Resumo: O presente artigo é conquista de profunda pesquisa teórica no âmbito do direito constitucional, motivado pela manifestação da Presidenta da República Federativa do Brasil Dilma Rousseff no dia 24.06.2013, que consistiu na ideia de implementar uma nova constituinte específica. Assim, deu-se ênfase de estudo na possibilidade ou não, da limitação jurídica do poder constituinte originário por meio de Emenda Constitucional à luz das cláusulas pétreas esculpidas em letras de fogo no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como as possíveis consequências da instituição de uma Nova Constituinte, com observância as características intrínsecas do poder constituinte originário, e as do Poder Constituinte Derivado.
Palavras-chave: Reforma política - Constituinte específica – Emendas Constitucionais – Cláusulas pétreas.
Sumário: 1. Introdução – 2. Direito Constitucional – 3. Hierarquia de Normas – 4. Poder Constituinte Originário – 4.1. Características intrínsecas do Poder Constituinte Originário – 4.2. Manifestação do Poder Constituinte Originário - 5. Poder Constituinte Derivado – 5.1. Poder constituinte derivado reformador – 5.2. O poder constituinte derivado decorrente – 5.3. Poder constituinte derivado revisor - 6. Cláusulas Pétreas – 7. Nova Constituição Específica; 8. Riscos inerentes a uma nova ordem constitucional – 9. Conclusão – 10. Referências Bibliográficas.
1. Introdução.
Para compreender o trabalho de um modo geral, necessário saber o que despertou o interesse do autor. Sendo assim, após vários escândalos na politica e algazarras que ecoaram por todos os continentes, o gigante acordou e levantou do berço esplêndido, o povo aborrecido com o governo, vai às ruas, expondo o seu poder e pedindo explicações a quem os representa, e o governo, como já era de se esperar, responde a altura, usando a sua força representada pelas autoridades policiais. O povo não se amedrontou, pelo contrário, falou mais alto, mostrando ao governo quem é que manda, e no dia 17 de junho de 2013, o congresso nacional foi praticamente invadido pelo povo[1], as ruas do país inteiro ficaram tomadas por multidões. Até que a Presidente da República no dia 24 de junho de 2013, em manifestação ao vivo pelas emissoras de televisão, trouxe a mágica solução para os problemas, com a ideia de implementar, através de plebiscito, uma nova constituinte específica, ou seja, elaborar uma nova constituição, só que específica, assim só seriam alterados pontos pré-estabelecidos, sendo que um dos pontos, seria a reforma política.
A chefa do poder executivo trouxe tal possibilidade de criação de uma constituinte específica, sob a argumentação de que essa possibilidade seria plenamente viável, desde que houvesse previsão na atual constituição, e para isso, uma Emenda Constitucional resolveria o problema, incorporando ao texto constitucional essa possibilidade de uma constituinte específica. A solução presidencial levantou calorosa discussão sobre o tema, Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal[2] disseram que as mudanças poderiam ser feitas por simples reforma constitucional, ou seja, utilizando-se das tão conhecidas Emendas Constitucionais, no mesmo sentido, o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Marcus Vinicius Furtado, após reunião com Presidenta, saiu dizendo que ela teria voltado atrás na história de criação de uma nova constituinte, ocorre que logo depois, o Senado, em nota oficial, informou que a presidenta não recuou sobre a possibilidade de se instituir uma nova constituinte[3].
Em face do assunto polêmico e da divergência das informações, realizou-se uma análise percuciente sobre o tema: Nova Constituinte ou apenas uma reforminha? Buscando-se, por meio de pesquisa teórica, estudar de um modo geral, o poder responsável pela instituição de uma nova constituição, qual seja o poder constituinte originário, e suas características, bem como o poder constituinte derivado e a possibilidade ou não da especificação das matérias a serem tratadas pelo poder constituinte originário à luz das cláusulas pétreas estabelecidas no Art. 60, §4º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo em vista a natureza intrínseca do poder originário. Observando os possíveis problemas da instituição de uma nova constituição, e entender o porquê da sugestão presidencial de implementar uma nova constituinte, e não apenas reformar a constituição atual nos moldes já previstos no texto maior.
