1969, que, por sua vez, descendia do IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações), da Constituição de 1946”.
Hugo de Brito Machado (2008), em complementação, leciona que o ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) nada mais era do que o antigo Imposto Sobre Vendas e Consignações que, desde sua gênese, era de competência dos Estados, passando por significativa reformulação com a Emenda Constitucional n°. 18 de 1965, que o tornou não cumulativo, característica preservada na Constituição atualmente em vigor.
Segundo informa Fernando Rezende (2009), no final dos anos 1960, quando da mudança do IVC para o ICM, mesmo com o significativo crescimento da renda dos Estados componentes da Federação, sobretudo aqueles da Região Nordeste do país, intensos debates começaram a ser travados acerca dos impactos regionais desta nova espécie de tributo.
Sucedeu que os representantes dos Estados mais pobres da Federação, ao perceberem os parcos rendimentos auferidos quando comparados aos Estados mais ricos, voltaram-se contra a cobrança na origem de um imposto pago pelos contribuintes das regiões mais pobres e tradicionalmente consumidoras.
Dessume-se disso que desde aquela época as operações que demandam a movimentação da mercadoria de um Estado da Federação para outro são causadoras de grandes impasses no Direito Tributário pátrio, em especial quando consideradas as disparidades entre os indicadores econômicos e de desenvolvimento das diversas regiões brasileiras.
Em reflexão a respeito do ICM, Rezende (2009) aduz que a prática de concessão de incentivos fiscais visando a estimular a instalação de indústrias em outras Regiões do país que não fossem Sul e Sudeste acabou por acirrar o conflito fiscal entre os Estados.
Em momento ulterior, com o advento da Constituição Federal de 1988, importantes mudanças foram introduzidas com a expectativa de corrigir as distorções provocadas pelas diferentes alíquotas aplicadas no comércio interestadual, a fim de apaziguar o conflito insipiente entre os Entes Federados, que se acentuava cada vez mais, conforme Ives Gandra da Silva Martins (2008).
Atento, ainda, às diversas modalidades de serviços prestados no território nacional, o legislador constituinte ampliou os fatos geradores do ICM, incorporando os serviços de telecomunicações e de transporte interestadual e intermunicipal ao prever na CRFB/1988 que:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]
II- operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (BRASIL, 1988).
Ademais, os Estados foram constitucionalmente autorizados a fixar as alíquotas internas do imposto responsável pelas maiores quantias amealhadas aos cofres públicos. Por conseguinte, houve substancial incremento em suas rendas, fator contributivo para a intensificação da chamada Guerra Fiscal entre os Estados, tendo em vista que estes vislumbraram na possibilidade de instituição de alíquotas diferenciadas um elemento ampliador de sua arrecadação e não apenas mero elemento de distribuição de renda, como era feito durante a vigência do ICM.
Nesse passo, verifica-se do contido no artigo 155, §2º, incisos IV e V, alíneas “a” e “b”, da CRFB/1988, que o Senado Federal deveria estabelecer, mediante resolução de iniciativa de um terço dos seus membros e aprovada por maioria absoluta, apenas as alíquotas mínimas nas operações internas e alíquotas máximas nessas mesmas operações, para resolver conflito envolvendo interesse de Estados.
Em se tratando de um país com dimensões continentais como é o Brasil, que conta com uma área territorial de 8.515.767,049 quilômetros quadrados, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por certo que as disparidades entre as regiões que o integram se intensificariam, mormente porque o ICMS é o imposto economicamente mais importante de todos os abarcados pela competência estadual.
Ademais, o iter percorrido para que supracitado imposto se dotasse da formatação que tem hoje é hábil a demonstrar a apreensão dos legisladores de que os conflitos desencadeados pela arrecadação de impostos se acentuem, na precisa lição de Rezende (2009).
Portanto, a evolução histórica do ICMS é, em apertada síntese, uma sucessiva adequação e reformulação, pelos legisladores, de um tributo que, a princípio, incidia sobre vendas e consignações, sob a forma de IVC; após, sobre a circulação de mercadorias, em sua fase de ICM, alterado em 1965 para se tornar não cumulativo; até culminar com o acréscimo do “S”, ampliando as suas hipóteses de incidência, dando a ele os caracteres que o distinguem das suas fases mais remotas e aumentando sobremaneira a Guerra Fiscal entre os Estados da Federação, motivada pela sanha arrecadatória destes.
Assim, para uma compreensão holística do tema aqui tratado, necessária é a análise dos princípios constitucionais que serão adiante explanados e que servem de norte para o ICMS.
2.2 Princípios Constitucionais do ICMS
Ao tratar do poder de tributar do Estado, aspecto da soberania natural deste, a CRFB/1988 preocupou-se em trazer à tona princípios que norteiam a relação jurídica tributária ao mesmo tempo em que funcionam como efetiva proteção ao contribuinte.
Conforme preceitua Machado (2008), é a induvidosa existência dos princípios que regem as relações tributárias que denotam o seu caráter jurídico e não simplesmente de poder. Daí resulta que a relação de tributação é formada pelo binômio poder-direito e não poder-força.
Em verdade, o poder de tributar emana dos cidadãos, que, por meio de Constituição, outorgam poderes ao Estado para que este efetue a invasão ao patrimônio dos contribuintes, com o propósito de recolher tributos para suprir-lhe as necessidades, desde que respeitados alguns limites preestabelecidos.
Machado (2008, p. 29) afirma:
Importante é observar que a relação de tributação já não é simples relação de poder como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora seu fundamento seja a soberania do Estado. Sua origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido. Uma relação de escravidão, portanto.
[...] Nos dias atuais, entretanto, já não é razoável admitir-se a relação tributária como relação de poder, e por isto mesmo devem ser rechaçadas as teses autoritárias. A ideia de liberdade, que preside nos dias atuais a própria concepção do Estado, há de estar presente, sempre, também na relação de tributação.
Partindo dessa premissa, entende-se que a exigência de tributos aos indivíduos, pelo ente denominado Estado, ocorre no exercício da sua soberania sobre as pessoas de seu território, resultando em um dever de prestação por parte dos indivíduos. Entretanto, essa soberania se submete aos princípios constitucionais, verdadeiros limites ao poder de tributar.
Para Ricardo Lobo Torres (2005), a soberania financeira pertence ao povo e transfere-se limitadamente ao Estado pela Constituição, permitindo-lhe tributar e gastar, pois o Estado precisa captar recursos materiais a fim de manter a sua estrutura em adequado funcionamento e disponibilizar ao cidadão-contribuinte os serviços de que necessita, tendo em vista que a sua finalidade é a de realização das vontades coletivas.
Nesse viés, cabe notar que o Direito Tributário, assim como os demais ramos do Direito, busca auxílio nos princípios insculpidos na CRFB/1988, Astro-Rei do nosso ordenamento jurídico, em torno do qual gravitam todas as outras leis, e onde estas buscam o seu âmbito de validade ao, necessariamente, se compatibilizarem com aquela.
Portanto, percebe-se que o poder de tributar não é – e nem pode ser – absoluto, posto que originariamente emana do povo, que, por conseguinte, o repassa às mãos do Estado.
Assim, os princípios constitucionais se prestam a delimitar e vincular a atuação do Estado no exercício dos seus poderes, ao mesmo tempo em que protegem o cidadão contribuinte dos possíveis abusos do Fisco.
Segundo Carrazza (2012, p. 31), a nossa Carta Constitucional contém grande número de disposições que tratam de matérias tributárias, tendo adotado o legislador constituinte pátrio a técnica de prescrever, de modo exaustivo, as áreas dentro das quais as pessoas políticas podem realizar a tributação, revelando os exatos termos a que ficam adstritos os políticos ao exercerem a competência tributária que lhes foi outorgada, “uma vez que dela não recebem o poder tributário, mas, sim, uma parcela deste poder, bastante delimitada pelas normas que disciplinam seu exercício”.
Entende-se, deste modo, que o Direito Tributário tem como condição matriz da sua existência a delimitação do poder de tributar exercido a partir da soberania fiscal do Estado, elevando a relação tributária, antes mera relação de poder, à condição de relação de direito, dotando o contribuinte de garantias.
À vista disso, salutar consideração a ser feita antes do exame dos princípios tributários regentes do ICMS diz respeito à distinção doutrinária que se faz entre estes e as regras.
Segundo Humberto Ávila (2004, p. 69):
Os princípios possuem pretensão de complementaridade, na medida em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para a tomada de uma decisão não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão. Os princípios são, pois, normas com pretensão de complementaridade e de parcialidade.
As regras possuem, em vez disso, pretensão terminativa, na medida em que, sobre pretenderem abranger todos os aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm pretensão de gerar uma solução específica para a questão. As regras são, pois, normas preliminarmente decisivas e abarcantes.
