RESUMO: O mundo moderno tem sido marcado pelos constantes avanços e mudanças tecnológicas decorrentes da economia globalizada, notadamente no campo da internet, a qual impõe a expansão do comércio eletrônico. Tal avanço vem possibilitando, cada vez mais, a concretização dos mais variados negócios jurídicos efetuados por intermédio da internet. No Brasil este histórico não é diferente, cabendo aos doutrinadores e juristas criar mecanismos de proteção aos contratos de consumo celebrados virtualmente. O objetivo deste trabalho é trazer uma breve análise acerca da aplicação do prazo de reflexão nas compras realizadas por meio eletrônico, bem como o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável por uniformizar a interpretação da legislação pátria.
Palavras-chave: Direito do consumidor – Arrependimento – Reflexão – Compras virtuais – Internet.
O avanço do comércio eletrônico reduziu significativamente as fronteiras existentes nas relações de consumo. A comodidade, facilidade de informações e acesso sobre os produtos são atributos altamente atrativos para venda e aquisição de bens e serviços virtualmente.
Com esse quadro, o consumidor se vê cada vez mais estimulado a optar pelo conforto propiciado pelas compras “on line”, na medida em que o esforço despendido é mínimo em relação aos benefícios trazidos por esse novo meio de comércio. Ocorre que, em sua generalidade, as regras anunciadas pelos fornecedores sobre devolução dos produtos e, consequentemente do ressarcimento do valor pago, no caso de arrependimento do consumidor, vão de encontro com as normas de proteção previstas pelo Código de Defesa do Consumidor.
A distância física existente entre as partes, não as desvincula do dever de agir dentro dos ditames legais. Pelo contrário, as normas consumeristas se aplicam e devem se pautar cada vez mais na proteção do consumidor, haja vista que as informações nem sempre acompanham o volume o ritmo de ofertas disponibilizadas no universo cibernético.
A faculdade de arrependimento do consumidor pela aquisição de um produto ou serviço fora do âmbito do estabelecimento comercial, fisicamente compreendido, é garantida no Código de Defesa do Consumidor. Tal prerrogativa é conferida exclusivamente ao consumidor e lhe permite desistir da aquisição de determinado produto ou serviço nos casos de venda em domicílio e de compra a distância.
Também conhecido como prazo de reflexão, o direito de arrependimento nas relações de consumo encontra-se previstos no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. Confira-se:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
O Código de Defesa do Consumidor prevê duas condições para direito de arrependimento, quais sejam, a de que o contrato de consumo tenha sido realizado fora do estabelecimento comercial; e que seja observado o prazo de sete dias para reflexão (SOUZA, 2009).
Embora o citado artigo não faça expressa menção às compras realizadas virtualmente, o direito de arrependimento compreende todas as compras realizadas fora do estabelecimento comercial. O objetivo primordial a ser alcançado pelo aludido dispositivo legal é justamente garantir a proteção do consumidor, que é a parte hipossuficiente na relação de consumo, podendo-lhe faltar informações importantes acerca do produto adquirido. Especialmente nas compras realizadas pelos sítios eletrônicos, muitas vezes os consumidores sequer tiveram qualquer tipo de contato físico com o produto, podendo se frustrar, na ocasião do recebimento, ao verificar que o bem de consumo, ao vivo, não corresponde às expectativas dispostas na descrição e fotos, as quais, inclusive, em não raros momentos, apresentam produtos com características infinitamente superiores do que na realidade são.
Nelson Nery Junior contextualiza que o direito de arrependimento do consumidor se justifica tanto a existência de práticas comerciais agressivas, como é o caso da venda em domicílio, quanto no desconhecimento do produto ou do serviço, na contratação à distância. Segundo Júnior (2001, p. 494):
[...] quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.
Nesse mesmo sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA ("PANASONIC"). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA.
I - Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País.
II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.
III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.
IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes.
V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos.
(STJ, REsp 63981/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11/04/2000, DJ 20/11/2000, p. 296, grifo nosso)
Da leitura do artigo 49 do Código Consumerista vê-se ainda que o consumidor tem um prazo máximo de sete dias, contados a partir da data do recebimento do produto, para requerer a sua devolução. É importante ressaltar que essa contagem, tal como ocorre nos prazos judiciais, é ininterrupta, compreendendo os finais de semana e feriados. Caso o seu término ocorra em dia em que não haja expediente comercial, finda-se o prazo no primeiro dia útil subsequente, em observância ao que dispõe o artigo 132 do Código Civil.
Entende-se que o prazo de reflexão é de sete dias para possibilitar ao consumidor ao menos um final de semana para decidir sobre a real aquisição ou devolução do bem adquirido, independentemente do momento do recebimento. Noutro giro, tal prazo figura-se suficiente de modo a evitar abusos por parte do consumidor.
O direito de arrependimento não impõe ao consumidor o dever de explicitar os motivos que o levaram a desistir do negócio celebrado.
Segundo Rizzatto Nunes (2011, p.564), basta a simples manifestação objetiva da desistência. Para o autor, no íntimo, o consumidor terá suas razões para desistir, mas estas são irrelevantes e não precisam ser explicitadas e exemplifica: “Ele pode não ter gostado da cor do tapete adquirido pelo telefone na oferta feita pela TV, ou foi seu tamanho que ele verificou ser impróprio. O consumidor pode apenas não querer gastar o que iria custar o bem. Ou se arrepender mesmo. O fato é que nada disso importa. Basta manifestar objetivamente a desistência”.
Assevera Nogueira (2012) que o Código de Defesa do Consumidor é de ordem pública e, portanto, irrenunciável, considerando-se nula qualquer cláusula contratual, ainda que firmada pelo consumidor, de renúncia ao direito de arrependimento.
