Resumo: Este artigo trata da relação entre texto, norma e decisão. Nessa linha, problematiza-se o tema com a seguinte indagação: ao decidir o caso concreto, pode o julgador ignorar o texto do comando jurídico (Constituição, Código, leis, etc.) e decidir da forma que lhe pareça mais correta, criando nova norma? Após realizar uma análise preliminar acerca de ambos os institutos, o artigo instaura uma discussão sobre o tema, apontando a necessidade de se seguir os textos jurídicos aprovados pelos representantes do povo democraticamente eleitos, quando eles estejam em conformidade com a Constituição. Ademais, o artigo comporta um referencial teórico pautado na mais moderna doutrina do Direito Constitucional e da Hermenêutica Jurídica, segue as diretrizes do método dedutivo e como técnica de coleta de dados, utiliza a pesquisa bibliográfica. É um artigo de revisão.
Palavras-chave: Texto. Norma. Decisão judicial. Hermenêutica jurídica. Decisionismo.
Sumário: 1 Introdução. 2 Texto e Norma nos Positivismos Exegético e Normativista. 3 Texto e Norma no “Neoconstitucionalismo”. 4 Texto e Norma em Terrae Brasilis. 4.1 Decido Conforme Minha Consciência? Uma Ode Velada Travestida de Réquiem ao Positivismo Normativista. 4.2 A Existência de Interpretações Jurídicas Corretas e Incorretas: Não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”. 5 Exemplos de Decisões Judiciais que Ignoram o Texto: Decisionismo constitucionalmente inadequado e antidemocrático. 6 Conclusão. Referências.
1 Introdução.
“Wort und Ding lagen eng aufeinander; die gleiche Körperwärme bei Ding und Wort”[1], dizia o poema de Hilde Domin. Se é certo que palavra e coisa, no início, estavam juntas, hoje parece que elas se separaram para nunca mais se encontrar.
Desde que os hermeneutas jurídicos, acolhendo – ao menos em parte – o giro linguístico ocorrido na filosofia, passou a diferenciar texto e norma, grande parte da doutrina e do judiciário, sob o pretexto de superação das antigas formas do positivismo (exegético e normativista), passou a solenemente ignorar os textos insertos em comandos legais para simplesmente tomar as decisões que melhor lhe aprouvessem, ainda que manifestamente contrárias ao texto constitucional ou legal.
Ao se explicar a relação entre texto e norma nos positivismos exegético e normativista e no denominado “neoconstitucionalismo”, a existência de interpretações jurídicas corretas e incorretas e trazer a baila exemplos de decisões judiciais que desrespeitam os textos jurídicos, justificar-se-á a imprescindibilidade do respeito à “letra da lei” sempre que esta se demonstrar compatível com a Constituição, sob pena de se regressar aos inconstitucionais e antidemocráticos decisionismos que os positivismos deixaram de legado.
Ao final, cumpre dizer que o presente artigo faz uma revisão de literatura com base no método de abordagem dedutivo, utiliza como técnica de coleta de dados a pesquisa bibliográfica a partir de documentos como livros, manuais, códigos e periódicos, que, proporcionando um novo enfoque sobre o tema, serviram de base para as conclusões do autor.
2 Texto e Norma nos Positivismos Exegético e Normativista.
A fim de se entender o atual estado da relação entre texto e norma, é necessário, primeiramente, a análise de como tais institutos se relacionavam nos modelos positivistas, até mesmo porque o atual estado desta relação surgiu como tentativa de superar o antigo modelo positivista de Direito, como será demonstrado adiante.
É muito comum, atualmente, ouvirem-se críticas ao positivismo no sentido de ser ele o modelo de direito que pregava a “aplicação da literalidade da lei”. Basta alguém defender a aplicação da “letra da lei” para ser considerado um “positivista”. Haveria, assim, dois modelos de juízes: os juízes “boca da lei” – que se ateriam às palavras do texto legal – e os “juízes dos princípios” – aqueles que “vão além” do texto legal, que é apenas a “ponta do iceberg”, descobrindo os “valores ocultos” do texto. Aquele seria o juiz do passado; este seria o modelo atual de juiz.
Contudo, isso parte de uma leitura totalmente equivocada do que foram os modelos positivistas. O positivismo é uma postura científica que se solidifica de maneira decisiva no século XIX. O “positivo” a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como os fatos, os quais, por sua vez, correspondem a uma determinada interpretação da realidade que engloba apenas aquilo que se pode contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se possa definir por meio de um experimento (STRECK, 2010, p. 160).
No Direito, essa capacidade de mensuração será encontrada, primeiramente, nos Códigos.
Isso que se chama de exegetismo tem sua origem aí: havia um texto específico em torno do qual giravam os mais sofisticados estudos sobre o direito. Este texto era – no período pré-codificação – o Corpus Juris Civilis. A codificação efetua a seguinte “marcha”: antes dos códigos, havia uma espécie de função complementar atribuída ao Direito Romano. A ideia era simples, aquilo que não poderia ser resolvido pelo Direito Comum, seria resolvido segundo critérios oriundos da autoridade dos estudos sobre o Direito Romano – dos comentadores ou glosadores. O movimento codificador incorpora, de alguma forma, todas as discussões romanísticas e acaba “criando” um novo dado: os Códigos Civis (França, 1804 e Alemanha, 1900). (STRECK, 2010, p. 160)
A partir da criação de tais códigos, eles se transformam nos dados positivos com os quais deveria se ocupar a ciência jurídica. Não obstante, desde logo surgem também os problemas relativos à interpretação desses textos, que por óbvio não são capazes de abarcar toda a realidade social. Como, então, controlar a interpretação, a fim de que elas não desvirtuem os textos legais?
A Escola da Exegese, na França, e a Jurisprudência dos Conceitos, na Alemanha, são as primeiras tentativas de se responder a essas questões, criando os modelos que podemos chamar de Positivismo Exegético (ou Legalista). A principal característica desses modelos foi a realização de uma análise “sintática”. Neste caso, a simples determinação rigorosa da conexão lógica dos signos linguísticos que compõem os Códigos seria o suficiente para resolver o problema da interpretação do direito. A analogia e princípios gerais do direito preencheriam as hipóteses excepcionais de inadequação dos fatos aos textos legais.
As críticas feitas por grande parte da doutrina e academia ao positivismo – no sentido de apego irrestrito à “literalidade da lei” –, pois, se aplica a esse primeiro momento do positivismo.
Entretanto, o positivismo não se encerra nesse primeiro momento, pois o crescimento do poder regulatório do Estado nas primeiras décadas do século XX demonstra que os modelos de interpretação então vigente não eram capazes de se sustentar: o problema dos “conceitos indeterminados” se torna ponto fulcral. Assim, aparecem propostas de aperfeiçoamento do “rigor” lógico do trabalho científico proposto pelo positivismo. É o segundo momento do positivismo, que podemos chamar de “positivismo normativista”.
Este era o cenário vigente no qual surgiu Hans Kelsen, com sua Teoria Pura do Direito (1998, passim). Ou seja, há aproximadamente um século atrás, Kelsen já havia superado o positivismo exegético que hoje nossa doutrina alardeia o rechaço com tanto fervor. Dizer que o juiz não é mais a “boca da lei”, que os textos legais não abarcam todas as situações em suas regras, etc., é de uma obviedade tamanha que sequer deveria ser repetido. O que não pode acontecer é, como diz Lenio Streck, a doutrina pátria se contentar com tão pouco: limitar-se a superar as velhas formas de exegetismo. Deve falar – e criticar – não do velho exegetismo, que já havia dado sinais de cansaço no início do século passado, e sim do positivismo normativista que se desenvolveu no século XX e o legado que ele deixou ao Direito (2010a, p. 18 e 20).
Isto porque, se Kelsen superou o modelo positivista exegético, ele não destruiu a tradição positivista até então construída: seu principal objetivo foi reforçar o método analítico proposto pelos conceitualistas, de modo a refutar o crescente desfalecimento do rigor jurídico propagado pela Jurisprudência dos Interesses e a Escola do Direito Livre, que favoreciam o aparecimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos na interpretação do direito (STRECK, 2010, p. 161; Idem, 2010a, p. 19).
Contudo, Kelsen se aproxima de seus contendores em um aspecto: a interpretação do Direito, para o mestre de Viena, é eivada de subjetivismos provenientes de uma razão prática solipsista. Kelsen chega mesmo a dizer, no famigerado Capítulo VIII de sua Teoria Pura do Direito, que o ato de aplicar o Direito era relativamente indeterminado e que a norma jurídica seria como uma moldura dentro da qual há várias possibilidades de aplicação; dentro de tal moldura, o juiz era livre para escolher o sentido da norma que melhor entendesse se aplicar ao caso, pois a aplicação do direito era um ato de vontade (1998, p. 245 e ss.)[2]. Ou seja, Kelsen já havia superado o positivismo exegético, mas abandonou o principal problema do direito: a interpretação concreta, no nível da “aplicação” (STRECK, 2010, p. 161; Idem, 2010a, p. 20).
O positivismo normativista atingiu seu ápice de sofisticação teórica, muito provavelmente, com Herbert Lionel Adolphus Hart, professor de Filosofia na Universidade de Oxford. Resumidamente, para Hart, existem áreas de conduta não completamente abarcadas pelo conteúdo de uma regra, a qual ele chama de “zona de penumbra” (1985, p. 64). Nesses casos, os tribunais exerceriam a função de encontrar uma solução para o caso concreto, à luz das circunstâncias que lhes são apresentadas; ou seja, nos casos não regulados pelo direito ou, ainda, regulados de forma insatisfatória, os Tribunais estão legitimados a exercer uma função criadora do direito (1994, p. 148-149)[3]. Sempre, pois, que existente a “zona de penumbra”, habitada por uma importante área de vagueza (vagueness), “...judges must necessarily legislate” (HART, 1985, p. 65)[4].
Verifica-se, pois, que os modelos positivistas eram, todos, um sistema puro de regras, onde não havia espaço para princípios. As regras deveriam resolver todos os casos de forma subsuntiva-dedutiva.