2. Direito Constitucional
Antes de mergulharmos no núcleo do furacão, é importante trazer a baila o ramo do direito responsável por estudar as bases, os princípios e estrutura de um estado de direito. O famoso jurista Paulo Bonavides, argumentou que são objetos do direito constitucional “o estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da competência, a transmissão e o exercício da autoridade, a formulação dos direitos e das garantias individuais e sociais.” [4].
Em uma visão mais conservadora encontra-se uma divisão entre o direito público e o direito privado, nesta divisão, o direito constitucional é a coluna cervical do direito público, e o direito civil é a coluna cervical para o direito privado. Hodiernamente, dentro de uma visão mais contemporânea e acertada, o direito constitucional é visto como direito ligado a todos os demais ramos do direito, como a verdadeira coluna cervical de todo o ordenamento jurídico, dando enfoque à constitucionalização do direito.
Apesar da grande divergência doutrinaria sobre o conceito de direito constitucional, se dividido ou não do privado, com brilhantismo e clareza, André Ramos Tavares sustenta que “a estrutura escalonada do Direito apresenta como ápice a Constituição, base a partir da qual todas as demais normas se desenvolvem e auferem sua validade última dentro do sistema” [5]. Observa-se que a Constituição é o paradigma do ordenamento jurídico como um todo, aduzimos que a Constituição está para as leis, como a água está para o navio, ou seja, em um estado sem Constituição, leis não poderiam irradiar efeitos, pois teriam perdido sua base de sustentação, assim como o navio não poderia navegar se lhe faltasse a sua sustentação, qual seja a água.
3. Hierarquia de normas
Quando se fala na hierarquia das normas, pensa-se na pirâmide kelseniana, onde no ápice encontra-se a Constituição Federal, abaixo, leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, leis delegadas, resoluções, ou seja, todas devem respeitar a Constituição, sob pena de serem inconstitucionais. Se o estado jurídico só começa a partir da instituição de uma constituição, todas as leis e os atos jurídicos devem estar de acordo com a constituição. Acima, falamos na Constituição como base, como alicerce do ordenamento, questão que merece atenção, porque a Constituição tanto pode estar no ápice da pirâmide, quando estamos falando de hierarquia, como pode estar situada na base da pirâmide, quando estamos falando de suporte para a validade das demais normas.
4. Poder constituinte originário
O poder constituinte originário é também é conhecido, segundo o Prof. Lenza, pelas denominações de poder constituinte “inicial, inaugural, genuíno ou de 1º grau” [6](destaque do original), é um poder absoluto, capaz de criar uma nova ordem jurídica, um novo estado de direito, tal poder advém do povo que é o seu detentor. Conforme Mendes, Coelho e Branco “Poder constituinte originário, portanto, é a força politica consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de convivência na comunidade política.” [7].
Os mesmos autores lembram, que o conceito de Poder constituinte originário:
é devedor dos estudos do abade Sieyès, autor do opúsculo Que é o terceiro estado?, verdadeiro manifesto da Revolução Francesa. No livro, Sieyès assinala, nas vésperas da Revolução, que o chamado Terceiro Estado – que englobava quem não pertencesse à nobreza ou ao alto clero, e que, portanto, incluía a burguesia -, embora fosse quem produzisse a riqueza do país, não dispunha de privilégios e não tinha voz ativa na condução política da França. [8]
Não poderíamos deixar de trazer à tona, a conceituação esclarecedora de Michel Temer:
ressalte-se a ideia de que surge novo Estado a cada nova Constituição, provenha ela de movimento revolucionário ou de assembleia popular. O Estado brasileiro de 1988 não é o de 1969, nem o de 1946, o de 1937, de 1934, de 1891, ou de 1824. Historicamente é o mesmo. Geograficamente pode ser o mesmo. Não o é, porém, juridicamente. A cada manifestação Constituinte, editora de atos constitucionais como Constituição, Atos Institucionais e até Decretos (veja-se o Dec. n. 1, de 15.11.1889, que proclamou a República e instituiu a Federação como forma de Estado), nasce o Estado. Não importa a rotulação conferida ao ato constituinte. Importa a sua natureza. Se dele decorre a certeza de rompimento com a ordem jurídica anterior, de edição normativa em desconformidade intencional com o texto em vigor, de modo a invalidar a normatividade vigente, tem-se novo Estado.[9].
