Resumo: Os créditos devidos à União são cobrados pelas mais diversas vias, seja na esfera administrativa ou na judicial. Pela via judicial, por exemplo, faz-se uso de execução fiscal, ação de cobrança, ação regressiva etc. Já pela via administrativa são utilizados o parcelamento extrajudicial, a notificação, o protesto extrajudicial de títulos, a constituição de título extrajudicial por meio da instauração de processo administrativo, dentre outros. Visa-se com o presente artigo tecer sucintas considerações acerca do processo de tomada de contas especial e da possibilidade – ou não – da coexistência deste com processo administrativo instaurado para constituir crédito não tributário e permitir o ajuizamento concomitante de execução fiscal para ver adimplido o mesmo crédito devido à União.
Palavras-chave: Tomada de contas especial. Execução fiscal. Princípio da legalidade. Segurança jurídica. Malversação de recursos. Ressarcimento ao Erário.
1. INTRODUÇÃO
Os valores considerados créditos da União podem ser classificados, basicamente, quanto à origem, em tributários e não tributários. Como créditos tributários, devem-se entender aqueles que são oriundos dos tributos, ou seja, de “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” [1]. Já os créditos não tributários devem ser concebidos como todos aqueles que não se enquadrem no conceito de crédito tributário, ou seja, são todos os demais valores devidos à União.
Assim, são considerados créditos não tributários: multa pela prática de ato ilícito, valores de alugueis de imóveis de propriedade da União, valores cobrados a título de ressarcimento por dano causado ao Erário, dentre outros.
O estudo ora em andamento tem seu foco sobre os créditos não tributários, mas especificamente naqueles oriundos da malversação de recursos federais, que causam dano ao Erário e demandam atuação proativa da União na busca do ressarcimento dos mesmos. Nesses casos, uma das providências indispensáveis a ser implementada é a instauração da tomada de contas especial, conforme determina a legislação de regência.
O presente artigo objetiva analisar a viabilidade, assim como a conveniência e oportunidade, da abertura, concomitante à tomada de contas especial, de processo administrativo com o escopo de inscrever o crédito devido, para fins de ressarcimento ao Erário, em dívida ativa para possibilitar o posterior ajuizamento de execução fiscal.
2. DESENVOLVIMENTO
Nas palavras de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, a tomada de contas especial é “um processo excepcional de natureza administrativa que visa apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário”[2].
No entanto, para os fins deste ensaio, a tomada de contas especial deve ser entendida, de forma mais ampla, como um processo administrativo excepcional de natureza indenizatória e sancionatória, cuja finalidade é a apuração de responsabilidade por ocorrência de dano à Administração Pública e a obtenção do respectivo ressarcimento, além da eventual aplicação de penalidade pecuniária ao responsável pelo dano.
Comecemos a análise da tomada de contas especial pelas competências constitucionais e legais estabelecidas. Destarte, compete ao Tribunal de Contas da União (TCU) julgar as contas daqueles que derem causas à perda, extravio ou outra irregularidade com dano ao Erário, nos termos do inciso II do art. 71 da Constituição Federal[3] e dos arts. 1º, inciso I, 8º e 9º da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992[4], in verbis:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei:
I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário;
Art. 8° Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pela União, na forma prevista no inciso VII do art. 5° desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração da tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano. (grifou-se)
Art. 9° Integrarão a tomada ou prestação de contas, inclusive a tomada de contas especial, dentre outros elementos estabelecidos no Regimento Interno, os seguintes:
I - relatório de gestão;
II - relatório do tomador de contas, quando couber;
III - relatório e certificado de auditoria, com o parecer do dirigente do órgão de controle interno, que consignará qualquer irregularidade ou ilegalidade constatada, indicando as medidas adotadas para corrigir as faltas encontradas;
IV - pronunciamento do Ministro de Estado supervisor da área ou da autoridade de nível hierárquico equivalente, na forma do art. 52 desta Lei.
Não obstante a obrigação da autoridade administrativa competente de adotar as providências necessárias à instauração de tomada de contas especial, uma vez constatada a ocorrência de quaisquer das situações descritas no “caput” do art. 8º da Lei nº 8.443, de 1992, cabe destacar que também é dever do administrador federal tomar medidas administrativas imediatas, com vistas ao ressarcimento do Erário, independentemente da atuação do TCU. Este só deverá ser acionado se as medidas administrativas se mostrarem infrutíferas.
