Resumo: O artigo aponta, com fundamento na teoria dos princípios de Robert Alexy e Ronald Dworkin, o equívoco de interpretação da jurisprudência da justiça do Trabalho que vem decidindo pela extinção das execuções fiscais ajuizadas em face de pessoas jurídicas em fase de recuperação judicial em razão do princípio da preservação da empresa, não obstante o disposto no artigo 6º, § 7º da Lei 11.101/05 que prescreve a impossibilidade de suspensão daqueles processos no caso de falência ou recuperação judicial.
Palavras-chave: Execução Fiscal; Recuperação Judicial; Conflito de Normas; Princípios; Ponderação, Interpretação;
Abstract: The article points out, based on the theory of the principles of Robert Alexy and Ronald Dworkin, the misguided interpretation of the jurisprudence of Justice Labour deciding that comes the extinction of foreclosures filed in the face of legal entities under bankruptcy protection due the principle of the preservation of the company, notwithstanding the provisions of Article 6, § 7 of Law 11.101/05, which prescribes the inability to suspend such proceedings in bankruptcy or reorganization.
Keywords: Tax Enforcement; Reorganization; Conflict of Norms; Principles; Weighting, Interpretation;
Sumário: Introdução. 1.Do Positivismo ao Pós-Positivismo. Da Subsunção à Ponderação. 2. A Teoria dos Princípios de Robert Alexy e Ronald Dorkin. 3. Da Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região em Confronto com a Teoria dos Princípios de Robert Alexy. 4. Da Decisão Proferida no AP 00287.2009.056.23.00-3 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região em Confronto com a Teoria dos Princípios de Ronald Dworkin. 5. Nossa Posição Sobre o Tema. 6. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
A realização da cobrança da dívida ativa da União, em razão da imensa gama de créditos afetos à sua competência, já que os mesmos não se restringem aos de natureza tributária, é manejada perante a justiça comum federal e estadual, esta em exercício da competência delegada, e nas justiças especilizadas do trabalho e eleitoral, havendo a incidência de vários diplomas legais, não sendo incomum o conflito de normas e a diversidade de interpretações pelos diversos tribunais do país acerca de um mesmo tema.
Na justiça do trabalho, compete à Procuradoria da Fazenda Nacional, além das custas processuais oriundas das reclamações trabalhistas, a execução das multas decorrentes de infração à legislação laboral. No âmbito da referida jurisdição, não só a Procuradoria da Fazenda Nacional, mas a União, representada também pela Advocacia Geral da União e a Procuradoria Geral Federal, tem se deparado com um problema grave referente à cobrança de créditos trabalhistas de pessoas juridicas que se encontram em procedimento de recuperação judicial.
Ao interpretar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no conflito de competência 61.272/RJ, não só a primeira instância, mas também os Tribunais Regionais do Trabalho tem entendido que, mesmo diante do disposto no artigo 6º, § 7º da Lei 11.101/05 que impede a suspensão das execuções fiscais, não haveria como prosseguir em tal cobrança sem atingir o patrimônio da devedora ou excluir parte dele do processo de recuperação judicial, o que afetaria o princípio da preservação da empresa, razão pela qual tem se declarado a extinção das execuções fiscais ajuizadas em face de pessoas jurídicas em fase de recuperação judicial, determinando a habilitação dos créditos da União naquele juizo comum. Veja-se um trecho do aresto:
“Ocorre que, conforme precedente do col. STJ, mesmo que a execução persista nesta Especializada não poderão ser praticados atos que comprometam o patrimônio do devedor ou excluam bens da recuperação judicial, restando inviabilizada a penhora e a alienação de bens na execução em trâmite nesta Especializada, restando praticamente esvaziada sua competência para executar o devedor em recuperação extrajudicial. Nesse sentido: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. A regra é a de que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor (Lei nº 11.101/2005, art. 6º, caput). Excepcionalmente prosseguem : a) no juízo no qual se estiver processando a ação (e não no juízo da recuperação ou no juízo falimentar) a ação que demandar quantia ilíquida (art. 6º, § 1º); b) no juízo trabalhista, a ação trabalhista até a apuração do respectivo crédito (art. 6º, § 2º); c) as execuções de natureza fiscal (art. 6º, § 7º) . Nenhuma outra ação prosseguirá depois da decretação da falência ou do deferimento do processamento da recuperação judicial, vedado ao juiz, naquelas que prosseguem, a prática de atos que comprometam o patrimônio do devedor ou que excluam parte dele do processo de falência ou de recuperação judicial.’(destaquei)(CC nº 61.272/RJ, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 19.04.2007). Diante de tal contexto, a melhor solução é, deveras, a emissão de certidão de habilitação de crédito para que devedor se habilite perante o juízo cível da recuperação judicial, extinguindo-se a presente execução”
Tal entendimento, além de configurar uma grave violação ao ordenamento jurídico, em razão de uma interpretação equivocada dos enunciados normativos incidentes na hipótese, produz consequências devastadoras ao direito da União de ver satisfeitos os seus créditos fiscais.
