RESUMO: Este trabalho monográfico teve como objeto de estudo da união estável, à luz das normas jurídicas contidas no Novo Código Civil brasileiro. Partindo de uma reflexão histórica sobre a família, união estável, até se chegar aos companheiros, examinamos, em seguida, que a união estável necessitou de uma regulamentação legal mais específica. Isto começa a ocorrer com a promulgação da Constituição Federal de 1988, com o seu artigo 226, caput e parágrafo, que reconheceu a união entre o homem e a mulher como entidade familiar, dando proteção do Estado. Depois surge a lei de nº. 8.971/94, vindo a regular o direito dos companheiros a alimentos. Posteriormente, entra em vigor a Lei nº. 9.278/96, cujo objetivo é o de regulamentar o § 3º, do artigo 226, da Constituição Federal, suprimir lacunas deixadas pela lei anterior e instituir o estatuto dos conviventes..
Palavras-chave: Família. União estável. Companheiros.
I-CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Iniciamos o nosso trabalho falando da origem da a União Estável como a grande inovação no Direito de Família, pois foi reconhecida como entidade familiar aquela família constituída fora do casamento, a denominada União Estável, expressão adotada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 3º, que elenca as características e os requisitos deste instituto. Ainda também, diferencia União Estável de Concubinato.
O sistema legal da União Estável, estabelecendo aos companheiros seus direitos e deveres trazidos pela Constituição atual, que estabelece a família como sendo a base da sociedade, independentemente do casamento. O legislador quis proteger as uniões que se apresentam como casamento, isto é, tutela aquela união formada por homem e mulher, bem como homoafetiva de acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), revestida de solidez, estabilidade, publicidade, e com o objetivo de constituir família e que também foram reguladas através de jurisprudência, como por exemplo, a Súmula 380, do STF, gerando direito à meação para o companheiro sobrevivente sobre os bens adquiridos conjuntamente
Posteriormente, em 29 de outubro de 1994, veio à tona a Lei nº 8.971, que regulamentou o direito a alimentos e sucessão conferida aos conviventes. Logo em seguida, no ano de 1996, no intuito de maiores esclarecimentos sobre a união estável, foi promulgada a lei nº 9.278 para regulamentar o § 3º, do artigo 226, da Constituição Federal, que reconhece a união estável como entidade familiar.
I - DA UNIÃO ESTÁVEL
1.1 Conceito
A união estável subsiste na convivência conjugal, entre homem e mulher, como se casados fossem, diuturnamente, com caráter público e permanente, objetivando a constituição de uma família, ainda que inexistam filhos.
O que deve restar bem claro é que a união estável, nos moldes como concebemos - qual seja, a união de homem e mulher, bem como as homoafetivas de acordo com (STF), que passem a coabitar como se casados fossem, respeitando, um para com o outro, todos os direitos e deveres de fidelidade, de mútua assistência, de domicílio comum, guarda e proteção, sustento e criação de prole se houver -, representa a existência outrora, meramente fática e atualmente legal, de uma situação juridicamente estruturada desde os tempos imemoriais, que é o casamento. Afinal, nada mais é a união estável que a visibilidade do contrato de casamento, desprovida de seus requisitos meramente formais, porém, não dispensando, para sua caracterização, os deveres geralmente aceitos na coletividade para convivência conjugal.
Deve-se observar, principalmente, que a elevação da união estável à categoria de entidade familiar necessita de um mínimo substrato de seriedade, constância e durabilidade, com a presumida intenção de formação de núcleo permanente, desconsideradas, portanto, as uniões havidas entre os que pretendem a experimentação ou os que se expõem a aventuras irresponsáveis.
A Carta Magna de 1988 confere a proteção do Estado à União Estável entre homem e mulher como entidade familiar. Os elementos citados pelo legislador servem para configurar a juridicidade da relação extra-conjugal, como está disposto no artigo 1º, da lei 9.278/96: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua do homem e da mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família”.
Assim, vislumbra-se facilmente que a União Estável se qualifica pela convivência duradoura, pública e contínua de homem e mulher ou homoafetiva e, finalmente, pelo objetivo de constituir família, que traduz uma comunhão de vida e de interesse.
Esse tipo de relação homem-mulher foi tutelado pela Constituição de 1988. O art. 226, § 3º, da Carta Magna de 1988, relata que: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
1.1.1 Terminologias utilizadas
Devido a vários vocábulos utilizados para expressar a matéria em questão, dificultou a sua compreensão, pois o legislador ordinário não se preocupou em conceituar a relação extra-matrimonial, apenas forneceu elementos constitucionais que vieram elencados no art. 226, §.3º, da Constituição Federal e nas leis de nsº 8.971/94 e 9.278/96, cujos princípios encontram-se agora consolidados nos artigos 1723 a 1727 do Código Civil de 2002.
Existem várias denominações utilizadas para o que se concebe hoje como concubinato, designação esta sendo a preferida entre os doutrinadores. O concubinato, originado do latim concubere, significa estar deitado com outrem. Na língua portuguesa, o vocábulo tem sinônimos de concubinagem, a designar estado de concubina; mancebia (FERREIRA, 2001). Assim, não se pode negar que não se limitava a indicar uma forma de vida, porque, no uso popular, acabou por merecer uma abordagem pejorativa, indicando relação passageira, sem lastro de estabilidade.
Entretanto, esta denominação traz consigo um caráter preconceituoso atribuído aos apegos de valores tradicionais, que reconhecia o casamento como entidade familiar exclusiva. Na verdade, o sentido pejorativo, preconceituoso, atribuído ao concubinato, tinha como fonte a predominância do apego a valores tradicionais, rígidos, que somente reconhecia o casamento como instituto gerador da família.
Contudo, diante da evolução dos tempos, com a reformulação das próprias relações familiares, com a revolução ocorrida no Direito de Família, o estigma não poderia mais subsistir. No Direito Brasileiro, não é de mais recordar que, na época da elaboração e promulgação do código civil, as referências feitas ao concubinato sempre tiveram por objetivo restringir ou proibir direitos decorrentes de tais relações.
Por isso, passou-se a diferenciar o concubinato qualificado - que agasalhava a união não legalizada, mas de caráter duradouro, contínuo e estável, havendo aparência de casamento - e a concubinagem, que indicava as ligações livres, porém, de cunho eventual e transitório, de freqüência acidental. Existia também o concubinato em sentido lato e em sentido estrictus. Naquela expressão, estava a União Estável, e nesta, a concubinagem. Outras denominações se apresentaram na forma de concubinato puro, que era a relação entre homem e mulher sem impedimento para contraírem matrimônio, e o concubinato impuro, que se dava entre pessoas de sexos diferentes impedidos de se casarem.
