1. Introdução
O ordenamento jurídico propicia ao homem ampla liberdade de agir, no entanto, impõe à pessoa plena responsabilidade por seus atos.
A atividade humana, por ser realizada dentro do seio social, pode produzir efeitos na esfera jurídica alheia, muitas vezes provocando ofensas aos direitos e interesses de terceiros, nascendo daí, a necessidade de reparar a vítima por parte do ofensor.
2. História da responsabilidade Civil
Desde os primórdios da humanidade, tem-se a exata noção de que tem obrigação de reparar o causador de um dano à pessoa ou aos bens de outrem.
A teoria da responsabilidade civil[1] encontra seus pilares na antiguidade, solidificando-se ao longo do processo histórico.
No princípio da civilização, dominava a vingança coletiva, como reação conjunta do grupo social contra o agressor de determinado integrante daquela comunidade.
Com o decorrer do tempo, a vingança coletiva deu lugar à reação individual, por meio da vingança provada, onde o ofendido fazia justiça com as próprias mãos, consagrando-se na regra da Lei de talião: “olho por olho, dente por dente”. Em Roma, cabia ao Estado intervir declarando quando e em que condições tinha a vítima o direito de retaliação, conforme preceituava a Lei da XII Tábuas.
Após essa fase, o pagamento da ofensa com um mal de igual valor deu lugar à possibilidade de se aplicar ao ofendido uma pena com o pagamento em dinheiro ou outros bens, chamado de composição voluntária; pois, haveria no caso da vingança privada, um duplo dano: o da vítima e do ofensor, não se reparando, na realidade, dano algum.
Mais tarde a composição voluntária deu especo à composição legal, onde já se punia, ainda que timidamente, as ofensas físicas a pessoa da vítima.
Passo decisivo se deu quando o Estado assumiu o papel de repressor das infrações destinadas aos particulares, e não somente contra ele. Como afirma José de Aguiar Dias:
Quando assumiu a direção da composição dos pleitos, a autoridade começou também a punir, substituindo-se ao particular na atribuição de ferir o causador do dano. Evoluiu, assim, da justiça punitiva exclusiva, reservada aos ataques dirigidos diretamente contra ela, para a justiça distributiva, percebendo que, indiretamente, era também atingida por certas lesões irrogadas ao particular, porque perturbavam a ordem que se empenhava em manter.[2]
Nesse momento, fala-se na aplicação de uma pena em dinheiro destinada à vítima, e não propriamente numa reparação. É só a partir do instante que a pena privada perde o caráter de punição, que se dá lugar a idéia de reparação, já que cabia só ao Estado a ação repressiva. Há, então, a dissociação do aspecto civil do penal, que até então, não existia.
Ainda que contestado por juristas de prol, parece ter sido com a Lex Aquilia, no direito romano, que foram colocadas as bases da responsabilidade civil, com a atribuição da origem do elemento culpa, introduzindo o aspecto subjetivo, estranho ao direito primitivo, pautado pelo caráter objetivo.
Com o decorrer do tempo, ainda em Roma, passou-se a contemplar não só os danos materiais, mas também os próprios danos morais.
Porém, foi o Código Napoleônico que inspirou toda a legislação moderna, introduzindo a noção de que a reparação é independente de qual tenha sido a gravidade da culpa do responsável, além de ter consolidado o conceito de responsabilidade subjetiva com o artigo 1.382.
Posteriormente, a partir da análise dos artigos 1.384 a 1.386 do referido código, desenvolveu-se a teoria da responsabilidade civil objetiva.
A responsabilidade civil, nos dias de hoje, encontra-se plenamente dissociada da responsabilidade penal. Caio Mário[3] salienta que na responsabilidade penal se tem presente um sentimento social, alguém que, com sua ação, cause desequilíbrio na ordem social, deve ter a punição adequada do Estado; na responsabilidade civil se encontra um sentimento humano, a ordem jurídica não se pode permitir que o ofendido permaneça numa posição desconfortável em razão de seu prejuízo individual, restando daí a necessidade de reparação.
2. Responsabilidade civil: distinções da responsabilidade penal e espécies
As consolidações para o cumprimento das responsabilidades civil e penal são bastante diferentes. Enquanto na primeira, qualquer ação ou omissão pode gerar responsabilização, caso viole direito ou cause prejuízo a outrem, na segunda, é necessário que ocorra perfeita adequação do fato concreto a uma figura típica prevista na lei penal ou contravencional.
A responsabilidade civil pode ser de natureza contratual ou extracontratual. Toda vez que, da ação ou omissão resultante de relação contratual, ocorra prejuízo, estar-se-á diante de injúria contratual; quando decorrer da imposição da lei, baseado no princípio de respeito a esfera jurídica alheia, ocorre injúria extracontratual ou aquiliana.
3. Responsabilidade civil subjetiva
Dentre as espécies de fatos jurídicos lícitos encontramos: o fato jurídico stricto sensu; o ato-fato jurídico; e o ato jurídico lato sensu, que abrange o ato jurídico stricto sensu e o negócio jurídico.