Assim, o objetivo desse trabalho será demonstrar o desacerto das decisões proferidas pela justiça do trabalho, à luz da teoria dos princípios de Robert Alexy e Ronald Dworkin, expondo ao final a nossa posição.
1 - DO POSITIVISMO AO PÓS-POSITIVISMO. DA SUBSUNÇÃO À PONDERAÇÃO
No século XIX até o início do século XX, a teoria jurídica predominante era o positivismo jurídico, em que o direito era concebido como uma ciência alheia a conhecimentos como a sociologia e a psicologia ou mesmo de proposições éticas e religiosas. O direito era exclusivamente estatal e sua validade independia de qualquer conteúdo, sendo ela decorrente da observância dos procedimentos previstos para sua criação. O ordenamento jurídico é idealizado como uma estrutura completa, indene de lacunas, contendo, portanto, todos as previsões normativas para solução dos casos concretos. Atribui-se ao complexo normativo um caráter objetivo, fundamentado na distinção entre o sujeito e o objeto, com a finalidade de preservá-lo de concepções subjetivas de cada intérprete.
No âmbito do positivismo jurídico, a interpretação do direito consistia em uma operação lógico-formal, denominada subsunção, em que a atividade do hermeneuta era restrita à verificação de adequação dos fatos à norma geral e abstrata, sendo aquele considerado a premissa menor e a hipótese prevista na lei, a premissa maior, sendo a consequência a síntese do silogismo.
Esse formalismo legalista vigorava em um momento histórico do constitucionalismo moderno em que o princípio da separação dos órgãos do poder era concebido de forma rígida. O legislativo era compreendido como a entidade de proteção da Constituição, já que o Judiciário era visto como corrupto e representava uma ameaça aos ideais do liberalismo-burguês de legalidade e segurança jurídica como formas de garantia da liberdade individual.
O Código de Napoleão na França constituiu uma das maiores expressões desse pensamento, que pretendeu disciplinar todas as hipóteses levadas à seara judicial. A tarefa do juiz era simplesmente aplicar o direito previsto nos textos legais, não lhes sendo permitido qualquer tipo de inovação no ordenamento jurídico. A interpretação do direito constitui um ato de conhecimento, não de vontade.
Ao longo da história, no entanto, vários fatores contribuiram para a superação da teoria positivista. Com o advento do Estado Social, a intervenção do Estado na área social é ampliada, gerando, consequentemente, um aumento na produção legislativa. O princípio da separação dos órgãos do poder já não pode mais ser visto de forma tão rígida. Não se concebe mais o juiz como uma figura autômata, cuja atividade se restringe à tarefa mecânica de verificar a adequação dos fatos à norma legal.
A violação de direitos fundamentais e a prática da barbárie na Itália pelo facismo e na Alemanha pelo nazismo, perpetrados sob o manto da legalidade colocaram em cheque a legitimidade da teoria positivista. Fazia-se necessária uma tutela efetiva dos direitos fundamentais.