Devido à acentuada discriminação no sentido do vocabulário concubinato, que trazia em si uma carga de preconceitos, passou a ter esta relação um valor negativo no sentido moral, sendo este pensamento distribuído pela sociedade. E, assim, o legislador achou melhor usar a expressão União Estável em substituição ao concubinato.
A Constituição Federal de 1988 adotou o termo “União Estável”, inserindo-o no universo da entidade familiar, como forma de constituir família. É relevante esclarecer que, de fato, a expressão adotada pela Lei Maior, ou seja, União Estável, já havia sido anteriormente usada por vários juristas, dentre eles está o saudoso Gomes (1984, p.20), referindo-se justamente aos casos das relações familiares fundadas no companheirismo: “A família natural – até a que se constituía pela união estável de pessoas livres – era abominada”.
Com o implemento dessa expressão na Constituição Federal, os pares que a formavam passaram a ser denominados de companheiros, e não mais concubinos. Em relação ao companheirismo, tem sentido de convivência íntima; camaradagem; lealdade para com os companheiros, apontando os vocábulos companheira e companheiro, na acepção familiar, como sendo, respectivamente, esposas e maridos. (FERREIRA, 2001).
A jurisprudência passou a distinguir entre concubina e a companheira no território da capacidade passiva para testamento. Nesta, estava inserida a mulher que vivia com o homem em aparência de casamento. Ela podia ser beneficiada em testamento. No campo previdenciário, a denominação companheira foi acolhida. Em síntese, o legislador substitui o vocábulo concubinato por União Estável; concubino / concubina por conviventes.
Alguns Juristas já apresentaram outras terminologias como União Informal, Casamento de Fato, União livre, Sociedade de Fato, família natural, companheirato ou simplesmente concubinato.
1.1.2 Distinção entre união estável e concubinato
Durante muito tempo, o concubinato e união estável foram, na doutrina e na jurisprudência do nosso país, e ainda em textos alienígenas, termos sinônimos, ambos referindo-se à situação de uma união de alguma forma irregular, com a qual pretendiam, os conviventes, denominados igualmente concubinos, a constituição de entidade familiar, mesmo nas hipótese em que tal era inviável até pelas razões legais, como os impedimentos dirimentes e impedientes.
Antigamente, o termo concubinato era utilizado para designar a união estável, o qual abraçava as uniões douradoras feitas entre homens e mulheres, que vivessem num mesmo teto, como se casados fossem, e tivessem objetivos maior de constituição familiar. Porém, deveriam estar presentes entre estes conviventes alguns requisitos básicos a serem discutidos posteriormente.
Hoje, diferentemente, a união estável se distingue do concubinato pelo fato de ser considerada como entidade familiar, e serem delimitadas os seus requisitos e elementos pelo legislador ordinário na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 3º.
Na atualidade, união estável é meio legítimo de constituição de entidade familiar, havida, nos termos estudados por aqueles que não tenham impedimentos referentes a sua união, com efeito de constituição de família. O concubinato passa a ser claramente delineado coma a relação existente entre indivíduos possuidores de impedimentos para constituição de entidade familiar, que não podem, evidentemente, buscar na união estável estabelecida pela Constituição Federal refúgio para legitimação de suas relações, uma vez que o próprio sistema de nosso direito desconhece ou inviabiliza.
A respeito de tal distinção, é digno o comentário de Gama (2001, p.136):
O concubinato (...) era visto como forma de união espúria, de convivências clandestinas, ilegítimas e, desse modo, não possuía qualquer repouso jurídico nos seus efeitos. E havia necessidade de se trocar à distinção clara desse tipo de união em relação a outras formas de união, decorrente dos casamentos realizados no exterior sem registro no Brasil (...), dos casamentos religiosos sem efeito civil, das relações extramatrimoniais mantidas entre pessoas desquitadas e, portanto, impedidas de contraírem novo matrimônio colada à vedação do Divórcio no Direito brasileiro, em decorrência do principio da indissolubilidade do matrimônio.
Com a chegada do novo Código Civil, o termo concubinato passou a classificar as relações não eventuais entre homem e mulher, os quais se encontravam impedidos de celebrar o casamento nos termos do artigo 1.727 deste código, ao disciplinar que “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”, passando assim, o termo união estável a tratar da relação extra-matrimonial entre o homem e a mulher.
Ainda o mesmo diploma acima citado se refere ao concubinato como relações existentes extra-matrimonias, as quais não recebem a tutela do Estado enquanto entidade familiar, em decorrência dos impedimentos disciplinados pelo Art.1.521, do Código em epígrafe. Não podem, então, casar:
I-Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II- Os afins em linha reta;III- O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV- os irmãos unilaterais ou bilaterais e demais colaterais até o terceiro grau; V- o adotado com o filho do adotante; VI- as pessoas casadas; VII- O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
A única exceção encontrada no diploma diz respeito ao inciso VI que se refere a pessoas casadas, por isso recebia o tratamento de concubinato impuro. A união estável, agora, passou a ser tratada legalmente como união de fato e reconhecida literalmente como entidade familiar, havendo ou não a necessidade de transformá-la em casamento pelo casal, conforme sejam os companheiros: solteiros, viúvos, divorciados, separados judicialmente e também separados de fato.
Desta forma a situação que antes era classificada como concubinato puro, hoje deve ser entendida unicamente como configuradora da união estável, já que o código civil reservou o termo concubinato para discriminar apenas as uniões entre os legalmente impedidos.
1.3 A Caracterização e Requisitos da União Estável
Como todo instituto componente de um sistema de direito, a união estável possui componentes característicos que, uma vez observados, prestam-se a reconhecer sua natureza jurídica e a distingui-la de todos os demais eventos fáticos a tutela de uma norma jurídica, atos ou negócio, definindo, dessa forma, suas características, com o objetivo de sistematizar o companheirismo, no concernente às características e requisitos inerentes ao instituto.
Cumpre esclarecer que a divisão entre características e requisitos da União Estável leva em conta a necessidade de dividir os atributos dos requisitos de índole objetiva e subjetiva, sem desconsiderar uma relação mantida entre eles.