Forçoso constatar, deste modo, que a ponderação dos princípios que regem o ICMS, considerando os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, conduzirá, por conseguinte, a uma correta aferição da problemática que circunda o tema deste artigo, uma vez que a essência do citado imposto é demonstrada de maneira precípua nos princípios que o norteiam.
2.2.1 Princípio da Seletividade
Nos dizeres de Eduardo de Moraes Sabbag (2010, p. 998): “a seletividade decorre da conceituação do que é menos essencial ou supérfluo, visando-se à minimização da carga tributária daquilo que é mais essencial e maior onerosidade do que é dispensável”.
Os contornos deste princípio estão delineados no artigo 155, §2º, inciso III, da CRFB/1988: “Art. 155. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] III- poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços; [...]”. (BRASIL, 1988).
Discorrendo acerca do vocábulo “poderá” adotado pelo legislador constituinte, Carrazza (2012) capitaneia corrente doutrinária entendedora de que aquele, juridicamente falando, equivalerá ao “deverá”. Deste modo, percebe-se que não se trata de faculdade do legislador infraconstitucional, mas verdadeiro poder-dever.
“Quando a Constituição confere a uma pessoa política um ‘poder’, ela, ipso facto, está lhe impondo um ‘dever’. É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes-deveres”. (CARRAZZA, 2012, p. 507).
Em clara oposição, Sabbag (2010) entende tratar a seletividade de princípio norteador e não obrigatório quanto ao ICMS. Assim sendo, haveria faculdade do legislador de observá-lo ou não.
Entende-se ser mais adequado o posicionamento adotado por Carrazza (2012), uma vez que o antigo ICM era tributo uniforme, que previa as mesmas alíquotas para todas as mercadorias, sendo eminentemente fiscal, característica que não se alinha à sua forma atual de ICMS, claro instrumento de extrafiscalidade.
A extrafiscalidade consiste em expediente utilizado para estimular ou desestimular condutas e comportamentos de virtuais contribuintes, na medida em que os induzem a fazer ou deixar de fazer alguma coisa; em contraponto à fiscalidade, que possui intenção exclusivamente arrecadatória.
Analisa Fernando Zilveti (2004, p. 190-191):
Por meio da extrafiscalidade, o Estado pratica a justiça social, não necessariamente justiça fiscal [...]. A extrafiscalidade consiste, também, numa forma de classificação dos tributos segundo a sua finalidade, de instrumentos de condução de políticas sociais intervencionistas. Essa intervenção deve ser, na medida do possível, justa e igualitária, jamais confiscatória.
Destarte, as alíquotas do ICMS deverão variar para mais ou para menos em razão da essencialidade das mercadorias ou serviços, devendo os mais essenciais ser menos onerados e os mais supérfluos, ou menos essenciais, mais onerados, desde que se mantenham dentro dos limites do razoável e do proporcional, porquanto, conforme dito anteriormente, estes são postulados corriqueiramente utilizados no sopesamento de princípios e valores postos em conflito.
2.2.2 Princípio da Não Cumulatividade
Preceitua o artigo 155, §2º, inciso I, da CRFB/1988, que o ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
Ressalta Carrazza (2012, p. 399):
O ICMS deve necessariamente sujeitar-se ao princípio da não cumulatividade, que, tendo sido considerado, pela Constituição, um dos traços característicos deste tributo, não pode ter seu alcance nem diminuído, nem muito menos, anulado, seja por normas infraconstitucionais, seja pelo labor exegético.
Dizer que o Imposto sobre Comercialização de Mercadorias e Serviços é não cumulativo é o mesmo que afirmar que ele evita os efeitos da superposição de incidência tributária, que acabaria por onerar sobremaneira a produção de bens que necessitam de várias etapas de circulação ou a prestação de serviços.
Nesse sentido, esclarece Sabbag (2010) que a regra da não cumulatividade consiste no postulado de que o imposto somente recairá sobre o valor acrescido em cada fase de circulação do produto, evitando a ocorrência dos efeitos advindos da sobreposição de incidências.
Como bem lembra Carrazza (2012), a CRFB/1988 não proíbe a multiplicação de incidências, ela apenas impede a produção dos efeitos econômicos que a cumulatividade provoca.
De fato, método utilizado pela Constituição Federal de 1988 para evitar os efeitos da cumulatividade foi o indireto substrativo:
O método indireto substrativo é aplicação da diferença entre a alíquota aplicada sobre as saídas e a alíquota correspondente às entradas. Este método foi determinado pela Constituição Federal, para evitar os efeitos da cumulatividade do ICMS. Praticamente nenhuma liberdade de ação foi deixada ao legislador infraconstitucional que é obrigado a garantir ao contribuinte, em cada operação ou prestação, uma dedução correspondente aos montantes do tributo devido nas operações ou prestações anteriores. (CARRAZZA, 2012, p. 400).
Ademais, a não cumulatividade se realizará na forma de dedução, também chamada de abatimento, correspondente aos montantes cobrados em operações ou prestações anteriores, sendo que, a cada aquisição em que há incidência do tributo, o adquirente registrará como crédito o valor correspondente à operação e a cada alienação tributada o alienante registrará a operação como débito.
De tempos em tempos será feita a comparação entre os créditos e os débitos e, caso estes sejam superiores, o contribuinte deverá recolher a diferença ao Fisco; de outro modo, acaso os créditos sejam maiores, a diferença resultante desta subtração poderá ser ressarcida ou compensada em momento posterior.
A respeito desse princípio, doutrina e jurisprudência pátria vêm alinhavando entendimento de que a norma constitucional não é mera sugestão, mas direito subjetivo do contribuinte (tanto o de direito, como o de fato) de vê-lo observado em cada caso concreto, sendo, portanto, norma cogente.
A Lei Suprema, como vimos, atribui uma garantia inexorável ao contribuinte do ICMS: a garantia de fruir da não cumulatividade sem outras reservas ou condições além das expressamente contempladas nos incisos I e II do §2º do art. 155 da CF.
Quando – sob qualquer pretexto – a ele se nega a faculdade constitucional de abater (sempre que presentes os requisitos para tanto), nega-se-lhe um direito público subjetivo, oponível ao próprio Estado. (CARRAZZA, 2012, p. 448).
Contudo, o exame a ser feito diz respeito ao grau de aplicação do referido princípio nas vendas realizadas por meio eletrônico a consumidor final situado em Estado diferente de onde se localiza a mercadoria objeto da mercancia.
Por se tratar de garantia inerente ao contribuinte, independente da maneira como as vendas são realizadas, quer por meios eletrônicos ou convencionais, e tendo em vista o princípio da isonomia tributária (artigo 150, inciso II, da CRFB/1988), que requer igualdade de tratamento a contribuintes que se encontrem em igualdade de condições, razoável é que se admita a possibilidade de aplicação da não cumulatividade também nas vendas eletrônicas, mesmo porque a CRFB/1988 não fez distinção ou impôs qualquer outra condição para que o contribuinte possa fruir de tal garantia, que é tida como um direito subjetivo e oponível ao Estado nas relações de tributação do ICMS.
2.3 Aspectos Gerais
A seguir se procederá a análise pormenorizada da competência, sujeito ativo e passivo, fato gerador, base de cálculo e alíquotas do ICMS, considerando o disposto na CRFB/1988, no Código Tributário Nacional (CTN), bem como na Lei Complementar nº. 87 de 1996.
2.3.1 Competência e Sujeito Ativo
Dá-se o nome de competência tributária à divisão ou delimitação do poder de tributar conferido ao Estado.
Tal competência é atribuída pela Constituição Federal, uma vez que faz parte da organização jurídica do Estado e só pode ser dada às pessoas jurídicas de Direito Público, dotadas de poder legislativo, tendo em vista que aquela se relaciona à capacidade de instituição dos tributos, porquanto a CRFB/1988 adota o princípio da legalidade tributária, inserto em seu artigo 150, inciso I, conforme expõe Sabbag (2010).
No caso do ICMS, a competência para instituí-lo é dos Estados e do Distrito Federal, conforme a induvidosa redação do artigo 155, inciso II, da CRFB/1988.
Lado outro, no que diz respeito ao sujeito ativo da obrigação tributária, dispõe o artigo 119 do CTN: “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”. (BRASIL, 1966).
Extrai-se do supracitado dispositivo legal que a sujeição ativa se conecta ao lado credor da obrigação tributária, representado pelos Entes legalmente autorizados a procederem à invasão patrimonial para a retirada de valores, a título de tributos.
Será, deste modo, competente para a cobrança do ICMS o Estado em que se verificar a sua hipótese de incidência (artigo 11, inciso I, alínea “a”, da Lei Complementar nº 87 de 1996).
