O presente trabalho tem por fim analisar brevemente o controle jurisdicional sobre as políticas públicas, as objeções classicamente lançadas sobre a intervenção judicial, bem como os limites a que tal atuação se encontra balizada.
A Constituição de 1988 previu uma série de direitos fundamentais, estabelecendo não apenas mecanismo de defesa contra agressões ou omissões em relação a tais direitos, mas também exigindo que os titulares dos poderes públicos adotem medidas tendentes à concretização de tais promessas constitucionais, sobretudo naquilo que se refere aos direitos sociais, que demandam ações concretas do Estado.
A implementação de tais direitos sociais previstos constitucionalmente ocorre por meio de políticas públicas.
Todavia, a alteração do cenário político jurídico advindo a partir do segundo pós-guerra fez com o que o Poder Judiciário passasse a atuar de forma direta na concretização das normas constitucionais, seja suprindo omissões, seja dando interpretações que entenda ser mais consentânea com os objetivos traçados pelo legislador constitucional.
A delimitação do campo de atuação do Poder Judiciário, com a definição acerca de quais hipóteses ensejam tal controle e intervenção e qual o respectivo âmbito de atuação jurisdicional é essencial à definição do novo contorno atribuído à teoria da separação funcional dos poderes.
A pesquisa será realizada a partir do método categórico-dedutivo, valendo-se de análise documental pelo método exploratório, por meio de pesquisa bibliográfica, além de fazer referência a alguns julgados dos tribunais superiores.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS
A ideia de política pública encontra-se atrelada à noção de Estado Social Democrático, no qual os direitos econômicos, sociais e culturais mais do que meros programas a serem implementados em um futuro oportuno, tornam-se direitos subjetivos e promessas constitucionais a serem satisfeitas e passíveis de serem exigidas pelos detentores de tais direitos, reconhecendo-se assim eficácia aos chamados direitos fundamentais, que passaram a ter estatura constitucional.
A Política Pública caracteriza-se por ser o processo pelo qual o Estado visa a dar efetividade aos chamados direitos de segunda dimensão (bem estar social), que são justamente aqueles que exigem mais do que a mera abstenção estatal, necessitando para a sua concretização de uma intervenção do Estado na vida econômica e da orientação das ações buscando objetivos de justiça social.
Nas palavras de Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 39):
“Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.
Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento de resultados”.
Dessa forma, a política pública se revela um instrumento essencial ao Estado Social. Por ela se entende todo o processo que resulta na eleição de prioridades como objetivos socialmente significativos; na alocação dos meios disponíveis e na execução e implementação concreta de tais objetivos, envolvendo a atuação de todos os poderes do Estado e não apenas do Executivo, tradicionalmente o Poder que administra os programas sociais resultantes da adoção de determinada política pública.
Juliana Maia Daniel (2013, p.114) ressalta que as políticas públicas são hoje instrumento de ação dos governos, o ‘governament by policies’ em substituição ao ‘governament by law’
A definição dos interesses socialmente relevantes que passam a ostentar a condição de interesse público prioritário e reconhecido pelo Direito revela que a Política Pública inicia-se na esfera do Poder Legislativo, que prevê na Constituição quais os objetivos da República Federal do Brasil, assegura direitos subjetivos que entende mais urgentes de atendimento e disponibiliza instrumentos aptos a garantir a consecução dos objetivos e direitos previstos.
Ao Poder Executivo compete a fase de execução das políticas públicas, estando vinculado aos objetivos previamente traçados na lei e ao orçamento, aprovado pelo Poder Legislativo.
A questão é que os direitos sociais, econômicos e culturais exigem do Estado uma prestação positiva, que implica no dispêndio de valores para a consecução dos objetivos traçados. A previsão de um direito social em lei (e, por consequência, de uma política pública tendente a realizá-lo) impõe ao Estado o dever de arrecadar e prover os meios necessários para a efetiva concretização de tal direito, já que a criação de qualquer programa deve, necessariamente, estar amparada pela prévia indicação da fonte de custeio, consoante o artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000)[1].
A partir da clássica máxima de que as necessidades são infinitas e os valores disponíveis limitados, surge ao Poder Executivo a tarefa de administrar os recursos disponíveis, a partir daquilo que se entende, naquele momento histórico, mais carecedor da intervenção estatal por conta de sua relevância e urgência.