1.1.3 Características
As principais características da união estável são: a) objetivo de constituir família, b) estabilidade, c) unicidade de vinculo, d) notoriedade, e) continuidade, f) informalismo.
a) Objetivo de constituir família: tem como idéia principal a constituição da família no desejo dos companheiros compartilharem a mesma vida, dividindo as tristezas e alegrias, os fracassos e sucessos, bem como a pobreza e riquezas, formando, assim, um novo organismo distinto de suas individualidades. Não obstante esta característica preze pelo compartilhamento entre pessoa, da mesma forma não se pode fazer ausente a essência da união, que é a prole - o objetivo de constituir família passa pela união entre duas pessoas até a procriação;
b) Estabilidade: característica essa que vem expressa na Constitucional Federal de 1988, como elemento essencial da União Estável, pois o legislador deseja proteger as uniões que se apresentam com elementos norteadores do casamento. No entanto, não podemos considerar união estável uma simples relação sexual, mesmo que repetidas, uma vez que este elemento tem como conseqüência a durabilidade, isto é, a união tem que se prolongar no tempo, não podendo ser tipificada como momentânea e eventual;
c) Unicidade de vínculo: Este elemento revela a intenção de vida em comum, a posse do estado de casado e a presunção de que os filhos, se porventura o tiverem, são do casal. O fato de existirem relacionamentos com outros parceiros desvirtua a união estável; esclarecemos que o dever de fidelidade é a idéia central, no sentido de que exista somente um único vínculo para ambos os companheiros, devendo-se tratar de união monogâmica. Ao contrário, se houvesse outro vínculo amoroso, tornava-se a união irregular, não apenas sob o ponto de vista matrimonial, mas sob a ótica da presença de companheirismo no Direito de Família, ferindo os princípios morais adotados pela sociedade. Assim, não seria alcançado pela proteção Constitucional;
d) Notoriedade: A união extra-matrimonial deve ser revestida de notoriedade, no sentido de ser reconhecida socialmente, ainda que por um grupo restrito. Tal característica sempre foi apontada pelos doutrinadores, portanto, independente de sua consideração como tal, o importante é identificar o sentido oposto à clandestinidade do relacionamento, demonstrado a sociedade o interesse na relação como se casados fossem;
e) Continuidade: A união estável deve ser permanente não no sentido da perpetuidade, mas sim para efeito de verificação da solidez do vínculo, não sujeito a abalo e deslizes que por ventura aconteçam na vida comum dos dois. Essa convivência há de ser ininterrupta, visto que é isso que basicamente difere a união estável da união precária e da clandestina, que se constituem meramente de relações sexuais furtivas. Assim, para que seja reconhecida uma união estável, a relação deve ser contínua e sem sobressaltos. Anteriormente à Lei 8971/94, estipulava o lapso temporal de cinco anos para configuração da União Estável, conforme dispõe o Art. 1º, vejamos:
Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. (grifo nosso)
Com o Advento da Lei 9278/96, ficou revogada o dispositivo acima mencionado, trazendo em seu Art. 1º o que segue: “Art.1º é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida como objetivo de constituição de família”. Logo, não mais existe a necessidade de lapso temporal de cinco anos para configuração da União Estável, bastando, portanto, a simples vontade dos companheiros em permanecerem juntos, com objetivo de constituir família.
f) Informalismo: Essa característica baseia-se única e exclusivamente na vontade e consentimento mútuo dos companheiros de permanecerem juntos, sem qualquer solenidade para a sua formação, bem como para a sua extinção. Nesta união, inexiste qualquer obrigatoriedade aos partícipes da relação de observarem normas relativas ao casamento ou a qualquer outro ato solene para formação do companheirismo.
1.1.4 Requisitos
Os requisitos se subdividem em objetivos e subjetivos. Os primeiros são aqueles que dizem respeito às condições pessoais e eventos que independem dos elementos anímicos dos conviventes da união extra-matrimonial: a) ausência de impedimentos matrimoniais; b)comunhão de vida; c) lapso temporal de convivência:
a) A ausência de impedimentos matrimoniais, a doutrina se manifesta no sentido de somente reconhecer união estável entre pessoas desimpedidas, ou seja, em situação que não configurem o concubinato impuro;
b) A comunhão de vida evidencia a semelhança da união estável ao casamento, pois a convivência dos companheiros sob o mesmo teto implica-se na manutenção do efetivo exercício da pratica de relações sexuais, como acontece no casamento, que o casal justamente visa pela prosperidade;
c) O lapso temporal de convivência trata-se de requisito essencial, pois o simples fato de convivência do homem e da mulher ser contínua e ininterrupta, com a intenção de constituir família, já se constitui a união estável, independentemente do fator tempo.
Com relação aos requisitos subjetivos, que é apreciado pela voluntariedade, é manifestado pela intenção de se conviver maritalmente, configurando-se em: a) convivência more uxória; b) affectio maritalis.
a) A conivência more uxória significa a intenção de vida em comum dos companheiros sob o mesmo espaço, mantendo sua vida como se casados fossem, tendo os tratamentos respeitosos, afetuosos, carinhosos, compreensíveis de maneira recíproca e sejam estes sentimentos exteriorizados. Portanto, é um fator importante para constituição da união estável. É bem verdade que a súmula 382, do Supremo Tribunal Federal, diz que “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato”.
b) Affectio maritallis é o animus de constituir família, deve este estar presente ao lado da convivência more uxório, sendo um elemento volitivo, a intenção dos companheiros cercados de sentimentos nobres, como o amor, solidariedade, respeito, enfim, a intenção de formar uma família harmoniosa.
Reportando-se ao Direito Romano, observa-se que, naquele tempo, o casamento era vivido, mas não contraído. Ele era sustentado pelo affectio maritalis, se este desaparecesse o casamento não tinha como ser mantido. Nota-se que este elemento está presente na união estável, posto que sua constituição e permanência repousam na vontade das partes da relação.
II - DAS FONTES JURIDICAS QUE REGULAMENTAM A UNIÃO ESTÁVEL
2.1 União Estável na Constituição Federal de 1988
Poucos eram os direitos dos companheiros provenientes de uma relação estável antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Sem previsão legal, esse instituto pertencia ao campo obrigacional, sem repercussão no Direito de Família.