Este é o calcanhar de Aquiles das posturas positivistas: face às insuficiências/limitações das regras, face aos casos difíceis, face à pluralidade de regras ou sentidos da(s) regra(s), o positivismo permite que o juiz faça a “melhor escolha”. O direito é, assim, apenas a moldura na qual serão subsumidos os “fatos” [...]. Significa dizer que, trabalhando com a ideia de sistema sem lacunas, a própria previsão da “correção” e da “colmatação” das insuficiências do ordenamento faz parte do próprio ordenamento jurídico. Desse modo, remete-se ao próprio direito a correção do direito... (STRECK, 2006, p. 143, grifos do original)
Esse quadro somente viria a mudar no fim da década de 1970, com a obra de um dos maiores jusfilósofos já conhecidos.
3 Texto e Norma no “Neoconstitucionalismo”.
Foi Ronald Myles Dworkin, com sua obra Talking Rights Seriously (1978, passim), quem primeiro buscou superar o positivismo jurídico – em especial na versão analítico-semântica de H. L. A. Hart – com seu modelo puro de regras[5].
A crítica de Ronald Dworkin a esse modelo se apoia, essencialmente, em sua visão de que os direitos fundamentais são formulados independente e anteriormente às regras que os corporizam (1978, p. xi). Neste quadro, a estrutura e limites do sistema jurídico não se compõem somente de regras: compreende, ainda, um estrato de princípios, os quais possuem papel decisivo e essencial (1978, p. 22-28). Por “princípios” devem ser entendidas todas as medidas, independentemente de se encontrarem ou não positivadas em regras, que se apresentem como argumentos a favor dos direitos fundamentais (1978, p. 22-28; 82-90). Dworkin entende, pois, que todas as questões jurídicas encontram respostas dentro dos próprios princípios jurídicos, não podendo as decisões serem tomadas com bases em argumento de economia, política ou moral[6]. Dessa teoria de Ronald Dworkin resultou o reconhecimento do princípio enquanto norma[7].
Assim, diante da revolução operada por esta visão de Dworkin, é preciso se diferenciar entre norma e texto (ou enunciado) normativo: uma norma é o significado de um texto normativo. Como diz Cristina Queiroz: “A norma jurídica não corresponde ao texto, antes se apresenta como o ‘resultado’ da interpretação. O que é objecto da interpretação não é a norma, mas um texto. Daí a criação do direito pelo processo de interpretação (law as interpretation).” (2010, p. 102). Como bem explica Humberto Ávila, norma não são textos nem o conjunto deles, mas os “...sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos” (2005, p. 22). Assim, a uma só disposição de direitos fundamentais podem se ligar diversas normas de direitos fundamentais, as quais podem ser regras ou princípios[8].
4 A Existência de Interpretações Jurídicas Corretas e Incorretas: Não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”.
4.1 Decido Conforme Minha Consciência? Uma Ode Velada Travestida de Réquiem ao Positivismo Normativista.
A relação entre texto e norma revelada por Ronald Dworkin parece não ter sido bem compreendida pelos doutrinadores e julgadores de terrae brasilis.
Não parece possível sustentar, hoje, que é faculdade do intérprete estimular as interpretações possíveis, de acordo com sua vontade e o seu conhecimento, já que dentre as diversas opções colocadas a ele, o exegeta escolhe aquela que lhe afigurar com a mais satisfatória, podendo valer-se, para tanto, dos recursos que estiverem ao seu dispor (BULOS, 1997, passim); ou que a interpretação é um processo de descoberta do conteúdo da lei (NUCCI, 2012, p. 56); ou ainda que interpretar é dar o verdadeiro significado do vocábulo (DINIZ, 2006, p. 424); ou, por fim, que interpretar é descobrir o real sentido da regra jurídica (MELO, 2002, p. 157-158).
Tais entendimentos demonstram aquilo que é corrente no Direito pátrio: a pretexto de “superar o velho positivismo”, de sepultar o “juiz boca da lei”, doutrina e judiciário ecoam aquilo que foi o maior defeito – e perigo – do positivismo normativista: o estímulo ao decisionismo, que se revela principalmente pela crença de que: (a) a decisão é um ato de vontade; e (b) o juiz decide conforme sua consciência[9].
No que se refere à concepção de que (a) a sentença é um ato de vontade, não é demais lembrar que esta era justamente a opinião de Kelsen (1998, p. 248 e ss.)[10]. Não obstante, ainda é ela repetida por autores que se julgam neoconstitucionalistas[11] e é frequente na jurisprudência[12].
Quanto ao alegado entendimento de que (b) o juiz decide conforme sua consciência, as referências são múltiplas, e as artes podem ajudar a demonstrar o estado da questão.
Em uma peça teatral chamada “O Círculo de Giz Caucasiano”, escrita em 1944 nos Estados Unidos pelo alemão Bertolt Brecht, é contada a história de Azdak, escrivão de uma aldeia que, sem saber, acaba salvando a vida do Grão-duque, razão pela qual é nomeado juiz.
A característica principal de Azdak é que ele decide como quer, sem respeito a qualquer norma e mesmo sem qualquer critério ou coerência e mesmo sem sequer explicar suas decisões. Para decidir o destino de uma criança, traça um círculo de giz e coloca as duas mães no meio, para lutar pelo infante (daí o nome da peça).
Outra peça interessante para a questão é “Medida por Medida”, escrita por volta de 1604 por William Shakespeare. Nela, o Bardo conta que Duque Vivêncio, face ao quadro de desordem e corrupção de costumes que assolavam Viena, transfere a seu amigo Ângelo o governo, simulando tirar um período de férias, em que visitaria a Polônia.
Eis que, certo dia o jovem Cláudio é detido, sob a acusação de ter mantido relações amorosas com Julieta, sua namorada. Cláudio é condenado à morte por Ângelo e pede a sua irmã, Isabela, para que interceda por ele junto ao regente. Isabela tenta persuadir Ângelo, mas ele diz que Cláudio é um transgressor da lei e que ela perderia o seu tempo.
Isabela retorna no dia seguinte e insiste na soltura de Cláudio, mas Ângelo se mantém irredutível. Entretanto, enquanto falava, Ângelo vê que Isabela – vestida com roupa de noviça – é uma bela moça e diz a ela que, se se deitasse com ele, seu irmão seria solto. De escravo da lei, Ângelo se transforma em “senhor dos sentidos da lei”.
Tratam-se, pois, de juízes que decidem como querem. Decidem “conforme sua consciência”, sem qualquer respeito às regras postas. Ainda hoje é assim que pensa a maioria dos juízes, inclusive de tribunais superiores. Veja-se, nesse sentido, o já famoso voto do Min. Humberto Gomes de Barro:
Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. [...] Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. (STJ, AgReg em ERESP 279.889-AL, DJU 11/06/2001, grifos ausentes no original)
A jurisprudência reiteradamente tem dado exemplos dessa orientação: “o Magistrado, no exercício de sua função judicante, não está adstrito a qualquer critério de apreciação das provas carreadas aos autos, podendo valorá-las como sua consciência indicar, uma vez que é soberano dos elementos probatórios apresentados.” (STJ, HC 94826/SP, DJe 05/05/2008, grifos ausentes no original); “Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência.” (STJ, HC 16706/RJ, DJ 24/09/2001, grifos ausentes no original); “A avaliação [das circunstâncias judiciais quando da fixação da pena] é subjetiva e o juiz lança o quanto entenda necessário sua consciência” (TJ/PR, ACrim 135.719-5/PR, DJ 05/08/1999).
Deste modo, o juiz não se subordina a nada, a não ser a ele mesmo[13]. Nem ao texto, nem à norma, nem à Constituição. Eis, aí, o decisionismo, fruto do positivismo normativista de Kelsen e Hart, onde a discricionariedade judicial impera: ao juiz é dado criar o direito, seja por meio da escolha, por um ato de vontade, do conteúdo que bem lhe aprouver dentro da “moldura semântica” (Kelsen), seja pela análise da zona de penumbra, onde o juiz pode criar o direito, tal qual o legislador (Hart).
Ou seja, em ultima ratio, em plena vigência da Constituição de 1988, o próprio resultado do processo dependerá do que a consciência do juiz indicar, pois a gestão da prova não se dá por critérios intersubjetivos, devidamente filtrados pelo devido processo legal, e, sim, pelo critério inquisitivo do julgador. (STRECK, 2013, p. 26, grifos do original)
O positivismo do início do século XX, ao que tudo indica, não foi superado no Brasil. “Derrotar” o positivismo exegético tão somente para nos estagnarmos em posições positivistas que pregam o voluntarismo foi (e ainda é) uma vitória pírrica.
Mas isso tem de ser assim? A separação entre texto e norma leva à conclusão de que o juiz está livre da “literalidade da lei” para buscar a norma que entende mais adequada ao caso concreto, já que a decisão é um ato de vontade e o juiz decide de acordo com a sua consciência? Estaria certo, então, o Min. Luís Felipe Salomão ao dizer que a justiça “...emana exclusivamente de nossa [dos magistrados] consciência, sem nenhum apego obsessivo à letra fria da lei.”? (apud STRECK, 2013, p. 24).
4.2 A Existência de Interpretações Jurídicas Corretas e Incorretas: Não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”.
A resposta deve ser, decididamente, não! A admissão da tese de que norma e texto são coisas distintas não pode significar que seja possível atribuir qualquer sentido ao texto. Por isso, argumenta Nelson Saldanha, a reação contra o normativismo não pode significar que a interpretação do direito deixe de supor uma ordem de normas, que se completam com princípios. Ou seja, sem textos não há normas: não se pode diluir nem dissolver a aplicação do direito dentro de uma total imprevisibilidade (2000, p. 203 e ss.).