4.1. Características intrínsecas do Poder Constituinte Originário
As características do poder constituinte originário estão difundidas no meio doutrinário como sendo: inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. O renomado Prof. Pedro Lenza, atento a evolução do direito constitucional, ampliou o rol das características do poder constituinte originário, são elas: “inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado, soberano na tomada de suas decisões, um poder de fato e político, permanente.” [10].
Para melhor compreendermos o que cada característica significa, com inspiração na conceituação feita pelo Prof. Lenza[11], passamos a explicar:
a. Inicial, porque é o ponto de partida de uma nova ordem jurídica, um novo começo, um novo estado jurídico, que rompe por completo, com a ordem jurídica anterior;
b. Autônomo, o próprio nome sugestivo, pois o poder constituinte originário goza de autonomia, isto é, não depende de nada, não possui vínculos, a estruturação da nova constituição será determinada, autonomamente;
c. Ilimitado juridicamente, característica que deve ser interpretada com os devidos cuidados, porque o quesito ilimitado quer dizer que o poder não se limita a imposições feitas pelo poder pretérito, ou seja, é livre juridicamente para criar o que quiser, mas como toda boa regra possui exceções, diferente não poderia ser com o poder constituinte originário, pois há várias limitações que segundo Mendes, Coelho e Branco “Se o poder constituinte é a expressão da vontade politica da nação, não pode ser entendido sem referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam suas ações”,[12] no mesmo sentido, observando a doutrina mais moderna e com a clareza que lhe é peculiar, José Joaquim Gomes Canotilho argumenta que o poder constituinte “...é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como ‘vontade do povo’”. O mesmo autor, lembra ainda da necessidade de se observar princípios de justiça e princípios de direito internacional, que quando se refere a tratados de direitos humanos, por exemplo: a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, a doutrina chega a sugerir uma juridicização e evolução do poder constituinte originário.[13] Assim, a título exemplificativo, hodiernamente, o poder constituinte originário não poderia estabelecer no Brasil, a pena de morte, pois é país signatário do Pacto de San José da Costa Rica. Ainda para corroborar, o Prof. Erival da Silva Oliveira lembra que “Não se pode esquecer de que a vedação do retrocesso no campo dos direitos humanos é uma limitação ao poder constituinte originário. Entende-se por vedação do retrocesso o impedimento de se reduzir um direito previsto em tratado internacional que o país faça parte. É uma espécie de efeito cliquet (ampliação de direitos, sem possibilidade de redução)”. [14]
d. Incondicionado e Soberano na tomada de suas decisões, pois não se subordina a nenhuma forma pré-estabelecida de manifestação, é livre.
e. Poder de fato e poder político, Lenza argumenta que pode “...ser caracterizado como uma energia ou força social, tendo natureza pré-jurídica, sendo que, por essas características, a nova ordem jurídica começa com a sua manifestação, e não antes dela.”[15] É a ideia de rompimento absoluto com a ordem jurídica anterior.
f. Permanente, porque é um poder que não se extingue com criação da Constituição, nesse sentido o nobríssimo Alexandre de Morais, melhor explica tal característica, dizendo
[...] que o poder Constituinte originário é permanente, pois não desaparece com a realização de sua obra, ou seja, com a elaboração de uma nova Constituição. Como afirmado por Sieyès, o Poder Constituinte não esgota sua titularidade, que permanece latente, manifestando-se novamente mediante uma nova Assembleia Nacional Constituinte ou um ato revolucionário[16].
Ainda como características do poder constituinte originário, a doutrina faz uma subdivisão em formal e material. A ideia de formalidade diz respeito ao próprio ato de criação do texto constitucional, ou seja, é criar as regras que posteriormente serão imbuídas de status Constitucional, nesse ponto é o que se refere à materialidade. Nesse sentido, preleciona Jorge Miranda, a formalidade traz.
4.2. Manifestação do Poder Constituinte Originário.
Revendo a história das Constituições, podemos dizer que existem duas formas de manifestação do poder constituinte originário, a primeira a ser apreciada será a outorga que é a Constituição dita outorgada, ou seja, é aquela que é imposta unilateralmente pelo detentor máximo do poder executivo ou por um grupo restrito sem a representação do povo, a título de exemplo, seguindo os ensinamentos de Mendes, Coelho e Branco [17], tivemos como Constituições outorgadas a de 1824 e 1937.