Obviamente, ao âmbito de escolha e atuação do Poder Executivo será sempre definido pela Lei e a liberdade de escolha jamais poderá implicar arbitrariedade, mas sim a escolha mais adequada objetivando o melhor atendimento dos objetivos e metas legalmente estabelecidos.
Surge, nesse ponto, a questão da discricionariedade, que necessita ser analisada.
3. A QUESTÃO DA DISCRICIONARIEDADE
Embora a questão do controle judicial das políticas públicas não possa ser analisada tão somente pelo prisma da possibilidade de controle pelo Judiciário dos atos administrativos discricionários ou mesmo assuntos de natureza política, a questão da discricionariedade é frequente invocada e enfrentada em acórdãos que se debruçam sobre o tema.
Classicamente, costuma-se afirmar que a atuação do Poder Executivo será dotada de discricionariedade sempre que a lei houver deixado um determinado espaço de conformação dentro do qual é dado ao administrador apreciar qual a melhor forma de atuação no caso concreto (conveniência e oportunidade), sempre tendo em mente que os atos administrativos vinculam-se aos parâmetros da legalidade, sendo a atividade de administrar infralegal e dependente de previsão em lei.
Tal conceito, apesar de não totalmente superado se revelou incompleto, mormente por não se vislumbrar na prática hipóteses puras de atos vinculados ou de atos discricionários. O que existe é uma variação quantitativa no grau de liberdade da escolha a ser tomada pelo administrador, não sendo factível que uma norma preveja uma única conduta possível ou alternativamente deixe a cargo do administrador todos os aspectos referentes à atuação concreta.
De todo modo, ao Poder Executivo compete o dever de cumprir o objetivo traçado pelo legislador, atingindo a finalidade desejada quando da previsão da norma em lei.
Se o legislador prevê uma margem de atuação mais ampla não o faz para atribuir um salvo conduto ao administrador, referendando qualquer conduta a ser adotada, mas objetivando que o aplicador da lei adote no caso concreto a conduta mais adequada a atingir a finalidade legal, por reconhecer a impossibilidade de vislumbrar previamente qual a postura mais adequada a ser adotada no caso concreto. É nesse sentido que Celso Antonio Bandeira de Mello (2007, p. 15) afirma que o chamado poder discricionário é na, verdade, um dever discricionário.
E antes de estar vinculada à lei, a atuação administrativa encontra-se pautada pela Constituição, que atualmente possui nítida função dirigente, estabelecendo um fundamento para a política ao ditar aquilo que se espera seja realizado pelos governantes. Mais do que um manual de boas práticas recomendadas, a Constituição possui força normativa, estabelecendo a estrutura e a fisiologia do Estado, prevendo aquilo que a sociedade, representada pelos Constituintes, entendeu ser o rumo a ser buscado pelos governantes.
O âmbito das políticas públicas é propício a afirmação da existência da discricionariedade administrativa, na medida em que as previsões constitucionais acerca de direitos sociais além de serem dotadas de conceitos plurissignificativos de valor, demandam uma atuação positiva do Estado para sua concretização, com custos consideráveis, sendo, muitas vezes, objeto de escolha pelo Poder Executivo, na medida em que não como atender de forma plena todos os direitos previstos.
Também a discricionariedade do Poder Legislativo poderá ser afetada pelo controle das políticas publicas, que poderá interferir na atividade legislativa, seja ao se proclamar a inconstitucionalidade material de determinada lei que regulamenta uma política pública, seja para reconhecer a inconstitucionalidade da omissão do Poder Legislativo ao deixar de implementar direitos assegurados pela Constituição da República por meio da edição de leis necessárias a tanto.
Dessa maneira, há que se reconhecer a existência de um âmbito de atuação em que é dado ao legislador e ao administrador a possibilidade de escolha do meio mais adequado ao atendimento dos preceitos constitucionais. Tal âmbito de liberdade é justificado classicamente pelo fato de o administrador estar mais próximo e afeito à coisa pública. Todavia, essa liberdade de atuação existe apenas dentro dos limites impostos pela Constituição e pelas leis e objetiva justamente possibilitar o atendimento da forma mais adequada dos direitos garantidos pela Constituição.
Eventual escolha de direitos a serem eleitos como prioridades deverá respeitar a necessidade de motivação, a razoabilidade, a proporcionalidade, a isonomia, e a busca do bem comum entre outros como critérios de avaliação para a escolha em questão. Havendo previsão constitucional de um direito específico não é dado ao administrador eleger outras prioridades, na medida em que apenas depois de satisfeitas as promessas constitucionais, lhe é dado voltar atenção a outros aspectos que entenda relevante.