É evidente que não há só textos e que textos não são meros “enunciados linguísticos”. O que há são normas resultantes de interpretação de textos, que dizem respeito a algo existente no mundo da vida. Tem-se, pois, que também não há somente normas, pelas simples razão de que nelas está contida a normatividade que abrange a realização concreta do Direito (STRECK, 2006, p. 56-57).
Assim, não é só necessário superar as concepções segundo a qual o intérprete “extrai o sentido da norma” e que o juiz é “a boca da lei”, igualando texto à norma; também devem ser superadas as concepções que, buscando ser contraponto ao positivismo normativista (que equiparava norma ao texto, por meio de um sistema puro de regras), caminham em direção a uma espécie de “tribunal da consciência”, no qual o intérprete (o juiz) atribui qualquer sentido ao texto.
Por isso, apesar de Müller estar correto quando diz que a norma sempre é o produto da interpretação do texto e não está contida nele (2010, p. 54-67), isso não significa que haja uma separação ou independência entre texto e norma (STRECK, 2006, p. 61). O texto não existe em si mesmo: do texto sairá, sempre, uma norma. Texto e norma são, pois, coisas distintas, mas não separadas: um não pode subsistir sem o outro. A diferença entre eles é de cunho ontológico (STRECK, 2006, p. 62).
É justamente por isso que afirmar que a norma é o produto da interpretação do texto não significa que o intérprete pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”, atribuindo sentidos de forma arbitrária ao texto, como se norma e texto estivessem separados. “Ou seja, a norma – assim entendida – não pode superar o texto; ela não é superior ao texto.” (STRECK, 2006, p. 64). Se é certo que o ato de interpretar não é filologia, não se limitando à análise de textos (fosse assim, os juristas não seriam necessários: os melhores hermeneutas seriam os professores de português), não é menos certo que não há somente normas.
Faz-se necessário “levar o texto a sério”, parafraseando Ronald Dworkin, pois os textos não existem de forma metafísica: o texto é inseparável de seu sentido (i.e., da norma). Textos sempre dizem respeito a algo da facticidade: interpretar um texto é aplicá-lo (STRECK, 2006, p. 141).
Há, pois, limites no processo interpretativo. E o primeiro deles decorre justamente do texto, pois ele “...“limita a concretização e não permite decidir em qualquer direção, como querem as diversas formas de decisionismo” (ADEODATO, 2004, p. 180). Isto porque os juristas não são – ou ao menos não podem ser – Humpty Dumpty. Explica-se: na obra de Lewis Carroll, Alice no País dos Espelhos, Alice se encontra com Humpty Dumpty (um personagem em formato de ovo, pois humpty-dumpty, em inglês, é expressão pejorativa para uma pessoa baixinha e gorda) e começam eles a conversar sobre a ideia de “desaniversário”, pelo qual haveria 364 dias destinados ao recebimento de presentes em geral, enquanto haveria somente um dia para presentes de aniversário. Segue-se, então, o insólito diálogo:
– Isto é a glória para você! – Não sei o que o senhor entende por “glória”... Humpty Dumpty sorriu desdenhosamente. – Pois claro que não sabe... enquanto eu não disser... Quero dizer que um de seus argumentos está destruído! – Mas “glória” não quer dizer “argumento destruído” - objetou Alice. Quando eu emprego uma palavra - replicou Humpty Dumpty insolentemente -, ela quer dizer exatamente o que eu quero que ela diga, nem mais, nem menos. – A questão é se o senhor pode fazer as palavras dizerem tantas coisas tão diferentes. – A questão é qual delas é a principal; isso é tudo! (CARROLL, 2008, p. 98, grifos ausentes no original)
Os juristas não podem ser nominalistas como Humpty Dumpty[14]. As palavras não dizem aquilo que o jurista quer que elas digam[15]! Interpretar/aplicar um texto não é escrever um texto novo. A Constituição não pode ser apenas um espelho que reflete a vontade e através do qual se pode enxergar tudo aquilo que se deseja (TRIBE; DORF, 2007, p. 3). Ler o texto não pode ser meramente um exercício de concretização de interesses de seus leitores, que usam a linguagem do documento como espelho para refletir suas preferências[16].
Qualquer pessoa que lê a Constituição como ela é, percebe inúmeras formas nas quais ela difere do seu próprio ideal de Constituição; e depois de ler e refletir seriamente sobre o texto como ele é (e não como se queria que ele fosse), deve chegar a concluir que é impossível ler na Constituição as opções que gostaria[17].
É fato que, em questões jurídicas teóricas, não existe “ônus da prova”, ou seja, não é possível se provar que tal teoria está “errada” da mesma forma como é possível com teoremas matemáticos. Isso não significa, contudo, que devamos aceitar uma determinação definitiva de que todas as interpretações da Constituição estão corretas.
Não se desconhece que um mesmo começo e mesmo desenvolvimento podem gerar finais diferentes. Isso se mostra com clareza nos filmes com “finais alternativos”. Tomemos como exemplo o filme “Eu sou a Lenda”, protagonizado por Will Smith e Alice Braga. No filme, Will Smith interpreta Robert Neville, cientista militar imune a um vírus originalmente criado para curar o câncer, mas que deu errado, se espalhou por toda New York e acabou por transformar os infectados que sobreviveram ao contágio em “vampiros” que temem a luz do sol e apresentam sintomas parecidos aos da raiva, bem como um comportamento selvagem e ameaçador. Ele trabalha para criar uma cura em um laboratório construído no porão de sua casa, em Manhattan no ano de 2012, numa cidade habitada pelos mutantes vítimas do vírus transmitido pelo ar. Em dado momento do filme, Neville é quase capturado pelos mutantes e é salvo por Anna (Alice Braga) e seu filho Ethan (Charlie Tahan).
No final “oficial” do filme (aquele transmitido nos cinemas pelo mundo), Neville salva Anna e Ethan dos mutantes que invadiram a sua casa e então recuam para o laboratório. Eles se prendem em uma sala de acrílico reforçado junto com uma mulher infectada pelo vírus que Neville usava como cobaia para suas experiências em busca de uma cura, e descobrem que o tratamento de Neville está funcionando (a cobaia está com aspecto muito mais humano). Os mutantes arrombam a porta do laboratório e o macho alfa começa a se jogar contra o acrílico, rachando-o. Neville, então, dá um frasco de sangue da mulher para Anna e Ethan, antes de fechá-los dentro de uma calha de carvão na parte de trás do laboratório. Ele, após isso, detona uma granada para destruir os invasores com o custo de sua própria vida. Anna e Ethan chegam à colônia dos sobreviventes levando o antídoto. Anna depois afirma que os sobreviventes são o legado de Neville, que por sua luta por uma cura se tornou uma lenda.
Já no final “alternativo” do filme, disponível como material extra nos DVD e blu-rays lançados, o macho alfa mutante desiste de quebrar o vidro e Neville entende que ele quer a criatura que ele aprisionou para testes. Então, o médico pede para que Anna abra a porta e empurra a maca para fora do cubículo de vidro, momento em que as outras criaturas ameaçam atacá-lo, mas são impedidas pelo macho alfa. Neville aplica o antídoto na criatura capturada e ela dá sinal de vida, surpreendendo o macho alfa, que troca rápidas carícias com a criatura capturada (deixando Neville espantado). Em seguida, ele a pega no colo e vai embora, deixando Neville vivo.
Como se vê, uma história preexistente pode ser compatível com mais de um final. O que faz com que uma pessoa prefira um final e outra pessoa prefira um final diferente não é a consistência sobre o abstrato, mas a valorização do julgamento de um e de outro. E essas valorizações são sempre externas ao objeto (texto ou, no caso do exemplo, filme)[18].
Mas se é verdade que o texto (ou filme) pode ser condizente com mais de um final, temos de reconhecer também que ele não é compatível com todos os finais: se a estrutura interna de um texto (ou filme) é compatível com o final Y ou X, isso não significa que não existam finais que estão além das possibilidades. Vejamos novamente o filme “Eu sou a Lenda”: seria compatível com a história do filme um final em que, no momento em que Neville, Anna e Ethan estão aprisionados no laboratório, encurralados pelos mutantes, surgisse uma esfera azul de energia e de dentro dela saíssem John Connor, Sarah Connor e Cameron, vindos do futuro para impedir a proliferação do vírus, secretamente criado pela Skynet para acabar com a raça humana e garantir o domínio das máquinas no futuro[19]?
Com certeza esse final não é condizente com a estrutura do filme. Assim, vê-se que os finais original e alternativo se orientam dentro de padrões aceitáveis, e quanto à preferência entre eles, valerá os valores do telespectador (ou, no caso de texto, do leitor); já o final non-sequitur se orienta totalmente fora de padrões aceitáveis. Também no Direito alguns resultados aparentemente são orientados por convicções amplamente compartilhadas a respeito de coisas que “fazem sentido” e outras que parecem a todos “arbitrária”[20]. Assim, p.ex., as expressas menções no texto constitucional que asseguram o direito de propriedade, desde que atendida sua função social (art. 5º, XXII e XXIII), parecem apagar sem sombra de dúvidas uma tentativa de fundamentação constitucional a um “direito fundamental a furtar”. Em contraste, nada no texto constitucional, nem remotamente, acaba com o argumento de que a prática de relações sexuais “não tradicionais” (como as homoafetivas) é exercício de um direito fundamental.
E aqui chegamos a um ponto crucial: nem todas as interpretações/aplicações pelos juízes são permitidas pelo texto. Em verdade, como se demonstrará a seguir, grande parte das decisões que juízes têm tomado violenta até não mais poder os textos[21].
Isso não pode ser aceito e é deveras preocupante, pois com a proliferação de tal fenômeno no Judiciário “...a lei – aprovada democraticamente – perde(rá) (mais e mais) espaço diante daquilo que ‘o juiz pensa da lei’.” (STRECK, 2013, p. 30). Juízes não podem decidir por mero ato de vontade, e sim por princípios; não podem decidir conforme sua consciência, e sim conforme o texto e a norma. Interpretar/aplicar o texto não é discricionariedade do juiz. Ele não é livre para dar ao texto o sentido que bem lhe aprouver, pois não é – e nem pode ser – Humpty Dumpty.
