1) Introdução
Em regra, os sócios de uma sociedade empresária não respondem pelos tributos devidos por ela.
No entanto, quando os sócios administradores praticarem atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, caberá o redirecionamento da execução fiscal, a fim de incluir os sócios administradores no polo passivo da ação.
2) Desenvolvimento
Muito comum nos dias atuais é o pedido de redirecionamento por dissolução irregular, quando constatado por oficial de justiça que a empresa executada não mais pratica suas atividades no seu local de funcionamento, legalmente registrado perante a Receita Federal.
O pedido de redirecionamento é feito com fundamento no art. 135, III, do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.
A responsabilidade dos dirigentes das sociedades, que praticam atos com excesso de poder é considerada responsabilidade pessoal, instituto diferente da desconsideração da personalidade jurídica.
Na responsabilidade pessoal, ao contrário da desconsideração da personalidade jurídica, a sociedade empresária não responderá, a princípio, pelas obrigações tributárias resultantes dos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei. Elas serão devidas somente pelos sócios que tiverem praticado atos com excesso de poderes ou com infração à lei, contrato social ou estatutos. Ensina Renato Lopes Brecho[1]:
“(...) a responsabilidade pessoal significa “somente da pessoa”, excluindo qualquer outra. É o mesmo que integralmente, que consta no art. 133, I. Ela não se confunde – e na verdade se contrapõe – à solidária e à subsidiária. O que nos leva a crer que seja assim? Primeiro, a palavra “pessoal”. Se o legislador tivesse escrito são responsáveis pelos créditos, nós iriamos partir para uma interpretação sistemática. Mas ele especificou que são pessoalmente responsáveis... Pode o intérprete não iniciar uma interpretação literal? Não nos parece que seja de boa técnica científica fazê-lo. Após a interpretação literal, podemos realizar uma interpretação sistemática, buscando elementos em outros dispositivos legais e verificando como são interpretados. [...] No caso do art. 137, a responsabilidade pessoal do responsável excluiu a responsabilidade do contribuinte, como ocorre com os crimes, em que a pessoa jurídica não responde pela prática de atos dolosos das pessoas físicas. Assim, quer nos parecer que não há distinção, em relação à forma de responsabilização das pessoas físicas, entre os artigos 135 e 137”.
Portanto, em regra, a sociedade não responderá pelo pagamento das respectivas obrigações tributárias. No entanto, caso seja beneficiada de alguma forma pelos atos ilícitos praticados, também poderá responder. Nesse caso, a responsabilidade decorrerá da incidência do art. 124 do CTN, que prevê a solidariedade por interesse comum.
Assim, quando provada a prática de atos ilegais ou com excesso de poderes, a Fazenda Nacional poderá requerer o redirecionamento da execução em juízo.
Quando, por exemplo, o oficial de justiça citar a empresa e constatar que ela não atua mais no endereço cadastrado na Receita Federal, caracterizar-se-á forte indício de dissolução irregular.
É a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça:
"Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário, cabendo a responsabilização do sócio-gerente, o qual pode provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, ou ainda, que efetivamente não tenha ocorrido a dissolução irregular" (REsp nº 841.855/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de30.08.2006)
"Consta dos autos certidão lavrada por Oficial de Justiça (fl. 47 verso), informando que, ao comparecer ao local de funcionamento da empresa executada, foi comunicado de que a mesma encerrara as atividades no local há mais de ano, o que indica a dissolução irregular da sociedade, a autorizar o redirecionamento da execução" Resp nº 738.502/SC, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 14.11.2005.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é tão vasta em tal sentido que gerou a edição da Súmula 435:
“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente” (Grifos ausentes do original).
Cabe frisar que não basta o mero inadimplemento dos tributos pelo administrador. Isso porque a violação a que diz respeito o art. 135, III, do CTN é a violação de outras leis, contratos sociais e estatutos, e não do Código Tributário Nacional.
Deve-se cotejar o art. 135, III, do CTN com o art. 50 do Código Civil, que trata das hipóteses que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica.
É o conhecido “diálogo das fontes”, amplamente aceito na jurisprudência atual.
“O que pode constituir infração, o que pode levar o diretor, gerente ou administrador, a tornarem-se responsáveis, é a causa do não pagamento, mas jamais este próprio efeito, tomado isoladamente. Então, é preciso que se investigue as causas dessa inadimplência para verificar se, entre elas, estariam fatos capazes de serem enquadrados como “excesso de poderes, infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto”. E quais seriam os eventos aptos a desencadear esta responsabilidade? Neste particular, o artigo 50 do Código Civil trouxe elementos muito importantes a ensejar sua adequada integração com a norma tributária. Com efeito, se a lei civil indicou com precisão as hipóteses, que podem autorizar a desconsideração da pessoa jurídica, como sendo abuso de personalidade jurídica caracterizado por: a) desvio de finalidade; e b) confusão patrimonial, então soa válido sustentar que outras não poderão ser as causas aptas a levar os administradores, gestores ou representantes das pessoas jurídicas a responderem pelas dívidas fiscais destas, nos termos do art. 135, III, do Código Tributário Nacional. Em outras palavras, somente quando demonstrada, pelo Fisco, que a obrigação tributária a cargo da sociedade decorreu de alguma das causas apontadas na lei civil (art. 50) é que o art. 135, III, do Código Tributário Nacional poderá validamente ser acionado”.