Após o declínio do positivismo jurídico formou-se um movimento de aproximação entre o direito e a ética, baseados na justiça e na legitimidade. No entanto, a pretensão não era resgatar o jusnaturalismo apoiado em elementos abstratos e metafisicos. Buscava-se um retorno dos valores existentes em uma sociedade num dado momento histórico que passam a ser abrigados nos princípios, previstos de forma explícita ou implícita na Constituição. Os princípios deixam de ser concebidos como um mero postulado de justiça ou como uma forma de integração do direito para serem reconhecidos como uma nova espécie normativa, ao lado das regras.
Paulatinamente, as constituições deixam de ser uma mera proclamação política para serem reconhecidas como uma norma jurídica dotada de supremacia a disciplinar a legislação ordinária, passando a ser invocada pelo Poder Judiciário para solução dos casos concretos. Nascem os mecanismos de controle de constitucionalidade e com eles a criação de uma autêntica jurisdição constitucional. A insuficiência do Estado prestador de bens e serviços em promover o progresso e a justiça social, entre outros fatores, acarreta a mudança de paradigma para o modelo neoliberal. A liberdade e a igualdade deixam de ser a referência no novo regime.
Na filosofia, supera-se a concepção do conhecimento de que as coisas possuiam um significado em si mesmas, as quais eram representadas pelas palavras, cabendo ao intérprete apenas a tarefa de externar o conteúdo já existente no texto. Emerge a tese denominada “giro linguístico”, segundo a qual, as palavras não estão intrinsecamente ligadas aos objetos por ela representados, como se o significado destes fosse algo inerente a cada qual, pois é o homem quem atribui sentido às coisas, relacionando-as a cada palavra, de acordo com o que foi convencionado pela linguagem.
Assim, a interpretação deixa de ser um processo de investigação de algo posto, evoluindo para uma atividade de construção pelo hermeneuta, pelo qual este atribui significado aos termos previstos no texto legal de acordo com o universo de sua linguagem. Passa-se a admitir que a aplicação do direito não configura apenas um ato de revelação do sentido da norma pré-existente, mas um ato de escolha de uma, entre as várias possibilidades que se apresentam.
A ponderação, apesar das críticas de uma parte da doutrina, sobressai como a principal forma de interpretação antiformalista e de resolução dos casos difíceis. Busca-se agora a melhor solução para o caso concreto. Já não mais se admite a crença de que as leis possuem sentido uníco e que elas apresentam somente uma solução para o caso concreto.
2 - A TEORIA DOS PRINCÍPIOS DE ROBERT ALEXY E RONALD DWORKIN
Para Robert Alexy, os princípios seriam mandados de otimização, pois seriam o aplicados na maior medida do possível, de acordo com a realidade fática e jurídica do caso concreto. A referida espécie normativa implica, portanto, uma incidência gradual decorrente da evidência do princípio contraposto na situação hipotética, o que não ocorre com as regras, que são mandados definitivos, pois elas são aplicáveis de forma integral ou são completamente afastadas no caso concreto.
Para o autor, a prevalência de um princípio sobre o outro não se dá de acordo com as peculiaridades da situação fática, mas de acordo com uma preponderância em abstrato no ordenamento jurídico. Além disso, a aplicação dos princípios em um caso concreto deve se dar conforme um Ótimo de Pareto em que se busca extrair o máximo das potencialidades de cada qual, incidindo, portanto, de forma simultânea em proporções diversas e variáveis.
Afirma ainda o autor alemão que o conflito entre os princípios se resolve através da técnica da ponderação, diferentemente das regras cujo método de aplicação é a subsunção, já delineada acima, já que a referida espécie normativa regula por si própria a sua aplicação, não sendo necessária uma argumentação jurídica por parte do intérprete.