Nesse sentido, uma vez constatada a ocorrência de quaisquer das irregularidades acima mencionadas e o consequente dano ao Erário, deverão ser tomadas todas as providências no âmbito interno da Administração para se apurar os fatos, quantificar o dano e identificar os responsáveis. O prazo para a apresentação de defesa também deve ser concedido na esfera administrativa, assim como a oportunidade para a quitação do débito.
Apenas quando o débito não for pago, a tomada de contas especial deverá ser instaurada, nos estritos termos em que determinado pelo § 1º do art. 3º da Instrução Normativa nº 56/TCU, de 5 de dezembro de 2007[5]:
Art. 3º Tomada de contas especial é um processo devidamente formalizado, com rito próprio, para apurar responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal e obtenção do respectivo ressarcimento.
§1º A tomada de contas especial só deve ser instaurada pela autoridade administrativa federal após esgotadas as providências administrativas internas sem obtenção do ressarcimento pretendido.
Se o débito não for pago e houver o protocolo de defesa administrativa, esta deverá ser anexada aos autos e encaminhada ao TCU para o processamento da tomada de contas especial. O juízo de mérito acerca da defesa interposta não é realizado no âmbito interno da Administração, mas sim no TCU.
A decisão do TCU no processo de tomada de contas especial tem força de título executivo extrajudicial.
Logo, resta claro que, para os casos de desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou, ainda, prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a medida adequada, legalmente determinada, para se constituir um título executivo extrajudicial e ressarcir o Erário, é a instauração de tomada de contas especial. E, frente ao princípio da legalidade, a Administração não dispõe de discricionariedade quanto à instauração ou não da tomada de contas especial, esta será instaurada porque é disposição legal impositiva.
Sendo assim, não há dúvida no que tange à necessidade de instauração de tomada de contas especial frente à ocorrência das hipóteses legalmente previstas. A questão que ora se apresenta se resume à possibilidade da Administração, concomitantemente à tomada de contas especial, instaurar também processo administrativo diverso com vistas à constituição do crédito não tributário de forma a permitir sua inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execução fiscal.
Ou seja, seria possível à Administração não aguardar o resultado da tomada de contas especial e instaurar processo administrativo próprio para ver ressarcidos os valores que entende devidos? Qual seria a base legal para inscrição deste crédito em dívida ativa e ajuizamento de execução fiscal? Dever-se-ia utilizar as disposições da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999?
Com efeito, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Não obstante, deve-se atentar para o seu caráter subsidiário, pois ela não alterou ou revogou nenhuma lei específica disciplinadora de processos administrativos determinados, conforme expressamente previsto em seu art. 69:
Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
Também cabe se destacar que não há na Lei nº 9.784, de 1999, qualquer regramento específico acerca da abertura de processo administrativo que vise à inscrição de crédito da União em dívida ativa, para fins de ajuizamento de execução fiscal.
Destarte, para se operacionalizar processo administrativo paralelo à tomada de contas especial, seria preciso se adequar o trâmite acima descrito para tomada de contas especial às peculiaridades da Lei nº 9.784, de 1999. Destacando-se, mais uma vez, que a realização de procedimento administrativo tendente a permitir a inscrição do crédito da União em dívida ativa e o consequente ajuizamento de execução fiscal não pode suprimir a instauração de tomada de contas especial. Seria necessário, por exemplo, reproduzir-se o processo administrativo na fase em que estivesse pronto para ser encaminhado ao TCU para que, após o seu encaminhamento para a instauração de tomada de contas especial, ele tivesse prosseguimento independente no âmbito da Administração, com apreciação e decisão sobre eventual defesa apresentada, abertura de prazo para recursos etc., tudo em harmonia com a Lei nº 9.784, de 1999. Então, se finalizado o processo administrativo na esfera da Administração Pública e concluindo-se pela efetiva existência de valores a serem ressarcidos ao Erário, haveria o envio do mesmo à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para a inscrição do crédito em dívida ativa e posterior ajuizamento de execução fiscal, conforme determina o art. 2º, e seus parágrafos, da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal).