Porém, adverte Machado (2008, p. 361):
Esta regra não possui os efeitos práticos desejados em virtude da não cumulatividade do imposto, técnica da qual em muitos casos decorrem sérias distorções, com favorecimento dos Estados predominantemente produtores, em detrimento daqueles predominantemente consumidores (grifos acrescidos)
Tratando-se de mercadoria importada, a competência para cobrar o ICMS é do Estado em que se situar o estabelecimento importador e não aquele no qual a mercadoria ingressa em território nacional, segundo dispositivo gravado na Lei Complementar nº. 87 de 1996 (artigo 11, inciso I, alínea “b”).
2.3.2 Sujeito Passivo
Sujeito passivo é a pessoa, seja física ou jurídica, que está obrigada ao cumprimento da obrigação tributária.
Ao seu turno, o CTN distingue os sujeitos passivos da obrigação principal e da obrigação acessória em seus artigos 121 e 122, respectivamente:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto. (BRASIL, 1966).
Tem-se que o objeto da obrigação principal consistirá sempre em um dar, um pagar. O sujeito passivo da obrigação principal, portanto, é sempre obrigado a dar algo em favor de alguém, a saber, um tributo ou uma penalidade pecuniária, em favor do ente tributante.
Em contrapartida, será objeto da obrigação acessória “sempre um fazer, não fazer ou tolerar alguma coisa, no interesse da arrecadação e da fiscalização dos tributos. O sujeito passivo dessas obrigações acessórias pode tanto ser um contribuinte como um terceiro”. (MACHADO, 2008, p. 143-144).
Entende-se, deste modo, que qualquer dever diverso do pagamento atribuído pela legislação tributária a qualquer pessoa é obrigação acessória e a quem se atribui esse dever é denominado sujeito passivo da obrigação acessória.
Em consonância com o contido no artigo 4º, da Lei Complementar nº. 87 de 1996, poderá ser contribuinte, ou seja, sujeito passivo do ICMS :
Qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade, ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (BRASIL, 1996) (grifos acrescidos).
Discorrendo a esse respeito, Carrazza (2012, p. 44) informa:
Sujeito passivo é quem pode promover a realização de operações mercantis. Entendemos que só o produtor, o industrial ou o comerciante é capaz. O particular, que vende um objeto seu não realiza uma operação relativa à circulação de mercadorias; apenas vende um bem móvel qualquer.
Porém, ainda conforme os ensinamentos do indigitado autor, a assertiva de que o agente capaz de fazer nascer a obrigação de pagar o ICMS é apenas a pessoa dotada de personalidade jurídica de produtor, de industrial ou o comerciante deve ser interpretada em sentido lato, visto que pode ser alcançada por quem faz as vezes de sujeito passivo, como, por exemplo, o comerciante de fato ou o comerciante irregular.
Adverte-se, contudo, que pessoas que não realizam operações de mercancia não podem ser compelidas a pagar a exação, posto que estas não são capazes de dar ensejo à circulação de mercadorias com “habitualidade” ou em “volume que caracterize intuito comercial”, conforme o contido no artigo 4º, da Lei Complementar nº. 87 de 1996.
Excepciona o parágrafo único, do artigo 4º, do mesmo diploma legal:
Art. 4º. [...]
Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;
II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização. (BRASIL, 1996) (grifos acrescidos).
Todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento paradigmático ocorrido em meados de 1998, consolidou o entendimento daquela corte de que “o imposto não é devido pela pessoa física que importou o bem, visto que não exerce atos de comércio de forma constante nem possui estabelecimento destinatário da mercadoria”. (STF, Pleno, Recurso Extraordinário nº. 203.075-09/DF, Relator: Ministro Ilmar Galvão, Julgamento realizado em: 05/08/1998).
Esse relevante assunto que circunda a concepção adotada pelo legislador dos termos “mercadoria”, “habitualidade” e “intuito comercial” será abordado em momento oportuno, ante a necessidade de labor exegético mais acurado.
2.3.3 Fato Gerador
“O fato gerador é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto da sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede.” (SABBAG, 2010, p. 652).
Assimila-se, portanto, que o fato gerador é a subsunção do fato praticado ao paradigma legalmente previsto, fazendo nascer o liame da obrigação jurídico tributária.
Dessarte, o fato gerador do ICMS sofre regramento da lei que o institui, e, conforme observa Machado (2008), essa característica não é peculiaridade deste imposto, pois o fato gerador de qualquer tributo é descrito na lei que o institui, atentando-se ao princípio da legalidade tributária.
No caso do ICMS, estão elencados no artigo 12 da Lei Complementar nº. 87 de 1996, os fatos geradores que fazem materializar a sua hipótese de incidência.
Em ligeira análise a esse dispositivo de lei, depreende-se que o ICMS terá o seu fato gerador verificado em cinco hipóteses, quais sejam: na circulação de mercadorias; na prestação de serviço de transporte (interestadual e intermunicipal); na prestação de serviços de comunicação; na produção, importação ou consumo de energia elétrica; e, por fim, na extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.
Tendo em vista que este artigo se delimita na hipótese de incidência relativa à operação de circulação de mercadorias, especial tratamento será conferido a ela. Assim, indispensável é que se busque o sentido normativo conferido à expressão “operações relativas à circulação de mercadorias”.
Consoante Machado (2008, p. 365):
Operações relativas à circulação de mercadorias são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, que implicam mudança da propriedade das mercadorias, dentro da circulação econômica que as leva da fonte até o consumidor.
[...] O sentido dessa expressão há de ser compreendido em seu conjunto, e não o significado de cada uma das palavras que a compõe.
Em assertiva, Sabbag (2010, p. 987-988) informa:
[...] Circulação de mercadorias é a circulação capaz de realizar o trajeto da mercadoria da circulação até o consumo. É a mudança de titularidade jurídica do bem (não mera movimentação física, mas jurídica do bem). O bem sai da titularidade de um sujeito e passa à titularidade definitiva de outro. Exemplo: na saída de bens para mostruário não se paga ICMS, pois não ocorre a circulação jurídica do bem, apenas a movimentação “física”, não havendo mudança de titularidade; o mesmo ocorre entre a movimentação física de bens entre matriz e filial.
Nota-se também que o entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) demonstra o posicionamento desse Tribunal no sentido de que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento da mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (Súmula 166, do STJ).
Nesse azimute, infere-se que o sentido jurídico conferido às operações de circulação de mercadoria é substancialmente diverso do sentido fático, posto que aquele prima pela mudança de titularidade do bem, enquanto este engloba, inclusive, as meras movimentações físicas, que quando consideradas por si só não são capazes de deflagrar a relação tributária.
2.3.4 Base de Cálculo
Para Carrazza (2012, p. 97), “base de cálculo é a dimensão da materialidade do tributo. É ela que dá critérios para mensurar o fato imponível tributário”.
Sendo assim, há uma necessidade de correlação lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência, conforme ainda aduz Carrazza (2012), porque a base de cálculo é índice seguro para a identificação do aspecto material da hipótese de incidência, que a confirma, afirma ou infirma, caso em que o tributo se torna incobrável, por falta de coerência interna na sua norma instituidora.
Igualmente, caberá à base de cálculo especificar em termos matemáticos as hipóteses de incidência do tributo, devendo aliar-se aos tão citados critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, que perpassam por todo o ordenamento jurídico.
No concernente às operações de circulação de mercadorias, a base de cálculo do ICMS será, em regra, o valor da operação mercantil, ou seja, o valor de que decorrer a saída da mercadoria (artigo 8º, §2º, da Lei Complementar nº. 87 de 1996).
Em louvável observação a respeito do contido no artigo 13, da Lei Complementar nº 87 de 1996, Machado (2008, p. 375) aduz o que se segue: “Na base de cálculo incluem-se as despesas recebidas do adquirente, ou a este debitadas, bem como os descontos condicionais a este concedidos, mas não se incluem os descontos incondicionais, porque evidentemente não integram o valor da operação.”.
Assim, será contabilizado na base de cálculo do imposto os valores a título de seguro, juros e frete, quando o transporte for efetuado pelo remetente ou por sua conta e ordem e cobrado em separado (artigo 13, § 1º, incisos I e II, da Lei Complementar nº 87 de 1996).
2.3.5 Alíquotas
Questão merecedora de induvidoso destaque diz respeito às alíquotas aplicadas nas operações de circulação de mercadorias, visto que, consoante o exposto em linhas pretéritas, a determinação de qual alíquota incidirá em cada caso suscita grandes embates entre os numerosos Estados da Federação, dadas as vultosas quantias que o ICMS promove aos cofres públicos estaduais.
Diz Machado (2008, p. 136) que alíquota “é a relação existente entre a expressão quantitativa ou dimensível, do fato gerador e o valor do tributo correspondente. [...] É o percentual que, aplicado sobre a base de cálculo, nos indica o valor do imposto”.