A ponderação é realizada com base na aplicação do princípio da proporcionalidade que abrange os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A primeira fase da ponderação consiste em verificar quais as normas em conflito incidiriam no caso concreto. Após, cumpre analisar de acordo com o subprincípio da adequação se a restrição ao bem jurídico tutelado por uma das normas jurídicas contribui para a promoção daquele protegido pela norma contraposta[1]. Se não for, conclui-se que o ato seria ilegal ou o princípio que contém o bem jurídico que se pretende proteger não pode prevalecer. Ao contrário, passa-se ao exame da necessidade.
Pelo sub-princípio da necessidade, a solução proposta pelo intérprete deve acarretar a menor restrição possível a um dos princípios envolvidos no conflito em benefício daquele que se pretende tutelar. Verificada a existência de medida mais suave que restrinja em menor intensidade um dos princípios, concluir-se-á pela invalidade da solução proposta pelo intérprete. Por outro lado, não havendo outra alternativa, senão a restrição de um dos bens jurídicos em conflito, passa-se à análise da proporcionalidade em sentido estrito que consiste, basicamente em verificar se a restrição de um dos bens jurídicos é justificada pelo maior benefício.
Para Ronald Dworkin, os princípios não seriam um conjunto de valores adotados por cada intérprete e escalonados segundo a sua prevalência em abstrato, pois parte o autor norte-americano da idéia de uma integridade do direito, segundo a qual o ordenamento jurídico seria uma unidade, razão pela qual não haveria um conflito de normas, mas sim uma concorrência de princípios, que seria resolvida somente no caso concreto, pela escolha de um deles, através de uma argumentação jurídica que visa manter a coerência e a integridade do sistema.
Feita essa breve exposição acerca da evolução dos paradigmas jurídicos e da interpretação do direito, bem como dos aspectos essenciais da teoria dos princípios de Robert Alexy e Ronald Dworkin, passaremos agora a confrontar o entendimento adotado pela justiça do trabalho com aqueles elementos.
3 - DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO EM CONFRONTO COM A TEORIA DOS PRINCÍPIOS DE ROBERT ALEXY
A decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região no Agravo de petição de nº 00287.2009.056.23.00-3 traz à tona o confronto entre o princípio da preservação da empresa previsto no artigo 47 da Lei 11.101/05 e a regra prevista no parágrafo 7º, artigo 6º do mesmo diploma legal que veda a suspensão das execuções fiscais ajuizadas em face de empresas em face de recuperação judicial, para dar prevalência à primeira norma e julgar extinta a execução fiscal.Veja-se os dispositivos:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
[...]
§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
Há, dessa forma, uma concorrência entre um princípio e uma regra. De início, cabe asseverar que a ponderação não se restringe as normas constitucionais, podendo ser perfeitamente aplicada no âmbito infraconstitucional. No entanto, a própria distinção entre regras e princípios formulada por Robert Alexy impediria o uso da ponderação, já que aquela primeira espécie normativa seria aplicável através da subsunção, pois as regras encerrariam um comando definitivo, não sendo possível qualquer mediação do intérprete.
O professor Humberto Ávila, em artigo publicado sobre a matéria[2], acerca do conflito entre uma regra e um princípio constitucional, afirmou que:
“No caso de regras constitucionais, os princípios não podem ter o condão de afastar as regras imediatamente aplicáveis situadas no mesmo plano. Isso porque as regras têm a função, precisamente, de resolver um conflito, conhecido, ou antecipável, entre razões pelo Poder Legislativo, ordinário ou constituinte, funcionando suas razões (autoritativas) como razões que bloqueiam o uso das razões decorrentes dos princípios (contributivas). Daí se afirmar que a existência de uma regra constitucional elimina a ponderação horizontal entre princípios pela existência de uma solução legislativa prévia destinada a eliminar ou diminuir os conflitos de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. E daí se dizer, por consequência, que num conflito, efetivo ou aparente, entre uma regra constitucional e um princípio constitucional, deve vencer a regra.”