A “abertura principiológica” de Dworkin veio justamente para impedir, na medida do possível, a existência de “múltiplas respostas” corretas aos problemas jurídicos, característica central da discricionariedade judicial reinante no positivismo[22]. Tal abertura, então, deve ser examinada justamente neste contexto: ruptura paradigmática com de subsunção, típico do positivismo, com seu sistema puro de regras. A consequência desse modelo puro de regras é que a “facticidade” (o mundo prático) não fazia parte da aplicação do direito, e os princípios vieram justamente para superar a abstração da regra. Por conseguinte, a “era dos princípios” veio para “fechar” a interpretação, e não para “abri-la”. Os princípios não são “...um plus axiológico-interpretativo que veio para transformar o juiz (ou qualquer intérprete) em superjuiz, que vai descobrir os ‘valores ocultos’ no texto, agora ‘auxiliado/liberado’ pelos princípios.” (STRECK, 2006, p. 144). Princípios, ao superarem as regras, não proporcionam maior liberdade aos juízes; proporcionam, sim, a superação da subsunção. Princípios não facilitam atitudes decisionistas e/ou discricionárias; eles a condenam.
Os juízes não são livres para decidir como querem, ou “conforme suas consciências”[23]. Absolutamente não. O Direito não é aquilo que o intérprete quer que ele seja, repita-se à exaustão. Ora, se o juiz não está adstrito ao texto, qual o valor da lei? Para que ela serve? O que faremos com o Parlamento? Não é verdade que “...uma das prerrogativas reservadas a esse Poder em Estados democráticos é a possibilidade de decidir em casos de dúvida acerca da melhor decisão jurídica possível no caso concreto.” (LAURENTIIS, 2011, p. 103)? Se os representantes democraticamente eleitos do povo entenderam que a decisão jurídica àquela questão deveria ser resolvida de determinada forma, e, sopesando de antemão os princípios constitucionais, trouxeram ao mundo jurídico regra constitucionalmente válida, pode o juiz, a seu talante (“conforme sua consciência”), simplesmente se afastar daquela regra e decidir discricionariamente, criando novo direito?
Se os juízes podem “dizer o que querem” sobre o sentido das leis, ou se os juízes podem decidir de forma discricionária os hard cases, para que necessitamos de leis? Para que a intermediação da lei? É preciso ter presente, pois, que a afirmação do caráter hermenêutico do direito e a centralidade que assume a jurisdição constitucional nesta quadra da história – na medida em que o legislativo (a lei) não pode antever todas as hipóteses de aplicação – não significa uma queda na irracionalidade e tampouco uma delegação em favor de decisionismos. Nenhum intérprete (juiz, promotor de justiça, advogado, etc.) está autorizado a fazer interpretações discricionárias. (STRECK, 2006, p. 166, grifos do original)
É preciso alertar, com Dworkin, que não se deve cair na armadilha corriqueira de acreditar que, como não existe nenhuma fórmula mecânica para distinguir as decisões boas e más, e como os juristas sempre vão discordar entre si, nenhum argumento é melhor que o outro (2003, p. 203). Existem verdades hermenêuticas e é possível dizer, como demonstrado supra, que existem interpretações corretas e interpretações incorretas: a multiplicidade indeterminada de respostas corretas é característica do positivismo, que os princípios enquanto normas de caráter deontológico vieram para sepultar.
Por isso, insista-se, dizer que o intérprete atribui sentido ao texto nem de longe significa que ele o possa fazer de forma livre, arbitrária ou “segundo sua consciência”. Deve-se insistir que a ideia inerente ao conceito de Direito, em si, traz consigo um princípio deôntico geral: quaisquer que sejam seus pontos de vistas sobre a justiça e equidade, “...os juízes também devem aceitar uma restrição independente e superior, que decorre da integridade das decisões que tomam.” (DWORKIN, 2003, p. 204, grifos do original)[24].
O fato de não existir um método que possa dar garantia a “correção” do processo interpretativo[25] não pode dar azo a que o intérprete possa interpretar um texto de acordo com sua vontade, com sua subjetividade, ignorando até mesmo o conteúdo mínimo-estrutural de um texto jurídico. Como adverte Lenio Streck: “A ‘vontade’ e o ‘conhecimento’ do intérprete não permitem a atribuição arbitrária de sentidos, e tampouco uma atribuição de sentidos arbitrária.” (2006, p. 193).
... a interpretação, quando excede os limites razoáveis em que se há de conter, quando cria ou “inventa” contra legem, posto que aparentemente ainda aí a sombra da lei, é perniciosa, assim à garantia como à certeza das instituições. Faz-se mister, por conseguinte, ponderar gravemente nas consequências que advêm de um irrefletido alargamento do raio de interpretação constitucional, como a observação tornou patente desde que se introduziram métodos desconhecidos na hermenêutica das Constituições (BONAVIDES, 2005, p. 483)
Ou seja: a Hermenêutica não permite – e nem os juristas podem permitir – qualquer forma de decisionismo, subjetivismo ou discricionariedade judicial. O juiz não pode ignorar o texto quando bem lhe aprouver, julgando conforme seus valores e se substituindo ao Parlamento, órgão democraticamente eleito e constitucionalmente legitimado a tomar as decisões em nome do povo. O texto não está à disposição do juiz, a fim de que ele lhe dê o sentido que melhor se enquadre a sua consciência[26].
O juiz somente pode, de forma lícita, afastar a aplicação de uma lei em seis hipóteses (STRECK, 2010, p. 171-172): (a) quando ela for inconstitucional; (b) quando for o caso de resolução de antinomias (critérios de hierarquia, temporalidade e especialidade); (c) quando aplicar a “interpretação conforme à Constituição”, ocasião em que se torna necessária uma adição de sentido ao artigo de lei para que haja plena conformidade da norma à Constituição (neste caso, o texto de lei – entendido na sua “literalidade” – permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que o torne adequado a Constituição); (d) quando aplicar a nulidade parcial sem redução de texto (permanece a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal); (e) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo); e (f) quando for o caso de deixar de aplicar uma regra em face de um princípio constitucional que se revelar preponderante.
Fora dessas hipóteses, o texto se encontra dentro do espaço de confirmação do legislador democraticamente eleito, e o juiz a ele deve obediência, ainda que com ele não simpatize, que o julgue errado por quaisquer motivos ou que com ele não concorde.
Seguir ou não o texto, aqui, não é questão de gosto. Trata-se de respeito ao princípio formal da competência decisória do legislador democraticamente legitimado. É um princípio formal porque não determina nenhum conteúdo, apenas diz quem deve definir o conteúdo[27]; enquanto princípio procedimental, exige que as decisões relevantes para a sociedade devam ser tomadas pelo legislador eleito democraticamente, o qual detém legitimidade para tanto, e, como consequência, também “...ordena prima facie, seguir las decisiones del Legislador democráticamente legitimado.” (BOROWSKI, 2000, p. 48).
Como se vê, é necessário compreender os limites e os compromissos hermenêuticos que exsurgem do paradigma do Estado Democrático de Direito. Se o juiz não é “boca da lei”, também não é seu senhor de engenho: não é livre para escravizar o texto e fazer dele o que quiser, atribuindo-lhe sentidos de forma arbitrária – como Humpty Dumpty – ou simplesmente afastando a aplicabilidade de regra constitucionalmente válida e democraticamente produzida. Não sendo caso de invalidade da regra, o texto deve ser aplicado pelo julgador, sob pena de voltar-se ao odioso decisionismo.
5 Exemplos de Decisões Judiciais que Ignoram o Texto: Decisionismo constitucionalmente inadequado e antidemocrático.
Tudo o que se falou acima não seria despiciendo se nossas cortes respeitassem a integridade que se espera do Direito.
Sem embargo, como já se disse acima, o Judiciário de terrae brasilis, cotidianamente, conferem aos textos normas que são com ele inteiramente incompatíveis, transformando o que o texto é naquilo que os juízes gostariam que ele fosse. A “letra da lei” é, de forma corriqueira, totalmente vilipendiada e relegada a plano inferior, mutilando a diferença ontológica e transformando o texto em um “fantasma sem sangue, um conceito incolor”, para utilizar a expressão de Beling (1906, p. 17).
Duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (uma envolvendo matéria processual penal e outra processual civil) são paradigmáticas nesse sentido e serão objeto das considerações que seguem, por demonstrarem com clareza como o judiciário tem solenemente ignorado a “letra da lei” para decidir da forma que melhor se ajusta àquilo que a Corte entende ser desejável.
A primeira decisão versa acerca do art. 212 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei nº. 11.690/2008, in verbis:
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
Antes da reforma, o art. 212 do CPP possuía a seguinte redação: “As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida.”.
Percebe-se com clareza, pois, que a novel redação dada pelo legislador ao art. 212 do CPP trouxe importante inovação que poderia ajudar a adequar o vetusto Código de Processo Penal a caminhar nos trilhos do sistema acusatória imposto pela Constituição de 1988.
Vejamos: o art. 212, alterado em 2008, passou a conter a determinação de que “as perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.” No parágrafo único fica claro que “sobre pontos não esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar a inquirição”. Consequentemente, parece evidente que, respeitados os limites semânticos do que quer dizer cada expressão jurídica posta pelo legislador, houve uma alteração substancial no modo de produção da prova testemunhal. Repito: isso até nem decorre somente do “texto em si”, mas de toda a história institucional que o envolve, marcada pela opção do constituinte pelo modelo acusatório. (STRECK, 2010, p. 169)
O STJ, ao ser confrontado com a matéria, em julgamento ocorrido em 19/05/2009, pareceu bem entender a relevância da questão e a importância que teve a alteração textual do art. 212, que buscou sedimentar o modelo presidencial-inquisitório de condução das audiências pelo “juiz-inquisidor”:
HABEAS CORPUS. NULIDADE. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO. JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.
1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessários esclarecimentos.
2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato, consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo, caracteriza constrangimento, por ofensa ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus, o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade.