Na maioria dos casos, o companheiro, ao romper relações com a companheira, a abandonava a própria sorte, sem nenhuma preocupação com a sua assistência material, pois inexistia a obrigação de prestar alimentos. Não sendo o companheirismo uma espécie de família - como considerado até então pelo direito -, não gerava obrigação alimentar. Logo, isso era uma vantagem para quem vivesse sob o tipo “união estável” e não casados legalmente, pois, ao contrário daquela, este possuía regras claras quando de sua dissolução.
Assim, como vimos, anteriormente à Constituição, a doutrina, em sua unanimidade, não reconhecia a existência de direitos alimentares por parte do companheiro(a). E, na maioria dos casos, o companheiro varão, apesar de ser responsável pelo término da relação, mesmo que tivesse condições materiais para fornecer alimentos, deixava a família desamparada.
Devido às grandes mudanças sociais, o constituinte nacional, visando a enquadrar a Constituição Federal à realidade fática do mundo atual, no que tange ao reconhecimento da União Estável, e para a nossa Carta Magna não ficar obsoleta e acompanhar as mudanças acontecidas historicamente, reconheceu a proteção do Estado à União Estável ao legislar da seguinte forma: “Artigo 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção de Estado”; e no parágrafo 3º, do mesmo artigo, afirma que: “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
O constituinte brasileiro não conceituou detalhadamente nem apresentou os elementos aptos para uma total compreensão do instituto em comento, colocando a União estável no rol dos dispositivos referentes à família, e apresentando, abstratamente, apenas alguns requisitos idôneos, com o intuito de alcançar a juridicidade pretendida, para que ocorra uma futura regulamentação com uma lei posterior.
Pelo exposto, apesar de parte da doutrina e jurisprudência considerar que as normas relativas ao casamento seriam perfeitamente aplicáveis à união estável, prevaleceu a tese da necessidade de elaboração de leis específicas para regular os seus direitos e deveres.
A falta de esclarecimento na definição da União Estável na Constituição Federal rendeu muitas discussões doutrinárias, pois alguns juristas, como Silvio Venosa (2007, p.59), entenderam que o legislador considerou a União Estável inferior ao casamento, pois, em sua ótica, não há razão de facilitar a conversão em casamento se dois institutos não foram desiguais. Contudo, a corrente majoritária de entendimento é a de que o companheirismo está equiparado ao casamento, não devendo ocorrer distinções entre o direito concedido às duas entidades familiares, fato que enseja a inconstitucionalidade de diversos dispositivos do Código civil de 2002, principalmente o relacionado à sucessão dos companheiros, que será analisada posteriormente no presente trabalho.
Depois de muitas discussões sobre o assunto, chegou-se a uma pacificação de entendimentos com a edição da Lei nº. 8.971/94 que, apesar de conter uma série de imperfeições, foi a primeira a regular a matéria. Ante as omissões que se apresentavam nesta lei, foi elaborado um novo projeto, desta vez mais completo, para ser aplicado nas questões relacionadas à união estável. Mais adiante, estudaremos essas leis mais detalhadamente e verificaremos a importância que nos trouxeram para o meio social relativo aos conviventes.
Após a promulgação da Constituição, essa regra mudou tanto no campo da doutrina como no da jurisprudência. A Constituição Federal de 1988 (2006, p 43 passim), ao reconhecer a união estável, ou concubinato puro, como entidade familiar, provocou uma reformulação no campo do Direito de Família, incluindo essa relação no seu campo de incidência.
O reconhecimento, pela Constituição Federal, da união estável como entidade familiar, trouxe vários efeitos, como, por exemplo, o reconhecimento de uma gama de reflexos jurídicos positivos em tal união. O direito a alimentos, trazido com o advento da Constituição Federal de 1988, assim como outros direitos provenientes dessas relações, foram admitidos e considerados como uma realidade jurídica diante da equiparação da união estável com o casamento.
Faz-se necessário afirmar que o reconhecimento constitucional não abrange relações entre indivíduos de mesmo sexo, visto que tal previsão diz respeito apenas à união entre homem e mulher, pois, em caso de união de duas pessoas do mesmo sexo, esta constituir-se-á sociedade de fato, ficando equiparado ao concubinato impuro.
O texto constitucional, ao enquadrar a união estável como entidade familiar, no parágrafo terceiro, do artigo 226, e tratar sobre ela em dispositivo pertencente ao Direito de Família, gerou, como demonstra Czajkowski (1997), múltiplos efeitos:
De um lado, consagrou uma lúcida orientação jurisprudencial sedimentada ao longo dos anos, de reconhecer em tais uniões inúmeros reflexos jurídicos positivos, aproximando-as – implícita ou deliberadamente - do direito de família. De outro, provocou algumas reações contrárias de setores vinculados a concepções mais conservadoras da família, e que anteviam na disposição constitucional um sério perigo aos alicerces morais da sociedade.
A Constituição Federal considera a família como o núcleo básico de toda a estrutura social - não é de se estranhar a proteção estatal a ela dispensado - por ser através dela que o indivíduo se insere na sociedade, adquirindo as condições necessárias ao convívio harmonioso em seu grupo. Pode-se afirmar, em virtude de tais colocações, que a atual Constituição, sensível à dinâmica da vida humana e atenta à necessidade de adaptação das normas jurídicas à nova realidade social, elevou a união estável existente entre o homem e a mulher ao status de família, passando a ter, este tipo de relacionamento, uma consideração maior pelo legislador, evidenciada pela proteção constitucional que lhe foi dispensada.
A dicção constitucional legitimou uma prática social aceitável, qual a da existência de uniões livres, de duração compatível com a estabilidade das relações afetivas, onde se diferenciavam daquelas uniões oriundas de comportamento adulterino que com elas não guardavam a mesma identidade jurídica.
No entanto, a Carta Constitucional reconheceu a “união estável” como sendo uma entidade familiar e, devido a obscuridades na definição da união, o legislador ordinário ficou encarregado do desenvolvimento dos direitos decorrentes da relação, o que ocorreu em lei como a Lei nº8.871/94, Lei nº9.278/96 e, posteriormente, no Código Civil de 2002.
2.2 União Estável no Código Civil de 1916
O Código Civil Brasileiro de 1916 veio à tona no início do século passado, época em que o individualismo e o patriarcalismo predominavam; a família patriarcal tinha como chefe o homem, e como subalternos a esposa e sua prole. A família constituída através do casamento civil indissolúvel era a única acobertada pelo manto legal, merecedora de proteção estatal. A mesma era marcada primordialmente pelo aspecto patrimonial.