Pois bem. A dissolução irregular é considerada ato ilegal. Logo, o administrador da sociedade poderá ser incluído no polo passivo da execução fiscal.
O ônus da prova caberá à Fazenda Nacional. Assim, caberá a ela requerer a citação por oficial de justiça. Em sua certidão deverá ser relatado que a empresa não funciona mais no endereço cadastrado na Receita Federal.
Depois de redirecionada a execução, o sócio deverá comprovar que não agiu com excesso de poderes ou por meio da prática de atos ilegais. Haverá, aqui, inversão do ônus da prova.
O corresponsável, em embargos do devedor, deverá provar que agiu corretamente. Para tanto, deverá garantir o juízo. Neste ponto, a execução fiscal difere da execução prevista no Código de Processo Civil.
Como o sócio gerente deverá comprovar suas alegações, não será cabível a exceção de pré-executividade, que não admite dilação probatória. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 393: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.
Dessa forma, caso o corresponsável consiga comprovar que não agiu com dolo, seu pedido será deferido e ele será excluído da execução fiscal.
Caso não se desincumbe de tal ônus, responderá pela integralidade dos tributos impagos em razão da prática dos atos ilícitos.
A Fazenda Nacional possui o entendimento de que tanto o sócio administrador contemporâneo ao fato gerador como aquele responsável pela dissolução irregular devem ser responsabilizados pelo adimplemento dos tributos.
Isso porque, para encerrar as atividades da empresa, deve a pessoa jurídica estar quite com suas obrigações tributárias. Assim, o sócio administrador à época da dissolução possui o dever de adimplir os tributos, mesmo os não pagos no período anterior ao seu ingresso na sociedade, nos termos do art. 1.103, IV, do Código Civil e art. 210, IV, da Lei nº 6.074/1976.
É o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDIRECIONAMENTO. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUEM ERA O REPRESENTANTE LEGAL NA ÉPOCA DO FECHAMENTO. 1. No respeitante à alegação de dissolução irregular da empresa executada, é entendimento desta Turma que aquela, por si só, não enseja o redirecionamento da execução. Contudo, o encerramento das atividades da empresa sem a liquidação por processo específico é indício de dissipação dos bens por parte de seus administradores, cabendo aos sócios o ônus de comprovar, via embargos, que esses bens não foram desviados, dilapidados ou aplicados no pagamento de credores, sem a observância das preferências legais. 2. O redirecionamento é possível ao gestor que exerceu suas funções ao tempo da dissolução irregular, por ser, em tese, o responsável pela dissipação dos bens da empresa, eis que, durante o período de sua gestão, estava a par da situação de inadimplência fiscal, cabendo-lhe solver os débitos da pessoa jurídica. 3. No caso dos autos, não consta cópia do contrato social da empresa, ou outro documento convincente, que possibilite verificar se o sócio para o qual a Fazenda Pública pretende redirecionar o processo de execução figurava como administrador da sociedade à época da dissolução, razão pela qual deve ser indeferido o pedido de redirecionamento. (TRF4, AG 2009.04.00.036657-5, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 09/12/2009)
O Superior Tribunal de Justiça, todavia, já decidiu que o corresponsável somente responderá pelos tributos posteriores ao seu ingresso na sociedade.
“EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. FATO GERADOR AMNTERIOR AO INGRESSO DO SÓCIO NA SOCIEDADE. REDIRECIONAMENTO, ONCABIMENTO... 1. A responsabilidade do sócio, que autoriza o redirecionamento da execução fiscal, ante a dissolução irregular da empresa, não alcança os créditos tributários cujos fatos geradores precedem o seu ingresso na sociedade, como é próprio da responsabilidade meramente objetiva. Precedentes de ambas as Turmas da primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. ” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp 1140372/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, abr/2010.
3) CONCLUSÃO
Quando a sociedade empresária deixa de exercer suas atividades sem cumprir os requisitos legais, pratica ato ilícito que permite o redirecionamento da execução fiscal para incluir no polo passivo os sócios administradores, na condição de corresponsáveis, nos termos do art. 135, III do Código Tributário Nacional e art. 50 do Código Civil.
Caberá ao corresponsável comprovar, nos embargos à execução, que não praticou ato ilícito. É ônus seu, sob pena de permanecer na condição de corresponsável.
A União entende que devem ser incluídos no polo passivo da execução fiscal tanto o sócio administrador contemporâneo ao fato gerador como aquele responsável pela dissolução irregular da sociedade.
Porém, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o corresponsável responderá somente pelos tributos vencidos após o ingresso do administrador na sociedade.
BIBLIOGRAFIA
BRECHO, Renato Lopes. A Responsabilidade Tributária dos Sócios tem fundamento legal? RDDT 182/107, nov/2010.
[1] BRECHO, Renato Lopes. A Responsabilidade Tributária dos Sócios tem fundamento legal? RDDT 182/107, nov/2010
Procurador da Fazenda Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARENSI, Amaury Silveira. Redirecionamento da Execução Fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 set 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40768/redirecionamento-da-execucao-fiscal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.