No ato jurídico, o suporte fático tem como cerne uma exteriorização consciente de vontade, direcionada para a obtenção de um resultado juridicamente protegido ou permitido e possível. No caso do ato jurídico stricto sensu, os efeitos jurídicos, predeterminados pela lei, realizam-se independente da vontade do agente se dirigir no sentido de sua criação; já no negócio jurídico, o elemento volitivo é manifestado para compor o suporte fático com a finalidade específica de criação daqueles efeitos, que são queridos pelo agente.
Num sentido oposto aos atos jurídicos lícitos, encontram-se os atos jurídicos ilícitos. Constituem-se estes de ação ou omissão voluntária, negligente, imprudente ou imperita, em razão da qual o agente viole direito ou cause prejuízo a terceiro.
A responsabilidade subjetiva se funda na existência de ato ilícito, baseada na culpa do agente, conceito que abrange a culpa stricto sensu e o dolo. Portanto, compõe a responsabilidade subjetiva: a) uma ação ou omissão voluntária (dolo), ou decorrente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa); b) um dano injusto moral ou patrimonial causado a outrem; e c) o nexo de causalidade entre o dano e a ação.
A ação é ato humano comissivo ou omissivo. O ato comissivo diz respeito a uma atitude positiva do agente, ou seja, um ato de fazer, que não deveria se efetivar; já no ato omissivo temos a não realização de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria acontecer.
Pode a ação derivar de ato próprio do agente, de pessoa por quem seja responsável por imputação legal, ou por fato de animal ou coisa inanimada pertencente ao agente.
O elemento culpa é essencial na constituição da responsabilidade civil subjetiva. A culpa abrange o dolo e a culpa em sentido estrito.
O dolo se caracteriza pela vontade consciente do agente de violar o dever jurídico; o elemento volitivo é imprescindível na averiguação do dolo. O agente ao realizar determinada ação ou omissão tem plena consciência e vontade de violar determinado dever jurídico. Interessante observar o ponto de vista do eminente jurista Caio Mário[4], para quem restaria ultrapassada, nos dias de hoje, a noção de que existiria uma vontade consciente de causar o dano na averiguação do dolo, bastando a consciência do resultado.
Na culpa stricto sensu não existe o elemento intencional na consecução do fim de violar o dever jurídico, caracteriza-se independente da vontade ou da consciência do mal causado; resulta da falta de diligência por parte do agente.
Abarca a culpa stricto sensu a imperícia, a imprudência e a negligência. A imperícia é a incapacidade, falta de habilidade ou inaptidão para prática de determinado ato; a negligência é a falta de cuidado do agente na realização de determinada conduta, este poderia tomar as cautelas exigíveis, e não fez assim por displicência, ou mesmo preguiça mental; a imprudência é a atitude do agente que age com precipitação e sem cautelas.
À responsabilidade civil interessa diretamente a existência de um dano, visto que o prejuízo causado a vítima é um dos pressupostos para o nascimento do dever de indenizar. Ainda que ocorra violação de um dever jurídico, que tenha existido culpa ou dolo por parte do agente, não haverá obrigação de indenizar, se nenhum prejuízo tiver sido verificado na ordem patrimonial ou mesmo moral do sujeito passivo.
O simples fato de haver uma ação e a existência de um dano não caracteriza a responsabilidade civil, é necessário que esse dano tenha sido resultado da ação do agente. A essa relação dá-se o nome de nexo causal, que nada mais é do que a constatação da ligação entre a causa e o efeito da ação e o resultado danoso.
A prova de que o dano foi conseqüência direta da ação do agente é indispensável para a constatação da responsabilidade, se o agente que não deu causa ao dano com sua atividade não tem nenhuma obrigação.
No entanto, muitas vezes, a relação entre a ação e o dano não é direta, ou seja, o evento danoso não decorreu de forma direta e imediata da ação, mas sim de forma mediata e indireta. No caso concreto, em certos momentos, difícil é observar o nexo de causalidade que une a ação ao dano, pois no decorrer da ação outras situações podem ter dado causa concomitantemente ao resultado danoso, porém, ainda assim, nasce a obrigação de indenizar por parte do agente da ação.
Existem, ainda, certos motivos na relação da ação e do dano que quando ocorrem descaracterizam a responsabilidade, sendo, portanto, causas excludentes do nexo causal. Estas causas devem na plenitude de seus efeitos, ou seja, o motivo deve interferir de maneira tal, que passe a constituir a causa do evento exclusiva da vítima; o danoso, afastando a ação do agente em todas as situações possíveis. São causas excludentes: a culpa exclusiva da vítima; ação de terceiros; força maior ou caso fortuito.
A legislação pátria consagrou a teoria subjetiva da responsabilidade civil, que veio expressa no art. 159 do Código Civil de 1916, deixando adstrita a determinadas situações a responsabilidade independente de culpa, de que trata a teoria objetiva, em relação às quais deve ter expressa determinação legal.
