RESUMO: A forma como a sociedade se interage gera os mais diversos tipos de danos. O estudo sobre os diversos regimes jurídicos de responsabilidade civil se torna importante a partir do momento que o sucesso de uma demanda depende da análise acertada do regime de responsabilização.
Palavras-chaves: Civil. Responsabilidade. Constituição. Código Civil.
INTRODUÇÃO
O trabalho propõe a abordagem acerca de como o tema responsabilidade civil foi tratado na Constituição da República e no Código Civil, bem como as posições doutrinárias relativas ao tema.
DESENVOLVIMENTO
Viver em um Estado Democrático de Direito implica viver em uma sociedade em que as pessoas são responsáveis por seus atos principalmente quando estes causam danos a bens jurídicos tutelados. A liberdade que o ordenamento jurídico defende não é uma liberdade absoluta, está limitada pelo respeito ao direito do outro e por esse motivo todos devem se conduzir de forma a exercer seu direito sem prejudicar direito alheio.
Responsabilidade é a obrigação de reparar o dano causado a interesse juridicamente tutelado. O dever de reparar o dano pode decorrer de diversos âmbitos de proteção de um bem. Assim, se determinado bem ou interesse é tutelado pelo direito penal, pelo direito administrativo e pelo direito civil, poderá haver, cumulativamente, a obrigação de reparar o dano nessas três esferas de proteção jurídica.
O dano a um interesse juridicamente tutelado pode decorrer tanto de um ato ilícito como de um ato lícito. O que se precisará aferir é em que casos haverá a responsabilidade de indenizar. Em regra todo dano decorrente de ato ilícito gera responsabilidade enquanto que os provenientes de atos lícitos não. Contudo, nos casos expressos na lei poderá um ato lícito causador de um dano ser capaz de gerar a obrigação de indenizar.
Ao apreciar a questão em tela, Rogério Marrone de Castro Sampaio ensina que hodiernamente se discute a origem e o fundamento da responsabilização por danos decorrentes de atos lícitos e conclui que o dever de indenizar, nestes casos, está relacionado com a função social e econômica da responsabilidade civil. São suas as palavras que seguem.
Discute-se, atualmente, se a clássica concepção de ato ilícito, como fonte geradora da obrigação de indenizar, atende às novas exigências da responsabilidade civil, notadamente diante de hipóteses de responsabilidade civil objetiva, fundada no risco da atividade. Segundo apregoa a doutrina clássica o conceito de ato ilícito passa pelo elemento culpa, no seu sentido lato. Isto é, a reprovabilidade da conduta em relação ao ordenamento jurídico se viabiliza na culpa em sentido estrito ou no dolo. Seguindo esta linha, a responsabilidade objetiva, em que a obrigação de indenizar surge independentemente de culpa, não poderia encontrar sua gênsese na ilicitude do comportamento, mas sim no ato lícito, ou melhor, meramente lícito (sic). O mesmo se diz do dever de indenizar, mantido mesmo diante do ato praticado em estado de necessidade. Nestes casos, a obrigação de indenizar está diretamente relacionada com a função social e econômica a ser preenchida, também, com a responsabilidade civil.[1]
No que diz respeito à obrigatoriedade de indenização decorrente de dano por ato ilícito o ordenamento jurídico brasileiro a prevê expressamente, conforme se infere da norma do 5º, inciso X, da Constituição da República, bem como da norma do artigo 927 do Código Civil.
Art. 5º. [...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Ademais, o ordenamento jurídico prevê, ainda, o que se entende por ato ilícito. Cite-se, nesse sentido, o que dispõe os artigos 186 e 187 do Código Civil.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Em análise aos dispositivos mencionados a doutrina, na sua maioria, afirma que como regra o ordenamento civil adotou a responsabilidade subjetiva, que exige a necessidade de comprovação de que a conduta foi praticada com dolo ou culpa (sem observar dever objetivo de cuidado), porém, diante da necessidade de proteção de bens de relevante interesse social o ordenamento jurídico permite a responsabilização objetiva o que significa dizer que para o dever de reparar não importa se a conduta foi praticada com dolo ou culpa.
Nesse sentido, é de bom alvitre citar o comentário de Simone Gomes Rodrigues Casoretti que expõe que o atual código civil não abandonou a teoria subjetiva, como regra, porém, admitiu a responsabilidade objetiva nos casos especificados em lei.
O atual CC não abandonou a teoria subjetiva, tradicional para fundamentar a responsabilidade civil (art. 186), que exige para sua configuração a prova da culpa (em sentido amplo, que abrange dolo e culpa em sentido estrito), e tem como fato gerador o ato ilícito, aquele praticado em desconformidade com a ordem jurídico, violando direito subjetivo individual, causando dano (patrimonial ou moral) a terceiro e gerando ao seu autor o dever de reparação.
Não obstante reconhecida a responsabilidade subjetiva como norma, a responsabilidade objetiva foi admitida nos casos especificados em lei ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para outrem (art. 936, 937 e 938, responsabilidade do dono do animal e do dono do prédio em ruínas; arts. 929 e 930, responsabilidade por ato lícito).[2]
Verificada a natureza da responsabilidade, não se pode perder de memória que ficou assentado que a responsabilidade decorre de uma conduta que causa dano a bem ou interesse tutelado pelo ordenamento jurídico e, ainda, que tanto o ato lícito quanto o ato ilícito podem gerar o dever de indenização.
