RESUMO: Este artigo trata do papel do Judiciário na democracia contemporânea, mormente no que diz respeito aos limites e ao modo como deve ser exercida a jurisdição constitucional. Defende-se que não há criação propriamente dita do direito pelo Judiciário, mas sim uma função criativa da interpretação realizada pelos juízes, uma vez que as decisões judiciais devem se pautar em princípios preexistentes e em questões morais, a fim de dar a melhor interpretação à Constituição.
Palavras-chave: juiz; moral; princípios; interpretação do direito.
1. INTRODUÇÃO:
Primeiramente, pergunta-se como deve ser exercido o vasto poder da Corte Suprema (Judiciário); se o juiz pode criar direito ou apenas interpretar a Constituição, e; quais os limites para a atuação judicial.
Ademais, indaga-se se o historicismo oferece uma interpretação aceitável para a prática constitucional, especialmente se considerarmos o aspecto da estabilidade em seu favor e se o passivismo e ativismo judicial possuem fundamentos plausíveis para sua aplicação na democracia contemporânea. Neste caso, como seria a atuação ideal de um juiz?
A interpretação da Constituição pelo Judiciário possui uma dimensão substantiva.
A dicotomia apontada frequentemente entre juízes conservadores (obedientes à Constituição) e juízes liberais (tendentes a reformar a Constituição segundo suas próprias convicções) não pode subsistir, pois ela ignora o caráter interpretativo do direito e não contribui de maneira significativa para qualquer análise séria do julgamento da constitucionalidade. Ademais, é possível que um juiz combine posições conservadores e liberais, não se enquadrando em nenhuma dessas classificações, portanto.
O direito como integridade, como defende Dworkin,[1] fornece uma grade de classificação entre os juízes mais precisa, através da distinção analítica entre as dimensões da interpretação. Os grandes debates sobre o método constitucional são debates dentro da interpretação, e não sobre importância da interpretação, que é indiscutível.
O argumento da estabilidade em favor do historicismo deve ser visto como um argumento de moral política. A estabilidade crucial é a da integridade: na medida do possível, o sistema de direitos deve ser interpretado como a expressão de uma concepção coerente de justiça (dimensão substantiva da interpretação do direito).
O direito como integridade é sensível ao diferente valor marginal da certeza e da previsibilidade em diferentes circunstâncias, bem como às tradições e à cultura política de uma nação e, portanto, também a uma concepção de equidade que convém a uma Constituição.
Os problemas constitucionais polêmicos pedem uma interpretação, e não uma emenda (ato legislativo), como defendem os passivistas. Em outras palavras, o direito como integridade insiste em que os juízes apliquem a Constituição por meio da interpretação, devendo, assim, as suas decisões se ajustar à prática constitucional, e não ignorá-la.
A alternativa ao passivismo não é o ativismo atrelado ao senso de justiça de apenas um juiz, mas um julgamento muito mais apurado, que dá lugar a uma variedade de virtudes políticas, mas não cede espaço à tirania. A finalidade da decisão judicial constitucional não é meramente nomear os direitos, mas assegurá-los aos seus titulares.
Hércules, que representa a figura do juiz ideal para Dworkin, não se enquadra na classificação acadêmica padrão de juízes e não é um tirano usurpador, mas sim um herói da limitação judicial.
A intrusão judicial, em casos conturbados e especiais, nas funções administrativas é mera consequência de uma visão tradicional do juiz: os juízes têm obrigação de fazer cumprir os direitos constitucionais até o ponto em que o cumprimento deixa de ocorrer no interesse daqueles que os direitos deveriam proteger.
2. INTERPRETAÇÃO JUDICIAL NA VISÃO DE RONALD DWORKIN:
Dworkin questiona se o direito constitucional está baseado em um erro, pois, tradicionalmente, a Constituição norte-americana tem sido utilizada como pano de fundo para debates políticos sobre os limites da jurisdição constitucional (papel frágil da Constituição), e não como fonte de autoridade dos tribunais para fixar tais limites às demais instituições. Neste passo, dar destaque à decisão do presidente da Corte Suprema, John Marshall, proferida em 1803 como marco para uma nova visão do papel da jurisdição constitucional na sociedade, quando este afirmou que a Constituição era a norma suprema do país e que o poder e o dever da Corte e dos tribunais era de fazer cumprir os preceitos constitucionais, dizendo o que a Constituição pretende dizer, decorreria da própria declaração contida na Constituição, podendo inclusive declarar inválidos os atos de outros órgãos públicos quando estes excederem os poderes que lhes são outorgados constitucionalmente.
Os juízes liberais e conservadores estão de acordo quanto às palavras que formam a Constituição enquanto texto pré-interpretativo e divergem sobre o que é a Constituição enquanto direito pós-interpretativo. Assim, cada tipo de juiz tenta aplicar a Constituição enquanto direito, segundo seu julgamento interpretativo do que ela é, sendo irrelevante insistir nessa classificação dos juízes entre liberais e conservadores.