O Código Civil atual manteve os ditames do antigo diploma legal no artigo 927, continuando, portanto, a responsabilidade subjetiva como a teoria acolhida na legislação brasileira, no entanto, com a inovação de vir expressa no parágrafo único a responsabilidade objetiva.
4. Responsabilidade objetiva
Na responsabilidade objetiva a obrigação de indenizar não decorre de um ato ilícito, mas sim de um ato-fato jurídico. Fundamentado nos ensinamentos de Marcos Bernardes de Mello[5], pode-se dizer que o ato-fato jurídico é decorrente de ato humano, mas o elemento volitivo não interessa à norma, e sim a conseqüência do ato, o fato resultante, independente da vontade ter sido dirigida no intuito de praticá-lo.
Dentre as espécies de ato-fato jurídico se encontra o ato-fato jurídico indenizativo, que faz nascer o dever de indenizar. Este é ato humano lícito, de onde decorre prejuízo a terceiro.
Tem-se, portanto, clara a idéia de que a responsabilidade objetiva não se baseia na vontade do agente, o fundamento para sua existência é o fato do resultado ter causado dano.
A responsabilidade civil objetiva, ou responsabilidade sem culpa, funda-se na noção de que existem determinadas ações que mesmo não tendo decorrido de culpa do agente, ainda que sendo lícita a atividade, devem ser reparadas pelo simples fato de ocorrer o nexo causal que liga a ação ao dano. São, portanto, pressupostos de sua existência ato não contrário a direito, o nexo de causalidade e o dano, independentemente de culpa.
Nos primórdios da humanidade, o elemento volitivo não era pressuposto da responsabilidade, bastando a existência do dano. Com o tempo ganhou espaço a teoria subjetiva, onde a responsabilidade deveria ser fundada na culpa.
Nos dias de hoje, vem crescendo a teoria objetiva, fundada no fato de que existem determinadas ações que mesmo lícitas causam prejuízo a outrem, de modo que aquele que a exerce tem a obrigação de velar para que não ocorra esse prejuízo, essas atividades não comportam o elemento culpa para a caracterização da necessidade de indenizar.
Inúmeras teorias procuram explicar a necessidade de adoção da responsabilidade civil objetiva, dentre elas se podendo destacar a teoria do risco. Esta afirma que toda atividade humana traz um risco de dano para terceiro, devendo o agente, portanto, reparar o prejuízo causado, ainda que não tenha agido de maneira culposa; a noção de risco ganha espaço em relação à idéia de culpa. Na verdade, o que há é um “risco-proveito”, ora o dano causado deve ser reparado em conseqüência de uma atividade benéfica ao agente.
A ocorrência da responsabilidade objetiva em nosso direito pátrio pressupõe a determinação legal, ou seja, a norma jurídica prevê claramente quais são as circunstâncias em que existirá a responsabilidade do agente independente de sua ação ter o elemento volitivo. Isso porque, como já visto, a legislação brasileira adota a teoria subjetiva na responsabilidade civil.
4. Conclusão
A teoria da responsabilidade civil foi se consolidando ao longo do tempo, e hoje se encontra plenamente dissociada da responsabilidade penal.
A responsabilidade civil fundamenta-se em duas teorias: a subjetiva e a objetiva. Ambas encontram-se amparadas pelo ordenamento jurídico pátrio.
A responsabilidade subjetiva traz a noção da obrigação do agente de reparar o dano que causar se tiver agido voluntariamente (dolo), ou de maneira imperita, negligente ou imprudente (culpa stricto sensu).
A responsabilidade objetiva funda-se no pressuposto de que teria o agente a obrigação de reparar o dano, independente de ter agido com dolo ou culpa.
Referências bibliográficas
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Vol. I. 7ª ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretado. 5ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999.
______. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7º Vol. 8ª ed. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 1994.
GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2002.
GONÇALVES, Carlos Alberto. Responsabilidade civil. 5ª ed. atual. amp. São Paulo: Saraiva, 1995.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
[1] Caio Mário afirma não existir um conceito uniforme de responsabilidade civil, restando grande divergência por parte dos doutrinadores, Responsabilidade Civil, 1997, p. 7-10.
[2] José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil,1983, vol. I, p. 20-21.
[3] Caio Mário, op. cit., 1997, p. 11.
[4] “Modernamente, o conceito de dolo se alargou, convergindo a doutrina no sentido de caracterizá-lo na conduta antijurídica, sem que o agente tenha o propósito de prejudicar. Abandonando a noção tradicional do animus nocendi (ânimo de prejudicar), aceitou que sua tipificação se delimita no procedimento danoso, com a consciência do resultado. Para a caracterização do dolo não há mister perquerir se o agente teve o propósito de causar o mal”. Caio Mário, op. cit., 1997, p. 66.
[5] Marcos Bernardes de Mello, op. cit., 1998, p. 112.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós- graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRISCILA COELHO DE BARROS ALMEIDA SANT`ANA, . Breves considerações sobre a responsabilidade civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40190/breves-consideracoes-sobre-a-responsabilidade-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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