Nesse sentido se posicionou o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do ARE 6399337/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello:
(...) A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social[2]. (...)
4. RESERVA DO POSSÍVEL E PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA
Um argumento sempre utilizado em desfavor da intervenção jurisidicional nas políticas públicas é a insuficiência de recursos aptos a fazer frente às despesas necessárias ao cumprimento do provimento jurisdicional, sendo que a interferência do Poder Judiciário na peça orçamentária colocaria em risco o próprio funcionamento do Estado.
Para a teoria da reserva do possível, a efetivação dos direitos sociais estaria condicionada à disponibilidade financeira, sendo que a falta de previsão na peça orçamentária inviabilizaria a efetivação de tais direitos, malgrado previstos em sede constitucional.
Deve ser destacado que desde seu início, na Alemanha, o acolhimento de tal teoria pelos Tribunais esteve condicionada a alguns requisitos, como a existência de prévia regulamentação, a demonstração da insuficiência de fundos e do esforço governamental para suprir a demanda em questão.
É preciso observar que com a passagem do Estado Liberal (abstencionista) para o Estado Social (intervencionista), a mudança na concepção de Estado, fez com que o orçamento ganhasse uma nova conotação, deixando de ser exclusivamente uma peça que visava ao necessário equilíbrio econômico-financeiro, para, além disso, conter uma orientação finalística, refletindo os programas e as metas a serem alcançadas e possuindo implicação extrafiscal. Com isso, surge o denominado orçamento-programa.
No Estado Social, de matiz intervencionista, o orçamento deve servir de instrumento para a realização de direitos, caracterizando-se como programa de governo, sendo que eventual escassez de recursos deverá ensejar readequação de posturas e gastos dos Poder Legislativo e Executivo, demandando atuação austera e responsável dos recursos públicos, a fim de que seja equacionado o custeio de tais gastos, na medida em que os direitos sociais encontram-se intimamente ligados aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Cesar Augusto Alckmin Jacobs (2006, PP. 252/253) destaca que a questão da reserva do possível é usualmente tratada a partir de dois enfoques: o da impossibilidade fática e o da impossibilidade jurídica.
Do ponto de vista de vista fático, seria impossível exigir alguma prestação do Estado no caso de este efetivamente não dispuser dos meios materiais necessários ao atendimento da demanda. Por outro lado, isso não ocorreria diante da impossibilidade jurídica, caracterizada pela opção de destinação da verba pública existente a outro direito, surgindo a partir daí a questão da validade de tal opção.
O mesmo autor de forma equilibrada enaltece que o atendimento aos objetivos fundamentais previstos na Constituição tem por pressuposto a mudança da estrutura da República, com a tentativa superação de vícios históricos e a previsão de regras de condutas administrativas e fiscais condizentes, ressaltando que o Estado Social se consolidou ao lado de uma ordem econômica mundial, cujos principais organismos fomentadores (FMI e GATT) procuram controlar o endividamento dos estados, na tentativa de impedir a relativa ‘anarquia’ do período anterior, quando os Estados se vinculavam diretamente aos agentes individuais da banca internacional. Levar essa ordem econômica de fomento à bancarrota, por certo, não melhorará a concretização dos direitos sociais.
Ou seja, se por um lado exige-se do Estado o cumprimento efetivo das promessas constitucionais, deve-se observar que para tanto o Estado deve agir com responsabilidade, sob pena de colocar em xeque sua própria viabilidade econômica. O que se revela necessário é a adequada aplicação dos valores disponíveis ao erário.
Nesse sentido, o voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 45: (...) a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Eduardo Appio (2012, p. 174) chama atenção para a proteção da isonomia diante da alegação da reserva do possível ao afirmar que havendo um programa social previsto legalmente, o Poder Judiciário deverá zelar pela isonomia, assegurando a todos aqueles que se enquadrem no programa o direito de usufruí-lo, não podendo o Poder Público limitar seu atendimento aos valores previstos no orçamento, na medida em que ao assim proceder estaria tratando de forma diversa pessoas na mesma situação, sem que exista um fator de discriminação razoável.