Ou seja, alíquota é o critério legalmente fixado que, regularmente, vem expresso em percentagem e incidirá diretamente na base de cálculo do imposto, permitindo uma apuração do valor a ser recolhido pelo contribuinte a título de tributo.
Diz-se que a alíquota regularmente – e não sempre – vem expressa em percentagem, tendo em vista a existência de outro tipo de alíquota, que é a específica, esta, ao seu turno, mais rara e incidente não sobre o valor do produto, mas sobre a sua quantidade.
As alíquotas poderão, ainda, ser fixas ou variáveis, caso em que, se forem variáveis, serão progressivas ou regressivas.
Alíquotas fixas, na acepção de Machado (2008), são aquelas que não se alternam, permanecendo as mesmas, seja qual for a importância da base de cálculo; em contraponto, variáveis são as que se modificam em razão da base de cálculo e podem ser progressivas ou regressivas.
Serão as alíquotas progressivas quando aumentarem na medida em que a base de cálculo for aumentada; e regressivas quando diminuírem na medida em que aumentada a base de cálculo.
Conforme já exposto, em se tratando de ICMS, é o Senado Federal, por meio de resolução, quem fixa as alíquotas a serem aplicadas nas operações interestaduais e nas de exportação. É ele também o responsável por definir as alíquotas internas mínimas e máximas, a fim de evitar que o conflito pela arrecadação do ICMS se acentue entre os Entes Federados (artigo 155, § 2º, incisos IV e V, da CRFB/1988).
Salienta Carrazza (2012) que as resoluções não deverão fixar as alíquotas internas do ICMS, mas apenas as mínimas e máximas, não podendo os Estados-membros e o Distrito Federal, ao definirem as alíquotas a serem utilizadas, ultrapassar o estabelecido em resolução.
Com o fito de atender ao comando contido no inciso V do supracitado artigo, o Senado Federal publicou, em 19 de maio de 1989, a Resolução nº. 22 de 1989, que definiu que nas operações interestaduais que destinem mercadorias ou serviços a contribuintes dos Estados da Região Norte, Nordeste ou Centro-Oeste e Espírito Santo, a alíquota aplicável será de 7% (sete por cento) sobre a base de cálculo; Já nessas mesmas operações que destinem mercadorias ou serviços a contribuintes dos Estados das Regiões Sul e Sudeste, excetuando-se o Espírito Santo, a alíquota a ser aplicável é de 12% (doze por cento).
Com relação às alíquotas incidentes sobre as operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do exterior, a Resolução do Senado Federal de nº 13 de 2012 estabeleceu uma alíquota de 4% (quatro por cento).
À luz do inciso VII, do artigo 155, da CRFB/1988, a sistemática do recolhimento do ICMS é sintetizada da seguinte maneira por Sabbag (2010, p. 993):
a) Em operações intraestaduais, o recolhimento do ICMS ficará a cargo do Estado em que se realizou a operação;
b) nas operações de importação, o ICMS caberá ao Estado em que se localizar o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço; e
c) por fim, nas operações interestaduais, o ICMS obedecerá a um regramento peculiar, a depender se o destinatário da mercadoria ou do serviço é contribuinte ou não do citado imposto.
Desta forma, dispõe o artigo 155, incisos VII e VIII, da CRFB/1988:
Art.155.[...]
§2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...]
VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
VIII – na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. (BRASIL, 1988).
Por oportuno, convém rememorar que a definição doutrinária dada ao verbete contribuinte, na dogmática do ICMS, refere-se àquelas pessoas com capacidade de realizar operações mercantis, como o produtor, o industrial, o comerciante, ou quem faça as suas vezes, promovendo com habitualidade ou intuito de mercancia as aludidas operações, de acordo com Carrazza (2012).
À vista disso, nas vendas interestaduais realizadas a contribuintes do imposto haverá incidência da alíquota interestadual, que beneficia tanto o Estado de origem como o Estado de destino da mercadoria, na medida em que incidirá duas vezes, sem, contudo, tornar-se cumulativa, conforme explica Sabbag (2010, p. 994):
1º Cobra-se o imposto no Estado de origem pela alíquota interestadual – a recolha deve se dar na saída da mercadoria ou no início da prestação do serviço pelo estabelecimento de origem; e
2º Cobra-se o imposto no Estado de destino pela diferença entre a alíquota interna (Estado de destino) e a alíquota interestadual – a recolha deve se dar na entrada da mercadoria ou na utilização dos serviços pelo estabelecimento destinatário.
Em contrapartida, se o destinatário da mercadoria não for contribuinte, verificada está a hipótese ensejadora de aplicação da alíquota interna, e, por conseguinte, o imposto caberá integralmente ao Estado de origem da mercadoria.
Conforme os ensinamentos de Machado (2008), tais regras foram definidas pelo legislador constituinte com o propósito de apaziguar os conflitos advindos da arrecadação do ICMS nas operações mercantis entre os Estados da Federação, procurando estabelecer de maneira perceptível qual parte caberia a cada Estado na tributação desse imposto.
Todavia, observa-se que, ao fazê-lo nos idos de 1988, o constituinte não poderia imaginar as proporções que o comércio eletrônico de mercadorias alcançaria, visto ser este ainda insipiente naquela época. Deste modo, não contemplou hipótese que também beneficiasse os Estados, não raras vezes mais pobres, destinatários das mercadorias vendidas pelo e-commerce (comércio eletrônico) diretamente ao consumidor final e, portanto, não contribuinte.
Por isso, diversas vezes os Estados que possuem menor renda chegam a contrariar o princípio da não cumulatividade ao promoverem a aplicação da alíquota interestadual nessas operações em que já há incidência da alíquota interna, e que, portanto, beneficiam apenas os Entes Federados de origem da mercadoria.
3 DO COMÉRCIO ELETRÔNICO DE MERCADORIAS
3.1 Conceito de Comércio Eletrônico
A partir do estudo detalhado do comércio eletrônico é possível depreender entendimento da temática sob exame, haja vista que tal modo de comércio se mostra em franca expansão, movimentado grandes cifras de dinheiro em transações realizadas entre pessoas cada vez mais distantes umas das outras, e, por isso, merecedor de adequado regramento pelo Direito Tributário, de modo especial no que diz respeito ao ICMS.
Nesse sentido, ressalta-se a intelecção feita a acerca do que é definido como comércio eletrônico:
“O comércio eletrônico é definido, de modo geral, como o conjunto de transações realizadas mediante técnicas e sistemas que se apóiam na utilização de computadores, que se comunicam através da Interconnected Network – popularizada como internet”. (CEZAROTI, 2005, p. 23).
Versando sobre o tema, Marco Aurélio Greco (2000) adota entendimento de que o termo “comércio eletrônico” tem dois significados, um relacionado ao seu objeto e outro com o meio de negociação.
No primeiro caso, estaria ele se referindo à atividade de intermediação mercantil que tenha por objeto bens corpóreos, caso em que abrangeria também as prestações de serviço no meio eletrônico. Enquanto isso, no segundo caso, o significado de comércio eletrônico se ligaria ao comércio de bens, sejam eles corpóreos ou incorpóreos, através dos meios eletrônicos.
Segundo Guilherme Cezaroti (2005), do ponto de vista ordinário o comércio eletrônico é empregado em contraposição ao comércio tradicional, que é aquele realizado sem a intervenção de equipamentos eletrônicos.
Assim, por óbvio devem ser excluídos da esfera de abrangência do comércio eletrônico as operações de vendas de mercadorias contratadas entre vendedor e consumidor por um meio que não envolvam a utilização de equipamentos eletrônicos para a realização do contato, a exemplo de telefonemas e trocas de correspondências.
Há, ainda, numerosas conceituações doutrinárias nas mais variadas áreas das ciências para a aludida espécie de comércio, contudo, cumpre asseverar que neste artigo será adotado um enfoque jurídico ao tema por ora analisado.
Deste modo, para Fábio Ulhoa Coelho (2010, p. 32), o comércio eletrônico “abrange a venda de produtos (virtuais ou físicos) ou a prestação de serviços realizada por meio de estabelecimento virtual, que é aquele não acessível ao consumidor”.
Do ponto de vista normativo, Lei Modelo elaborada pela Comissão de Legislação do Comércio Internacional das Nações Unidas (UNCITRAL) define supracitada modalidade de comércio, em seu artigo 2º, “b”, como “a transferência de informações entre computadores, utilizando uma estrutura comum”.
Em pertinente observação, Cezaroti (2005, p. 29) assevera:
Eletrônico é um adjetivo relacionado com a emissão, o comportamento e os efeitos dos elétrons, que são cargas elementares negativas de eletricidade.