3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral seja realizada de maneira mais eficaz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do contexto das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar, defender e julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da respectiva forma.
4. Ordem concedida para, confirmando a medida liminar, anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e os demais atos subsequentes, determinando-se que outra seja realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP.
(STJ, HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009)
Esse entendimento do STJ mostra-se totalmente consentâneo com o texto legal, a Constituição e com a tradição jurídica inaugurada pela Constituição de 1988, que exige um Processo Penal fundado em um sistema acusatório. Decisão, pois, que respeitou a integridade do Direito.
Contudo, o – correto – posicionamento acima exposto foi modificado pelo STJ, em julgamento datado de 01/12/2009 (ou seja, poucos meses após o julgamento acima mencionado, já começando daí o desrespeito à integridade exigida pelo Direito), assim ementado:
HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. LEI Nº 11.690/08. INTERPRETAÇÃO DO ART. 212 DO CPP. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
1. A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-Americano, chamado cross-examination, no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir, sua inquirição (exame direto e cruzado), e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização.
2. A nova lei objetivou não somente simplificar a colheita de provas, mas procurou, principalmente, garantir mais neutralidade ao magistrado e conferir maiores responsabilidades aos sujeitos parciais do processo penal, que são, na realidade, os grandes interessados na produção da prova.
3. No caso, observa-se que o juiz de primeiro grau concedeu às partes a oportunidade de questionar as testemunhas diretamente. A ausência dessa fórmula gera nulidade absoluta do ato, pois se cuida ede regramento jurídico cogente e de interesse público.
4. Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma interpretação sistemática, a não observância dessa regra pode gerar, no máximo, nulidade de natureza relativa, por se tratar de simples inversão, dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas, ainda que subsidiariamente, para o esclarecimento da verdade real, sendo certo que, aqui, o interesse protegido é exclusivo das partes.
5. Não se pode olvidar, ainda, o disposto no art. 566 do CPP: “não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.”.
6. Habeas corpus denegado.
(STJ, HC: 121.215/DF Rel. p/ac. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 22/02/2010)
Como se vê, o STJ fez tábula rasa da importantíssima mudança operada pela Lei nº. 11.690/2008, ignorando completamente o texto legal.
No caso julgado, estava em debate o alegado constrangimento ilegal suportado pelos pacientes, em razão da inobservância do disposto no artigo 212 do CPP, já com a redação dada pela Lei nº. 11.690/2008, eis que, por ocasião da realização da audiência de instrução, a ordem prevista no aludido comando normativo não teria sido respeitada pelo magistrado responsável pela condução da ação penal, que indeferiu o pedido do Ministério Público de que fosse primeiramente deferida às partes a possibilidade de inquirir as testemunhas, passando ele próprio a ouvir as testemunhas por primeiro, sob o argumento de que “...não obstante as recentes alterações da legislação processual penal, o destinatário da prova continua sendo o Estado-Juiz, cabendo a ele, nesta qualidade, decidir o momento em que irá fazer suas perguntas ao ofendido e às testemunhas ou peritos arrolados pelas partes.” (colhido do voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura no HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009).
A Min. Maria Thereza de Assis Moura prolatou belíssimo voto, no qual acolhia a ordem, tecendo severas críticas ao juiz singular e demonstrando compromisso com o sistema acusatório exigido pela Constituição da República e pela democracia, bem como a correta compressão relação entre texto e norma:
O juiz, como se colhe do termo de audiência acostado às fls. 31/33, consignou expressamente ter sido a alteração legislativa do art. 212 do CPP “mero preciosismo”, expressando clara intenção em não cumprir a lei, como se lhe fosse dada uma tal possibilidade [...] não prospera o argumento do juiz de primeiro grau, de que buscar o atendimento do art. 212 do CPP seria “preciosismo”. Rechaça-se tal compreensão, pois o respeito às garantias constitucionais é a tônica para se alcançar o justo processo. Desta forma, é imperioso ter presente que uma das grandes diretrizes da reforma processual penal em marcha é o prestígio ao princípio acusatório, por meio do qual se valoriza a imparcialidade do juiz, que deve ser o destinatário da prova e não seu produtor, na vetusta feição inquisitiva. (Voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura no HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009)
Infelizmente não foi esse o entendimento que se sagrou dominante no julgamento. Logo após o voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura, votou o Min. Og Fernandes, nos seguintes termos:
Não há dúvida de que a nova lei objetivou não somente simplificar a colheita de provas, mas procurou, principalmente, garantir maior neutralidade ao magistrado e conferir mais responsabilidades aos sujeitos parciais do processo penal, que são, na realidade, os grandes interessados na produção da prova.
No caso, observa-se que o Juiz de primeiro grau concedeu às partes a oportunidade de questionar as testemunhas diretamente. A ausência dessa fórmula gera nulidade absoluta do ato, pois se cuida de regramento jurídico cogente e de interesse público, portanto, seu descumprimento afeta os princípios do devido processo legal, da economia e celeridade processual, bem como da prestação jurisdicional justa e imparcial.
Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma interpretação sistemática, a não observância dessa regra pode gerar, no máximo, nulidade de natureza relativa, por se tratar de simples inversão, dado que não foi suprimida a possibilidade de o juiz efetuar as suas perguntas, ainda que subsidiariamente para o esclarecimento da verdade real, sendo certo que, no caso, o interesse protegido é exclusivo das partes. (Voto do Min. Og Fernandes no HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009)
Tal entendimento simplesmente sepulta a letra do art. 212 do CPP e o ganho democrático rumo ao sistema acusatório que o legislador tentou imprimir ao Processo Penal brasileiro. O STJ praticamente averbou uma “errata” à letra da lei. Algo como: “onde se lê: ‘Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.’, leia-se: ‘A inquirição das testemunhas será iniciada pelo Juiz de Direito Presidente da Audiência.’.”.
Contrariando ao que diz o STJ, digo que onde está escrito: “Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”, deve-se ler: “Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”.
Não poderia o STJ simplesmente ignorar o texto e lhe dar norma com ele absolutamente incompatível e atribuída de forma visivelmente arbitrária, simplesmente por não concordar com a opção – constitucionalmente válida e dogmaticamente acertada – do legislador. Este caráter de atribuição arbitrária de sentido pela não concordância com o novo texto pode ser facilmente observado no voto do Desembargador Convocado Celso Limongi:
Presidi tantas audiências como Magistrado; presidi uma audiência, em 1973, no Esquadrão da Morte e, para ouvir três testemunhas, comecei às 14:00 e terminei às 23:10. Havia grandes advogados, como V. Exa. pode imaginar. Estava sendo processado um delegado famoso com mais outros seis policiais. E perguntas miúdas eram formuladas, mas muitas delas tive que deferir, porque tinha uma relação, embora irrelevantes, com os fatos.
Como eu poderia, naquela ocasião, por exemplo, permitir que a defesa começasse a formular as perguntas? Não teríamos terminado a audiência naquele dia. [...] O juiz pode perguntar antes e pode perguntar depois. [...] Sr. Presidente, peço licença para ainda lembrar que o legislador processual e o legislador penal vem, ao longo do tempo, perdendo-se em matéria irrelevante. [...] no Processo Penal, o legislador também tem se portado dessa forma. Em tantas coisas para se preocupar, o legislador foi buscar esse tema para a reforma. (Voto do Des. Convocado Celso Limongi no HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009)
A experiência do Desembargador em suas audiências é absolutamente irrelevante para saber qual a norma que deve ser extraída do texto do art. 212 do CPP. Idem se a audiência por ele conduzida teria ou não encerrada no mesmo dia. O fato é que, de acordo com o texto do art. 212 do CPP, o juiz não pode “perguntar antes e pode perguntar depois”, a não ser que o texto de seu parágrafo único seja um “texto sem norma” (o que, já se disse, é hermeneuticamente inadmissível). Leia-se, de novo o dispositivo: “As perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.” E no parágrafo único fica claro que: “Sobre pontos não esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar a inquirição”. Veja-se: sobre pontos não esclarecidos. Somente sobre estes é lícito ao magistrado complementar a inquirição. Tout court.
O segundo julgado que optou por ignorar texto jurídico foi prolatado em Questão de Ordem em Recurso Especial e enfrentava a questão dos pedidos de desistência de recursos já afetados para julgamentos pelo rito de recursos representativos de controvérsias (art. 543-C do CPC). Eis a ementa do julgado:
Processo civil. Questão de ordem. Incidente de Recurso Especial Repetitivo. Formulação de pedido de desistência no Recurso Especial representativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do CPC). Indeferimento do pedido de desistência recursal.
- É inviável o acolhimento de pedido de desistência recursal formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ.
Questão de ordem acolhida para indeferir o pedido de desistência formulado em Recurso Especial processado na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ. (STJ, QO no REsp 1.063.343/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 04/06/2009)
Indaga-se: o que fazer, então, com o texto do art. 501 do CPC, que afirma categoricamente que: “O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.”? Trata-se de outra “errata” à letra da lei, segundo a qual: “onde se lê: ‘a qualquer tempo’, leia-se: ‘a qualquer tempo, desde que não afetado o recurso a julgamento pelo rito do art. 543-C do CPC’.”? Isso é possível, ou mesmo desejável?