O notório Alexandre de Moraes de forma translúcida esclarece que
Inexiste forma prefixada pela qual se manifesta o poder constituinte originário, uma vez que apresenta as características de incondicionado e ilimitado. Pela análise histórica da Constituição dos Diversos países, porém, há possibilidade de apontar duas básicas formas de expressão do poder constituinte originário: Assembleia Nacional Constituinte e Movimento Revolucionário (outorga)[18].
Assim, a segunda forma de expressão dá-se por meio de Assembleia Nacional Constituinte ou convenção, onde a constituição é promulgada por uma assembleia de representantes do povo, ou seja, o povo elegeu representantes para a criação da nova Constituição. Nesse sentido, André Ramos Tavares argumenta que “[...] a participação de todos os indivíduos na elaboração da constituição a tornaria um objetivo totalmente inviável. Daí a necessidade de um corpo de representantes dos interesses da comunidade[...]”.[19] Não poderíamos deixar de lembrar das Constituições votadas de 1891, 1934, 1946, 1967 e a de 1988.
A fim de complementar, trazemos a lição de Mendes, Coelho e Branco que esclarecem a diferença entre o procedimento constituinte direto e o indireto, lecionando que:
[...] em se tratando de Constituição votada, em procedimento constituinte direto, quando o projeto elaborado pela Assembleia obtém validade jurídica por meio da aprovação direta do povo, que se manifesta por meio de plebiscito ou referendo.[20] (destaque do original).
Os mesmos autores argumentam que no procedimento constituinte indireto ou representativo “... a participação do povo esgota-se na eleição de representantes para uma assembleia, que deverá elaborar e promulgar o texto magno” [21].
5. Poder constituinte derivado.
Segundo a doutrina mais contemporânea, na qual se inclui o Prof. Lenza, “O poder constituinte derivado é também denominado instituído, constituído, secundário, de segundo grau, remanescente.” [22] (destaque do original) Assim, pela simples denominação do nome, é possível se fazer uma ideia geral. Vejamos. O poder é derivado porque deriva, decorre, resulta do originário, é um poder que foi previsto pelo originário, com limitações na sua manifestação.
Mas qual a importância desse poder? Primeiramente vamos lembrar do poder constituinte originário já analisado, que como vimos, é um poder absoluto e de grande complexidade, e é tão complexo que o próprio poder tem noção disso, e então, resolveu criar um poder limitado e condicionado, para que fosse possível efetuar mudanças no texto constitucional sem no entanto, utilizar-se da robustez do poder originário, assim o texto constitucional fica protegido de mudanças bruscas, pois esbarra em limitações de ordem formal e material, a primeira diz respeito aos requisitos de procedimentos para a efetivação da mudança, como quórum de instalação, de aprovação, e a última diz respeito à obediência ao próprio texto constitucional, ou seja, toda mudança do texto constitucional deve respeitar a Constituição já iniciada, sob pena de não ser aceita a alteração do texto por violação material.
Por ser um poder previsto pelo originário, suas características são diametralmente opostas as do poder constituinte originário, o Prof. Lenza aduz que “... ao contrário do seu ‘criador’, que é, do ponto de vista jurídico, ilimitado, incondicionado, inicial, o derivado deve obedecer às regras colocadas e impostas pelo originário, sendo nesse sentido, limitado e condicionado aos parâmetros a ele impostos.” [23]
Após vermos a ideia superficial do poder constituinte derivado, podemos aprofundar o tema. Pois derivam do poder constituinte originário o poder reformador, o decorrente e o revisor, abaixo serão estudados cada um deles.
5.1. Poder constituinte derivado reformador.
O poder constituinte derivado reformador é o poder instituído pelo originário de mais utilização, pois ele é, atualmente, o único poder capaz de reformar de forma segura o texto constitucional. O poder reformador está materializado no Art. 60 da Constituição Federal, que trata das Emendas à constituição, sendo assim:
o originário permitiu a alteração de sua obra, mas obedecidos alguns limites como: quórum qualificado de 3/5, em cada Casa, em dois turnos de votação para aprovação das emendas (art. 60, §2º); proibição de alteração da Constituição na vigência de estado de sítio, defesa, ou intervenção federal (art.60, §1º), um núcleo de matérias intangíveis, vale dizer, as cláusulas pétreas do art. 60, §4.º, da CF/88 etc. [24]
É fácil verificar o quanto o poder constituinte originário se preocupou com as futuras alterações do texto constitucional, estabelecendo requisitos de quórum qualificado, limitação estabelecida por cláusulas pétreas, bem como proibição de alteração do texto em situações de latente instabilidade social e/ou política.
