RESUMO: Este artigo busca analisar, sob a ótica doutrinária, o enfrentamento da doutrina da reserva do possível pela teoria do mínimo existencial, dando ênfase ao conceito de direitos sociais. Trata-se de uma celeuma hodierna definir quais direitos comporiam esse mínimo existencial, bem como se a reserva do possível poderia ser oposta para não implementação de tais direitos. Nesse diapasão, pensamos que a melhor doutrina seja a de Ingo Sarlet, o qual preleciona não ser oponível a referida política pública frente aos direitos fundamentais que formam o mínimo existencial.
PALAVRAS-CHAVES: Mínimo existencial. Reserva do possível. Direitos sociais.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira, nos moldes que se encontra hoje, enfrenta um verdadeiro dilema: conciliar uma gama de direitos fundamentais trazidos no bojo da Constituição Federal com a falta de verbas do Estado para pôr em prática tais direitos. A velha máxima de que o Estado irá, paulatinamente, dar aplicabilidade aos direitos sociais não é mais completamente aceita, tendo em vista a previsão constitucional de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Nesse ínterim, a doutrina se digladia, a fim de descobrir qual a melhor forma de proteger tais direitos sem levar o Estado a completa falência.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 AS NUANCES DESSE CONTRAPONTO E A POSIÇÃO DA MELHOR DOUTRINA
Antes de nos dedicarmos à efetividade dos direitos sociais e à reserva do possível, faz mister conceituarmos esse direito, localizando-o no sistema constitucional vigente. Consiste o direito social em um direito de 2ª geração, ligado diretamente à igualdade material. Tem como principal finalidade amenizar as consequências decorrentes das desigualdades sociais tão típicas no capitalismo, daí seu caráter eminentemente prestacional. Em outras palavras, colima primordialmente a proteção dos hipossuficientes.
Ocorre que, diferentemente dos direitos de 1ª geração, os quais exigem apenas uma não atuação do Estado no sentido de coibir as liberdades do cidadão, os direitos sociais exigem uma atuação positiva do Estado, através do implemento de políticas públicas que viabilizem os direitos previstos na nossa Carta Magna.
Decorre daí a problemática. Quando não atuarem positivamente os poderes Executivo e Legislativo, pode o Judiciário interferir em seu mérito de atuação, na busca da implementação desses direitos? O que pode ser alegado para essa não atuação? Qual o mínimo de efetividade das normas previstas na Constituição?
É sobre essas questões que a doutrina vem se debruçando ao longo dos anos e cujas respostas serão alvos de uma análise perfunctória da nossa parte.
Dois conceitos indispensáveis à consecução da resposta que pretendemos são os de mínimo existencial e de reserva do possível. Em linhas gerais, serve o mínimo existencial, expressão trazida da Alemanha, para delimitar quais os direitos sociais representam as condições para o exercício efetivo da liberdade, haja vista que a fundamentalidade dos direitos sociais decorrem da importância destes para o pleno exercício da liberdade, esta sim fundamental. É a chamada liberdade real.
Nas palavras de Walber Agra, “A definição do mínimo existencial não é determinada por parâmetros a priori, mas através de sua textura material, de acordo com fatores sócio-político-econômicos.”.
A teoria do mínimo existencial parte, assim, do pressuposto de que fundamentais só os direitos da 1ª geração, só podendo os demais sê-lo, se deles derivarem.
Já a reserva do possível, expressão também surgida na Alemanha no ano de 1972, é, para Daniel Sarmento, um conceito aplicável no Brasil, principalmente, em virtude das limitações orçamentárias do nosso governo.
Consiste, assim, a reserva do possível em uma escusa utilizada pelo Estado para se eximir da aplicação de um determinado direito social previsto na Constituição, baseada na impossibilidade fática de satisfação do direito prestacional, isto é, o Estado tem que dispor dos recursos necessários para a efetivação do direito social; na impossibilidade jurídica da prestação, ou seja, tem que se analisar se há autorização orçamentária para cobrir a despesa, bem como qual a entidade federativa responsável pela prestação – os gastos do Estado devem estar previstos na lei orçamentária; e, por fim, na falta de razoabilidade da exigência e de proporcionalidade da prestação.
Sendo a reserva do possível um argumento trazido pelo Estado para se eximir de aplicar um determinado direito social, deve trazer à baila as provas das impossibilidades que consubstanciam a reserva do possível (esposadas alhures). Deve o Estado, consoante o pensamento do Ministro Celso de Mello, exposto na ADPF 45, demonstrar a existência de justo motivo objetivamente aferível.
Esclarecidos os devidos conceitos, cabe o questionamento: Até que ponto pode a reserva do possível ser alegada pelo Estado para se escusar de suas obrigações relativas aos direitos sociais?
Existe uma primeira corrente, defendida principalmente pelo insigne autor Dirley da Cunha Jr., asseverando que a efetividade do direito social é máxima e refere-se a todos os direitos fundamentais, inclusive os sociais, consoante dispõe o artigo 5º, §1º. Assim, não depende de nenhuma manifestação legislativa. Por isso, a reserva do possível, para Dirley, não pode ser alegada para se escusar da aplicação de nenhum dos direitos sociais previstos na Constituição.
Contudo, Ingo Sarlet, com o apoio de Marcelo Novelino, afirma, em outro diapasão, que a maioria dos direitos sociais precisa de uma atuação positiva, ora do poder Legislativo, ora do poder Executivo, não devendo, assim, o dispositivo mencionado acima ser interpretado como uma regra a ser aplicada na medida exata de suas prescrições, mas como um princípio, o da máxima efetividade. Este aduz que devem as normas de direito social ser aplicadas sempre que possível no caso concreto e na medida de sua efetividade.
Assim, para Sarlet, em relação ao mínimo existencial, não se pode alegar a reserva do possível, haja vista que os direitos inclusos no mínimo existencial seriam absolutos.
3.0 CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, entendemos ser o pensamento de Ingo Sarlet o mais adequado, uma vez que a escassez de recursos na Administração impede a constante atuação positiva do Estado, no sentido de implementar os direitos sociais. Contudo, tal impedimento não pode ser estendido a todos os direitos sociais, havendo aqueles, como o direito à saúde, que são absolutos e, por isso, devem sempre corresponder uma atitude positiva do Governo, mesmo que, para isso, haja necessidade de uma intervenção judicial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TORRES, Ricardo Lobo. “A cidadania multidimensional na era dos direitos”. In: TORRES, Ricardo Lobo (org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
NETO, Claudio Pereira de Souza. Fundamentação e Normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático. In: BARROSSO, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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