O comércio eletrônico não está relacionado com a utilização de aparelhos eletrônicos (v.g. a máquina de escrever elétrica ou o aparelho de fax), porque esse é um aspecto extrínseco à transação comercial realizada entre o fornecedor e o consumidor, assim como a colocação à disposição dos fornecedores e consumidores de meios para a realização do comércio eletrônico, como cabos telefônicos, ondas de rádio e softwares específicos, também é um aspecto extrínseco ao comércio eletrônico.
Dessarte, entende-se que o aspecto fundamental para a conceituação jurídica do comércio eletrônico é, justamente, o transporte dos contatos entre fornecedor e consumidor por meio de elétrons, sendo o meio mais conhecido de troca de mensagens carregadas por elétrons a rede mundial de computadores (internet), quer a entrega seja feita de forma digitalizada, quer seja realizada por meios não-eletrônicos.
3.1.1 Comércio Eletrônico Business-to-Business e Business-to-Consumer
A classificação do comércio eletrônico levando em conta os atributos inerentes aos intervenientes da operação é usual na doutrina e se liga ao fato de que o destinatário do bem objeto da mercancia pode ser tanto um consumidor como um empresário, que, neste caso, irá adquiri-lo objetivando a revenda.
Conforme André Massami Nakamura (2014, p. 16):
O negócio business-to-business (B2B) é comércio praticado pelos fornecedores e empresas, ou seja, de empresa para empresa, onde são feitas operações de compra e venda de produtos, informações e serviços por meio da web ou utilizando redes privadas partilhadas entre as empresas, substituindo o tradicional comércio físico nas lojas e estabelecimentos comerciais.
Assimila-se disso que os negócios realizados entre empresas são denominados de business-to-business, uma vez que há em seus pólos de relação um empresário de cada lado, “caso em que as empresas intervêm como usuárias – compradoras ou vendedoras – ou como provedoras de ferramentas ou serviços de suporte para o comércio eletrônico”. (CEZAROTI, 2005, p. 30).
De outra forma, segundo Nakamura (2014, p. 18), o negócio business-to-consumer (B2C) “é comércio realizado por empresa produtora, vendedora ou prestadora de serviços ao consumidor final por meio da internet.”
Nesse caso, verifica-se tratar de hipótese em que os fornecedores (comerciantes) vendem seus produtos e prestam seus serviços por meio de um web site (sítio eletrônico) aos compradores finais, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, que utilizarão as mercadorias ou serviços adquiridos em proveito particular.
Tendo em vista as considerações feitas acerca das alíquotas do ICMS aplicáveis às operações interestaduais de circulação de mercadoria, nas vendas business-to-business, isto é, entre pessoas que adquirem tais mercadorias com o intuito de mercancia, haverá incidência de alíquota interestadual; enquanto nas vendas business-to-consumer, ou para o consumidor final, incidirá a alíquota interna.
3.2 Breve Histórico do Comércio Eletrônico
Historicamente, o comércio teve suas origens assentadas nas trocas físicas e os negócios eram planejados através de encontros pessoais dos próprios comerciantes ou de seus representantes. As mercadorias e os serviços prestados eram entregues mediante transações pessoais, conforme destaca Cezaroti (2005).
No princípio a troca de produtos era realizada entre os próximos, para que fossem satisfeitas as necessidades pessoais dos negociantes e de suas famílias.
Posteriormente, com o advento das expedições realizadas pelos povos Fenícios, Assírios e Babilônios, propiciada pelos avanços nos meios de transporte, houve incremento no modo como tais trocas se davam, chegando a se estender para novos mundos outrora inexplorados pelos expedidores.
Cite-se também que relevante subsídio para a evolução do comércio foi a utilização das pedras e dos metais preciosos, que passaram a representar e substituir as mercadorias que antes eram trocadas nas transações negociais. Aquilatou-se valor a cada uma das pedras e dos metais preciosos que logo foram incorporadas às relações comerciais.
Os conhecimentos relativos ao transporte ou embarque e a existência de títulos representativos das mercadorias a serem trocadas foram fatores que impulsionaram as relações de comércio, mas esses negócios ainda exigiam a presença física, palpável, de vendedor e comprador e, mais ainda, a existência visível aos olhos humanos da mercadoria a ser adquirida.
Muitos anos depois, em meados do século XX, a evolução das tecnologias de informação e de transmissão de dados e a criação da internet marcaram uma nova fase do processo de globalização da economia, conforme explicita Cezaroti (2005).
A internet, no princípio denominada de ArphaNet, foi criada em 1969 pelos norte-americanos, no contexto da Guerra Fria travada com a antiga União Soviética, e tinha, a princípio, finalidades bélicas, pois servia para conectar as bases militares americanas.
Segundo Nakamura (2014, p. 13):
Com o término da Guerra Fria, a ArphaNet deixou de ser segredo de guerra. Como a tecnologia já existia, permitiram que cientistas a utilizassem nas universidades. Com o advento da world wide web, a rede foi enriquecida, pois o conteúdo ganhou cores, imagens, sons e vídeos
Foi a partir dessa abertura para o mundo que a internet tornou-se uma gigante teia de informações que conecta pessoas ao redor de todo o mundo, o que propiciou a quebra das barreiras geográficas, antes limitadoras das relações comerciais.
Desponta nesta era a integração dos povos através do fenômeno conhecido por globalização. Época em que bloqueios comerciais ruíram, reduzindo os empecilhos postos à negociação entre os fisicamente distantes.
O advento do comércio eletrônico introduziu no mundo dos negócios diversas características até então inexistentes, tal como a possibilidade de desmaterializar bens físicos, e acentuou outras já existentes tais como a globalização dos mercados e a massificação de informações (CEZAROTI, 2005, p. 15).
Portanto, a globalização dos mercados verificada com a intensificação do comércio por meios eletrônicos teve como fator propulsor a emergência da internet e a popularização da forma direta de comércio, baseada, especialmente, no contato imediato, sem intermediários, entre fornecedor e consumidor, seja ele final ou não, de acordo com Greco (2000).
“O significado de globalização para o comércio eletrônico é a possibilidade de os consumidores buscarem os produtos que desejam em fornecedores localizados em qualquer lugar do mundo” (CEZAROTI, 2005, p. 16).
Conforme o exposto, a existência do fenômeno novo de popularização da internet, que facilitou o acesso de bilhões de pessoas ao ambiente digital, foi curial para que o e-commerce atingisse o estágio em que se encontra e marcasse, de uma vez por todas, a trajetória de evolução das novas formas de comércio, sobretudo o realizado eletronicamente.
Uma vez que o objeto desses negócios eletronicamente realizados pode ser tanto a prestação de um serviço como a comercialização de mercadorias, e sendo a comercialização de mercadorias fato gerador do ICMS, é necessário que se compreenda o que a CRFB/1988 e a legislação tributária nominaram de “mercadoria”.
3.3 Conceito de Mercadoria
Consoante lição de Carrazza (2012), o termo mercadoria tem origem no latim merx, que se formou mercari, exprimindo a coisa que serve de objeto à operação comercial. Ou seja, a coisa que constitui objeto de venda.
O Dicionário Aurélio (2001, p. 457), ao definir a palavra “mercadoria” a aponta como sendo “1. O bem resultante do processo de produção destinado à venda. 2. Bem tangível, em distinção a serviços”.
Em detida observação ao dispositivo constitucional ora analisado, dessume-se que a CRFB/1988 adotou implicitamente entendimento restritivo do que pode ser considerado como mercadoria para fins de tributação pela prática do fato gerador do ICMS.
Para Machado (2008, p. 367):
Todas as mercadorias são coisas, mas nem todas as coisas são mercadorias. O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são aquelas coisas móveis destinadas ao comércio. São coisas adquiridas pelos empresários para a revenda, no estado em que as adquiriu, ou transformadas, e ainda aquelas produzidas para a venda.
Sabbag (2010) também ressalta que o elemento caracterizador da mercadoria é a destinação, tendo em vista ser ela coisa móvel com aptidão para o comércio. Dessarte, não são mercadorias as coisas que o empresário adquire para uso ou consumo próprio, mas somente aquelas adquiridas objetivando serem postas em circulação em momento ulterior.
Assim, não há incidência de ICMS quando um bem de uso próprio é vendido a terceiro, por seu proprietário. Afinal, o tributo somente incidirá quando realizada operação de comercialização de mercadoria com intuito de mercancia, como bem lembra Carrazza (2012).
Em resumo, mercadoria é o bem móvel adquirido com a finalidade de mercancia, e tal finalidade (mercantil) tem como parâmetro de aferição a habitualidade ou o volume típico de comércio, conforme se extrai do artigo 4º da Lei Complementar nº 87 de 1996.