Ada Pelegrini Grinover (2013, p. 138) afirma que diante da comprovação da insuficiência de recursos e ausência de previsão orçamentária, o Judiciário determinará ao Poder Público que faça constar da próxima proposta orçamentária a destinação da verba necessária à implementação da política pública. Note que tal previsão traz como premissa uma ação de cunho coletivo em que não se exige o atendimento de uma pretensão individual, mas sim de atendimento, por meio de uma política pública, de um direito fundamental garantido.
A mesma autora, ressalta com base em julgado do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que nos casos de urgência e violação ao mínimo existencial, o princípio da reserva do possível deverá ceder.
A crítica que usualmente se faz a este pensamento é que o Poder Judiciário ao proferir decisão que assegura direitos subjetivos não possui condições de indicar fontes de recursos. Além disso, ao determinar a realocação de rubricas orçamentárias aprovadas ou atribuir nova destinação a verbas públicas, concentraria em si as funções legislativa e executiva, resultando na expressão utilizada por Appio (2012, p. 156) um “superpoder”, o que representaria, em última análise, a substituição da vontade dos demais poderes pela vontade do Judiciário. Para Appio (2012, p. 156) apenas a Constituição pode prever tal arranjo de força sem acarretar um desequilíbrio na separação dos Poderes.
5. MÍNIMO EXISTENCIAL
A questão do mínimo existencial encontra-se ligada à noção de dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República, constando logo do artigo 1º da Constituição.
A topografia dos direitos fundamentais na Constituição da República, de 1988, alocados logo no início do diploma, revela a preocupação do Constituinte com o ser humano e com os direitos a ele inerentes. A constituição estabelece que os direitos fundamentais possuem aplicação imediata e prevê instrumentos para a viabilização e garantia de tais direitos.
Contudo, não há consenso doutrinário acerca do conceito de mínimo existencial.
Daniela Pinto Holtz Moraes faz um apanhado dos principais conceitos acerca do tema.
Menciona conceito interessante apresentado por Ana Paula de Barcellos segunda a qual o conceito estaria ligado à ideia de conjunto de necessidades básicas do indivíduo (educação fundamental, saúde básica, assistência aos desamparados e acesso à justiça). Ideia próxima é defendida por Andreas J. Krell para quem o mínimo existencial englobaria o atendimento básico de saúde, o acesso à alimentação básica e a vestimentas, bem como o direito educação de primeiro grau e a garantia de uma moradia. Apresenta, ainda o conceito de Vicenzo Demetrio Florenzano, para quem o mínimo existencial teria correlação com o conteúdo do artigo 7º, IV da Constituição, que prevê o conteúdo a ser atendido pelo salário mínimo. De todo modo, percebe-se, como o fez Ingo Wolfgang Sarlet, que o mínimo existencial não se limita ao apenas à sobrevivência física do indivíduo, indo mais além para estar a atrelada à noção de vida digna. No mesmo sentido, sustenta Wilson Donizeti Liberati (2012, p. 122).
Kazuo Watanabe (2013, p. 219) ressalta que O conceito de mínimo existencial, além de variável histórica e geográficamente, é um conceito dinâmico e evolutivo, presidido pelo princípio da proibição do retrocesso, ampliando-se a sua abrangência na medida em que melhorem as condições sociais e econômicas do país.
Como já mencionado acima, Grinover (2013, p.239), com base em julgado do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, defende que nos casos de urgência e violação ao mínimo existencial, o princípio da reserva do possível deverá ceder, devendo o Poder Judiciário garantir o atendimento ao direito fundamental postulado.
No mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres (2008, pp. 81-82), para quem, A proteção positiva do mínimo existencial não se encontra sob a reserva do possível, pois sua fruição não depende do orçamento nem de políticas públicas, ao contrário do que acontece com os direitos sociais. Em outras palavras, o Judiciário pode determinar a entrega das prestações positivas, eis que tais direitos fundamentais não se encontram sob a discricionariedade da Administração ou do Legislativo, mas se compreendem nas garantias institucionais da liberdade, na estrutura dos serviços públicos essenciais e na organização de estabelecimentos públicos (hospitais, clínicas, escolas primárias, etc.).
Emerson Garcia, também fazendo a diferenciação entre impossibilidade fática e impossibilidade jurídica, defende que apenas nos casos em que se comprovasse a efetiva inexistência de recursos é que a reserva do possível deverá prevalecer diante do mínimo existencial, não bastando a mera ausência de previsão orçamentária, diante da qual, o Poder Judiciário estará autorizado a conceder o direito em questão com base na razoabilidade e proporcionalidade, cabendo ao Executivo promover a realocação das verbas orçamentárias para fazer frente às despesas necessárias a dar azo ao direito fundamental garantido.
No julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, o Supremo Tribunal Federal, acolheu o voto do relator, Ministro de Celso de Mello, para quem no cotejo entre a reserva do possível e o mínimo existencial, aquele se sobrepõe a este apenas no caso de impossibilidade fática, consoante excerto do aresto que ora se transcreve:
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar):
‘Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.
A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível[3].’
6. RAZOABILIDADE
A doutrina de forma geral defende que mesmo aqueles atos classificados como discricionários sujeitam-se à revisão judicial no que se refere aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Arthur Sanchez Badin (2013, p.85) afirma que razoabilidade e proporcionalidade para os fins do controle judicial das políticas públicas devem ser entendidos como sinônimos e diferenciados da regra da proporcionalidade da hermenêutica de Alexy (pertinência, eficácia e necessidade).
Ada Pelegrini Grinover (2013, p. 133), em sentido diametralmente oposto, entende que a razoabilidade mede-se pela aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade¸caracterizada pelo justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados, empregando inclusive os subprincípios que constituem a proporcionalidade.
Para a referida autora, por meio da utilização de regras de proporcionalidade e razoabilidade, o juiz analisará a situação em concreto e dirá se o legislador ou o administrador público pautou sua conduta de acordo com os interesses maiores do indivíduo ou da coletividade, estabelecidos pela Constituição. E assim, estará apreciando, pelo lado do autor, a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público. E, por parte do Poder Público, a escolha do agente público deve ter sido desarrazoada. Defende a razoabilidade deveria ser utilizada com o fim de adequar casos extremos, onde seria evidente o desacerto do administrador em cotejo com aquilo que se teria por mais adequado no caso concreto.
Osvaldo Canela Junior (2011, p. 165) entende que a ideia da proporcionalidade deve estar atrelada à ideia da essencialidade do direito. Afirma que todos os direitos fundamentais são essenciais, fazendo parte da condição humana, sendo justamente a reunião de todos os direitos fundamentais que compõe a dignidade do ser humano. Assim, o juízo de razoabilidade jamais poderia ocorrer entre dois destes direitos, não sendo lícita a escolha do Estado entre a educação ou a saúde, na medida em que o afastamento de um dos direitos representaria a possibilidade de sua supressão. Tratando-se de um direito fundamental, não haveria possibilidade de sua supressão, seja pelo Executivo, seja pelo Judiciário.
O mesmo autor vislumbra a proporcionalidade no processo de índole coletiva como um instrumento para o estabelecimento temporal da efetivação dos direitos fundamentais. Para isso faz uma diferenciação ao estabelecer que o direito à vida e à saúde exigem satisfação imediata, enquanto outros como o direito a uma moradia permitem um atendimento no futuro e de forma programada.
A razoabilidade deverá ser utilizada ainda para se evitar intervenções desnecessárias do Judiciário, as quais podem acarretar o engessamento do orçamento, com prejuízo, inclusive, de outras políticas públicas tendentes a efetivar direitos fundamentais de igual relevância.
7. A QUESTÃO DA REPRESENTATIVIDADE DOS MAGISTRADOS
A ideia da intervenção do Judiciário nas políticas públicas muitas vezes é feita sob a forma da imposição por juízes não eleitos (e escolhidos por seleção realizada pelos próprios membros do Judiciário) de questões muitas vezes contramajoritárias que suplantam a regulamentação legal e a implementação executiva levada a cabo por representantes eleitos democraticamente. Surge, então, a questão da origem da legitimidade da atuação jurisdicional.
Eduardo Appio (2012, p. 21) revela que tal legitimidade é buscada por Robert Alexy na fundamentação racional das decisões judiciais e por Ronald Dworkin em princípios morais.
Em busca do embasamento para a legitimidade dos juízes, Appio afirma que a Constituição da República de 1988 traz a ideia de uma democracia substancial, distinta da democracia formal no que se refere aos mecanismos de exercício e distribuição do poder político, sendo que a democracia não pode estar restrita ao mecanismo de escolha dos representantes dos cidadãos, salientando que os partidos políticos deixaram de ser os principais interlocutores entre o Estado e a sociedade civil, e as eleições são apenas uma porção indispensável da democracia contemporânea (APPIO, 2012, p. 21).
