Introdução
No universo do Direito, muitos atos considerados complexos dependem da realização de uma série de etapas para que se aperfeiçoem juridicamente. Contudo, por vezes podem ser encontradas situações em que, muito embora haja a previsão legal da ocorrência de uma sequência de atos, desnecessário que todos os momentos aconteçam para que se alcance o ato jurídico perfeito. No presente estudo, será analisado o ato jurídico de emancipação voluntária e os efeitos da ausência de seu apontamento em registro público.
Da Emancipação Voluntária
Entende-se por emancipação o “ato de liberdade paterna/materna, de liberdade legal ou concessão judicial, em virtude do qual se antecipa a maioridade de uma pessoa, atribuindo-lhe plena capacidade jurídica para gerir seus negócios e dispor de seus bens”.
A doutrina destaca a existência de três tipos de emancipação: a voluntária (art. 5º, parágrafo único, I, primeira parte, do Código Civil), a judicial (art. 5º, parágrafo único, I, segunda parte, do Código Civil) e a tácita ou legal (art. 5º, parágrafo único, incisos II a V do Código Civil).
Sobre a emancipação voluntária, ensina-se que
“antes da maioridade legal, tendo o menor atingido dezesseis anos, poderá haver a outorga de capacidade civil por concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, no exercício do poder familiar, mediante escritura pública inscrita no Registro Civil competente”.
Dispõe o Código Civil, em seu art. 5º, parágrafo único, inciso I, que a incapacidade civil cessará para os menores “pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial (...)”. Dessa forma, o menor com 16 anos completos, que tenha o consentimento de ambos os pais (ou de apenas um deles, na ausência do outro), formalizado em instrumento público, pode emancipar-se.
Da necessidade de registro público do ato de emancipação voluntária
Mais adiante, no seu art. 9º, II, o Código Civil preconiza que serão registrados em registro público “a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz”; contudo, não dispõe, expressamente, quais seriam os efeitos da ausência deste registro, cabendo ao intérprete buscar a melhor aplicação do direito na hipótese.
A Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, prevê em seu art. 89, tratando da emancipação, da interdição e da ausência, que “no cartório do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária de cada comarca serão registrados, em livro especial, as sentenças de emancipação, bem como os atos dos pais que concederem, em relação aos menores nela domiciliados”.
Ocorre que os registros públicos dos atos jurídicos não possuem todos os mesmos efeitos. Segundo Walter Ceneviva,
“os efeitos jurídicos produzidos [dos registros públicos] são de três espécies básicas, não estanques:
a. Constitutivos – sem o registro o direito não nasce;
b. Comprobatórios – o registro prova a existência e a veracidade do ato ou fato ao qual se reporta;
c. Publicitários – o ato ou fato registrado, com raras exceções, é acessível ao conhecimento de todos, interessados e não interessados”
Desta forma, tem-se que analisar quais seriam os efeitos pretendidos pelo Direito ao prever, no art. 9º, II, do Código Civil, a necessidade de registro da emancipação voluntária em registro público. Dotada a emancipação voluntária de oficialidade desde a sua constituição, com a exigência de instrumento público para a outorga dos pais ao menor, deve-se entender a exigência de registro do ato jurídico, prescrita no art. 9º, II, do Código Civil, como caso de efeito meramente publicitário do registro. Desta forma, a emancipação voluntária já se tornaria um ato jurídico perfeito quando da sua formalização em instrumento público, independentemente de ato confirmatório posterior.
A natureza publicitária do registro exigido no caso de emancipação voluntária fica evidente, ainda mais, quando comparada com a diferença dos efeitos do registro no caso da emancipação judicial. Logo após tratar da emancipação voluntária em seu art. 89, a Lei dos Registros Públicos prevê no parágrafo único do art. 91 que, na emancipação judicial, “antes do registro, a emancipação, em qualquer caso, não produzirá efeito”. Vale ressaltar que tal comando encontra-se vinculado unicamente ao dispositivo sobre a emancipação judicial, porquanto contido em parágrafo de artigo de lei que trata da emancipação concedida por juiz. Se fosse intenção do legislador que a ausência de registro destituísse de efeitos qualquer categoria de emancipação, o comando acima deveria estar prescrito em artigo próprio, dentro do capítulo pertinente da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).
Logo, tratando-se de emancipação, quando a lei quis conferir natureza constitutiva ao ato do registro, o fez expressamente, como no caso da emancipação judicial. Diante da ausência de previsão similar na emancipação voluntária, não há falar-se em natureza constitutiva do seu registro, pois se ao intérprete não é dado diferenciar o que a lei não distinguiu, também não lhe é devido tratar de maneira equivalente aquilo que a lei conferiu tratamento diverso.
Por isso, deve-se entender a exigência de registro da emancipação voluntária como busca por efeitos publicitários do ato realizado, representando instrumento de segurança jurídica para os terceiros que se relacionam juridicamente com o menor emancipado.
“Com o escopo de assegurar direitos de terceiros, o legislador, a fim de obter a publicidade do estado das pessoas, exige e inscrição em registro público de determinados atos, e a certidão extraída dos livros cartorários fará prova pela e segura do estado das pessoas físicas”.
Dessa maneira, não seria legítimo ao menor devidamente emancipado, mediante escritura pública, alegar a nulidade ou ausência de efeito de um negócio jurídico por si realizado sob a alegação de não ter promovido o registro do seu ato de emancipação no cartório de registro público competente. Deve ser entendida a exigência de registro apenas pela finalidade publicitária do ato, ainda que por ficção jurídica, comunicando a todos a emancipação ocorrida, para proteger terceiros que eventualmente venham a relacionar-se juridicamente com o menor emancipado.
Deve-se, ainda, de acordo com o princípio de eticidade que imanta o atual Código Civil brasileiro, atentar para a máxima do direito “nemo auditur propriam turpitudinem allegans”, segundo a qual a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito. Não pode o menor emancipado, para beneficiar-se com a tentativa destituir de efeitos sua emancipação, escusar-se em ato próprio de omissão, uma vez que teria deixado de promover registro que lhe era exigido por lei.
Conclusão
Atentos, pois, aos diversos efeitos que podem ser conferidos ao registro público de atos jurídicos, bem como à diferença de efeitos conferidos pela Lei 6.015/73, quando comparado o registro da emancipação voluntária com o da emancipação judicial, extrai-se que a ausência de registro público da emancipação conferida pelos pais não possui o condão de tornar sem efeito o ato jurídico, uma vez que seu registro possui natureza meramente publicitária, com a finalidade de proteger os terceiros que eventualmente venham a relacionar-se com o menor emancipado.
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