4 A GUERRA FISCAL INTERESTADUAL PELO ICMS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO
4.1 A Guerra Fiscal Pelo ICMS do Comércio Eletrônico
O modelo de arrecadação do ICMS, mesmo antes de se dotar de todas as características atuais, quando possuía a forma de ICM, usualmente tendia a favorecer aos Estados Federados localizados nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil, pois a competência para a arrecadação deste tributo foi repassada aos Estados de origem da mercadoria, que gradativamente se industrializaram, de acordo com Ives Gandra da Silva Martins (2008).
Diante desse quadro, numerosas mudanças vieram após a insurgência dos Estados menos favorecidos com tal sistemática de tributação, possibilitando que estes também auferissem certo proveito do ICM, dadas as discrepâncias verificadas entre os vários Estados componentes da Federação, elemento indutor da competição interestadual.
Foi a partir da CRFB/1988 que o ICMS surgiu, trazendo inovações em relação ao ICM, tais como a seletividade, que conferiu tons de extrafiscalidade a este imposto; a ampliação dos fatos geradores do tributo, alcançando algumas espécies de serviços prestados; a determinação das alíquotas mínimas e máximas por meio de resolução do Senado Federal; e a indicação precisa de qual parte da arrecadação do ICMS caberia a cada Estado nas comercializações interestaduais de mercadorias.
Definiu-se, consoante já abordado, que nas operações interestaduais relativas às circulações de mercadoria em que o destinatário fosse contribuinte do imposto, haveria incidência da alíquota interestadual, beneficiando com a arrecadação do ICMS tanto o Estado de origem como o de destino da mercadoria, conforme dicção do artigo 155, § 2º, inciso VII, alínea “a”, da CRFB/1988.
Noutro giro, restou estabelecido que nas mesmas operações que destinassem mercadoria a um não contribuinte, a alíquota a incidir seria a interna, qual seja, a do Estado de origem da mercadoria (artigo 155, § 2º, inciso VII, alínea “b”, da CRFB/1988).
Apesar de as sobreditas regulamentações a respeito da repartição de competências de cobrança do ICMS terem sido realizadas com a finalidade precípua de amenizar as visíveis diferenças e desigualdades entre as regiões brasileiras, para que a distribuição das rendas auferidas com esse imposto fosse, se não mais justa, ao menos mais equilibrada, com fincas a beneficiar também os Estados com características consumidoras, o que se seguiu não foi o esperado pelo legislador constituinte, que amargou insucesso em seu intento, tendo em vista que a Guerra Fiscal interestadual foi ampliada a partir da nova ordem constitucional que passou a vigorar desde 1988.
A Guerra Fiscal, tradicionalmente definida como “a concessão unilateral de benefícios e isenções de natureza fiscal pelos Estados, Distrito Federal e Municípios” segundo se expressa Vinícius Figueiredo Chaves (2014, p. 3), adquire contornos diversos dos usuais quando analisada no âmbito do comércio eletrônico
Na Guerra Fiscal do comércio eletrônico a briga não é para atrair indústrias com a concessão de benefícios fiscais, mas é, em verdade, motivada pela repartição de competência da arrecadação do ICMS, que não contempla os Estados mais pobres nos casos de vendas interestaduais ao consumidor final, mesmo quando este, como sabido, é hodiernamente um grande realizador de compras no meio virtual.
Assim, tal modalidade de Guerra Fiscal consiste na luta pelos Estados de destino em adquirir a qualquer custo e sob qualquer pretexto parte das rendas recolhidas pelo Estado de origem nas transações interestaduais realizadas no comércio eletrônico, segundo Daiane Carvalho Batista (2014).
Com a evolução das tecnologias e o aperfeiçoamento da transferência de dados pelo meio eletrônico, houve a quebra das barreiras geográficas e a sedimentação dos negócios pautados nas realidades intangíveis e imateriais, tendo os comerciantes encontrado no mundo virtual uma nova forma de oferecer produtos e serviços a locais antes inacessíveis fisicamente, conforme Cezaroti (2005).
No Brasil, as vendas eletrônicas começaram a se avolumar e adquirir certa importância alguns anos após o advento da Constituição Federal de 1988, despontando o e-commerce como grande responsável pelas quantias recolhidas aos cofres públicos a título de ICMS e se tornando, atualmente, fator causador de desavenças que colocam em risco a harmonia da forma Federada de Estado.
Segundo dados contidos no 28º Relatório da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, as compras eletrônicas chegaram a movimentar, somente no Brasil, as cifras de R$ 30.000.000.000,00 (trinta bilhões de reais) no ano de 2013.
Analisando a questão da Guerra Fiscal no comércio eletrônico, verifica-se que a celeuma jurídica gira em torno da possibilidade ou não da aplicação de mecanismo apto a beneficiar os Estados Federados mais pobres, considerando que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a redução das desigualdades entre as regiões.
As soluções apontadas pela doutrina vão desde o estabelecimento de alíquotas interestaduais para todas as operações entre os Estados da Federação, passando pela delimitação por meio de convênios no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) da repartição de receitas no caso de supracitadas operações, e culminado naqueles que entendem que é impossível a aplicação de alíquota interestadual em outras situações que não as previstas na CRFB/1988, devendo a mudança, se for o caso, ser intentada através de emenda à constituição.
Fato é que muitas vezes o princípio da não cumulatividade é violado ao incidir bitributação em operações interestaduais de vendas de mercadorias, onerando demasiadamente o contribuinte do imposto, uma vez que ele paga o tributo no Estado de origem e no Estado de destino da mercadoria, pois nenhum deles quer ter suas finanças prejudicadas, como bem expõe Danilo Fariello (2014).
Acresce-se a isso que as desigualdades socioeconômicas e regionais, desde os tempos da colonização, fizeram com que o Brasil se tornasse rico em disparates entre as forças econômicas dos Estados, tendo o legislador procurado reduzir tais diferenças através de meios constitucionais que efetivassem o crescimento financeiro das regiões menos favorecidas.
Ao que parece, tais mecanismos se mostraram insuficientes para evitar a Guerra Fiscal no âmbito eletrônico, porque há poucos anos essa realidade era sequer imaginada pelo constituinte originário, que se via às voltas com a modalidade mais tradicional de Guerra Fiscal, principiada nos final dos anos 1960 desde a época do ICM.
Por isso, foi instituído o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), visando a minimizar as relações conflituosas que por ventura surgissem entre os Estados.
4.1.1 O Conselho Nacional de Política Fazendária
O Conselho Nacional de Política Fazendária ou CONFAZ foi instituído em 12 de dezembro de 1997, através do Convênio ICMS nº. 133 de 1997, em atendimento ao disposto na Lei Complementar nº. 24 de 1975, que previa a sua criação, uma vez que, desde aquela época, era nítido que os Estados Federados, perseguidores de maiores arrecadações dos tributos com competência a eles entregue pela Constituição, em especial o antigo ICM, envolver-se-iam, cada vez mais, em conflito fiscal.
O artigo 1º. do Convênio que instituiu o CONFAZ está assim redigido:
Art. 1º. O Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ tem por finalidade promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional - CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, Convênio ICMS nº. 133 de 1997).
Percebe-se que todas as questões conflituosas que envolvam a tributação interestadual devem ser levadas ao conhecimento desse órgão, para que as partes envolvidas celebrem convênio com finalidade de dirimir as questões postas.
Constituído por um representante de cada Estado e do Distrito Federal, além de um do Governo Federal (artigo 2º, Convênio ICMS nº. 133 de 1997), compete ao CONFAZ promover a celebração de atos que harmonizem os Estados da Federação envolvidos em Guerra Fiscal pelo ICMS, seja esta em sua forma mais tradicional ou na moderna Guerra Fiscal no âmbito do e-commerce.
Para tanto, o CONFAZ realiza reuniões periódicas ou ordinárias e também extraordinárias, com o fito de deliberar e firmar acordos (convênios ou protocolos) que produzam efeitos na sistemática de arrecadação do ICMS interestadual no que se relaciona às normas e aos procedimentos inerentes ao exercício da competência tributária dos envolvidos.
Segundo Ricardo Alexandre (2010, p. 234) “os convênios são acordos de vontade firmados entre as pessoas políticas de direito público interno para a consecução de objetivos comuns”. Daí dizer que o CONFAZ constantemente se utiliza dos convênios e dos protocolos, espécie dos convênios, para tentar resolver conflitos tributários interestaduais.
4.1.2 O Protocolo ICMS nº 21 de 2011
Foi objetivando atender aos anseios dos Estados Federados localizados nas regiões mais pobres do Brasil, que, em 1º de abril de 2011, dezenove Estados brasileiros, além do Distrito Federal, assinaram o Protocolo ICMS nº 21 de 2011 no âmbito do CONFAZ, conforme Batista (2014).