O diploma legal de 1916 era extremamente conservador, uma vez que fora bastante influenciado pela doutrina da Igreja Católica, pelas tendências culturais da época e ainda pelos latifundiários, em decorrência de tais fatos, o referido diploma legal fez poucas referências ao concubinato, o que justifica pelo intuito de o legislador proteger apenas a família formada pelo casamento, sendo estas consideradas legítimas, entendendo todas as demais uniões como ilegítimas.
O legislador refletia o total preconceito que a sociedade detinha em face da união que não fosse a proveniente do casamento, visto que a ideia dessas uniões eram consideradas ilegítimas, sem qualquer proteção jurídica.
Proteção do Estado apenas as famílias oriundas do casamento deu origem a diversas restrições de direito, quando o assunto é concubinato, envolvendo uma pessoa casada. Dentre elas, podemos citar o impedimento do cônjuge adúltero com seu co-reú por tal condenado (artigo 183, inc.VII), a discriminação do filho havido fora do casamento (artigos 337, 358 e outros) e a incapacidade da concubina do testador de ser beneficiada por este, com pena de nulidade, exceto nas hipóteses de separação de fato do testador.
Os magistrados ensejavam uma busca por uma analogia como fonte de direito a ser aplicado ao caso concreto, devido à falta de previsão na legislação da época. Por conseguinte, os tribunais passaram a decidir as demandas de efeito patrimonial sob a chancela jurídica de que a união livre entre homem e mulher consubstanciava uma sociedade de fato, ou ainda caberia uma indenização pelos serviços domésticos prestados pela concubina.
O Diploma apresentava apenas uma única referência positiva ao concubinato, encontrada no artigo 363, inciso I, que prevê, para fins de investigação de reconhecimento de filiação, a situação de concubinato, com presunção de vida em comum de pais; contudo, este dispositivo é discriminatório ao concubinato envolvendo a pessoa casada, excluindo os filhos de pessoas com impedimento matrimonial absoluto, abrangendo a incestuosa e adulterinidade.
As situações acima citadas perduraram até a promulgação da Constituição Federal de 1988, pois esta reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, ampliando um horizonte para uma nova concepção em relação aos direitos e deveres.
2.3 União Estável no Novo Código Civil
No intuito de elaborar um projeto do novo Código Civil brasileiro, remonta ao governo do Presidente Jânio Quadros, o então Ministro da Justiça, Oscar Pedroso D’Horta, incumbe ao jurista professor Orlando Gomes a tarefa de elaborar um anteprojeto. A conclusão deste foi em 28 de setembro de 1963, data de entrega solene, ao Ministro da Justiça Milton Campos, no governo do Presidente Castelo Branco. Sendo somente, em 1975, apresentado um novo anteprojeto, elaborado por Miguel Reale e outros, originando a mensagem Presidencial nº 160; e, em junho do mesmo ano, encaminhada ao Congresso Nacional, sendo apresentado à Câmara Federal, que recebeu o nº 118, de 1984 (nº 634/75, na casa de origem), onde foi arquivado em 1991.
Em seguida, no ano de 1995, foi reativado o projeto, o qual foi aprovado e sancionado pelo Presidente da República, com Lei nº 10406, de 10 de janeiro 2002, apesar de vários entendimentos e controvérsias a respeito da matéria, demonstrou como fora importante para o Direito de Família, em especial à união estável, posto que cria um título próprio para tratar do assunto, acolhendo as posições mais sólidas e dominantes da jurisprudência e doutrina atual.
O Diploma Civil atual revela os rumos tomados pela sociedade e pelo legislador acerca da união estável, sendo obediente a Constituição Federal, que considera este instituto como entidade familiar, traçando suas bases fundamentais que lhe concedem a conversão em casamento. Nesse sentido, o legislador não poderia deixar de ressaltar a importância da união estável no sistema jurídico atual e sua regulamentação.
Entretanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve uma profunda alteração nos conceitos de família e na própria realidade social. Com a regulamentação do § 3º, do art. 226, da nossa Constituição de 1988, ficou reconhecida, para efeito de proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Nesse efeito, instituiu uma norma programática no sentido de a lei facilitar sua conversão em casamento feita por intermédio da Lei nº 8.971, de 29/12/1994 e, posteriormente, da Lei nº 9.278, de 10/05/96, ainda que com suas imperfeições, passou a proteger essa união sob o manto legal.
Pode-se perceber que o Novo Código Civil sofreu inúmeras críticas enquanto projeto, em seu texto original, naquilo que tange à união estável e ao concubinato, mantinha a mesma estrutura do Código de 1916. Somente após várias emendas e substitutivos, e graças ao honroso trabalho de seu relator, o Deputado Ricardo Fiúza, o tema foi introduzido e está definitivamente incorporado no direito de Família, ou seja, no Livro IV, do Novo Código Civil.
A grande crítica feita em cima do Código Civil foi sobre a extensão do tratamento dado à união estável, pois já existiam no mundo jurídico duas leis que regulamentavam a matéria, ao passo que o Novo Código Civil abrange todo assunto relacionado a União estável em apenas cinco artigos.
Ao nosso ver, o referido diploma legal conseguiu introduzir, ou seja, incorporar elementos das Leis nº 8.971/94 e da Lei nº 9.278/96 em seus arts. 1.724, 1.725, 1.727, 1.790 e 1.844, utilizando as expressões companheiro e companheira, adotadas pela Lei de nº 8.971/94. Já no art. 1694, utiliza a expressão convivente, como na Lei n. 9.278/96. No art. 1.801, utiliza a expressão companheiro.
O Novo Código deixou o conceito de união estável mais aberto, reafirmando o disposto no art. 1º, da Lei 9.278/96. In verbis, o art. 1.723, do Novo Código Civil:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
§ 3º Poderá ser reconhecida a união estável diante dos efeitos do art. 1.576.
Pelo exposto, foi exaurido o prazo mínimo anteriormente estabelecido para se reconhecer à união estável. Então, para sua configuração, é necessária uma vivência comum, o que é incompatível com a relação momentânea, passageira e acidental, sendo caracterizada pela reunião dos elementos citados como: publicidade, continuidade, durabilidade e estabilidade, tendo como objetivo a constituição familiar.
O parágrafo primeiro, do artigo supra citado, estipula que a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521, não aplicando a incidência do inciso VI nos casos de pessoas casadas, se achar separados de fato ou judicialmente.