Mesmo no caso de um conflito entre uma regra infraconstitucional e um princípio constitucional, o autor acima indicado adverte que só seria possível afastar a incidência daquela no caso de inconstitucionalidade ou de sua aplicação restar irrazoável, por ser o caso extraordinário. Verbis:
“No caso de regras infraconstitucionais, os princípios constitucionais de fato servem para interpretar, bloquear e integrar as regras infraconstitucionais existentes. Os princípios constitucionais, no entanto, só exercem a sua função de bloqueio, destinada a afastar a regra legal, quando ela for efetivamente incompatível com o estado ideal, cuja promoção é por eles determinada. O aplicador só pode deixar de aplicar uma regra infraconstitucional quando ela for inconstitucional, ou quando sua aplicação for irrazoável, por ser o caso concreto extraordinário.... Ou a solução legislativa é incompatível com a constituição, e, por isso, deve ser afastada por meio da eficácia bloqueadora dos princípios, sucedida pela sua eficácia integrativa, ou ela é compatível com o ordenamento constitucional.”
Assim, diante da presunção de constitucionalidade da norma que prescreve a impossibilidade de suspensão das execuções fiscais ajuizadas em face de empresas em fase de recuperação judicial, bem como pela inexistência de decisão acerca de sua incompatibilidade com a lei maior, não poderia a mesma deixar de ser a aplicada.
Faz-se necessário aduzir que as normas em conflito foram editadas no mesmo diploma legal, tendo o legislador sopesado os bens juríicos em conflito, tendo optado pela preservação do processo executivo fiscal, o que não implica, no entanto, no desprezo ao princípio da preservação da empresa.
Nesse aspecto, convém ressaltar que não só o Judiciário realiza a ponderação, mas também o Poder Legislativo e o Executivo. Mais uma vez vale ressaltar a contribuição de Daniel Sarmento em obra já citada, quando afirma
“A decisão do legislador não deve ser invalidada pelo Judiciário, ainda que o juiz não a considere ideal, tendo em vista o dever de deferência jurisdicional diante das normas legislativas, decorrente do princípio democrático...”
“ O Judiciário deve, em geral, adotar uma posição de autocontenção e deferência. A invalidação ou desaplicação de decisões ponderativas dos poderes políticos só deve ocorrer quando o respectivo erro de sopesamento seja grave. Esta postura de deferência pode fundar-se, dependendo do caso, no princípio democrático, que postula o reconhecimento de uma ampla liberdade de conformação para os poderes eleitos, ou numa comparação, desfavorável ao Judiciário, entre a sua capacidade institucional e a do órgão que realizou originariamente a ponderação, em hipótese que envolva conhecimentos técnicos não jurídicos especializados.”
Dessa forma, de um modo geral, tendo o legislador ponderado em abstrato, não cabe ao Judiciário ponderar em concreto.
Não obstante a inadequação do uso da ponderação no caso em tela, a solução proposta pela justiça laboral também não passaria no teste da proporcionalidade. De acordo com o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho, a paralisação das execuções fiscais tem como finalidade a proteção do patrimônio da empresa em recuperação judicial, e, consequentemente, a manutenção da empresa.
O impedimento do prosseguimento da execução fiscal constitui medida adequada , pois, embora de forma isolada não seja suficiente para promover a manutenção da empresa, ao menos contribui para consecução do respectivo fim.
Porém, a extinção das execuções fiscais não passa no exame da necessidade. Pela análise do referido subprincípio, a meio utilizado deve causar a menor restrição possível, não sendo ela necessária se houver uma outra medida mais suave que atinja da mesma forma a finalidade perseguida.
O entendimento exposto pela Justiça do Trabalho, não só causa uma restrição, mas aniquila completamente o direito de ver satisfeito o crédito público por meio da execução fiscal.