5.2. O poder constituinte derivado decorrente
Este poder também é estabelecido pelo poder constituinte originário, portanto é um poder jurídico e não de fato. Este poder tem como objetivo estabelecer nos Estados-membros a suas respectivas constituições. Assim, cada Estado da Federação deve elaborar a sua própria constituição e o Distrito Federal a sua lei orgânica que respeitará os princípios estabelecidos na Constituição, conforme preceitua o Art. 32, caput da Constituição Federal. Desse modo, Lenza argumenta que “... muito embora a posição particular ocupada pelo DF na Federação já que a sua autonomia é parcialmente tutelada pela União (arts. 21, XIII e XIV, e 22, XVII) além de acumular competências legislativas reservadas tanto aos Estados como aos Municípios (art. 32, §1.º), a vinculação com a lei orgânica será diretamente com a CF” [25].
Como visto, este poder tem o objetivo de estabelecer as constituições Estaduais e a Lei Orgânica do Distrito Federal. Mas e os municípios? Como sabemos, por força do texto maior, são considerados entes federativos (arts. 1.º e 18 CRFB 1988), e também são regidos por Lei Orgânica; O poder constituinte derivado decorrente também teria sido estendido aos municípios? Entende-se que não. Explica-se. O município, diferente do Distrito Federal que “está bem mais próximo da estruturação dos Estados-membros do que da arquitetura constitucional dos Municípios” [26], deve um duplo respeito, ou seja, toda Lei Orgânica municipal deve subordinar-se aos preceitos da Constituição Federal e da Constituição Estadual, do seu respectivo Estado. Assim, “o poder constituinte decorrente, conferido aos Estados-membros da Federação, não foi estendido aos municípios” [27].
Por fim, falaremos dos territórios, que não mais coexistem em nosso país, mas há a possibilidade legal para que sejam criados, entretanto, nos termos do Art. 18, §2º, da Constituição Federal, “Os Territórios Federais integram a União...”[28] sendo assim, não se pode pensar em autonomia, consequentemente não há incidência do Poder Constituinte decorrente no âmbito dos Territórios.
5.3. Poder constituinte derivado revisor
É um poder semelhante com as outras duas derivações já vistas, ou seja, é um poder que foi criado pelo poder originário, e podemos dizer que foi condicionado, limitado. Dizemos que foi um poder, porque já cumpriu o seu papel e se extinguiu.
O poder constituinte derivado revisor está presente no Art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), e possibilitava que após 05 anos da promulgação do texto constitucional de 1988, pelo voto da maioria absoluta dos membros do congresso nacional, em sessão unicameral, fosse feita a revisão do texto constitucional, saliente-se que não havia a obrigatoriedade da revisão no 5º ano após a promulgação, mas sim, uma faculdade de revisão após o 5º ano de vigência.
6. Cláusulas Pétreas
Nesse momento, faz-se importante explicar o termo cláusulas pétreas, que trocando em miúdos, significa cláusulas de pedra, dando a ideia de rigidez, dureza, ou seja, dificuldade extrema em modificá-las (HORVATH, 2005).
Feito o comentário explicativo, passamos a investigar o núcleo intangível da Constituição Federal de 1988, popularmente conhecido por cláusulas pétreas, e podemos dizer que existem as cláusulas expressas e as implícitas, nos restringiremos expressas, que estão prevista no Art. 60, §4º da Constituição Federal. Abaixo transcrito:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Nessa toada, essas cláusulas foram criadas pelo poder constituinte originário para frear o poder derivado, e somente este. Pois bem, pelo que foi visto até o momento, observa-se que o poder constituinte originário é inicial, autônomo, ilimitado, incondicionado e soberano na tomada de suas decisões, por isso, não há como invocá-lo de forma delimitada, sob afronta direta as cláusulas pétreas, pois o poder constituinte originário é soberano às próprias cláusulas pétreas, e invocá-lo ao pretexto de realizar algumas modificações na Constituição, contraria o sistema constitucional atual.