No referido protocolo restou estabelecido que nas operações de vendas eletrônicas interestaduais com mercadorias destinadas aos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe, Tocantins e o Distrito Federal, ficaria atribuída ao estabelecimento remetente, na qualidade de sujeito passivo por substituição tributária, a responsabilidade de retenção e recolhimento do ICMS na Unidade Federada de destino da mercadoria, relativo à parcela a este cabível, mesmo quando o remetente já havia pagado o ICMS na unidade de origem da mercadoria (CONFAZ, Protocolo ICMS nº. 21 de 2011, Cláusula Segunda).
Portanto, a parcela de arrecadação do ICMS referente a esses Estados signatários do Protocolo nº. 21 de 2011 seria exigível a partir do momento que o bem objeto da mercancia ingressasse no território do Estado de destino, mesmo nos casos em que o Estado de origem não tivesse ratificado tal protocolo (Cláusula Quarta, parágrafo único, do Protocolo ICMS nº. 21 de 2011).
Todavia, o que parecia ser uma solução adequada para o problema da Guerra Fiscal interestadual no comércio eletrônico se tornou vazio, tendo em vista que os Estados mais industrializados e detentores dos maiores centros de comércio e distribuição, a saber, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, não aderiram ao protocolo.
Assim, quando realizadas vendas interestaduais de mercadorias ao consumidor final em que há, portanto, incidência de alíquota interna, o ocorrido é que o imposto seria recolhido duas vezes quando o Estado não signatário fosse o de origem da mercadoria, sendo, deste modo, recolhido em ambos os Estados, tendo em vista que os Entes Federados mais ricos e distribuidores não concordaram em repartir as suas receitas nessas operações, ocorrendo, por conseguinte, uma bitributação.
Conforme Vittorio Cassone (2006), a bitributação se verifica quando duas pessoas políticas (por exemplo, União e Estado) instituem, cada uma delas, o mesmo imposto com nome diferente (ou até o mesmo nome) sobre idêntico fato gerador, em que apenas uma delas é a pessoa política competente para instituí-lo.
A esse respeito expõe Batista (2014, p. 5): “tal medida é manifestamente injusta e ilegal, e resulta em bitributação, o que produz prejuízo ao consumidor, que mesmo de maneira indireta, acaba por ter que pagar a diferença no preço final do produto.”
O que ocorreu a partir do previsto no sobrecitado protocolo foi o seguinte: se empresa situada em Estado não signatário do acordo vende mercadoria por meio eletrônico para consumidor não contribuinte do ICMS, que, por sua vez, está localizado em Estado signatário do acordo, haverá a cobrança da alíquota interna na origem da mercadoria e a exigência da diferença entre as alíquotas internas e as previstas no protocolo em favor do Estado de destino.
Melhor explicando, o que ocorreu a partir da instituição do Protocolo nº. 21 de 2011 foi que, por exemplo, se mercadoria no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) fosse destinada a um consumidor não contribuinte localizado Estado da Paraíba (signatário do Protocolo) e tendo como origem da mercadoria o Estado de Santa Catarina (não signatário do Protocolo), o Estado de Santa Catarina aplicaria sobre a base de cálculo, qual seja, o valor do produto, a sua alíquota interna de 17% (dezessete por cento), o que corresponderia a R$ 170,00 (cento e setenta reais) devidos ao Estado de Santa Catarina.
Após, no Estado da Paraíba, seria aplicada a diferença entre a alíquota interna do Estado de Santa Catarina e a alíquota prevista no referido protocolo que, neste caso, seria de 7% (sete por cento).
Subtraindo-se (17% - 7%), obteríamos como resultado uma alíquota de 10% (dez por cento) a ser aplicada sobre o valor do produto. Ou seja, R$ 100, 00 (cem reais) devidos a título de ICMS ao Estado da Paraíba.
Quando somados os valores devidos a ambos os Estados, o resultado seria na ordem de R$ 270,00 (duzentos e setenta reais), ou 27% (vinte e sete por cento) aplicados sobre o valor do produto, em vez de apenas 17% (dezessete por cento) referentes à alíquota interna, conforme a situação prevista na CRFB/1988.
Verifica-se que esta prática fere o princípio da não cumulatividade do ICMS, “que tem por objetivo evitar os efeitos da sobreposição de incidências” (SABBAG, 2010, p. 996), tendo em vista que o imposto devido já é recolhido no Estado de origem da mercadoria, não havendo motivos para que volte a incidir no destino, salvo quando a alíquota é a interestadual, o que não é o caso.
E, mesmo nas hipóteses previstas pela CRFB/1988, em que há aplicação da alíquota interestadual, o sistema de subtração dos créditos e débitos evita que a não cumulatividade ocorra, uma vez que, neste caso, primeiro recolhe-se o valor devido ao Estado de origem com a aplicação da alíquota interestadual (que será de 7% ou 12%, segundo Resolução Federal de nº. 22 de 1989), não a interna, como ocorre nos casos do Protocolo nº 21 de 2011; depois, recolhe-se no Estado de destino a diferença resultante entre as alíquotas internas do Estado de destino e a alíquota interestadual, e não a diferença entre as alíquotas internas do Estado de origem e as previstas no aludido protocolo.
Para ilustrar o sobredito, tomemos como exemplo os mesmos valores utilizados em exemplo anterior, mas desta vez considerando a hipótese em que há a real incidência da alíquota interestadual e, portanto, o efetivo respeito ao princípio da não cumulatividade.
Se a mercadoria no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) for vendida a contribuinte localizado no Estado de Minas Gerais e tendo como origem o Estado de São Paulo, o Estado de São Paulo aplicaria sobre a base de cálculo do produto a alíquota interestadual de 12% (doze por cento), recolhendo para si o valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais).
Em seguida, no Estado de Minas Gerais, local de destino da mercadoria, seria aplicada a diferença entre a sua alíquota, que neste exemplo é de 18% (dezoito por cento), e a alíquota interestadual de 12% (doze por cento), resultando em alíquota de 6% (seis por cento) a serem aplicados sobre a base de cálculo. Ou seja, o valor devido a título de ICMS ao Estado de Minas Gerais será de R$ 60,00 (sessenta reais), uma vez que os outros 12% (doze por cento) já foram pagos no local de origem da mercadoria.
Assim, o resultado seria de R$ 180,00 (cento e oitenta reis) a serem recolhidos a título de ICMS nessa operação.
4.2 Entendimentos Doutrinários, Jurisprudenciais e Atualidades
Conforme dito, o Protocolo ICMS nº 21 de 2011 resultou em discussões doutrinárias e jurisprudências que conduziram à formação de diversas correntes de pensamento distintas.
Os Estados signatários e favoráveis à sua instituição entendiam que o objetivo de “redução das desigualdades sociais e regionais” (artigo 3º, inciso III, CRFB/1988), por ser interesse coletivo, deveria prevalecer sobre os interesses particulares do contribuinte. Assim, algumas garantias inerentes ao contribuinte deveriam ser mitigadas, a fim de fomentar o desenvolvimento dos Estados mais pobres da Federação.
Também foi utilizado o argumento de que o citado protocolo era maneira justa de corrigir as desigualdades relativas às divisões de receitas arrecadadas com o ICMS, porque o legislador constituinte não poderia imaginar as proporções que o comércio eletrônico de mercadorias iria alcançar, por isso não contemplou hipótese que também beneficiasse os Estados destinatários das mercadorias adquiridas através do comércio eletrônico pelo consumidor final.
De outro lado, os contrários ao Protocolo nº 21 de 2011 alegaram flagrante desrespeito ao princípio da não cumulatividade tributária, tendo em vista que em muitos casos as vendas interestaduais seriam bitributadas; além de violação ao dispositivo constitucional que delimita a competência da alíquota incidente sobre essas operações; afronta à proibição do confisco e limitação ao tráfego de bens; além de alteração do previsto na CRFB/1988 por meio que não a emenda constitucional.
Buscando a declaração de inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº. 21 de 2011 e a suspensão da cobrança do valor adicional de ICMS nas compras feitas pela internet, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.628 com pedido liminar foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.
Naquela oportunidade, a Advocacia Geral da União e o Ministério Público Federal manifestaram-se favoravelmente à concessão da medida cautelar pleiteada no corpo da ADI 4.628.
O relator da ADI 4.628, Ministro Luiz Fux, concedeu, em 19 de fevereiro de 2014, a liminar pretendida. Alegou o Ministro na decisão que suspendeu em caráter temporário os efeitos do Protocolo nº 21 de 2011 que:
Os estados não podem, diante de um cenário que lhes seja desfavorável, simplesmente instituir novas regras de cobrança de ICMS, desconsiderando a repartição estabelecida pelo texto constitucional, sob pena de gerar um ambiente de “anarquia normativa”. O afastamento dessa premissa, além de comprometer a integridade nacional ínsita à Federação, gera um ambiente de anarquia normativa, dentro da qual cada unidade federada irá se arvorar da competência de proceder aos ajustes que entenderem necessários para o melhor funcionamento da Federação. Daí por que a correção da engenharia constitucional de repartição de competências tributárias somente pode ocorrer legitimamente mediante manifestação do constituinte reformador, por meio da promulgação de emendas constitucionais, e não pela edição de outras espécies normativas.
