RESUMO: O estudo objetiva analisar os limites do poder constituinte derivado reformador, em especial diante do ordenamento jurídico brasileiro vigente, ancorado na Constituição Federal de 1988.
PALAVRAS-CHAVES: Constituição. Reforma. Limites. Poder Constituinte.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Poder constituinte originário e derivado; 3. Limites ao poder de reforma; 4. Conclusão; Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O direito constitucional é, sem dúvida, um dos mais importantes ramos do direito na atualidade. A atual ordem jurídica fundada pela Constituição Federal de 1988 é pautada pelo respeito à democracia e aos direitos e garantias individuais. O texto constitucional influencia todo o ordenamento jurídico, em decorrência da Supremacia da Constituição.
A obra clássica de Hans Kelsen "Teoria Pura do Direito" revolucionou o mundo jurídico e trouxe à luz uma verdade importantíssima: as normas jurídicas não estão todas no mesmo plano, antes são hierarquizadas e buscam fundamento de validade em uma norma superior - a Constituição. Segundo referido autor (KELSEN, 1987, página 240):
"A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental–pressuposta. A norma fundamental hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora."
As leis (sentido amplo) encontram fundamento de validade na Constituição. Já a Constituição justifica sua validade e legitimidade no poder político, em outras palavras, na vontade do povo.
Esta força política capaz de criar ou modificar a ordem jurídica de um Estado é denominada de Poder Constituinte, que pode ser Originário ou Derivado.
Neste breve estudo, pretende-se identificar e pontuar quais são os limites do Poder Constituinte Derivado.
2. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO
O poder constituinte originário inaugura nova ordem jurídica, podendo ser histórico (no caso de primeira Constituição de um Estado) ou revolucionário (posterior à primeira Constituição do Estado).
Justamente por estabelecer um novo ordenamento jurídico, tem características próprias, das quais podem-se destacar as seguintes: é inicial, ilimitado e incondicionado.
Estas três marcas são reconhecidas pela doutrina, sendo interessantíssimas as palavras de MENDES, COELHO e BRANCO (2009, página 232) sobre o poder constituinte originário:
"É inicial, porque está na origem do ordenamento jurídico. É o ponto de começo do Direito. Por isso mesmo, o poder constituinte não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela. Decorre daí a outra característica do poder constituinte originário - é ilimitado. Se ele não se inclui em nenhuma ordem jurídica, não será objeto de nenhuma ordem jurídica. O Direito anterior não o alcança nem limita a sua atividade. Pode decidir o que quiser. De igual sorte, não pode ser regido nas suas formas de expressão pelo Direito preexistente, daí se dizer incondicionado."
(destaques acrescentados)
Na mesma obra, os autores alertam que há discussão a respeito de sofrer o poder constituinte originário algumas limitações, mas isto não será objeto de estudo neste trabalho.
De fato, ao "romper" com a ordem jurídica anterior (no caso de poder constituinte originário revolucionário) é natural que o poder constituinte originário confronte e substitua a constituição anterior.
Com o estabelecimento da nova Constituição, pode-se ou não deixar aberta a possibilidade para que a mesma seja reformada, sendo que, neste caso, as condições são fixadas pelo poder constituinte originário.
Quando for possível alteração posterior, tem-se a existência do poder constituinte derivado.
Conforme MORAES (2006, página 5), as constituições podem ser classificadas, quanto à possibilidade de mudança ou estabilidade, em imutáveis (que nunca e em nenhuma hipótese pode ser alterada), rígidas (que pode ser alterada, seguindo procedimento legislativo mais rigoroso do que para a edição de leis), flexíveis (alterável da mesma forma que as demais leis) e semi-rígidas (em que parte da constituição exige procedimento mais rigoroso e outra pode ser alterada da mesma forma que uma lei qualquer).
Segundo LENZA (2007, páginas 63, 66 e 67) a Constituição Federal de 1988 é classificada como rígida, pois exige procedimento mais rigoroso para sua alteração, conforme regras estabelecidas no artigo 60 da CF/88. MORAES (2006, página 5) acrescenta que ela pode ser considerada “super-rígida”, uma vez que em partes pode ser alterada por processo legislativo diferenciado, contudo, em alguns pontos, é imutável, conforme se depreende do §4º do artigo 60 da CF/88.