7. Nova Constituição Específica
Foi noticiário público a intenção da Presidente da República Dilma Rousseff em implementar uma nova constituinte com uma delimitação restrita de conteúdo. Entretanto, após forte pressão política e jurídica a presidente voltou atrás, conforme veiculado pelo site da revista Veja: “Apresentada como um dos pilares do pacto nacional para aplacar a onda de protestos que convulsionam o país, a proposta da presidente Dilma Rousseff de uma Constituinte para promover a reforma política no país durou menos de 24 horas” [29].
No mesmo noticiário, o Presidente da OAB o Sr. Marcus Vinicius Furtado, disse ter alertado a Presidente dos riscos de uma nova constituinte.
Depois acabou falando-se em outros meios de reforma política, através de plebiscito, ocorre que essa reforma é muito temerária, porque dentro do contexto de reforma política, há a existência de cláusulas pétreas. A ideia de reforma política pode afrontar os quatro incisos do Art. 60, §4º da Constituição Federal.
8. Riscos inerentes a uma nova ordem constitucional
Caso todas as advertências fossem desprezadas, e a ideia de implementação de uma nova constituinte fosse concretizada, o povo brasileiro ficaria exposto há alguns riscos que são inerentes do poder constituinte originário. Explica-se, como visto o poder constituinte originário é o poder máximo dentro de um Estado, um poder inicial, ilimitado juridicamente, incondicionado e soberano, capaz de romper abruptamente com a ordem constitucional anterior. Assim (MENDES; BRANCO, 2011) sustentam que o constituinte é livre para regular a ordem jurídica do Estado, e nesse ponto uma nova ordem constitucional não precisa respeitar a ordem anterior, e sendo assim, o direito adquirido pode não ser invocado, salvo se expressamente previsto na nova constituição.
9. Conclusão
Foi possível analisar e compreender a engrenagem que movimenta o sistema constitucional atual, entender os objetivos arraigados ao Poder Constituinte Originário, bem como os do Poder Constituinte Derivado, que certamente culminam em uma impossibilidade técnica de se realizar uma nova constituinte com tema delimitado, e mesmo que se faça um consulta popular para que haja uma reforma política, tal reforma deve ser feita com observância máxima ao núcleo rígido da Constituição Federal.
Por fim, salienta-se que pela característica genuína do poder constituinte originário, caso esse fosse invocado, seria o mesmo que acordar um monstro adormecido, do qual não teríamos o controle desejado, ficando à mercê, de uma nova Constituição, onde poderíamos perder até os direitos adquiridos.
10. Referências Bibliográficas
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______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade N. 3.756. Acórdão de 21/6/07, Publicação em 19/10/07. DJe 145. Disponível na Internet. URL: <www.stf.jus.br> Acesso em: 11 de setembro. 2014.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. – 7ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2006.
[1] g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/06/manifestantes-invadem-cobertura-do-congresso-nacional.html
[2].g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/juristas-questionam-proposta-de-constituinte-para-reforma-politica.html
[4] Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p.36.
[5] André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, p.18.
[6] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 185.
[7] Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho, Paulo G. G. Branco, Curso de Direito Constitucional, p. 117.
[8] Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho, Paulo G. G. Branco, Curso de Direito Constitucional, p. 117.
[9] Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, p.33.
[10] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p.185.
[11] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p.186.
[12] Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho, Paulo G. G. Branco, Curso de Direito Constitucional, p. 119.
[13] J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e teoria da Constituição, 7. ed., p.81.
[14] Erival da Silva Oliveira, Prática Constitucional, p.29.
[15] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p.185.
[16] Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, p. 28.
[17] Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho, Paulo G. G. Branco, Curso de Direito Constitucional, p. 122.
[18] Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, p. 27.
[19] André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, p.38.
[20] Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho, Paulo G. G. Branco, Curso de Direito Constitucional, p. 122.
[21] Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho, Paulo G. G. Branco, Curso de Direito Constitucional, p.123.
[22] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 189.
[23] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 189.
[24] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 190.
[25] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 192.
[26] ADI 3.756, Julgado em 21.06.2007, DJ de 19.10.2007.
[27] Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior apud Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 194.
[28] Art. 18, §2º da Constituição Federal.
[29] http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/em-menos-de-24-horas-dilma-recua-de-constituinte
Advogado e especialista em Direito Constitucional Aplicado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Bruno Saraiva. Uma Nova Constituinte ou Apenas Uma Reforminha? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41057/uma-nova-constituinte-ou-apenas-uma-reforminha. Acesso em: 22 nov 2024.
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