Poucas semanas após sobredita decisão, os membros do CONFAZ se reuniram em 21 de março de 2014, por ocasião da 153ª Reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária, realizada em Teresina no Estado do Piauí, a fim de, novamente, deliberarem acerca do problema da Guerra Fiscal interestadual pelo ICMS proveniente do comércio eletrônico.
Durante o encontro acordou-se que as arrecadações do ICMS incidente sobre as vendas eletrônicas interestaduais de mercadoria a consumidor não contribuinte seriam gradativamente repassadas aos Estados destinatários da mercadoria, a fim de que não ocorresse bitributação em tais operações e que as arrecadações fossem repartidas de maneira mais equânime.
Afirmou Silvano Alencar (apud SANTIAGO, 2014), Secretário de Fazenda do Estado do Piauí, em matéria veiculada no portal de notícias G1, no dia 22 de março de 2014:
Com o acordo do CONFAZ, no primeiro ano será repassado 20% do ICMS das compras online ao estado de destino, mais 20% no segundo ano, até chegar a 100% ao estado de destino, num prazo de cinco anos.
Desta vez os Estados tradicionalmente fornecedores, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram signatários do acordo que regulou esse novo método de arrecadação do ICMS nas vendas interestaduais ao consumidor final, diferente do ocorrido em 2011, quando da instituição do Protocolo nº 21.
Apesar de o referido acordo ter ocorrido no âmbito do CONFAZ, sabe-se que a disposição constitucional que versa sobre as alíquotas a serem aplicadas nas vendas interestaduais permanece inalterada. Com isso, tem-se que o instrumento legal hábil a sepultar de uma vez por todas a Guerra Fiscal do e-commerce é a emenda constitucional.
4.3 Proposta de Emenda à Constituição nº 103 de 2011
Segundo Pedro Lenza (2012, p. 75), “a Constituição é o fundamento de validade da norma hipotética fundamental, situada no plano lógico, e não no jurídico, caracterizando-se como fundamento de todo o sistema”.
Portanto, tendo em vista ser ela norma fundamental que valida todo o sistema jurídico e onde as normas situadas abaixo dela buscam a sua validade, por certo que a sua modificação deve obedecer a alguns critérios, para que não sobrevenha insegurança jurídica.
Pertence ao poder constituinte derivado reformador a capacidade de modificar a Constituição Federal e, para que isso ocorra, deve o constituinte reformador obedecer ao estabelecido pelo constituinte originário no artigo 60 da CRFB/1988.
Assim sendo, as modificações do texto constitucional devem ser intentadas por meio de emendas constitucionais que, conforme preceitua Pedro Lenza (2012), são a manifestação do poder constituinte reformador.
Tendo isso em vista, diante das disposições contidas no artigo 155, § 2º, inciso VII, da CRFB/1988, em que o legislador constituinte definiu a quem caberia o ICMS nas operações interestaduais e considerando a Guerra Fiscal entre os Estados Federados pelas receitas decorrentes da tributação das operações de circulação de mercadorias adquiridas no comércio eletrônico, diversas alternativas surgiram na tentativa de propiciar aos Estados de destino das mercadorias uma forma de também se beneficiarem.
Protocolos foram estabelecidos, reuniões foram realizadas, acordos foram firmados. Entretanto, ao que parece, o meio legítimo a conferir aos Estados mais pobres da Federação parte dos lucros nas sobrecitadas operações é a modificação do dispositivo constitucional através de emenda, que, obedecendo a um processo que lhe é peculiar, não ofenderia aos princípios já consagrados em seu texto quando da sua elaboração, a exemplo do princípio da não cumulatividade, da legalidade tributária, da vedação ao confisco e tantos outros.
Numerosas propostas de emendas tendentes a modificar o previsto no inciso VII, do parágrafo 2º, da CRFB/1988 foram elaboradas. Todavia, analisaremos aqui a Proposta de Emenda à Constituição de nº. 103 de 2011 (PEC 103/2011),visto ser ela a que se encontra em estágio mais avançado de tramitação.
Conforme o contido no teor da PEC 103/2011, esta pretende acrescentar o inciso VIII-A ao § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, para modificar a sistemática de cobrança do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação incidente sobre as operações e prestações realizadas de forma não presencial e que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado.
Se referida PEC for aprovada em cada uma das Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros (artigo 60, §2º, CRFB/1988), e promulgada, a Constituição passará a vigorar com o seguinte acréscimo:
Art. 155. [...]
§2º [...]
VIII-A na hipótese da alínea ‘b’ do inciso VII, quando a operação interestadual ocorrer de forma não presencial, caberá ao Estado da localização do destinatário parte do imposto a ser definida por resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, e na forma estabelecida por deliberação dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, ‘g’. (SENADO FEDERAL, Proposta de Emenda à Constituição nº. 103 de 2011).
Em suma, por meio da PEC 103/2011, já aprovada por unanimidade no Plenário do Senado Federal e remetida à Câmara de Deputados, o que se busca é colocar termo na Guerra Fiscal do comércio eletrônico brasileiro, sendo a emenda constitucional meio legítimo a promover as mudanças necessárias na CRFB/1988, na tentativa de equilibrar as garantias ínsitas ao contribuinte com os interesses dos Estados mais pobres e que, atualmente, encontram-se prejudicados pela sistemática de tributação do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadorias a consumidor final.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto no presente artigo é possível perceber que a sistemática de recolhimento do ICMS em operações interestaduais, sobretudo as eletronicamente realizadas que destinem mercadorias a consumidor final, há muito vem causando conflitos entre os Estados da Federação.
Para que os entraves advindos da sistemática de arrecadação do ICMS se reduzissem, o constituinte originário inseriu na Constituição Federal de 1998 regras que beneficiassem aos vários Estados da Federação, tendo em vista as desigualdades econômicas entre eles, conforme restou constatado.
Considerando o transcurso do tempo e as inovações tecnológicas resultantes de verdadeiras revoluções digitais, o ocorrido foi que, em verdade, o modo como a arrecadação do ICMS foi disciplinada desprestigiava os Estados com características consumidoras em face daqueles majoritariamente fornecedores.
A alternativa encontrada pelos Entes Federados mais pobres, então, na expectativa de ver cumprido um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, o de redução das desigualdades regionais (artigo 3º, inciso III, da CRFB/1988), foi firmar acordo que também os favorecesse. A esse acordo deu-se o nome de Protocolo ICMS nº. 21 de 2011.
Todavia, apurou-se no presente artigo que, embora referido protocolo garantisse parcela da arrecadação aos Estados mais necessitados, as suas conseqüências foram demasiadamente danosas ao consumidor final, que restou sobrecarregado com a bitributação e ofensa às suas garantias constitucionais, pois passaria a arcar com os ônus de um imposto cobrado na origem e no destino.
Portanto, haja vista tudo o que foi aqui ponderado, o Protocolo ICMS nº. 21 de 2011 aumentou os conflitos entre os Estados, na medida em que fomentou a Guerra Fiscal no âmbito do comércio eletrônico.
Percebe-se, deste modo, que os esforços do constituinte originário no sentido evitar a Guerra Fiscal foram inócuos.
Doutrinadores, legisladores, órgãos julgadores, todos eles se mobilizaram em face desse acontecimento que atingiu grande parte da sociedade brasileira, posto que o comércio virtual é hoje realidade consolidada e movimenta grandes cifras todos os dias.
Nesse passo, considerando todas as circunstâncias ostentadas, Proposta de Emenda à Constituição nº. 103 de 2011 foi apresentada como método efetivo a colocar um ponto final na Guerra Fiscal interestadual pelo ICMS no comércio eletrônico.
Sendo assim, conclui-se que a alteração da CRFB/1988 através de Emenda à Constituição é meio hábil a beneficiar tanto os Estados mais pobres da Federação quanto os contribuintes, que terão as suas garantias constitucionais novamente respeitadas na relação jurídico tributária com o Fisco, sendo o que parece mais justo e legítimo, tanto que disciplinado no artigo 60 da CRFB/1988.
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Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e Estagiária junto à 7ª Promotoria de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, com atribuições de Curadoria do Meio Ambiente, Urbanismo e Defesa do Patrimônio Cultural e Histórico, na Comarca de Montes Claros.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENDES, Ana Cláudia Dourado. A guerra fiscal interestadual do ICMS no comércio eletrônico brasileiro frente ao princípio da não cumulatividade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39316/a-guerra-fiscal-interestadual-do-icms-no-comercio-eletronico-brasileiro-frente-ao-principio-da-nao-cumulatividade. Acesso em: 22 nov 2024.
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