Ao analisar a questão da legitimidade do Judiciário no modelo norte-americano, Dworkin (apud Appio) parte da ideia do direito que possui cada cidadão a um tratamento justo e isonômico, revelando a existência de uma distinção entre as concepções majoritária e constitucional da democracia para concluir que na concepção constitucional da democracia, os juízes estão autorizados a, mediante o controle de constitucionalidade, a limitar a vontade das maiorias parlamentares quando o processo legislativo deixar de tratar com igual respeito todos os cidadãos.
No mesmo sentido, Jürgen Habermas (também segundo Appio) prega a insuficiência dos mecanismos tradicionais de representação popular, reconhecendo um hiato na representatividade popular desempenhada pelos partidos políticos, na medida em que estes fariam uma espécie de filtragem das expectativas populares.
John Ely assenta na garantia dos direitos das minorias a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas. Appio (2012, pp. 46 e 47), sintetiza tal pensamento da seguinte formam A combinação entre representação e participação consistiria no mecanismo compatível com a democracia contemporâna, assegurando um equilíbrio entre a vontade da maioria parlamentar e a proteção das minorias. A regra da maioria foi criada exatamente para atender a um ideal de respeito pela vontade de Ada um dos membros da nação, mas gerou um efeito secundário, no sentido de que as minorias restariam facilmente desprotegidas. As minorias, neste sentido, deveriam receber a proteção judicial específica, com o objetivo de lhes assegurar o direito de participação no processo democrático, ou seja, de proteção dos mecanismos institucionais de contenção dos efeitos indesejados da aplicação da regra da maioria. Para Ely existiria um direito substancial de participação das minorias no processo democrático, através do qual será institucionalmente decidido de que maneira os bens sociais serão distribuídos entre a população, do que se pode concluir que um sistema de igualdade de oportunidades deve ter como premissa a distribuição estatal dos bens sociais fundamentais.
Assim, mais a legitimidade do Poder Judiciário para intervir nas políticas públicas decorre do desenho constitucional que define os limites de atuação de cada Poder dentro da separação dos Poderes, pela qual ao Judiciário não se incumbe apenas a tarefa de promover a resolução de conflitos individuais, mas também uma função política, tradicionalmente ocupada pelos demais poderes.
Osvaldo Canela Junior (2011, p. 100) ressalta que a escolha dos magistrados por meio de concursos públicos longe de retirar a legitimidade de seus representantes possui a vantagem de afastar os juízes das injunções político-partidárias, o que poderia ocorrer no caso de o cargo ser eletivo e provisório.
Deve-se destacar, como faz Hermes Zaneti Jr, que legitimação do Poder Judiciário decorre da força normativa da Constituição e das leis, sendo que o equilíbrio da separação dos poderes é garantida pelo fato de o Judiciário ser inerte, necessitando de provocação para atuar.
8. SEPARAÇÃO DOS PODERES
Não obstante seja comumente atribuída ao Barão de Monstesquieu, a doutrina da tripartição orgânica dos Poderes do Estado foi idealizada por Aristóteles em seu Politéia, resgatada por Jonh Locke em seu “Segundo Tratado sobre o Governo Civil” e somente então aprofundada por Montesquieu.
Na sequência, tal teoria foi acolhida pelas Constituições norte-americana (1787) e francesa (1789), tendo por ideia central o controle entre os poderes, a limitação do exercício do poder por outro órgão também detentor de parcela do Poder Estatal, mantenha o equílibrio das forças internas do Estado (MORAES, 2005, P. 370).
Deve ser ressaltado que a noção de tripartição funcional dos poderes por sua estrutura lógica vinha ao encontro de um generalizado anseio social por um regime político-jurídico que impedisse ou ao menos dificultasse o retorno aos regimes monárquico-absolutista ou aos tempos sombrios do feudalismo (Mancuso, 2007, p. 85).
Atualmente, a separação do Poder do Estado não pode ser entendida como uma divisão estanque e rígida, mas como atribuição das funções legislativa, executiva e judiciária predominantemente a órgãos específicos, dos quais se exige uma maior interpenetração, coordenação e harmonia no exercício da parcela do poder a que lhe é confiada.
