O ordenamento jurídico brasileiro está pautado por normas com o intuito claro de prevenir o dano, ou seja, evitar que se consume uma eventual ameaça de lesão ao direito, conforme se depreende da leitura do inciso XXXV do artigo 5º da CF: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
A atividade de imprensa não é ilimitada ou absoluta, a sua colisão com os direitos da personalidade tem, cada vez mais, integrado o repertório da justiça brasileira, principalmente através das ações de indenização por danos morais relacionados a fatos noticiados pela imprensa.
No entanto, o inciso X do artigo 5º do texto constitucional, norma constitucional basilar da reparação por danos morais, preceitua que são invioláveis os direitos postos em questão. Portanto, antes de qualquer indenização advinda do fato de se transgredirem esses bens, deve-se ao máximo tentar evitar a violação, posto que se o bem é inviolável, não deve de maneira nenhuma ser alvo de atentado por quem quer que seja.
No caso de indenização por danos morais, já houve a lesão ao direito do indivíduo, e esta parece ser a única forma mais consciente de compensar o homem pelo mal que já lhe for causado. A indenização tem um caráter meramente compensatório, não irá recolocar o ser humano no status quo ante, posto que o dinheiro advindo de uma indenização pode mitigar a dor e o sofrimento, nunca restabelecer a situação anterior à lesão.
Por certo, não deve haver a violação aos direitos da personalidade, e, ainda, não existe ser humano que prefira ser lesado, ante a possibilidade de que essa lesão não ocorra. Em face disso, o ordenamento jurídico põe à disposição do indivíduo tutela preventiva a fim de evitar a ocorrência do dano.
No entanto, muito se tem alardeado, principalmente pelos próprios meios de comunicação, que tal prestação jurisdicional não passaria de uma censura prévia, nos moldes tão conhecidos pela população brasileira, em decorrência dos anos nefastos da censura em nosso país.
O texto constitucional põe a salvo de toda espécie de censura os órgãos de imprensa, através do inciso IX do artigo 5º, e artigo 220, §§ 1º e 2º, e não poderia ser diferente, posto que num Estado Democrático de Direito não se tolera que de maneira arbitrária a liberdade de imprensa seja cerceada.
No entanto, a censura proibida pela Constituição é aquela de ordem administrativa, ou, ainda, por meio legal, imbuído de caráter ideológico, ou mesmo político. Nesse sentido são as palavras de José Henrique Rodrigues Torres:
A censura, pois, como fundamento político e ideológico, ou mesmo artístico, é atualmente repudiada pela Constituição Federal, pois é incompatível com a normalidade da vivência democrática. Para que a imprensa realize sua função social e democrática com liberdade eficácia e segurança, a censura é proibida nos termos do que dispõe a Constituição Federal. E a censura que é considerada inadmissível no Estado Democrático de Direito é aquela exercida previamente pelos órgãos administrativos, ou mesmo por leis, regulamentos, portarias ou qualquer ato normativo, sob pretextos de ordem política, ideológica, ou mesmo artística, como dispõe o art. 220, § 2º, da CF.[1]
Portanto, é preciso notar que o Poder Judiciário, através de sua atividade, de maneira nenhuma impõe censura à imprensa. Muito pelo contrário, trata-se de papel precípuo desempenhado por esse Poder de compor o conflito de interesses, impondo, se necessário, limites à liberdade de imprensa no intuito de preservar eventual lesão a direitos da personalidade.
Nem o Poder Legislativo, nem tampouco o Poder Executivo têm competência para impor limites à atividade de imprensa. Essa é função constitucional exclusiva do Poder Judiciário, e, ainda, assim, mesmo o Poder Judiciário tem limites com relação essa atividade, já que não pode impor de maneira voluntária e espontânea limitação à imprensa. A esse respeito, ainda, afirma José Henrique Rodrigues Torres:
O Poder Judiciário pode e deve coibir os abusos praticados pela imprensa, mas apenas quando provocado pelo interessado, no curso de um processo legal, decidindo em relação ao caso concreto e determinado e, ainda, observando sempre os limites vigentes e pelo próprio texto constitucional. Não se trata, pois, do exercício de um poder arbitrário, autoritário, antidemocrático ou totalitário. Não há como confundir tal poder, que é constitucional e democrático, com censura.[2]
Portanto, trata-se de cumprimento de preceito constitucional, a tutela preventiva dos direitos da personalidade, como meio de evitar o dano causado pelos meios de comunicação, que em nada se assemelha à censura prévia tão proclamada pela imprensa.
Na resolução da lide, o julgador deve se valer dos mesmos critérios adotados para a solução da colisão já ocorrida em sede de ação de indenização por danos morais, visto que potencialmente já existe a colisão entre os dois direitos postos, inclusive no que tange a averiguação da verdade dos fatos, e o fim a que se destina a divulgação da notícia, para que não ocorram excessos por parte da tutela preventiva, já que esta é uma limitação à liberdade de imprensa.
Nessa mesma seara, o Código Civil tratou de introduzir em seu art. 12 em capítulo próprio relativo aos direitos da personalidade, a tutela preventiva com relação a esses direitos, ao afirmar que: “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Além do que, com as alterações introduzidas no Código de Processo Civil, pela denominada “reforma processual”, a partir do ano de 1994, o jurisdicionado agora tem meios processuais específicos para a prevenção do dano, como a tutela inibitória, a tutela específica e outros instrumentos disponibilizados nos artigos 461 e 461-A.
Referência bibliográfica
CALDAS, Pedro Frederico. Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. São Paulo, 1997.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2ª ed. atual. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001.
TORRES, José Henrique Rodrigues. “A censura à imprensa e o controle jurisdicional da legalidade”. In: Revista dos tribunais. São Paulo,ano 83, Vol. 705, p. 24-33, jul. 1994.
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