Contudo, em que pese a aparente viabilidade de implementação desse processo administrativo paralelo à tomada de contas especial no âmbito da Administração Pública, acredita-se que tal linha de ação contraria o princípio da legalidade e a recente jurisprudência dos tribunais superiores.
Isso porque, o princípio da legalidade, quando direcionado à Administração Pública, condiciona o administrador público à estrita observância das disposições legais, na medida em que o mesmo deve agir em exata conformidade com a manifestação legislativa. Na lição de Hely Lopes Meirelles:
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da autuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”, para o administrador público significa “deve fazer assim”.[6]
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art.2º da Lei 9.784, de 1999. Com isso, fica evidente que, além da autuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”, para o administrador público significa “deve fazer assim”.
A Lei nº 9.784, de 1999, estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração (art. 1º), não havendo no referido diploma legal nenhuma autorização, nem expressa nem tácita, que fundamente a União a inscrever eventuais créditos oriundos de dano ao Erário em dívida ativa não tributária.
Por outro lado, a Lei nº 8.443, de 1992, prevê, expressamente, processo específico para os casos de desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou, ainda, para prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, chamado de tomada de contas especial. Uma vez comprovadas as citadas irregularidades no âmbito do TCU, a decisão é considerada título executivo extrajudicial e, logo, fundamento para o ajuizamento da respectiva ação de execução fiscal.
Nesse contexto, tem-se, de um lado, a existência de processo específico, legalmente previsto, para que a União alcance o ressarcimento de eventuais danos ao Erário, fruto de malversação, desvios ou aplicação irregulares de recursos; e, de outro, a sugestão de utilização da Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, para que seja instaurado, no âmbito desta, processo administrativo, onde seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, com o objetivo de se promover, independentemente da instauração de tomada de contas especial, a inscrição em dívida ativa e o consequente ajuizamento de execução fiscal para o ressarcimento dos já referidos valores.
É forçoso se concluir que a utilização de processo administrativo paralelo à tomada de contas especial contrariaria o princípio da legalidade, eis que, ante a ausência de previsão legal expressa, não cabe a União instaurar processo administrativo, no âmbito do próprio órgão ou entidade credora, que pode culminar com a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execução fiscal. Esse posicionamento guarda ainda mais força considerando-se a previsão legal de processo administrativo específico, no âmbito do TCU, para possibilitar o alcance ao almejado ressarcimento.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou, em sede de recurso repetitivo, acerca da impossibilidade de inscrição em dívida ativa de créditos do INSS, oriundo de pagamentos indevidos de benefícios previdenciários, em face da ausência de expressa previsão legal. O caso julgado pelo STJ (REsp. nº 1.350.804-PR – 2012/0185253-1) não dista da situação ora em estudo, podendo suas conclusões serem perfeitamente aplicadas, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE PAGO QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ART. 154, §2º, DO DECRETO N. 3.048/99 QUE EXTRAPOLA O ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA POR AUSÊNCIA DE LEI EXPRESSA. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. (grifou-se)
1. Não cabe agravo regimental de decisão que afeta o recurso como representativo da controvérsia em razão de falta de previsão legal. Caso em que aplicável o princípio da taxatividade recursal, ausência do interesse em recorrer, e prejuízo do julgamento do agravo regimental em razão da inexorável apreciação do mérito do recurso especial do agravante pelo órgão colegiado.
2. À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil. Precedentes: REsp. nº 867.718 - PR, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 18.12.2008; REsp. nº 440.540 - SC, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 6.11.2003; AgRg no AREsp. n. 225.034/BA, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 07.02.2013; AgRg no AREsp. 252.328/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18.12.2012; REsp. 132.2051/RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.10.2012; AgRg no AREsp. 188047/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04.10.2012; AgRg no REsp. n. 800.405 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 01.12.2009.
3. Situação em que a Procuradoria-Geral Federal - PGF defende a possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado na certidão de inscrição em divida ativa na hipótese prevista no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91, que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, §2º, do Decreto n. 3.048/99, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e artigos 876, 884 e 885, do CC/2002, que se referem a enriquecimento ilícito.
4. Não há na lei própria do INSS (Lei n. 8.213/91) dispositivo legal semelhante ao que consta do parágrafo único do art. 47, da Lei n. 8.112/90. Sendo assim, o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048/99 que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal.