Rotular os juízes em interpretativos (fundamento exclusivamente ou principalmente na Constituição) e não-interpretativos (fundamento em bases extraconstitucionais) também constitui uma falácia, pois ignora o caráter filosófico do direito como interpretação: qualquer juiz consciencioso é um adepto da interpretação em seu sentido mais amplo, divergem sobre qual seja a melhor interpretação, e não sobre se o julgamento de constitucionalidade deve ser interpretativo.
Ao criticar a classificação comumente realizada entre juízes conservadores e liberais, Dworkin aponta que, se admitirmos esta classificação liberal-conservador, deve-se fazer a distinção separadamente para duas dimensões e criar, assim, quatro compartimentos, o que é menos rígido que a simples distinção entre juízes liberais e conservadores. Ressalta, contudo, que nem sempre é fácil enquadrar um juiz aos dois ou quatro compartimentos que define, como exemplifica com o presidente da Suprema Corte, o juiz Earl Warren, que possuía ideias igualitárias sobre a justiça econômica e ponto de vista conservador sobre assuntos pornográficos.
Dworkin aborda o historicismo, o passivismo e o ativismo judicial, com vistas a apontar as deficiências de cada uma dessas correntes e concluir que nenhuma destas teorias oferecem uma interpretação bem-sucedida da prática constitucional em seu conjunto, pois tratam-se de estratégias interpretativas apriorísticas, fixadas numa orientação estreita e formadas pela justaposição de ideias, para decidir o que é uma constituição.
O historicismo refere-se a prestações jurisdicionais, em matéria constitucional, que consideram os princípios como reveladores das intenções históricas dos fundadores e que, por isso, limitam as interpretações da Constituição. Assim, a intenção do fundador seria a intenção do locutor. Todavia, Dworkin rejeita a teoria historicista, tanto a frágil como a forte, ao ponderar que as declarações históricas dos fundadores da Constituição foram feitas em circunstâncias políticas, morais e econômicas totalmente diversas das atuais, não levando a sério os direitos, ao contrário do que faz a Constituição. Acrescenta que não há indícios da meta-intenção dos fundadores e isso implicaria em petição de princípio. Ademais, a democracia, sob a perspectiva historicista, não indica até que ponto as declarações não formalizadas em lei penetram nos direitos criados pelos governantes.
Assim, faz-se necessário a existência de um argumento mais concreto sobre a equidade, pois os fundadores da Constituição eram pouco representativos do povo como um todo e a democracia não era suficientemente avançada para oferecer um argumento de equidade que considere as opiniões dos legisladores como bons indícios de qual era a opinião pública na época.
Em suma, o historicismo nega à comunidade o poder de mudar o seu senso público de finalidade ao considerar apenas opiniões de pessoas eleitas há muito tempo atrás. Por fim, o melhor argumento em favor do historicismo seria a estabilidade: “O direito serve melhor a sua comunidade quando é tão preciso e estável quanto possível, e isso se aplica particularmente ao direito fundamental, constitucional.”. [2] Porém, a Suprema Corte, divergindo da atitude unilateralista a respeito da jurisdição constitucional do historicismo, reconheceu direitos constitucionais que os fundadores não contemplaram na Constituição, v.g., no caso Brown.
O passivismo, por sua vez, mostra grande deferência para com as decisões dos outros poderes estatais. Segundo os passivistas, há três questões a serem analisadas: a aprovação (quem deve fazer a Constituição); a competência (que instituição tem autoridade para decidir o que a Constituição, devidamente interpretada, realmente exige) e; a questão jurídica (o que a Constituição, devidamente interpretada, realmente exige), sendo esta terceira questão a mais relevante sob o ponto de vista prático.
De acordo com o passivismo, as cláusulas abstratas da Constituição não concedem nenhum direito aos cidadãos, salvo os direitos que decorrem indubitavelmente da linguagem dessas cláusulas, o que, na concepção de Dworkin, apela para o convencionalismo e, por vezes, ao ceticismo, que é inepto, uma vez que as teorias da justiça e igualdade são subjetivas e não existe uma resposta certa sobre qual é a melhor: elas são apenas distintas.
Dworkin trata de virtudes políticas que podem competir entre si, ao interpretar-se a norma constitucional aplicável ao caso concreto, conforme a moral política, quais sejam: a justiça (uma interpretação de um preceito constitucional será melhor se atender o que a justiça exige) e a equidade (uma interpretação será melhor se refletir convicções dominantes ou, pelo menos, comuns na comunidade).