Assim, mesmo sendo adotado o método da ponderação, a despeito de sua inaplicabilidade ao caso em tela, conforme demonstrado nas linhas anteriores, a decisão oriunda da justiça laboral seria inválida, pois seria ofensiva ao princípio da proporcionalidade.
4 - DA DECISÃO PROFERIDA NO AP 00287.2009.056.23.00-3 PELO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO EM CONFRONTO COM A TEORIA DOS PRINCÍPIOS DE RONALD DWORKIN
A decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região também não é compatível com a teoria dos principios de Ronald Dworkin, já que para o autor norte-americano, a concorrência entre os princípios envolvidos só pode ser resolvida no caso concreto, de acordo com o contexto único e especial de cada situação.
O entendimento adotado pela justiça do trabalho, acaba por conferir uma prevalência abstrata ao princípio da preservação da empresa em detrimento do processo executivo fiscal, o que afronta o princípio democrático e da separação dos órgãos do poder, pois o próprio legislador ordinário, em sua liberdade de conformação deliberou pela impossibilidade da suspensão das execuções fiscais ajuizadas em face de pessoas jurídicas em fase de recuperação judicial, sem contudo olvidar do princípio da preservação da empresa.
O precedente da justiça especializada se abstém de realizar uma argumentação jurídica, fundamentada nos valores de justiça e equidade que só pode ser realizada diante da singularidade do caso concreto, que reclama uma solução adequada para cada qual, conforme as suas peculiaridades.
5- NOSSA POSIÇÃO SOBRE O TEMA
Inicialmente, cabe asseverar que a interpretação do direito não pode se restringir a uma tarefa mecânica ou silogistica, pois ela revela uma exercício construtivo de uma prática social que não pode ser dissociada do contexto especial e único de cada situação concreta, o que implica dizer que nem todo evento semelhante exigirá sempre a aplicação da mesma norma jurídica.
A lei 11.101/2005 buscou em relação ao procedimento de recuperação judicial garantir a manutenção das empresas que se encontram em dificuldades, muitas vezes decorrentes da economia globalizada, objetivando, assim, o desenvolvimento socioeconômico do país pela promoção de sua função social através da manutenção dos vínculos trabalhistas, mas também pela criação de novos empregos e da riqueza econômica.
Assim, é preciso que se verifique no caso concreto a saúde financeira da empresa e suas reais possibilidades de se reeguer no cenário econômico, pois, não raro, tem se verificado que algumas empresas, já dissolvidas irregularmente, e amparadas na jurisprudência acima apontada, tem se valido do benefício da recuperação judicial com o único intuito de se furtar ao cumprimento de suas obrigações fiscais.
Dessa forma, uma regra, por mais precisa e clara que seja, dependerá sempre da análise da realidade subjacente e das peculiaridades de cada caso.
Por outro lado, ao contrário do posicionamento exposto pela Justiça laboral, entendemos que não há qualquer conflito entre a prática de atos no processo executivo fiscal que comprometam o patrimônio do devedor e o instituto da recuperação judicial.
Isso porque o próprio processo de recuperação judicial objetiva, em síntese, saldar o passivo da pessoa jurídica devedora mediante a realização do seu patrimônio, além da preservação dos vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira relação simbiótica. É o que prevê o enunciado normativo do artigo 47 da Lei 11.101/05, do qual se extrai o princípio da preservação da empresa.
Portanto, a realização de atos executivos incidentes sobre o patrimônio da pessoa jurídica em fase de recuperação judicial destinados à satisfação dos credores é medida que se aplica tanto no âmbito do referido procedimento, como na seara da execução fiscal, pois a independência destas em relação ao processo falimentar já era prevista na Lei de Execuções Fiscais, no artigo 29, sendo adotada a mesma disciplina na lei 11.101/05, no artigo 6º, parágrafo 7º, nos processos de recuperação judicial.
Na verdade, o que pretendeu o Superior Tribunal de Justiça ao afirmar que não seria possível a prática de atos no bojo do processo executivo fiscal que comprometam o patrimônio do devedor ou que excluam parte dele do processo de falência ou de recuperação judicial foi impedir a satisfação dos créditos fiscais, sem que fosse observada a ordem legal dos credores.
