Resumo: O artigo analisa o desenvolvimento histórico do controle de constitucionalidade brasileiro, destacando a Emenda Constitucional nº 16, do ano de 1965, que instaurou o controle concentrado de constitucionalidade.
Palavras chave: Constituição, controle de constitucionalidade.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1824. 3. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1891. 4. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1934. 5. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1937. 6. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1946. 7. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1967. 8. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1988. 9. Conclusões. 10. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O Direito é realidade, caminhando lado a lado com a evolução da sociedade, motivo pelo qual a Constituição, que é o documento jurídico primário que regulamenta a criação de um novo Estado, deve ser o espelho do modelo político-ideológico vigente. Nesse passo, a cada alteração do padrão de Estado vigente, deverá ser editada uma nova Constituição, para conferir suporte jurídico ao novo arquétipo político.
Assim, o controle de constitucionalidade, que é responsável pela análise da concordância formal e material das normas jurídicas editadas pelos legisladores com as normas constantes da Constituição, é diretamente influenciado pela forma de Estado e de Governo vigente em determinado Estado.
O presente artigo destina-se a analisar o desenvolvimento histórico do controle de constitucionalidade brasileiro, sendo que a primeira Constituição não previa o instituto do controle de constitucionalidade, ao passo que a atual Constituição adota o sistema híbrido, com os meios difuso e concentrado.
2. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1824
A Constituição de 1824 é a primeira Constituição brasileira, outorgada por Dom Pedro I, e fruto da independência política do Brasil de Portugal.
Essa Carta Constitucional desconhecia o sistema do controle de constitucionalidade das normas, porque ao Poder Legislativo cabia a elaboração e a interpretação das leis, bem assim a guarda da Constituição, ou seja, o Poder Legislativo do Império brasileiro era incumbido de velar pela supremacia das normas constitucionais.
Isso foi possível porquanto à época o pensamento jurídico brasileiro e a sociedade como um todo eram fortemente influenciados pelas ideias liberalistas, que dominavam o cenário europeu, principalmente a Inglaterra e a França. Nesse período, vigorava na Inglaterra o princípio da supremacia do parlamento e, na França, as leis eram vistas como consequência da expressão da vontade geral, que era dotada de soberania[1].
Ademais, cabia ao Imperador o exercício do Poder Moderador, que, nos termos do art. 98 da Constituição, era incumbido de:
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos. Grifo nosso
Destarte, deflui-se que qualquer contenda existente entre os Poderes integrantes do Império deveria ser solucionada pelo Poder Moderador, que estava alçado em grau de superioridade em relação aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Pode-se ainda asseverar que nessa Constituição não existia dispositivo específico que atribuía ao Poder Judiciário o exercício do controle da constitucionalidade, o que pode explicar a ausência de referido controle.
Entrementes, para o mestre Levi Carneiro, a falta de dispositivo constitucional que aloque mencionada competência ao Supremo Tribunal de Justiça (instituição semelhante ao atual Supremo Tribunal Federal) não era impedimento para a instauração do controle judicial de constitucionalidade. Por essa razão, analogicamente ao que ocorreu na Corte Suprema dos Estados Unidos, o citado autor critica o Supremo Tribunal de Justiça brasileiro, aduzindo que este:
(...) despercebido de sua própria missão mais alta, esquecido da repercussão política que poderia ter a sua atuação judiciária”, “não exercitou, com largueza, as suas prerrogativas, atrofiou-se, deixou que os outros podêres constitucionais dominassem absolutamente, anulando[2].
Diferentemente, o mestre Lúcio Bittencourt rebateu a crítica de Levi Carneiro, ao ponderar:
A situação, porém, do nosso Tribunal era muitíssimo diversa da que se verificou nos Estados Unidos da América, porque o Estatuto de 1824 não dava qualquer margem a tentativas de expansionismo. Em primeiro lugar, a defesa dos princípios constitucionais não fôra confiada ao Poder Judicial, mas, precisamente, ao Poder Legislativo, ao qual incumbia não só “interpretar” as leis que elaborasse - “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las” (art. 15, n.º 8.º), - mas, ainda, “velar na guarda da Constituição” (art. 15, n.º 9).
Além disso, como “chave de tôda a organização política”, existia o Poder Moderador (...)[3].
3. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1891
Com a Constituição de 1891, a forma de governo brasileiro passou a ser a República, sendo o Brasil fortemente influenciado pelos ideais que dominavam o cenário nos Estados Unidos da América. Além da queda do Império, o Brasil abandonou o pensamento liberalista europeu, o que fez com que fosse necessária a criação de uma nova Constituição.