5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
Assim, frente à ausência de expressa previsão legal e ao entendimento esposado na decisão acima transcrita do STJ, acredita-se tem Erário que a União determine a instauração de processo administrativo paralelo à tomada de contas especial, com vistas ao ressarcimento de valores malversados, desviados ou irregularmente aplicados.
Somente se a causa específica que motiva o ressarcimento dos valores encontrar expresso respaldo legal é que a inscrição em dívida ativa seria possível, como é o caso de ressarcimento em face do disposto no parágrafo único do art. 47, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Outro ponto digno de nota, se aperfeiçoado tal processo administrativo paralelo à tomada de contas especial, se refere à indesejável existência concomitante de dois processos instaurados com o objetivo de ver ressarcidos os mesmos valores, que podem, inclusive, ter decisões diversas. A própria segurança jurídica das decisões restaria prejudicada se, por exemplo, determinado crédito, após o regular processo administrativo no âmbito da Administração Pública, fosse inscrito em dívida ativa e cobrado por meio de execução fiscal, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, efetivamente adimplido e, depois, o TCU, na tomada de contas especial, entendesse que não era caso de ressarcimento. Como ficaria, então, a decisão judicial transitada em julgado? Essa é apenas uma das diversas situações que poderiam se apresentar caso fosse efetivado o sugerido processo paralelo.
Obviamente, considerando o princípio da inafastabilidade da jurisdição, nada impediria que o ressarcimento desses recursos, que devem ser alvo de tomada de contas especial, fosse pleiteado pela via judicial. Todavia, não seria através de execução fiscal, mas sim por meio de processo de conhecimento que teria como finalidade a constituição do crédito e a formação de título executivo judicial.
3. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, mormente a inexistência de previsão legal específica que fundamente a efetiva implementação de processo administrativo paralelo à tomada de contas especial e a existência de processo próprio, legalmente previsto, para que a União veja ressarcido eventuais valores malversados, desviados ou aplicados irregularmente, entende-se que a implementação de tal processo administrativo paralelo, instaurado segundo as premissas da Lei nº 9.784, de 1999, não se mostra viável.
Não obstante, ressalva-se a possibilidade de inscrição em dívida ativa de créditos da União para fins de ajuizamento de execução fiscal, independentemente da instauração de tomada de contas especial, quando houver previsão legal expressa nesse sentido, como é o caso previsto no parágrafo único do art. 47, da Lei nº 8.112, de 1990.
REFERÊNCIAS
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003;
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009;
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de contas especial: processo e procedimentos nos tribunais de contas e na administração pública. Brasília, DF: Editora Brasília Jurídica, 1998;
Código Tributário Nacional (CTN), disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm, acessado em 21/09/2014;
Constituição Federal, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em 21/09/2014;
Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8443.htm, acessado em 21/09/2014;
Instrução Normativa nº 56/TCU, de 5 de dezembro de 2007, disponível em: http://www.google.com.br/url?url=http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc%255CIN%255C20130117%255CINT2007-056.doc&rct=j&frm=1&q=&esrc=s&sa=U&ei=tJQdVP3EIoPAggTm2ICgBQ&ved=0CCEQFjAC&usg=AFQjCNGf5dN7d-hmtEX7f9E3wxBce7_RqQ, acessado em 21/09/2014.
[1] Art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN), disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm
[2] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de contas especial: processo e procedimentos nos tribunais de contas e na administração pública. Brasília, DF: Editora Brasília Jurídica, 1998. P. 36.
[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8443.htm
[5] Disponível em: http://www.google.com.br/url?url=http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc%255CIN%255C20130117%255CINT2007-056.doc&rct=j&frm=1&q=&esrc=s&sa=U&ei=tJQdVP3EIoPAggTm2ICgBQ&ved=0CCEQFjAC&usg=AFQjCNGf5dN7d-hmtEX7f9E3wxBce7_RqQ
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003. p. 86.
Procurador Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Clélio de Oliveira Corrêa Lima. A tomada de contas especial e o ajuizamento concomitante de execução fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 set 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41049/a-tomada-de-contas-especial-e-o-ajuizamento-concomitante-de-execucao-fiscal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.