Essa inovação do novo Código Civil regulamenta algo que já veio estabelecido e aceito pela maioria dos Tribunais, ou seja, pessoas casadas civilmente, mas separadas de fato, poderão ser conviventes de União estável, sendo que o prazo de separação não vem estabelecido no código, ficando a critério da doutrina e jurisprudência.
Para a união estável, o Novo Código estabeleceu as mesmas regras do casamento, exceto a coabitação:“Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”
Na definição de Gomes (1999, p. 126), os direitos pessoais e matérias “consistem ajuda e cuidados; ajudam-se os cônjuges mutuamente em todas as circunstâncias da vida, compartilhando dores e alergias, um confortando o outro na adversidade, um cuidando do outro na enfermidade”.
De acordo com artigo 1.725, o regime entre os conviventes da união estável é o de comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito entre os companheiros. Assim, o legislador visa proteger o esforço dos companheiros para construção ou aumento do patrimônio. A esse respeito, trata a súmula 380, do Supremo Tribunal Federal: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
A conversão da união estável em casamento vem exposta no artigo 1.726, mediante pedido de companheiro ao juiz e assento no registro civil. Esta conversão foi prevista pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, §3º. O legislador pretendeu facilitar a conversão do companheirismo em casamento. Portanto, uma vez requerida a conversão, ainda que um dos companheiros ou ambos venham a falecer antes de se efetivar, não haverá impedimento que o Sr. Oficial do Registro Civil registre a conversão após ultrapassados os trâmites relativos à publicação dos editais, decurso do prazo e registro dos editais, com as conseqüências da habilitação e registro de conversão.
Por último, o artigo 1.727, ao dispor que “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”, o legislador faz uma distinção terminológica entre concubinato e união estável. Segundo o disposto na Constituição Federal de 1988, somente se legitimam relações que preencherem os requisitos por ela elencados.
As conseqüências patrimoniais da relação, no Novo Código, apenas consolidou o que já vinha estabelecendo a doutrina e jurisprudência, bem como o disposto nas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96. Ou seja, inovou ao dizer expressamente que se aplica às relações patrimoniais, o regime da comunhão parcial de bens. A diferença em relação às leis anteriores é a eliminação da expressão “esforço comum”, aproximando ainda mais a união estável do casamento civil.
Dentre os direitos decorrentes da união estável, a herança talvez tenha sido o que mais alteração sofreu em relação às leis anteriores. Por este motivo destinaremos o capítulo posterior para uma discussão um pouco mais exaustiva.
Outras críticas surgem no tocante ao artigo 1.790, que em apenas um único dispositivo disciplinou o direito sucessório dos companheiros, que dispõe o seguinte:
Art.1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência a união estável, nas condições seguintes:
I-Se concorrer com os filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II- Se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III-Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Este artigo aloca-se no atual Código Civil, no capítulo denominado disposições gerais e do título da sucessão em geral. Sendo encontrado de maneira inadequada, uma vez que esta regra é, na verdade, uma ordem de vocação hereditária para hipótese de união estável. Por essa razão, deveria estar alocada neste passo de regulamentação, e não daquele. Trataremos com mais detalhe sobre este assunto no último capítulo.
Outra distinção é que o companheiro passa a herdar somente o conjunto de bens adquiridos na vigência da união estável. No sistema anterior não existia tal limitação, pois poderia herdar a integridade do acervo, inexistindo descendente e ascendente. A norma representa sensível gravame aos conviventes. Ocorre que, na medida em que haja exclusivamente bens pertencentes aos de cujos, desde a data anterior ao início da relação e, supondo não haver descendentes nem ascendentes, o patrimônio irá todo para o Estado, não ficando o convivente nem sequer com o direito real de habitação sobre o imóvel, onde por ventura resida, nem com o usufruto dele, uma vez que tais direitos foram assegurados pelas leis nos. 8.971/94 e 9.178/96.
2.4 As Leis dos Conviventes
Duas são as leis Federais que possibilitaram a concretização dos direitos e deveres dos conviventes. A partir de então, os companheiros adquiriram o Direito dos Alimentos e Sucessão, além do direito real de habitação, entre outras vantagens. No entanto, não tendo o legislador de 1996 se manifestado acerca da ab-rogação da lei precedente, e não sendo ambos os diplomas globalmente incompatíveis, há de se investigar se a Lei nº 9.278/96 regulamentou integrantes às matérias e direitos tratados pela Lei de 1994.
Vale salientar que as leis acima citadas versam especificamente sobre união estável - Leis nos. 8.971/94 e 9.278/96. A primeira veio especificamente para disciplinar os alimentos e facultar aos conviventes lançar mão do disposto na lei nº 5.478/68, bem assim garantir o Direito Sucessório; a Segunda veio regulamentar a norma Constitucional (Parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal).
Antes da vigência das Leis 8.971/94 e 9.278/96, os companheiros tinham direitos sucessórios restritos à disposição testamentária, resguardando-se o direito dos herdeiros necessários à legítima, de modo que o testamento não ultrapassasse a porção disponível, podendo ainda participar do inventário do falecido na qualidade de administrador do espólio ou até mesmo como credor do autor da herança.
Outra matéria nada pacífica entre as duas leis diz respeito aos elementos característicos da união estável. A lei de 1994 refere-se, para configuração da família de fato, àquela companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele vivia há mais de cinco anos, ou dele tinha prole. A lei de 1996, mais flexível, preferiu valer-se da experiência doutrinária e jurisprudencial, reconhecendo como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e mulher, estabelecida com objetividade de constituir família.
2.4.1 Lei nº 8.971/94
A Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, teve origem no Projeto nº 37/92 do Senado Federal, por iniciativa do Senador Nelson Carneiro. Com uma tramitação rápida e sem maiores discussões no meio jurídico, foi aprovada no apagar das luzes de 1994, com publicação em 30 de dezembro, quando entrou em vigor. Dispõe, em apenas três artigos, pois os demais, 4º e 5º dizem respeito apenas à data da vigência e à revogação das disposições em contrário, sobre os direitos dos companheiros a alimentos, sucessão e meação em caso de morte.
Os requisitos para que a união estável possa ser reconhecida veio estampada no artigo 1º, da Lei nº 8.971/94, limitando a situação de companheiros a apenas aqueles relacionamentos entre homem e mulher solteiros, separados judicialmente, divorciados, ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com prole dessa união, como consta no primeiro artigo:
Art. 1º. A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
É indiscutível a importância da Lei nº8.971/94, na instituição dos efeitos jurídicos no aspecto interno entre os companheiros. O legislador utilizou a técnica redacional para expressar o gênero no intuito de diferenciar o companheiro da companheira, com o objetivo de fixar a igualdade entre eles, conforme se nota no parágrafo único.