Nesse diapasão, ministra José Afonso da Silva[4]:
Constituíra-se formoso arcabouço formal. Era – como nota Amaro Cavalcanti – o “texto da Constituição norte-americana completado com algumas disposições das Constituições suíça e argentina”. Faltara-lhe porém, vinculação com a realidade do país. Por isso, não teve eficácia social, não regeu os fatos que previra, não fora cumprida.
Essa Constituição foi a primeira carta brasileira que possibilitou a instauração da fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos, que deveria seguir o modelo difuso, de forma análoga à judicial review estadunidense.
Ressalta-se que mesmo antes da promulgação da primeira Constituição da República, já constava do art. 58, § 1º, “a” e “b” da Constituição Provisória de 1890 e do Decreto 848/1890, que instituiu a Justiça Federal, a atribuição do Poder Judiciário para examinar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.
Portanto, a Carta de 1891 foi a primeira Constituição brasileira a elevar ao nível constitucional a possibilidade de realização da averiguação da constitucionalidade das normas, porque essa espécie de controle já estava prevista em normas infraconstitucionais. Além disso, esse documento foi o primeiro do mundo a consignar, expressamente, o método do controle judicial, in verbis:
Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
(...)
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
Nota-se que a Constituição dos Estados Unidos da América, primeiro país a efetuar o controle jurisdicional de constitucionalidade, não tinha dispositivo expresso que atribuía ao Poder Judiciário a fiscalização da constitucionalidade. O controle judicial produzido no caso Marbury versus Madison foi possível graças à interpretação de uma série de dispositivos constitucionais.
A despeito da previsão constitucional da atribuição ao Poder Judiciário para realizar o controle da constitucionalidade das normas, num primeiro momento surgiram dúvidas quanto ao exercício dessa nobre função, que levou Oswaldo Aranha Bandeira de Mello a aduzir que[5]:
(...) em princípio, não obstante os claros preceitos referidos, houve por parte do Poder Judiciário, dúvida quanto ao exercício de relevante atribuição, e timidez na sua utilização, em aceitando-a. Isso só se tornou pacífico, após os trabalhos de Ruy, ao mostrar, à concludência, o alcance dos seus dispositivos, em reconhecendo essa prerrogativa do Poder Judiciário.
Em seguida, a Lei 221/1894, que finalizou a organização da justiça federal brasileira, disciplinou o controle judicial de constitucionalidade, espancando, definitivamente, o entendimento dos intérpretes que sustentavam que tal controle por parte do Poder Judiciário consistia em verdadeira usurpação de competência.
Por último, ainda sob a égide da Carta de 1891, observamos a reforma de 1926, cuja principal missão foi a de conferir melhor estruturação aos artigos constitucionais pertinentes ao controle jurisdicional de constitucionalidade.
4. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1934
Fruto da “Revolução[6]” de 1930, que pôs fim ao regime da República Velha, então marcada pela política do café com leite, a Constituição de 1934 foi de fundamental importância para a solidificação do controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil.
Restou mantido o controle difuso, exercido incidentalmente no curso da demanda, mas foram criadas quatro novas figuras para melhorar a sistemática do exame jurisdicional de constitucionalidade:
a) no art. 179 foi criada a cláusula de reserva de plenário, pela qual nos tribunais a inconstitucionalidade somente poderia ser reconhecida mediante o voto da maioria absoluta de seus membros;
b) atribuição ao Senado Federal para suspender a execução de lei ou de outro ato normativo declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário, em todo território nacional;
c) representação interventiva, o que faz com que o Supremo Tribunal Federal, mediante iniciativa do Procurador-Geral da República, possa determinar a intervenção nos estados-membros violadores dos princípios sensíveis;
d) criação do instituto processual do mandado de segurança no art. 113, n. 33, por meio do qual o Poder Judiciário pode reconhecer a inconstitucionalidade de leis, desde que isso seja a causa de pedir da defesa do direito lesado por atos de autoridade (controle incidental).
Com relação à suspensão da execução de lei pelo Senado Federal, denota-se que essa prática possui o objetivo de conferir eficácia erga omnes às decisões exaradas no controle incidental de constitucionalidade, que, em princípio, somente produz efeitos entre as partes litigantes.
Nesse diapasão, é o entendimento de Celso Agrícola Barbi[7]:
Mas a formação individualista do povo brasileiro, que se reflete, naturalmente, em sua magistratura, torna esta infensa à regra dos precedentes. De modo que leis julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal eram aplicadas por juízes não convencidos do acêrto da decisão daquela alta Côrte. Por outro lado, o sistema de declaração por via de exceção, tem, logicamente, a conseqüência de que a decisão só vale entre as partes e na causa em que foi proferida, o que produzia multiplicação de demandas fundadas na mesma lei, uma vez que, apesar de declarada inconstitucional pela mais alta Côrte do país, continuava ela em vigor.