Se sequer é exigido ao consumidor justificar o porquê de seu arrependimento, tampouco será exigível a constatação de qualquer defeito ou vício no produto ou serviço adquirido.
Da análise do parágrafo único do citado artigo consumerista verifica-se que os pagamentos já efetuados pelo consumidor, correspondentes aos produtos ou serviços devolvidos por arrependimento, devem ser reembolsados corrigidos monetariamente.
A devolução deve ocorrer sob as expensas do fornecedor, pois, aceitar o contrário, significaria criar limitações ao direito de arrependimento não previstas em lei, desestimulando o comércio virtual.
Sobre esse aspecto, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CDC. RESPONSABILIDADE PELO VALOR DO SERVIÇO POSTAL DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO DO PRODUTO. CONDUTA ABUSIVA. LEGALIDADE DA MULTA APLICADA PELO PROCON.
1. No presente caso, trata-se da legalidade de multa imposta à TV SKY SHOP (SHOPTIME) em razão do apurado em processos administrativos, por decorrência de reclamações realizadas pelos consumidores, no sentido de que havia cláusula contratual responsabilizando o consumidor pelas despesas com o serviço postal decorrente da devolução do produto do qual pretende-se desistir.
2. O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento comercial, o consumidor tem o direito de desistir do negócio em 7 dias ("período de reflexão"), sem qualquer motivação. Trata-se do direito de arrependimento, que assegura o consumidor a realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo.
3. Exercido o direito de arrependimento, o parágrafo único do art. 49 do CDC especifica que o consumidor terá de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas com o serviço postal para a devolução do produto, quantia esta que não pode ser repassada ao consumidor.
4. Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor neste tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial (internet, telefone, domicílio). Aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento legalmente não previsto, além de desestimular tal tipo de comércio tão comum nos dias atuais.
5. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1340604/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013, grifo nosso)
As administradoras de cartão de crédito respondem solidariamente aos prejuízos causados ao consumidor, na medida em que firmam parcerias com os fornecedores com condições de pagamento facilitadas, garantindo maior facilidade nas relações comerciais. Segundo Rizatto (2004, apud NOGUEIRA, 2004) "as administradoras de cartões de crédito e os fornecedores-vendedores são parceiros nos negócios, já que ambos têm interesse jurídico e comercial na venda".
Topan (2010) pondera que a intenção do legislador não foi de oferecer uma “reflexão contemplativa”, mas sim garantir ao consumidor o poder analisar o produto como se no estabelecimento físico estivesse. Desse modo, assevera que “não pode o fornecedor exigir e condicionar a devolução do valor pago, como é costumeiro, à inviolabilidade da embalagem”, pois feriria a liberdade de escolha prevista no artigo 6º, inciso II do Código de defesa do consumidor.
A fim de evitar prejuízos desnecessários devem os fornecedores, portanto, se acercar de todas as precauções, garantindo clareza nas informações do produto e respeitando os direitos básicos do consumidor previstos no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, evitando ainda a indução de compra desnecessária e indevida (SILVA, 2014).
Conclusão
Fundamentado no conceito de hipossuficiência do consumidor, o direito de arrependimento constitui forte mecanismo para coibir a não rara prática da propaganda enganosa, compreendida nos casos em que a imagem e descrição dos produtos ofertados nem sempre possuem as mesmas características quando recebido. É, portanto, uma legítima ferramenta para reequilibrar as relações de consumo.
A compra realizada fora do estabelecimento comercial por várias vezes priva o consumidor da melhor análise sobre o produto, havendo real risco de ser surpreendido com a entrega de um produto ou prestação de serviço muito abaixo de suas expectativas, em total desconformidade com a oferta publicitária.
Ressalte-se que aludida garantia, embora visivelmente protecionista em relação ao consumidor, não tem o escopo de prejudicar os fornecedores, mas tão somente compensar a disparidade entre as partes. Valendo aqui, destacar o princípio da igualdade, consagrado na Magna Carta, pressupõe que conferir um tratamento isonômico às partes significa exatamente tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.
Não intenta a legislação Consumerista beneficiar o consumidor em detrimento do consumidor, seu objetivo primordial é preservar os princípios norteadores das relações de consumo, notadamente o da boa-fé contratual. Defender o caráter absoluto do direito de arrependimento pode levar a distorções e possibilitar o consumidor a cometer abusos.
Assim, o direito de arrependimento constitui verdadeiro avanço às relações de consumo, mas deve ser interpretado sempre em consonância com os princípios basilares do Direito de consumidor, notadamente da boa-fé objetiva do consumidor, visando a harmonização dos interesses de ambas as partes.
Referências:
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CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. Ed. Atlas: São Paulo, 2008.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
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MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002.
NOGUEIRA, Bruno dos Santos Caruta. Direito de arrependimento à luz do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 415, 26 ago. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5626>. Acesso em: 17 jul. 2014.
NUNES, Luis Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
SILVA, Karine Behrens da. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2814, 16 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18701>. Acesso em: 21 jul. 2014.
SILVA, Vander Ferreira da. Direito de Arrependimento. Disponível em: http://www.infoescola.com/direito/direito-de-arrependimento/. Acesso em: 12 jun. 2014
SOUZA, Vinicius Roberto Priori de. Contratos Eletrônicos & Validade da Assinatura Digital. Curitiba : Juruá, 2009.
TOPAN, Renato. Aspectos práticos do arrependimento pelo consumidor nas vendas pela internet. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2509, 15 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14860>. Acesso em: 21 jul. 2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PURISCO, Virgínia Miranda. Prazo de reflexão nas compras virtuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40508/prazo-de-reflexao-nas-compras-virtuais. Acesso em: 22 nov 2024.
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