A presente lei excluiu o concubinato adulterino ou impuro; apenas restringiu o sue benefício aos conviventes desimpedidos, atendendo a uniões que perdurassem por um período razoável ou aos que tivessem prole comum.
O direito sucessório, por sua vez, previsto no artigo 2º, ressaltou a propriedade entre os companheiros, alterando a ordem de vocação hereditária, ministrando tratamento idêntico à sucessão em favor do cônjuge. O parceiro terá direitos sucessórios, sendo incluído na vocação hereditária se existir a união estável no momento do falecimento. Se ocorrer a separação antes da morte do companheiro ou da companheira, não há que se falar em direito hereditário, como ocorre na separação judicial das pessoas casadas, existindo somente o direito à meação, que preexiste ao da herança.
Instituiu uma nova modalidade de herdeiro: o companheiro ou a companheira do falecido, conferindo-lhe, de acordo com a situação em que se encontre, o direito de usufruto de parte dos bens do de cujus ou o direito de propriedade.
O legislador, no artigo 2º, apresentou três situações distintas de sucessão em favor do convivente sobrevivo. A primeira é, em havendo descendentes do de cujus, o companheiro ou a companheira sobrevivente terá direito ao usufruto da quarta parte dos bens deixados, enquanto não constituir nova união.A segunda é a de que, se o de cujus não tiver filhos, mas tiver qualquer ascendente vivo, podendo ser pai, mãe, avô, avó, o companheiro ou a companheira sobrevivente terá direito ao usufruto da metade dos bens, enquanto não constituir nova união. Finalmente, a terceira é a de que, em não havendo descendentes ou ascendentes, o companheiro ou a companheira sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
No entanto, pode-se dizer que, em princípio, e a título sucessório, que ao companheiro ou à companheira sobrevivente, uma vez comprovada a existência de união estável por ocasião do falecimento do parceiro, e havendo descendentes ou ascendentes, é concedido o direito de usufruir um quarto ou de metade dos bens deixados pelo de cujus, respectivamente, ou segundo os casos em que não existirem descendentes ou ascendentes do extinto, terá direito à propriedade total dos bens por ele deixados.
Os incisos I e II, do artigo 2º, da Lei 8.971/94, estipularam o usufruto legal em favor dos companheiros sobreviventes sendo temporário. Isso porque perdura enquanto o convivente sobrevivo não constituir nova união, seja através de convivência estável ou casamento.
Vale ressaltar que o usufruto é direito real sobre coisa alheia, tendo o usufrutuário o direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos da coisa, cuja propriedade pertence a outrem, no caso em pauta, aos descendentes ou ascendentes do de cujus. O usufrutuário ou o companheiro ou a companheira, terá direito de uso e gozo do bem, não podendo dele dispor, visto não lhe pertencer. Os verdadeiros proprietários, por sua vez, serão donos de um bem gravado por usufruto, passando a obter o direito de uso e gozo com a morte do companheiro ou da companheira, ou ainda por ocasião de nova união deste com outrem, conforme determinação legal.
No inciso III, deste artigo, nas hipóteses em que o de cujus não deixar descendentes ou ascendentes, na prática equiparou o companheiro sobrevivente ao cônjuge viúvo, uma vez que determina que, na falta de descendentes ou ascendentes do falecido, nesta ordem, herde ele a totalidade da herança, assim como ocorre com o cônjuge sobrevivente nos casos em que o falecido era casado. Desta forma, fica explícito que, em qualquer dos dois casos apresentados, os colaterais e as pessoas de direito público elencadas no Código Civil ficam afastados da sucessão.
A nova lei não esboça qualquer tipo de concorrência entre o cônjuge viúvo e o companheiro sobrevivente. A Lei em comento estabelece, deixando bem claro, que o companheiro sobrevivente só herda se o de cujus for solteiro, separado judicialmente, viúvo ou divorciado. Se for ele apenas separado de fato de qualquer antigo cônjuge, o parceiro sobrevivente, com quem convivia ao tempo da morte, não herda, prevalecendo o inciso III, do artigo 1.603, do antigo Código Civil, sobre o artigo 2º, III da Lei 8.971/94.
2.4.2 Lei nº 9.278/96
Insta salientar que a Lei nº9.278/96, de 10 de maio de 1996, não se originou das críticas que foram feitas sobre Lei nº 8.971/94. Cuida-se do projeto de Lei de nº1888, apresentado pela Deputada Federal Beth Azize, acolhendo parte do esboço do anteprojeto sugerido pelo professor Álvaro Villaça de Azevedo. Ou seja, o projeto tramitou no Congresso Nacional durante cinco anos, e não surgiu repentinamente para corrigir os equívocos da Lei nº 8.971/94.
Então, no dia 10 de maio de 1996, entrou em vigor a Lei n° 9.278/96, que se compõe de onze artigos, reduzidos para oito, em virtude do veto aos artigos terceiro, quarto e sexto, que regulamentavam, mais precisamente, o contrato de vida em comum, que os conviventes têm a opção de fazer, bem como o distrato e o registro desses instrumentos nos cartórios do Registro Civil e do Registro de Imóveis.
O artigo primeiro da lei em tela, reconhece como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e de uma mulher, desde que estabelecida com objetivo de vida em comum e constituição da família: “Artigo 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública, e continua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituir família”.
Esta lei regulamenta especialmente a norma Constitucional, em seu artigo 226, parágrafo 3º, não faz qualquer referência ao estado civil dos companheiros, nem ao tempo mínimo de convivência, diferentemente da Lei anterior estudada. A redação deste dispositivo apresenta várias imperfeições e lacunas, que somente o trabalho minucioso pode sanar. Inicialmente, para o reconhecimento daquela união, é necessário muita cautela, visto ser inerente a eles a questão da informalidade.
Fernando Malheiros Filho apresenta que (1998, p.24):
(...) a união estável estabelece-se pela continuidade, pelo trato sucessivo de fatos, pelo implemento da relação continuativa, tornando bastante difícil ao observador distante dos acontecimentos apurar com exatidão a data de início e, por vezes também, do fim de uma união, embora tais fronteiras temporais, tal como no matrimônio civil, sejam de fundamental importância pelo menos para mensurar os efeitos patrimoniais do relacionamento.