A inovação trazida pelo citado art. 91, n. IV, era feliz porque continha forma de dar efeito “erga omnes” a uma decisão proferida apenas “inter partes”. Politicamente a fórmula encontrada era hábil, porque deixava de violar o princípio da independência dos Podêres, uma vez que a suspensão da execução da lei ficou na competência de um órgão do Legislativo.
Quanto à representação interventiva, pode-se concluir que aqui situa o germe do controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. Entretanto, isso não quer dizer que foi definitivamente criada a fiscalização concentrada, pois essa ação é tida como espécie de controle incidental com alguns caracteres de controle concentrado.
Ensina Paulo Bonavides[8]:
Os historiadores constitucionais quase todos coincidem em assinalar a importância da Constituição de 1934 como um expressivo marco na progressão do País rumo a um controle direto de constitucionalidade.
Com efeito, quatro inovação básicas de teor constitucional configuram a relevante contribuição que a segunda Constituição republicana trouxe ao aperfeiçoamento do nosso modelo de controle de constitucionalidade.
(...)
A terceira, a provocação do Procurador-Geral da República para que a Corte Suprema tomasse conhecimento da lei federal que houvesse decretado a intervenção da União no Estado-membro em caso de inobservância de certos princípios constitucionais, e lhe declarasse a constitucionalidade.
(...)
Dessas inovações a que mais importa com respeito à via de ação é a terceira, um largo passo dado na direção desse instituto, porquanto o exame de constitucionalidade pelo Pretório supremo já não ocorreria apenas incidentalmente, no transcurso de uma demanda, mas por efeito de uma provocação cujo objeto era a declaração mesma de constitucionalidade da lei que decretara a intervenção federal.
5. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1937
A Constituição de 1937, que foi outorgada por Getúlio Vargas, é resultado do regime totalitário que estava em constante expansão em todo o mundo, inclusive no Brasil. Denominada como Polaca[9], essa Carta interrompeu os constantes avanços que vinham ocorrendo na disciplina do controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro e serviu como suporte ao Estado Novo[10].
Segundo Clèmerson Merlin Clève[11], “a Carta de 1937 não passou, para utilizar a tipologia de Loewenstein, de uma ‘Constituição semântica’, ou seja, um Estatuto que tinha por função não mais que legitimar o golpe perpetrado pelo ditador.”, porque a presente Carta, somente serviu para legitimar a ditadura fascista instaurada por Getúlio Vargas.
Frisa-se, que o ordenamento jurídico brasileiro continuou a adotar o controle difuso de constitucionalidade, mas das quatro inovações introduzidas pela Carta Política de 1934, somente foi mantida a cláusula de reserva de plenário, que até hoje se encontra em plena aplicabilidade.
Além disso, o art. 96, parágrafo único, representou um verdadeiro retrocesso à atuação do Poder Judiciário, porque ao diminuir a aplicação do sistema de freios e contrapesos, colocou o Poder Executivo em relação de superioridade em relação aos demais Poderes, in verbis:
Art 96 - Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República.
Parágrafo único - No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.
Assim, constata-se que a Constituição de 1937 foi um verdadeiro instrumento de legitimação do regime ditatorial e fascista imposto por Getúlio Vargas.
6. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1946
Elaborada sob o clamor da redemocratização do Brasil e fruto da atuação da Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição de 1946 adotou o método difuso de controle de constitucionalidade.
Nesse sentido, foi extinta a regra constante no art. 96, parágrafo único, da Carta anterior, voltando ao Poder Judiciário a competência para proferir a palavra final a respeito da inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo.
Com esse novo documento, além das competências originária e recursal ordinária, passou a ser de atribuição do Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso extraordinário, as causas constantes no art. 101, III, in verbis:
Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
(...)
III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes:
a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal;
b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;
A Constituição manteve a cláusula de reserva de plenário e revigorou, com alguns avanços, as outras três novidades contempladas na Constituição da República de 1934, ou seja, a suspensão da execução de leis declaradas incidentalmente inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a representação interventiva e o mandado de segurança, que, na Constituição de 1937, somente teve previsão infraconstitucional.
Desse modo, novamente veio à tona o germe do controle concentrado de constitucionalidade, materializado na ação de representação interventiva de competência do Procurador-Geral da República.