A Min. Rel., Nancy Andrighi, ao votar a Questão de Ordem, assim se manifestou:
Não se pode olvidar outra grave consequência do deferimento de pedido de desistência puro e simples com base no art. 501 do CPC, que é a inevitável necessidade de selecionar novo processo que apresente a idêntica questão de direito, de ouvir os amici curiae, as partes interessadas e o Ministério Público, oficiar a todos os Tribunais do país, e determinar nova suspensão, sendo certo que a repetição deste complexo procedimento pode vir a ser infinitamente frustrado em face de sucessivos e incontáveis pedidos de desistência. (Voto da Min. Nancy Andrighi na QO no REsp 1.063.343/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 04/06/2009, grifos do original)
Tem razão a Min. Rel. Trata-se de uma providência desgastante e até antipática, que deve merecer atenção do legislador e debate Parlamentar, ouvida à doutrina processualística, para que essa possível falha seja corrigida, de lege ferenda. Contudo, de lege lata, o art. 501 do CPC se impõe, e legem habemus! O pedido encontra amparo no art. 501 do CPC e isso é um ônus de vivermos em democracia: o Parlamento faz as leis e o Judiciário as faz cumprir. Não é tarefa do Judiciário criar leis, ainda que essa criação se dê de forma indireta, por meio da atribuição arbitrária de sentidos incompatíveis com o texto. Onde se lê “a qualquer tempo”, não se pode ler nada diferente de “a qualquer tempo”. A norma que extrai desse texto não pode ser diferente de permitir ao recorrente a desistência do recurso a qualquer tempo, tout court. É o que diz “a letra da lei” constitucionalmente válida.
Outra decisão, dessa vez do Tribunal Superior do Trabalho, também demonstra o pouco apego que nossos Tribunais superiores possuem ao texto normativo. Trata-se de recurso de revista interposto por empregador com fundamento no art. 896, “c”, da CLT, no qual alegava que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho violava literalmente dispositivo de lei federal (art. 2º e 818, da CLT, no que importa para os fins deste estudo), ao entender que a submissão do empregador à revista com detector de metais não era causa de dano moral.
Eis a ementa do julgado, no que interessa:
DANO MORAL. INSPEÇÃO COM DETECTOR DE METAIS
1. Os paradigmas cotejados são inespecíficos, nos termos da Súmula n.º 296 do TST, porque não analisam a questão relativa à ocorrência de dano moral pela inspeção mediante detector de metais.
2. O TRT não decidiu a questão com amparo na distribuição do ônus da prova, mas baseando-se na análise da prova produzida, motivo pelo qual não há como reconhecer violação do art. 818 da CLT. Ademais, conforme entendimento desta Corte, o que deve ser provado são os fatos que ensejam o dano moral e, não, a dor moral sofrida, pois tal prova não é possível.
3. O art. 2.º da CLT estabelece o poder diretivo do empregador, mas não dispõe especificamente sobre a questão em debate nos autos, sobre o possível dano moral causado por revistas diárias nos empregados mediante detector de metais, motivo pelo qual não há como reconhecer ofensa a seus termos.
4. Recurso de revista de que não se conhece.
DANO MORAL. INSPEÇÃO COM DETECTOR DE METAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO
Entende esta Corte Superior que a mera revista de bolsas e sacolas dos empregados, de forma impessoal e sem toques, não configura dano moral passível de indenização. No caso dos autos, ocorria apenas a inspeção dos trabalhadores com detector de metais, de forma uniforme e impessoal, sem toques no corpo do revistado. A indenização, no caso dos autos, somente não foi excluída da condenação porque o recurso de revista, no particular, não preencheu os pressupostos de admissibilidade estabelecidos no art. 896 da CLT. Assim sendo, ante os termos do art. 5.º, V, da Constituição Federal, e reconhecendo-se a desproporcionalidade da indenização em face dos fatos comprovados, é cabível sua redução de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para R$ 1.000,00 (mil reais). (TST, RR258600-03.2007.5.09.0004, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, Sexta Turma, DJe 14/02/2014)
Como a leitura do texto deixa claro, o TST não conheceu do recurso de revista, no ponto, mas, de ofício, procedeu à redução do valor da indenização, invocando norma paradigma que, além de inespecífica, sequer foi apontada como violada pela Recorrente e prequestionada no acórdão recorrido.
O que sobra, então, do art. 896, “c”, da CLT? Se o TST pode, a seu dispôr, adentrar no mérito de recurso que não conhece, de que valem os pressupostos de admissibilidade? Ao assim proceder, o TST criou uma nova modalidade de julgamento quanto à admissibilidade recursal: além de “conhecido” e “não conhecido”, tem-se agora o “conhecido-sem-conhecer”.
Veja-se, ainda, que o art. 5º, V, da CRFB, invocado pelo TST como violado, diz: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Em que sentido e em que medida esse dispositivo possuía relação com o caso em discussão? Até onde vai o grau de desprezo ao texto pelo nosso Judiciário?
Não há possibilidade, dentro de um Estado Democrático de Direito, de um tribunal deixar de aplicar a legislação atinente à admissibilidade de recursos e proferir uma decisão ad-hoc. E o quadro é ainda mais trágico quando o TST invoca, para cometer a inconstitucionalidade, a própria Constituição (e logo o art. 5º, locus privilegiado dos direitos fundamentais). Como esse comando possibilita se passar por cima de critérios de admissibilidade recursal? Seria uma espécie de “cláusula geral” a permitir ao TST que, sempre que “perceba uma injustiça”, passe por cima de todos os procedimentos estabelecidos validamente pelo legislador ordinário?
A vingar a decisão do TST, abrir-se-á espaço para uma espécie de institucionalização do decisionismo: não interessam mais os procedimentos e requisitos formais; sempre que o Tribunal entender que a decisão foi injusta, poderá modificá-la, ainda que sequer conheça do recurso intentado. A “justiça”, pois, sempre dependerá de atos individuais – o que, per se, já é antidemocrático[28].
No caso sob comento, o princípio que se retira do julgamento do TST (aquilo que a common law chama de holding) é que, sempre que o valor de indenização se mostrar abusivo, não importa se o recurso foi ou não admitido, o Tribunal pode alterá-lo. Em outras palavras: a partir desse julgado, quem for condenado a pagar determinado valor e o achar abusivo, pode reclamar ao TST, não importando se o recurso de revista reúne ou não os requisitos de admissibilidade.
O problema dessa orientação são seus efeitos colaterais – como diria o famoso Conselheiro Acácio, do livro “O Primo Basílio”, de Eça de Queiroz, “as consequências vêm sempre depois”.
Como funciona o controle de tal abusividade ou injustiça? Como medir, sem recorrer à subjetividade do juiz, se a indenização foi ou não abusiva ou injusta? Invocando agora o caput do art. 5º da CRFB, quando trata da isonomia e da igualdade: se o TST pode fazer isso nos casos de valor abusivo, pode fazê-lo em casos contrários, quando o valor for irrisório?
Há mais: a redução em 25 vezes (de R$ 25.000,00 para R$ 1.000,00) não configura também a violação do princípio da proporcionalidade (art. 944 do CC)? E por que 25 vezes? Por que não5, 10, 15, 20 vezes, apenas para ficar nos múltiplos de cinco? Há algum precedente nesse patamar? Se há, o acórdão do TST não o traz a baila Como fica, neste caso, a integridade do direito e o respeito aos precedentes?
É de bom tom lembrar que, em nenhum dos julgados acima estudados[29], o Tribunal alegou que os textos ignorados (arts. 212 do CPP, 501 do CPC e 896, “c”, da CLT) padecessem de algum tipo de ilegalidade ou inconstitucionalidade. Jamais se disse que tais textos seriam inválidos ou se lançou mão da jurisdição constitucional para combatê-los. Não! Simplesmente se decidiu ignorá-los, seja atribuindo-lhes sentidos semanticamente incompatíveis (no caso do art. 212 do CPP), seja arbitrariamente criando exceções não cogitadas (no caso do art. 501 do CPC), seja afastando, de forma arbitrária, sua incidência (no caso do art. 896, “c”, da CLT), tudo a fim de fazer prevalecer a solução que o Tribunal considerava mais justa e adequada ao caso.
Em nome de quê é possível que o Judiciário ignore, atropele ou aja com descaso a uma legislação aprovada democraticamente e válida do ponto de vista constitucional? É possível que se negue aplicação a um comando jurídico sem se utilizar da jurisdição constitucional ou da resolução de antinomias para tanto?
... chega-se a conclusão de que se está diante simplesmente do dever – inerente ao Estado Democrático de Direito – de cumprir a lei (constitucional), pois este, como se sabe, é um dos preços impostos pelo direito e, sobretudo, pela democracia! E, permito-me insistir: por vezes, cumprir a “letra da lei” é um avanço considerável. Lutamos tanto pela democracia e por leis mais democráticas...! Quando elas são aprovadas, segui-las à risca é nosso dever. Levemos o texto jurídico a sério, pois! (STRECK, 2010, p. 170)
O STJ e o TST, ao transformarem o que o direito é naquilo que ele gostaria que o direito fosse, demonstram postura antidemocrática (pois ignoram as normas jurídicas advindas do Parlamento, o órgão constitucionalmente encarregado de criá-las) e agem com odioso decisionismo, que inclusive vai além daquele visto em Hans Kelsen (pois sequer as “molduras semânticas” são respeitadas, já que as decisões acima vistas são incompatíveis com o próprio texto dos comandos) e em Herbert Hart (eis que as regras dos arts. 212 do CPP, 501 do CPC e 896, “c”, da CLT, são suficientemente claras para não se enquadrarem no conceito de “zona de penumbra” por ele criada, tratando-se, pois, de easy cases).
Trata-se de posturas perigosas para a democracia. Aos juízes não é dado o poder de transformar os textos aprovados pelo legislador em normas com sentido atribuído arbitrariamente por eles próprios, os juízes. Não é lícito a eles subtrair algo que o texto diz (como o ocorrido com o parágrafo único do art. 212 do CPP, manifestamente querido pelo Parlamento), adicionar algo que o texto não diz (como a exceção adstrita ao art. 501 do CPC, sequer cogitada pelo legislador) ou afastar aquilo que ele ordena (como os pressupostos de admissibilidade previstos no art. 896, “c”, da CLT).
Diga-se que a postura agora defendida não tem nada de “positivista” e nem se quer proibir o juiz de interpretar (o que seria absurdamente contraditório, pois as críticas que ora se fazem são todas de cunho eminentemente hermenêutico). O que se quer dizer é que não é dado ao hermeneuta, sob o manto da interpretação, agir como Humpty Dumpty e fazer com que as palavras signifiquem o que ele quer que signifiquem. Os sentidos não estão à disposição do intérprete, seja em razão dos limites semânticos, seja em razão da integridade do Direito.