Portanto, tendo em vista que existe a possibilidade de mudança no texto constitucional após sua promulgação, pode-se concluir que no Brasil existe o denominado poder constituinte derivado.
Como já foi dito, no Brasil, optou-se pela possibilidade de alteração posterior, pelo que existe o poder constituinte derivado, que pode ser exercido nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
O poder constituinte derivado também é chamado de poder de reforma, poder constituinte constituído, poder constituinte poder constituinte instituído ou poder constituinte de segundo grau (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, páginas 248 a 249).
LENZA (2007, páginas 118 a 124) classifica o poder constituinte derivado quanto às espécies, demonstrando que ele pode ser reformador (poder para modificar as normas constitucionais, através das emendas constitucionais), decorrente (poder dado aos estados-membros para elaborar sua própria constituição, que deverá ser coerente com a Constituição Federal) ou ainda revisor (objetiva adequar a Constituição à realidade futura, mediante a escolha prévia de um momento futuro para se efetivar a revisão sobre pontos da constituição; no Brasil, foi prevista nos artigos 2º e 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, realizada no ano de 1993, resultando nas Emendas constitucionais de revisão nº 1 de 01/03/1994, 2 a 6, todas de 07/06/1994).
As características do poder constituinte derivado são as seguintes: é derivado (como o próprio nome diz; é o oposto da idéia de poder inicial), subordinado e condicionado.
Alexandre Moraes (2006, página 24) expõe com clareza estas características, aduzindo que é derivado por retirar sua força do poder constituinte originário; subordinado em razão de ser limitado pela própria constituição através de normas explícitas e implícitas; condicionado porque segue as regras previamente estabelecidas pela constituição para que seja possível a reforma.
3. LIMITES AO PODER DE REFORMA
A possibilidade de alteração posterior do texto constitucional é algo salutar para o desenvolvimento da sociedade e do Estado. Sim, pois caso não fosse possível a reforma posterior, sempre seria necessária a elaboração de toda uma nova constituição, o que se mostra improdutivo e, até mesmo, perigoso, na medida em que para alterar questões pontuais poderia se rediscutir toda a organização jurídica do Estado.
Contudo, deve-se ter em mente que nem tudo pode ser alterado. O próprio poder constituinte originário faz a opção em permitir ou não a reforma posterior, fixando as condições e limites em que isto acontecerá.
No caso específico da CF/88, foram fixadas diversas condições para disciplinar a possibilidade de alteração do texto constitucional, sendo pertinente a leitura do artigo 60 da CF/88 e seus parágrafos, verbis:
"Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa."
As limitações podem ser classificadas em formais (ou procedimentais), circunstanciais, temporais e materiais.
Os limites formais (ou procedimentais) estão ligados às condições para que uma proposta de emenda à constituição seja aceita e possa ser discutida, analisada e aprovada.
O primeiro limite formal diz respeito à iniciativa, ou a quem tem legitimidade para ter esta iniciativa. No ordenamento jurídico brasileiro vigente, a proposta de alteração do texto constitucional somente pode ser feita pelo Presidente da República, por pelo menos um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal ou, ainda, por mais da metade das Assembléias Legislativas dos estados membros, pela maioria relativa de seus membros.
Outro limite formal diz respeito ao procedimento de votação e promulgação, previstos nos parágrafos 2º e 3º do artigo 60 da CF/88.
Em síntese, a proposta é votada em 02 (dois) turnos de discussão e votação em cada casa legislativa (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Será considerada aprovada se obtiver aprovação de 3/5 (três quintos) dos membros de cada casa em cada turno de discussão. Caso seja aprovada, a promulgação caberá às mesas das casas legislativas, com o respectivo número de ordem.
Existem também limitações de ordem circunstancial. O objetivo neste caso é evitar que o texto constitucional sofra alterações em momentos impróprios, sobretudo aqueles em que ocorrem crises ou anormalidades constitucionais. Nestes momentos há problemas quanto ao pacto federativo ou necessidade de defesa do Estado e das instituições democráticas.