A representação interventiva sofreu avanços significativos se comparada com a figura insculpida na Carta de 1934. Na Constituição de 1934, consoante o art. 12, a intervenção deveria ser decretada por lei federal e sedimentava-se com o reconhecimento de sua constitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal, mediante provocação do Procurador-Geral da República. Na representação interventiva da Constituição de 1946, o Supremo Tribunal Federal não analisava somente a constitucionalidade da lei federal interventiva, sendo, também, de sua atribuição, verificar se o Estado estava ou não a descumprir os princípios constitucionais sensíveis.
Ressalta-se que essa ação de representação interventiva, regulamentada pelas Leis 2.271/54 e 4.337/64, ainda não consistia um verdadeiro controle concentrado de constitucionalidade, visto que sua abrangência cingia-se ao exame da legislação estadual confrontante com a Constituição Federal.
Finalmente, após vários anos de evolução do controle judicial de constitucionalidade, em 26 de novembro de 1965, o art. 2º da Emenda Constitucional 16, ao modificar o art. 101, I, K da Constituição, instituiu, de fato, a fiscalização abstrata de constitucionalidade das normas no direito brasileiro.
Atenta-se, com suporte em Clèmerson Merlin Clève, que a representação consignada na Emenda 16/65 difere-se da representação interventiva das Constituições de 1934 e 1946. Nesse sentido, confira:
A representação instituída pela Emenda Constitucional 16/65 não se confunde com a representação interventiva. Consiste esta em mecanismo de solução de conflito entre a União e uma Coletividade Política Estadual. Por isso, a violação apenas dos princípios constitucionais sensíveis pode autorizar a sua propositura pelo Procurador Geral da República. Cuida-se, ao contrário, o mecanismo instituído pela Emenda 16/65, de representação genérica, apta, portanto, a garantir a observância de todos os dispositivos da Constituição. A representação interventiva implica uma fiscalização concreta da constitucionalidade, embora exercitada por via de ação direta; presta-se exatamente para a solução de um conflito federativo. A representação genérica, ao contrário, implica a realização de uma fiscalização abstrata da constitucionalidade, já porque neste caso está em jogo unicamente a compatibilidade, em abstrato (em tese), de um dispositivo normativo infraconstitucional contrastado com a Lei Fundamental da República. [12]
A partir de então, o controle de constitucionalidade brasileiro passou a ter natureza híbrida, dúplice, vigorando tanto o controle concentrado quanto o controle difuso, que são exercidos, respectivamente, via ação direta e incidentalmente no curso de uma demanda.
A propósito, comentando acerca da natureza dúplice do controle de constitucionalidade austríaco, após a reforma de 1929, verbera Mauro Cappelletti[13]:
O tipo austríaco – que poderíamos, antes, porque é já prevalente na Europa, chamar de “europeu” - de controle de constitucionalidade das leis, porque admite seja uma ação direta, seja um controle incidental, é certamente, como reconhecemos, mais híbrido e heterogêneo, mas, a nosso ver é, por outro lado, mais completo que o método “americano”. Com efeito, podem existir algumas leis que, ainda que inconstitucionais, fogem, porém, a toda possibilidade de controle incidental, pelo simples fato de que elas não podem, pelo seu particular conteúdo, dar lugar (ou pelo menos, de fato, não dão lugar) a lides concretas ou, em todo caso, a concretos episódios processuais civis, penais ou administrativo, para cuja solução ditas leis possam ser consideradas relevantes. (...)
Além do mais, o art. 19, da Emenda Constitucional 16/65, acrescentou o inciso XII ao art. 124 da Constituição então vigente, autorizando os Estados a criarem processo de competência dos Tribunais de Justiça, para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos municipais frente a Constituição Estadual.
Assim, a partir da Emenda Constitucional 16/65 restou instaurado o controle concentrado de constitucionalidade brasileiro em face da Constituição Federal e das Constituições estaduais.
7. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1967
A Constituição em comento, em que pese ter sido elaborada para dar sustentáculo ao regime ditatorial instaurado a partir de 1964, não rompeu com a sistemática anterior no tocante ao controle jurisdicional de constitucionalidade, mantendo, basicamente, os mesmos instrumentos de controle introduzidos pela Emenda Constitucional 16/65.
Assim sendo, veja seu art. 114, I, “l”:
Art 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:
I - processar e julgar originariamente:
(...)
l) a representação do Procurador - Geral da República, por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual;
Necessário salientar duas alterações que foram introduzidas nesse Texto Magno. A primeira foi a extinção da autorização dos Estados para instituírem representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais atentatórios das Constituições estaduais. A segunda, consoante o art. 11, § 2º, foi a transferência da competência do Congresso ao Presidente da República, para suspender ato ou lei declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nas representações interventivas ajuizadas pelo Procurador-Geral da República.