Obedecer “à risca o texto da lei” democraticamente construído (já superada a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver com a “exegese” à moda antiga (positivismo primitivo). No primeiro caso, a moral ficava de fora; agora, no Estado Democrático de Direito, ela é co-originária. Portanto [...], estamos falando, hoje, de uma outra legalidade, uma legalidade constituída a partir dos princípios que são o marco da história institucional do direito; uma legalidade, enfim, que se forma no horizonte daquilo que foi, prospectivamente, estabelecido pelo texto constitucional. (STRECK, 2010, p. 170)
Seguir a “letra da lei” não é uma atitude positivista. Em um regime democrático, seguir à risca o texto da lei (parafraseando Lenio Streck) é um avanço considerável, pois demonstra a primazia da lei sobre a discricionariedade dos juízes, que a pretexto de não serem meros “exegetas” ou “boca da lei”, acabam por criar o direito com base em seus sentimentos, opiniões e valores pessoais.
... é positivista tanto aquele que diz que texto e norma (ou vigência e validade) são a mesma coisa, como aquele que diz que “texto e norma estão descolados” (no caso, as posturas axiologistas, realistas, pragmaticistas, etc.). [...] Ou seja: apegar-se à letra da lei pode ser uma atitude positivista ou pode não ser. Do mesmo modo, não apegar-se à letra da lei pode caracterizar uma atitude positivista ou antipositivista. Por vezes, “trabalhar” com princípios [...] pode representar uma atitude (deveras) positivista. (STRECK, 2010, p. 170-171)
Em verdade, ignorar dispositivos legais sem lançar mão da jurisdição constitucional é, não só, repisar o positivismo irracional da aplicação do Direito na Teoria Pura de Hans Kelsen e render homenagens à discricionariedade judicial de Herbert Hart, quanto insistir no pior fruto deixado pelo positivismo: o decisionismo e todo o deficit democrático que advém de juízes que podem criar o direito como quiserem, com base unicamente em “suas consciências” e sem qualquer tipo de accountability, sujeitos que são apenas ao “tribunal da razão”.
Decisões judiciais podem – e devem, cada vez mais – ser objeto de controle hermenêutico pelas partes, pelos juristas (especialmente a doutrina) e pela sociedade em geral. Não podemos cumprir a lei só quando nos interessa. O acentuado grau de autonomia alcançado pelo direito e o respeito à produção democrática das normas faz com que se possa afirmar que o Judiciário somente pode deixar de aplicar um texto (e, obviamente, sua norma) quando lançar mão da jurisdição constitucional ou for o caso de resolução de antinomias.
Fora desses casos, cumprir a “letra da lei” é o que se espera de um juiz que respeita a democracia. Essas são as regras do jogo impostas pela tradição iniciada com a Constituição de 1988, se quisermos um Direito íntegro e um Judiciário que esteja sujeito a parâmetros decisórios minimamente racionais e democráticos.
6 Conclusão.
A diferença ontológica entre texto e norma, advinda da hermenêutica filosófica e da dimensão normativa dos princípios demonstrada por Ronald Dworkin, impossibilita a existência autônoma do texto e da norma: um não pode subsistir sem o outro.
Por isso, afirmar que a norma é o produto da interpretação do texto não significa que o intérprete pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”, atribuindo sentidos de forma arbitrária ao texto, como se norma e texto estivessem separados. A norma não pode superar o texto.
O Judiciário não pode, assim, ignorar os textos legais a seu bel-prazer, seja atribuindo-lhes sentidos semanticamente incompatíveis, seja arbitrariamente criando exceções não cogitadas, seja subtraindo algo que o texto diz ou ainda adicionando algo que o texto não diz. Os textos não dizem aquilo que os intérpretes querem que eles digam, pois não são dotados de “grau zero” de sentido: a interpretação encontra limites semânticos e na tradição do Direito, importantíssimo elemento de sua integridade.
Seguir a “letra da lei”, pois, longe de significar uma postura positivista superada pela “era dos princípios”, é uma imposição de seu caráter deontológico, que cada vez mais estreita o horizonte hermenêutico à disposição do intérprete. Ao Judiciário só é lícito afastar a aplicação de um comando jurídico e não seguir seu texto quando for o caso de lançar mão da jurisdição constitucional ou de resolução de antinomias, sob pena de um decisionismo ainda mais descontrolado e antidemocrático que aqueles vistos em Hans Kelsen e Herbert Hart.
Espera-se, então, que os parlamentares democraticamente eleitos produzam os comandos jurídicos constitucionalmente válidos e que o Judiciário os siga integralmente. Assim, ganha a democracia e a integridade do Direito.
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[1] Tradução livre: “Palavra e coisa jaziam juntas; tinham a mesma temperatura, a coisa e a palavra.”.
[2] Vê-se, pois, que não obstante passado quase um século da Teoria Pura de Kelsen, ainda hoje grande parte de nossos juristas pensa que, para ele, o juiz deveria fazer uma “interpretação pura da letra da lei”.
[3] Portanto, difere de Kelsen, eis que esse propõe a existência de uma “moldura” pré-determinada, delimitando de forma prévia o campo de interpretação da norma jurídica a partir dos conteúdos semânticos, enquanto aquele reconhece que a “liberdade de criar o direito novo está limitada pelo direito preexistente” (HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 2 ed. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1994, p. 174), ou seja, às pautas de comportamento já existentes no ordenamento jurídico como um todo.
[4] É nesse quadro que caminha o art. 4º da LINDB e o art. 126 do CPC, ao ordenar que o juiz recorra aos vetustos “princípios gerais de direito” para resolver “casos difíceis” (não previstos pelas regras), a reforçar o caráter discricionário dos juízes. Sobre o tema, cf., por todos, STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 149 e ss.
[5] “Positivism, I shall argue, is a model of and for a system of rules, and its central notion of a single fundamental test for law force us to miss the important roles of these standards that are not rules.” (DWORKIN, Talking Rights Seriously, Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 22).
[6] Dworkin também distingue entre “princípios” e “política”: “I call a ‘policy’ that kind of standard that sets outs a goal to be reached, generally an improvement in some economic, political, or social feature of the community […]. I call a ‘principle’ a standard that is to be observed, not because it will advance or secure an economic, political, or social situation seemed desirable, but because it is a requirement of justice or fairness or some other dimension of morality (Talking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 22, 82-84).
[7] Nas palavras de Robert Alexy: “...Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas.” (Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 87).
[8] Para maior aprofundamento nas diversas relações entre texto e norma, cf. ALEXY, Teoria, op. cit. 2011, p. 50-84; BOROWSKI, Martin. La restricción de los derechos fundamentales. Revista Española de Derecho Constitucional, Madrid, año 20, n. 59, p. 29-56, mayo-agosto 2000, p. 35-36; MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann. 4 ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 54-67; ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. rev. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, p. 22-23.
[9] Lenio Streck apresenta uma pequena lista de modos pelos quais esse “paradigma da subjetividade”, que coloca a consciência ou convicção pessoal do julgador como norteador de sua atividade, adentra no cenário jurídico: “a) interpretação como ato de vontade do juiz ou no adágio ‘sentença como sentire’; b) interpretação como fruto da subjetividade judicial; c) interpretação como produto da consciência do julgador; d) crença de que o juiz deve fazer a ‘ponderação de valores’ a partir de seus ‘valores’; e) razoabilidade e/ou proporcionalidade como ato voluntarista do julgador; f) crença de que ‘os casos difíceis se resolvem discricionariamente’; g) cisão estrutural entre regras e princípios, em que estes proporciona(ria)m uma ‘abertura de sentido’ que deverá ser preenchida e/ou produzida pelo intérprete.” (O que é isto – decido conforme minha consciência? 4 ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 33).
[10] “...a obtenção da norma individual no processo de aplicação da lei é, na medida em que nesse processo seja preenchida a moldura da norma geral, uma função voluntária [...] a produção do ato jurídico dentro da moldura da norma jurídica aplicanda é livre, isto é, realiza-se segundo a livre apreciação do órgão chamado a produzir o ato [...] na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 249).
[11] Cf., por todos, CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 272 e ss.
[12] “... a sentença é um ato de vontade de juiz como órgão do Estado...” (TST, EDRR 6443/89, DJU 15/02/1991); “Sentença é um ato de vontade, de inteligência, experiência do juiz.” (TJ/DFT, ACJ 287763620038070001, DJU 28/04/2004), p.ex.
[13] Ernane Fidélis dos Santos chega ao cúmulo de sustentar que: “No exercício da jurisdição, o juiz é soberano. Não há nada que a ele se sobreponha. Nem a própria lei...” (Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12, grifos ausentes no original).
[14] Humpty Dumpty, Azdak e Ângelo têm, todos, traços em comum: o autoritarismo e o decisionismo. São, todos eles, personagens que têm o poder de dizer/decidir algo e o fazem sem qualquer critério: apenas decidem a seu bel prazer.
[15] Assim como o Direito não é aquilo que os Tribunais dizem que ele é.
[16] E assim já ironizava a célebre carta escrita pelo Justice Story, endereçada a Greenleaf, em 1845: “It is astonishing how easily men satisfy themselves that the Constitution is exactly what they wish it to be.”.
[17] Como disse o Justice Kennedy: “The hard fact is that sometimes we must make decisions we do not like. We make them because they are right, right in the sense that the law and the Constitution, as we see them, compel the result. And so great is our commitment to the process that, except in the rare case, we do not pause to express distaste for the result, perhaps for fear of undermining a valued principle that dictates the decision.” (Texas v. Johnson, 491 U.S. 397; 109 S.Ct. 2533; 105 L.Ed.2d 342 (1989).