Assim, a ideia que limita a atuação do Poder Judiciário a uma espécie de “legislador negativo”,é resquício do ideário da escola da exegese (do Estado liberal absenteísta), pela qual a atuação dos juízes visava tão somente manter a coerência do sistema, não sendo permitido ao Judiciário inovar o ordenamento jurídico ou atuar à revelia de normas muito claras e específicas.
Atualmente a confiança que a sociedade deposita no Poder Judiciário fez com que essa visão fosse superada. Fala-se atualmente em ativismo judicial, pelo qual cada vez mais questões fundamentais para a sociedade deixam de ser reguladas pelo Legislativo para serem decididas pelo Judiciário, que assume, assim, papel político de destaque.
Podem-se citar, a título de exemplo, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal acerca questão das células-tronco embrionárias, da filiação partidária, da progressão de regimes ou de casos ainda pendentes de julgamento como do aborto eugênico, da posição dos tratados internacionais no ordenamento jurídico ou da prisão civil de depositário, nas quais relevantes questões sociais tem seu contorno definido não pelo Parlamento, mas pelo Judicário.
Celso de Alburque Silva pondera que a doutrina constitucional superou de há muito essa visão conservadora estruturada no paradigma liberal individualista onde o direito é visto como mero ordenador de condutas, para reconhecer à justiça a posição de um verdadeiro poder político. Ao juiz moderno, atuando na nova concepção de um direito promovedor-transformador típico do Estado Democrático de Direito, é reconhecida importância capital para a efetiva concretização e realização dos valores e princípios acolhidos na Constituição. Verifica-se, assim, a superação da função judicial negativista clássica, que cede passo a uma função ativa e intervencionista do Poder Judiciário” (2005, p. 91-92).
Não é demais destacar que mudança do Estado liberal para o estado Social acarreta alterações não apenas na forma de atuação do Executivo e do Legislativo, mas também do Poder Judiciário, na medida em que, como observa Kazuo Watanabe, citando Comparato (2006, p. 39) as grandes violações à ordem jurídica são praticadas pelo Estado contemporâneo por omissão, ‘ao deixar de fazer votar as leis regulamentadoras dos princípios constitucionais, ou se abster de realizar as políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos econômicos, sociais ou culturais”.
Osvaldo Canela em sua tese "A efetivação dos direitos fundamentais através do processo coletivo: um novo modelo de jurisdição", citado por GRINOVER (2013, p. 213) leciona que Como toda atividade política (políticas públicas) exercida pelo Legislativo e pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, cabe ao Poder Judiciário analisar, em qualquer situação e desde que provocado, o que se convencionou chamar de ‘atos de governo’ ou ‘questões políticas’, sob o prisma do atendimento aos fins do Estado (art. 3º da CF). Assim, em última análise, o Judiciário acaba por realizar o controle das políticas públicas por meio do controle de constitucionalidade das leis ou dos atos administrativos, função esta que lhe é precípua.
Hermes Zaneti Jr (2013, pp. 47/48) sustenta que Atualmente não se discute mais a separação de poderes como regra limitadora do controle judicial de políticas públicas.
Na Ação de descumprimento de preceito fundamental nº 45, o relator, Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal refutou a alegação de que a separação de poderes seria uma barreira à apreciação do mérito com a seguinte argumentação parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.
9. LIMITES AO CONTROLE JURISDICIONAL
Appio pondera que a hipertrofia do Poder Judiciário é (...) democraticamente tão indesejável quanto a sua indolência (2012, p. 76). Assim, a correta definição dos limites de atuação do Poder Judiciário ao controlar as políticas públicas (seja em seus aspectos legislativos, quanto administrativos) é questão de suam relevância.
Um dos problemas que surgem em relação ao controle judicial das políticas públicas é que frequentemente ela ocorre de forma difusa, casuística.
Exemplificativamente, determina-se a realização de certas cirurgias ou tratamentos de alto custo a indivíduos determinados, que se socorrem ao Poder Judiciário por meio de demandas individuais.
Ocorre que é de se presumir que as políticas públicas, na medida em que voltadas a interesses da coletividade e não apenas de indivíduos específicos, tendem a ser mais eficientes do que aquelas geradas casuisticamente pelo Judiciário a partir do que se pode denominar de apropriação por um indivíduo de direitos sociais em detrimento de toda a coletividade.