É nitidamente impreciso o momento em que tais uniões deixam de ser apenas relacionamentos passageiros e superficiais e passam a ser mais seguros, firmes, com o verdadeiro intuito de constituição familiar, conforme menciona o texto Constitucional.
Em virtude da durabilidade da União para configuração do companheirismo, comunga-se da opinião de Malheiros Filho quando este expõe que (1998, p.30):
(...) essa estrita regulamentação sempre foi objeto de críticas, especialmente pela dificuldade de aplicação aos fatos, postos que não só há uma considerável dificuldade de precisar, no tempo, o momento exato em que a abordagem inicial entre sexos perdeu a superficialidade e passou a constituir família, mas também tendo em vista que significaria inaceitável injustiça atribuir efeitos a um relacionamento que perdurasse por cinco anos e um dia, negando-os àquele que findasse poucos dia antes do implemento do mesmo prazo.
A lei 9.278/96 não condicionou a configuração do companheirismo ao prazo de cinco anos ou à prole. Assim, inexiste o prazo qüinqüenal mínimo imposto pela Lei 8.917/94 no tocante aos alimentos, sendo indiferente à existência de filho de casal para tal efeito.
O artigo 5º, da lei 92.278/96, alterou o sistema de regime de bens introduzido pela Lei 8.971/94, criando a presunção de comunhão de aquesto, isto é, bens adquiridos a título oneroso na constância da sociedade mantida entre os companheiros. Sendo que existe uma limitação quanto à escolha do companheiro ao regime de bens, pois são excluídos os bens que não foram adquiridos durante a União.
Apesar destas mudanças, resta caracterizada uma união estável entre pessoas de sexos opostos. Certos requisitos mínimos e essenciais deverão ser notados a partir de uma análise da legislação atualmente existente, e até mesmo diante dos requisitos já reconhecidos anteriormente pela doutrina e pela jurisprudência, como a existência de uma relação duradoura, a publicidade da relação, a continuidade da relação, a ausência de matrimônio civil, a fidelidade recíproca, a vontade de unir-se sob a forma de casamento e o objetivo de constituição de família.
Diz o parágrafo único, do artigo sétimo, da Lei n° 9.278/96:
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Uma crítica que se pode ser feita, sob o ponto de vista formal do texto, é a inclusão do parágrafo único, no art.7°, que cuida do direito sucessório de habitação, enquanto o caput se refere à matéria completamente distinta ao direito sucessório. Neste artigo, nota-se que também foi assegurado ao companheiro sobrevivente, nos casos de dissolução da sociedade conjugal pela morte de um dos conviventes, afora os direitos já assegurados pela Lei n° 8.971/94, o direito real de habitação do imóvel destinado à residência da família.
Este referido direito real de habitação diz respeito ao imóvel de propriedade do falecido, ou de ambos os conviventes, onde residiam, devendo o companheiro sobrevivo nele continuar residindo, se for de sua vontade, mas sendo-lhe vedado o empréstimo ou a locação do mesmo, e persistirá enquanto o companheiro sobrevivente viva ou até que constitua nova união ou casamento.
No entanto, esclarece Oliveira em sua obra União Estável, Comentários às Leis nº 8.971/94 e 9.278/ 96 (1999, p.69):
O direito de habitação, espécie de direito real sobre coisa alheia (arts. 674 e 746 do CC), foi também estendido, no plano sucessório, ao sobrevivente de união estável, nos termos do art. 7°, par. Ún., da Lei n. 9278/96. Esse direito persistirá enquanto o beneficiário viver ou não constituir nova união ou casamento, incidindo sobre o imóvel de residência da família.
É necessário não confundir habitação com usufruto. Aquele é mais restrito que este. Consiste apenas na utilização, para fins de moradia do imóvel residencial alheio, gratuitamente, não abrangendo a percepção de frutos que dele possam advir.
O Artigo 8º, da Lei nº 9.278/96, estabelece que os conviventes poderão, de comum acordo, e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, através de simples requerimento ao Cartório de registro Civil da circunscrição de seu domicilio. A Lei ainda cuida, em seu artigo 9º, da competência da Vara da Família para tratar a mátria de união estável.
Pelo exposto, a Lei 9.278/96, preservou a manutenção do direito material a alimentos, de forma expressa, cuidando do assunto com particularidade, apesar de não tratar da extinção da obrigação alimentar, cuidada na Lei 8.9714/94. Assim, a Lei de 1996 não ab-rogou a lei de 1994.
Assim, apesar das críticas à introdução do companheirismo no ordenamento jurídico, ora feita por aqueles que defendem a manutenção do casamento como única fonte geradora de família, ora por outros que consideram que as uniões extra-matrimonias, ainda que estáveis, não devem ser consideradas objetos de qualquer regulamentação legal, justamente pala informalidade das relações, o certo é que os dois textos legislativos comentados são dignos de reconhecimento pelo avanço, ousadia e adequação à nova realidade jurídico familiar, no sentido de o Direito de Família fundar-se em princípios humanos de amor, dignidade, solidariedade e respeito.
IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho tivemos a intenção de fazer uma análise do conceito de família, principalmente no tocante a União Estável, incluindo seus requisitos e fundamentação legal, partindo da Constituição Federal de 1988, que foi um marco histórico na evolução do Direito da Família no Brasil, uma vez que reconhece a União Estável como entidade familiar, deixando o casamento de ser o único Instituto formador e legitimador da família.
A partir da iniciativa do diploma maior, outra duas leis surgiram para regular os direitos concernentes aos companheiros de uma união estável: a Lei n° 8.971-96 e a Lei n° 9.278/96. Ambas tinham o propósito de esclarecer os pontos mais duvidosos e obscuros deste tipo de relacionamento, procurando estabelecer aos seus integrantes direitos como alimentos, habitação e sucessão.
As leis supra citadas, a par de suas importâncias no estabelecimento de efeitos jurídicos em relação aos companheiros, não foram norteadoras no sentido de regulamentar de forma límpida e sistemática o Instituto de União Estável.
Diante do exposto no decorrer deste trabalho, percebemos a equiparando o Direito dos companheiros ao dos cônjuges, visto que o instituto da União Estável cresceu e se consolidou infinitamente nos últimos anos.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WILSON NEVES DE MEDEIROS JúNIOR, . A união estável e sua fundamentação legal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 ago 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40517/a-uniao-estavel-e-sua-fundamentacao-legal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
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