Com efeito, nos termos do §1º do artigo 60 da CF/88, "a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio". A intervenção federal da União nos Estados e/ou no Distrito Federal ocorre quando há desrespeito por parte destes ao artigo 34 da CF/88. O estado de defesa e estado de sítio são decretados quando situações extraordinárias e anormais (como grandes calamidades naturais, iminência de guerras ou conflitos armados) comprometem a ordem pública, a paz social, as instituições, et coetera.
Em momentos como este, há uma forte concentração de poderes e diminuição de direitos e garantias individuais, além de estado de animo diferenciado em toda a população e governantes, pelo que não se mostra prudente permitir a alteração do texto constitucional nesse contexto.
Também existe uma limitação temporal (considerada por alguns como procedimental, como MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, página 249), prevista no §5º do artigo 60 da CF/88, consistente na impossibilidade de haver nova proposta sobre matéria que já foi rejeitada ou tida por prejudicada na mesma sessão legislativa, correspondente ao período de um ano civil (artigo 57, caput, da CF/88).
Interessante notar aqui a idéia de respeito mínimo ao que foi decidido pela maioria, evitando-se que a grupo parlamentar que não obteve êxito no intento de modificar a constituição insista no pedido sucessivas vezes, na esperança de obter resultado diverso.
Por fim, mas não menos importante, tem-se as limitações materiais explícitas e implícitas ao poder de reforma.
Por opção do poder constituinte originário, alguns pontos foram gravados com a caráter de imutabilidade, pelo fato de serem extremamente importantes e caracterizados daquele Estado criado. Em outras palavras, alterar as matérias ali indicadas modificaria tanto a vontade do povo no momento da criação do Estado que não poderia ser admitida, devendo-se então ter-se uma revolução e a criação de novo Estado, com novos princípios, valores, et coetera.
Estes pontos essenciais e sobre os quais não se abre mão são chamados de "cláusulas pétreas", pois não podem ser mudados, não podendo haver sequer projetos de lei que pretendam discutir tais matérias.
A CF/88 traz no §4º do artigo 60 as cláusulas pétreas explícitas (ou limites materiais explícitos), os quais são: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. São explícitas pois constam do próprio texto constitucional.
Outras limitações materiais são considerada implícitas, por não estarem expressamente previstas na Constituição. Contudo, em razão da matéria que se referem, são também consideradas cláusulas pétreas.
Tratam-se de normas principiológicas que precedem e inspiraram a elaboração da própria Constituição. Alguns exemplos podem ser citados:os fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º); princípios constitucionais que regem a administração pública (artigo 37); princípios da ordem econômica (artigo 170).
A lógica é socorro para o entendimento das limitações implícitas. Com efeito, sempre se deve observar se o que está sendo objeto de proposta de alteração acaba por via indireta na mudança radical do Estado.
Não se concebe, assim, que uma proposta de emenda constitucional possa alterar o titular do poder constituinte (parágrafo único do artigo 1º da CF/88), ou mudar o procedimento para alteração do texto constitucional, sobretudo para torná-lo menos rigoroso ou ainda permitir a diminuição da proteção de limites materiais explícitos (regras do artigo 60 da CF/88), ou ainda mudança da forma de estado ou regime de governo, et coetera.
Importante a lição de MENDES, COELHO e BRANCO (2009, página 253):
"O significado último das cláusulas de imutabilidade está em prevenir um processo de erosão da Constituição.
A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar situação de destruição da Carta, mas tem missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro."
4. CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, conclui-se que na ordem jurídica brasileira vigente, fundada na Constituição Federal de 1988, existem várias limitações ao poder constituinte derivado reformador.
As limitações são de ordem formal, circunstancial, temporal e material e objetivam preservar a identidade, os valores e princípios da República Federativa do Brasil, respeitando-se a vontade original do povo brasileiro no momento de sua criação, permitindo, por outro lado, alterações pontuais e que permitam acompanhar a evolução social, sem que isso descaracterize por completo os valores e princípios anteriormente escolhidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2007.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 20ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2006.
Procurador Federal atuante na cidade de Umuarama - PR. Aluno do curso de Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Menahem David Dansiger de. Considerações sobre os limites ao poder de reforma constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39978/consideracoes-sobre-os-limites-ao-poder-de-reforma-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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