A Emenda Constitucional 1/69[14], que produziu alterações significativas na Constituição de 1967, não contemplou modificações substanciais na disciplina do controle judicial de constitucionalidade. Veja que essa Emenda abriu a possibilidade dos Estados instituírem representações interventivas contra leis municipais, por eventuais lesões dos princípios sensíveis insculpidos nas suas respectivas Constituições.
8. Controle de constitucionalidade na Constituição de 1988
A Constituição Cidadã criada sob os clamores da redemocratização do Estado brasileiro e do movimento das diretas já, aperfeiçoou, sobremaneira, o sistema híbrido de controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro. Atente-se que as alterações decorrentes da edição desse novo texto constitucional, foram lançadas com o objetivo de se instaurar um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
As principais modificações produzidas foram bem sintetizadas por Clèmerson Merlin Clève[15]:
Com a constituição de 1988, o sistema brasileiro (combinação do modelo difuso-incidental com o concentrado-principal) de fiscalização da constitucionalidade foi aperfeiçoado. Com efeito, (i) ampliou-se a legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (antiga representação); (ii) admitiu-se a instituição pelos Estados-membros, de ação direta para declaração de inconstitucionalidade de ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2.º); (iii) instituiu-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §. 2º) e o mandado de injunção (art. 102, I, “q”, quando de competência do STF); (iv) exigiu-se a citação do Advogado-Geral da União que, nas ações diretas, deverá defender o ato impugnado (art. 103, § 3.º); (v) exigiu-se, ademais, a manifestação do Procurador-Geral da República em todas as ações de inconstitucionalidade, bem como nos demais processos de competência do Supremo Tribunal Federal (art. 103, § 1º); (vi) não atribuiu ao Supremo Tribunal Federal competência para julgar representação para fins de interpretação, instrumento que foi, portanto, suprimido pela nova Lei Fundamental; (vii) previu a criação de um mecanismo de argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição (art. 102, par. Único) que não foi, ainda, regulamentado e, finalmente, (viii) alterou o recurso extraordinário, que passou a ter feição unicamente constitucional (art. 102, III).
Diante disso, são cristalinos os avanços trazidos pela Carta Magna de 1988, que buscou democratizar, ainda mais, a fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das normas. Para tanto, foi extinto o monopólio do Procurador-Geral da República para ajuizar as ações diretas, abrindo o rol dos legitimados ativos para suas proposituras.
9. Conclusões
Após a análise do controle de constitucionalidade em todas as Constituições brasileiras, verifica-se que nosso sistema passou por importantes evoluções até chegar ao modelo misto (híbrido), que se sedimenta na combinação dos modelos difuso e concentrado.
Todas as modificações visaram, principalmente, tornar mais democrático, eficiente e legitimado o controle de constitucionalidade brasileiro, na medida em que possibilita aos cidadãos discutir, incidentalmente, a constitucionalidade de determinadas normas.
10. Referências bibliográficas
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______. Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de maio de 2014.
______. Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional-16-26-novembro-1965-363609-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em 28 de julho de 2014.
BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. Atualizado por José Aguiar Dias. 2. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução: Aroldo Plínio Gonçalves; 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1984.
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VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
[1] CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
[2] CARNEIRO, Levi apud BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. Atualizado por José Aguiar Dias. 2. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 1997
[3] BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. Atualizado por José Aguiar Dias. 2. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.
[4] Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[5] A teoria das constituições rígidas. 2. ed. São Paulo: José Buschatsky Editor, 1980.
[6] Destacamos o termo porque não é objeto do presente estudo analisar se este movimento foi uma verdadeira revolução ou somente uma evolução.
[7] Evolução do Contrôle da Constitucionalidade das Leis no Brasil. Revista de Direito Público, São Paulo, nº 1, p. 34-43, v. 1, 1968.
[8] Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[9] Recebeu referida denominação porque foi bastante influenciada pela Constituição polonesa.
[10] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
[11] A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
[12] A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
[13] O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução: Aroldo Plínio Gonçalves; 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1984.
[14] As modificações foram tão substanciais que alguns autores sustentam que essa Emenda Constitucional foi, na verdade, uma nova Constituição.
[15] A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Especializando em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Luís Henrique Assis. Desenvolvimento histórico do controle de constitucionalidade brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41107/desenvolvimento-historico-do-controle-de-constitucionalidade-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
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