Questiona-se se as interferências realizadas em favor de um indivíduo específico não podem afetar as metas e objetivos dos programas sociais, que possuem como característica a generalidade, destinando-se a uma infinidade de situações diversas. A pretensão que se garante ao indivíduo é à política pública e não à apropriação individual dos bens e valores públicos. Assim, é necessário sempre ter-se em conta as consequências macroeconômicas, políticas e sociais das decisões.
A questão de estabelecimento de balizas que limitem a atuação do Poder Judiciário ganha importância a partir do momento em que se reconhece ao Judiciário para além de um papel de garantidor das liberdades civis e políticas, também uma atuação na promoção dos direitos, valores e princípios.
Osvaldo Canela Junior (2011, p. 162) sustenta que Uma vez que também desenvolve políticas públicas por meio de suas decisões, o Poder Judiciário haverá de harmonizar-se com os critérios de justiça, proporcionalidade e de razoabilidade que informam o ordenamento jurídico.
10. CONCLUSÃO
Do que se expôs pode-se concluir ser entendimento pacífico atualmente a possibilidade de o Poder Judiciário realizar o controle sobre as políticas públicas, tanto no que se refere ao controle da constitucionalidade e legalidade dos atos normativos editados com o fim de regulamentação dos programas, quanto em relação à sua execução pelo Poder Executivo.
Todavia, o consenso termina em tal aspecto. Não há consenso doutrinário ou jurisprudencial acerca dos casos em que tal intervenção é possível, tampouco delimitação objetiva acerca dos limites de tal intervenção.
Não há dúvidas de que atualmente as políticas públicas ocupam papel central no Estado de Direito, a ponto de autores afirmarem que vige atualmente o “governament by policies” em substituição do “governament by law”.
A implementação dos direitos constitucionalmente previstos demanda esforços do Estado como um todo, superada a noção de separação estanques do Poder Estatal, cujos contornos foram redefinidos atualmente.
Não há dúvidas acercada legitimidade dos magistrados para exercer o controle sobre as políticas públicas, não se prestando a afastá-la eventual alegação de não terem sido eleitos por meio de escrutínio. A legitimação decorre da própria Constituição da República.
A despeito de alguns doutrinadores defenderem que o controle judicial seria melhor inserido em uma ação coletiva, em que se buscasse em prol de toda a sociedade a viabilização dos direitos sociais previstos na Constituição, sendo a pretensão a ser tutelada a política pública e não o direito subjetivo destinado a um único indivíduo, observa-se que os Tribunais pátrios tem aceito a legitimidade da propositura de demandas individuais, sobretudo naqueles casos em que se encontra em jogo o mínimo existencial.
Entende-se que sendo o caso de garantir o mínimo existencial, a reserva do possível somente poderia ser invocada nos casos de impossibilidade fática da realização do direito, ou seja, apenas nos casos em que restasse demonstrada a inexistência de recursos para fazer frente às despesas decorrentes da implementação do programa, não sendo admitida a mera falta de previsão orçamentária, que deverá ser resolvida por meio da readequação de recursos.
Essa readequação dos recursos na prática será realizada após o exercício da proporcionalidade, em que se colocarão em cotejo os direitos para se verificar qual deles é mais merecedor da rubrica orçamentária.
Evidentemente, somente deverá ocorrer o remanejamento de recursos quando se entender que um dos direitos em questão é preponderante em relação ao outro, seja pelas peculiaridades do caso concreto, seja por se vislumbrar prévia escolha do legislador ordinário ou do constituinte, ocasião em que se revelará que a escolha empreendido pelo administrador extrapolou o real âmbito em que lhe era atribuída certa discricionariedade.
Além disso, é preciso que ao intervir em políticas públicas ou garantir direitos fundamentais o Poder Judiciário tenha uma noção macroeconômica, política e social de suas decisões, afim de que não inviabilize outras políticas de igual relevância.
Todavia, o controle do Poder Judiciário em políticas públicas é prática salutar que revela o exercício democrático, permitindo a adequação de eventuais condutas equivocadas aos ditames da Constituição da República.
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se:
I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;
II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.
§ 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.
§ 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 4o As normas do caput constituem condição prévia para:
I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;
II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3o do art. 182 da Constituição.
[2] Brasil. Supremo Tribunal Federal. ARE 639337 AgR / SP - SÃO PAULO. AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/08/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125
[3] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 45.
Procurador Federal - AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GIANNINI, Marcelo Henrique. Controle jurisdicional sobre políticas públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 set 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40840/controle-jurisdicional-sobre-politicas-publicas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
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