[18] Entendemos que é necessário explicar o que queremos dizer com “o valor é externo ao texto”, a fim de não sermos mal interpretados. De certa forma, todos os significados são externos ao texto: ao se escrever um conjunto de letras em um papel, pressupõe-se que os leitores saibam o seu significado, a fim de que possam decifrar o código linguístico usado. Um texto escrito em italiano nada significa para quem não sabe a língua. É preciso que o leitor tenha um conhecimento mínimo dos significados dos códigos. Partindo da premissa de que a Constituição é um texto, todas as concepções necessárias para dar sentido a qualquer tipo de texto naturalmente a ela se aplicam.
[19] Os personagens citados são os protagonistas de uma das mais formidáveis séries televisivas já escritas: Terminator: The Sarah Connor Chronicles.
[20] Embora não desconheçamos que aquilo que é considerado “arbitrário” também seja, por si só, uma questão cultural. Houve um tempo em que as regras de interrogatório do Malleus Maleficarum e do Directorium Inquisitorum eram tidas por normais e procedentes (e, na verdade, ainda hoje parecem ser para grande parte de nossa doutrina, jurisprudência e população). A instrução e julgamento das bruxas de Salem também foram considerados “justos” pela população e julgadores estadunidense, e somente no ano de 2004 a Igreja Católica, por meio do Papai João Paulo II, pediu perdão pelas atrocidades cometidas por Tomás de Torquemada e outros inquisidores. O “arbitrário”, aqui, então, deve ser entendido de acordo com a tradição jurídica, elemento importante da integridade do Direito pregada por Ronald Dworkin, como se falará infra.
[21] E é interessante notar, neste ponto, que essa não é uma observação percebida apenas por operadores do Direito; ela já faz parte da cultura popular. Conhecida anedota comprova tal observação: “Estava Moisés lendo a seu povo os Dez Mandamentos: ‘Nono Mandamento: Não desejar a mulher do próximo.’. De imediato se faz ouvir o protesto generalizado do povo. Moisés explica: ‘Isto é o que diz a lei. Esperemos para ver o que diz a jurisprudência!’.”. Jornalistas e jornaleiros, pois, já têm noção de que o texto da lei foi relegado a segundo plano pelo Judiciário.
[22] Na verdade, Ronald Dworkin defendia uma “teoria material forte” dos Direitos Fundamentais, onde haveria apenas uma única resposta correta para cada problema jurídico (cf. Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 105-130; Justiça para Ouriços. Trad. Pedro Elói Duarte. Coimbra: Almedina, 2012, p. 131-195. Sustentava o autor americano que seria possível uma teoria do direito que conteria os princípios e seus pesos relativos (Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 66) que justificariam da melhor forma os precedentes e as normas positivas (Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 116-117), sobre cuja base haveria uma única resposta para cada caso (Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 81). Contudo, entendo que os princípios conduzem apenas a uma estruturação da argumentação baseada em princípios, mas não em uma ordem rígida, que determine apenas uma resposta certa em cada caso, e sim em uma possibilidade de relações concretas de precedência, que expressem os pesos relativos dos princípios em determinados casos ou grupo de casos. Caso pretendamos atingir o máximo de rigidez, a teoria terá de conter uma relação concreta de precedência para todos os casos possíveis e imagináveis. Não é difícil perceber que uma teoria tão pretensiosa quanto essa está fadada ao fracasso. O próprio Dworkin reconhece que o trabalho de uma vida inteira não seria bastante sequer para o começo de tal teoria (Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 66). Os próprios limites da imaginação humana indicam que não é possível a elaboração de uma lista tão completa. Além do mais, as regras contidas em tal lista dificilmente contariam com a aprovação geral. Por fim, e talvez esse seja o ponto mais importante, as respostas contidas em tal lista necessitam de uma fundamentação, o que nos leva de volta ao problema de uma teoria material dos direitos fundamentais, o qual a lista deveria ser um meio de resolver.
[23] Como disse Rodolfo Bettiol, ao atualizar a obra de seu pai, o ilustre jurista Giuseppe Bettiol, quando tratou do princípio do “livre convencimento”: “...foi entendido como intuição do juiz, até chegar a ser concebido como liberdade do juiz dos impedimentos processuais, rectius (mais direitos) pelas regras do proceder. É evidente sob este perfil a extrema periculosidade do princípio que deixa aberta a porta a toda espécie de abuso. […] o livre convencimento do juiz pode dar azo a toda espécie de arbítrio. Demasiadamente humano e fácil é confiar nas próprias intuições, na realidade dos próprios fantasmas e das próprias idiossincrasias. Também é fácil entender quanta possibilidade haja também de um consciente abuso do princípio para fins declaradamente políticos.” (Instituições de Direito e Processo Penal.Trad. Amilcare Carletti. São Paulo: Pilares, 2008, p. 170).
[24] A noção de integridade no Direito, cunhada por Dworkin, tem várias dimensões. Em primeiro lugar, exige que a decisão judicial deva ser uma questão de princípio, não de conciliação, estratégia ou acordo político (ou seja, exige que a questão jurídica encontre resposta dentro do próprio Direito e seus princípios, e não seja decidida com base em fatores externos, como a política, moral, economia, religião, etc.). Segundamente, a integridade se afirma de maneira vertical: ao afirmar que uma liberdade é fundamental, o juiz deve demonstrar que o afirmado é compatível com os princípios embutidos em precedentes da Corte Constitucional e com as estruturas principais da disposição constitucional (ou seja, o direito deve possuir tradição, uma espécie de “DNA”: é da reconstrução da história institucional e do revolvimento do chão linguístico que sustenta a tradição que exsurgirá a resposta). Terceiro, a integridade também se afirma horizontalmente: um juiz que adota um princípio em um caso deve atribuir-lhe importância integral nos outros casos que decide ou endossa, mesmo em esferas do direito aparentemente não análogas (ou seja, o juiz não pode ser como Azdak ou Ângelo, decidindo de forma contrária casos em que os mesmos princípios estavam envolvidos: reconhecendo a importância de um princípio como ratio decidendi de um caso, deve aplicar o mesmo princípio, da mesma forma, em todos os demais casos no qual esse princípio se aplica, eis que a previsibilidade das decisões é um dos fatores mais importantes da segurança jurídica). Cf., acerca das mencionadas dimensões da integridade, DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 204-205. A noção de integridade é fundamental ao entendimento da teoria criada por Dworkin, e foi tratada com detalhes em sua magnífica obra Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 1986, passim. É certo que nem mesmo a mais escrupulosa atenção à integridade, por todos os juristas, produzirá sentenças uniformes ou decisões que gozem de aceitação geral. O ponto central da integridade é o princípio, não a uniformidade: ela existe para assegurar que sejam governados não por uma lista ad hoc de regras detalhadas, mas por um ideal (DWORKIN, Domínio, op. cit., 2003, p. 204-205).
[25] O que nem de longe é novidade, pois já era denunciado por Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 245 e ss.).
[26] E isto é uma constatação tão antiga que, já em 1768, Sir William Blackstone, em seus inesquecíveis Comentários às Leis da Inglaterra, advertia que a lei: “…it is not in the breast of any subsequent judge to alter or vary from, according to his private sentiments: he being sworn to determine, not according to his own private judgment, but according to the known laws and customs of the land; not delegated to pronounce a new law, but to maintain and expound the old one.” (Commentaries on the Laws of England. Livro I. 3 ed. Oxford: Clarendon Press, 1768, p. 69). Não por outro motivo o influente autor inglês demonstrava os perigos de um juiz que se arvora legislador: “...the life, liberty, and property, of the subject would be in the hands of arbitrary judges, whose decisions would be then regulated only by their own opinions, and not by any fundamental principles of law -, which, […] judges are bound to observe.” (Commentaries, op. cit., 1768, p. 269, grifos ausentes no original).
[27] “La denominación de «formales» en contraposición a principios materiales no debe conducir al error de creer que existe una diferencia en su estructura. La colisión de principios formales y materiales tiene la misma estructura de la colisión de diversos principios materiales.” (BOROWSKI, La restricción, op. cit., 2000, p. 48).
[28] Em verdade, mais que atos individuais, depender-se-á de atos “bondosos” dos julgadores para conosco, e, como diz Agostinho Ramalho Marques Neto, “quem nos protege da bondade dos bons?” (MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. Revista ANAMATRA, São Paulo, n. 21, 1994, p. 50). Porque a bondade para um pode ser a maldade para o outro, e vice-versa. No caso, a “bondade” do TST para o empregador foi a “maldade” para o empregado.
[29] O leitor mais atento deve sentir a ausência, no texto, da decisão do STF quando do julgamento da Rcl 4335-5/AC, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 20/03/2014, na qual o Tribunal criou um novo texto para o art. 52, X, da Constituição de 1988, como abertamente admitiram os Min. Gilmar Mendes (“poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto”, grifos do original) e o Min. Eros Grau (“Note-se bem que S. Excia. não se limita a interpretar um texto, a partir dele produzindo a norma que lhe corresponde, porém avança até o ponto de propor a substituição de um texto normativo por outro. […] Aqui passamos em verdade de um texto [compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal] a outro texto [compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo].”, negritos ausentes no original). Contudo, embora este autor concorde que a medida adotada pelo STF foi, de fato, inconstitucional e antidemocrática, por ignorar o texto de comando criado pelo constituinte – “originário”, diga-se – e com longa tradição em nosso Direito (art. 91, IV, da Constituição de 1934; art. 64 da Constituição de 1946; e art. 42, VII, da Constituição de 1967/69), além de ignorar a diferença ontológica entre texto e norma, a análise de tal decisão envolveria a abordagem da denominada “mutação constitucional”, a qual foge ao escopo deste trabalho e exige estudo próprio.
Mestrando em Criminal Justice pela California Coast University. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Professor das Escolas Atualizar Saúde e Protetiva Saúde. Autor de obra doutrinária e artigos jurídicos publicados em periódicos especializados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. Texto, Norma e Decisão: Porque não se pode "falar qualquer coisa sobre qualquer coisa" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39470/texto-norma-e-decisao-porque-nao-se-pode-quot-falar-qualquer-coisa-sobre-qualquer-coisa-quot. Acesso em: 26 nov 2024.
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