A responsabilidade civil pode decorrer do contrato ou da lei. Aquela se denomina de responsabilidade contratual e esta de aquiliana. A responsabilidade contratual tem por fundamento o contrato e a responsabilidade extracontratual, a lei, de acordo com o que estabelece o artigo 186 do código civil.
Além disso, não é exagero frisar que a responsabilidade pode ser classificada em subjetiva e objetiva, conforme se fez menção ao tratar da responsabilidade por atos ilícitos e atos lícitos. Na subjetiva exige-se a prova do dolo ou culpa (observação de um dever objetivo de cuidado) para que haja a responsabilização, enquanto que na objetiva basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade deste com a conduta para que haja a obrigação de reparar a lesão.
Tudo o que até o momento se expôs sobre as características da responsabilidade civil pode ser resumido nos ensinamentos de Gustavo Tepedino que ao comentar sobre a evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro e suas controvérsias na atividade estatal, brilhantemente comenta o seguinte:
A idéia de responsabilidade civil relacionava-se, tradicionalmente, com o princípio elementar de que o dano injusto, ou seja, o dano causado pelo descumprimento de dever jurídico, deve ser reparado. (...)
(...)
O Código Civil Brasileiro de 1916, através do art. 159, consagrou a responsabilidade subjetiva como regra geral no sistema privado brasileiro, a reclamar reparação contra todos os atos culposos que causem dano injusto. Pouco a pouco, contudo, percebeu-se a insuficiência da técnica subjetivista, também chamada aquiliana, para atender a todas as hipóteses em que os danos deveriam ser reparados. Procedeu-se, primeiramente, por obra da jurisprudência, a uma expansão da responsabilidade subjetiva para hipóteses em que se presumia a culpa do agente. Em etapa sucessiva, veio o legislador a regular, mesmo diante expressa previsão legislativa, hipóteses em que a reparação se impõe independentemente da conduta culposa do responsável, associando a reparação não já a seu comportamento mas ao risco provocado pela atividade da qual resultou o dano.
A responsabilidade civil derivada, não do ato ilícito, mas de fontes legislativa (ex lege) ampliou-se sobremaneira na atualidade, expressão de tendência que se solidifica, no caso brasileiro, com a Constituição de 5 de outubro de 1988, que projeta o dever de reparação para além dos confins da conduta culposa dos indivíduos.
Com efeito, os princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, capitulados no art. 3º, incisos I e III, da Constituição, segundo os quais se constituem em objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, não podem deixar de moldar os novos contornos da responsabilidade civil. Do ponto de vista legislativo e interpretativo, retiram da esfera meramente individual e subjetiva o dever de repartição dos ricos da atividade econômica e da autonomia privada, cada vez mais exacerbados na era da tecnologia. Impõem, como linha de tendência, o caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação e do desenvolvimento de novos mecanismos de seguro social.[3]
Para elucidar o tema, ainda se faz necessário mencionar que a responsabilização civil pode decorrer de atos comissivos e atos omissivos. O importante para a imputação do dever de indenizar é aferir se o dano resultou da conduta e com ela possui nexo de causalidade. Assim, se a conduta (comissiva ou omissiva) causou um dano e entre eles existe um nexo de causa e efeito, pode-se dizer que existe o dever de reparar a lesão. Utilizou-se o termo “pode-se” porque existem fatores externos à conduta que são capazes de excluir o dever de reparação, tal como o caso fortuito e a força maior, a depender da teoria adotada para fundamentar a responsabilização. Ao se adotar a teoria do risco integral, o caso fortuito e a força maior não têm o poder de excluir a responsabilidade do autor pelo dano ocasionado, na teoria do risco administrativo esses fatores são causas de exclusão da responsabilidade.
Diante da breve exposição sobre algumas características da responsabilidade civil, percebe-se que o dever de reparar o dano pode decorrer de ato comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, com fundamento na teoria subjetiva ou teoria objetiva (risco), o que se deve levar em consideração é o regime jurídico adotado nos casos a serem analisados. Assim, espera-se que essa sucinta abordagem ajude na identificação do tipo de responsabilidade a ser adotada.
CONCLUSÃO
O presente artigo tem por objetivo elucidar de forma sucinta os diversos regimes de responsabilização em face dos tipos de danos causados. Assim, espera-se que a abordagem ajude na identificação do regime jurídico a ser adotado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro Sampaio. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Jurídico Atlas, 2008.
SILVA, José Afonso da Silva. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
[1] SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: responsabilidade civil. 4ª edição. Editora jurídico atlas. p. 5
[2] CASORETTI, Simone Gomes Rodrigues. OUTROS. Comentários ao código civil, artigo por artigo. 2ª edição. São Paulo: Revista dos tribunais, 2009. p. 1225.
[3] TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 202/204.
Analista Jurídico no MPMT de 10.11.2004 a 07.02.2014. Advogada da União desde 07.02.2014. Pós-graduação em Direito Público e Pós-graduação em Direitos Difusos e Coletivos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Jucelaine Angelim. Introdução sobre responsabilidade civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40616/introducao-sobre-responsabilidade-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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