Essa é a razão da universalidade do juizo falimentar e da recuperação judicial - ao qual não se submete o crédito fiscal - , cujo objetivo é afastar uma eventual vantagem indevida de alguns credores que lograssem satisfazer seus créditos em execuções ajuizadas individualmente. em detrimento de outros que estejam na mesma ordem de preferência.
Tais regras não poderiam ser afastadas, ainda que houvesse alguma incompatibilidade com o princípio da preservação da empresa, diante da presunção de constitucionalidade das normas infraconstitucionais e da inexistênica de uma situação excepcional e extraordinária que torne irrazoável a sua aplicação.
Importante ressaltar que a exceção à regra da vedação de suspensão da execução fiscal já vem prevista no próprio dispostivivo do artigo 47, quando trata do parcelamento do débito, já que o mesmo constitui uma causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional.
Destarte, é possível equacionar a regra do artigo 29 da Lei de Execuções Fiscais e a prevista no artigo 6º, parágrafo 7º da Lei 11.101/05 que prevêem respectivamente, a não submissão do crédito fiscal ao juízo universal e a vedação da suspensão das execuções fiscais ajuizadas em face de empresas em fase de recuperação judicial, com o princípio da preservação da empresa, não pela utilização da ponderação, que como vimos acima, não se aplica ao caso em tela, seja pela ausência de conflito de normas, ou pela prevalência da regra frente ao princípio, mas por um discurso de adequabilidade, fundada na integridade do direito.
Dessa forma, deferida a recuperação judicial após o ajuizamento da execução fiscal com penhora já realizada, poderão ser realizados os demais atos executivos tendentes à alienação do bem pertencente ao devedor, sendo remetido o seu produto ao processo de recuperação judicial, de forma a preservar a ordem dos credores.
Diversamente, sendo a execução fiscal ajuizada posteriormente à concessão da recuperação judicial ou sendo aquela anterior, mas ausente a constrição, não haverá impedimento ao prosseguimento do processo de cobrança dos créditos fiscais, devendo a penhora ser realizada nos autos da recuperação judicial.
Tais medidas, além de preservarem a higidez do processo executivo fiscal, não deixam de observar a ordem geral dos credores e homenageia o princípio da preservação da empresa.
6 – BIBLIOGRAFIA
ÁVILA, Humberto, REDAE, Revista Eletrônica de Direito do Estado, “Neoconstitucionalismo: Entre a ciência do Direito e o Direito da Ciência”.
AZEVEDO, Damião Alves, Ao Encontro dos Princípios: Crítica à Proporcionalidade como Solução aos casos de Conflito Aparente de Normas Jurídicas
BARROSO, Luís Roberto, A Nova Interpretação Constitucional, Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas, Editora Renovar, Rio de Janeiro/São Paulo, 2003.
SARMENTO, Daniel e SOUZA NETO, Cláudio Pereira, Direito Constitucional, Teoria, História e Métodos de Trabalho, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2013.
[1]SARMENTO, Daniel e SOUZA NETO, Cláudio Pereira, Direito Constitucional, Teoria, História e Métodos de Trabalho, Editora Fórum, 1ª edição, 2013, Belo Horizonte, p.518.
[2]ÁVILA, Humberto, “Neoconstitucionalismo”: Entre a “ciênica” do direito e o “direito da Ciência” Redae Revista de Direito do Estado, nº 17, janeiro, feveeiro, março de 2009, Salvador.
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Especialista em Direito Público pela UNB.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Marcio Tadeu Martins dos. O princípio da Preservação da Empresa no Procedimento de Recuperação Judicial e a Execução fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39869/o-principio-da-preservacao-da-empresa-no-procedimento-de-recuperacao-judicial-e-a-execucao-fiscal. Acesso em: 26 nov 2024.
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