Além disso, Dworkin, ao questionar se a Constituição será mais justa se suas restrições ao governo da maioria forem mínimas, assevera que, a priori, não há motivos para considerar os juízes teóricos políticos menos competentes que os legisladores, especialmente se considerar que estes são vulneráveis aos apelos de uma maioria política em detrimento dos direitos de uma minoria contrária.
Por fim, observa Dworkin que a boa alegação política em favor do passivismo consiste na ideia de equidade política, que exige que a restrição à Constituição somente ocorra por princípios que ela própria endossa e que deve prevalecer sobre a justiça em caso de conflito com ela. Porém, o mencionado autor ressalva que a Constituição persiste na idéia de que a equidade deve render-se a certos direitos fundamentais, concluindo que os fundamentos dos passivistas não são plausíveis substancialmente. Logo, o passivismo atende muito bem à primeira dimensão de interpretação: aprovação. Porém, na maioria das vezes, o erro reside na falta de intervenção judicial em momentos em que os princípios constitucionais de justiça exigiam-na.
Em relação à perspectiva do ativismo (teoria oposta ao passivismo), Dworkin também a afasta pelo fato de ela impor aos demais poderes do Estado sua singular concepção de justiça, ignorando o texto constitucional, as circunstâncias do caso concreto e a moral política inerente a qualquer julgamento interpretativo da Constituição.
Hércules é um juiz fictício criado por Dworkin para resolver casos constitucionais polêmicos, dotado de um grande poder intelectual, fora dos padrões comuns dos juízes (não é historicista, passivista ou ativista) e que faz julgamentos com base na interpretação da Constituição com vistas a alcançar o melhor resultado possível, vislumbrando questões de princípio e tratando o direito como integridade.
Contudo, Dworkin não pretende que todos os juízes se tornem Hércules, este apenas constitui um parâmetro ideal, por ser mais reflexivo e autoconsciente do que qualquer juiz comum. Suas convicções sobre a justiça ou a política se veem inibidas em seu julgamento interpretativo geral, não apenas pelo texto da lei, mas também por um grande número de considerações sobre a equidade e a integridade.
Desse modo, Hércules, partindo do pressuposto que a Constituição é o fundamento para a criação de outras leis, desenvolverá uma teoria operacional do julgamento da matéria constitucional, segundo a qual a interpretação dada por Hércules à Constituição deve ser fundamental, ajustando-se às disposições mais básicas do poder político da comunidade e justificando-a através dos aspectos mais filosóficos da teoria política. Hércules é, portanto, livre para concentrar-se nas questões de princípio que, segundo o direito como integridade, formam o direito constitucional que ele aplica.
Em suma, Dworkin se utiliza do juiz filósofo Hércules para, através de uma abstração dos problemas de ordem prática, visualizar as soluções de compromisso que os juízes reais consideram necessárias enquanto compromissos com o direito.
Para ilustrar, Dworkin elabora três descrições de um direito individual contra a discriminação racial: 1. Classificações suspeitas: pressupõe que o direito contra a discriminação é apenas uma consequência do direito mais geral que as pessoas têm de ser tratadas como iguais segundo qualquer concepção de igualdade que seu Estado pratique, exigindo a norma, assim, apenas que certos grupos recebam a devida consideração dentro do equilíbrio geral e que um Estado possa cumprir essa norma mesmo quando os tratar de forma distinta de outros; 2. Categorias banidas: a Constituição reconhece um direito preciso contra a discriminação como um trunfo sobre a concepção do interesse geral de qualquer Estado, ou seja, é o direito de que certos atributos ou categorias não sejam utilizados para fazer distinção entre os cidadãos, mesmo que essa diferenciação vise ao interesse geral por outra concepção admissível, sob pena de violação constitucional; 3. Fontes banidas: reconhece um direito especial e diferente contra a discriminação, no sentido de que as pessoas têm o direito, contra uma justificativa coletiva, de que certas fontes, tipos de preferências ou escolhas não sejam levados em consideração desse modo, ou melhor, as preferências que têm origem em algum tipo de preconceito contra um grupo nunca pode favorecer uma política que acarrete desvantagem a este grupo. Nesta visão, a segregação racial seria per si uma forma de preconceito e, assim, não poderia ser preservada.
Analisa-se, sob a perspectiva da teoria da decisão construtiva do juiz Hércules, a aplicação das três teorias supracitadas acerca do direito constitucional contra a discriminação racial no caso Brown (1954). A primeira teoria (classificações suspeitas) seria rejeitada pelo referido juiz filósofo porque ela nega qualquer direito especial contra a discriminação e apenas insiste que o bem-estar ou as preferências de cada cidadão sejam considerados na mesma escala, sem restrição de fonte ou caráter, ao passo em que se poderia utilizar tanto da teoria das fontes banidas, que desconsidera algumas preferências em prol de um bem comum, como da teoria das categorias banidas, em que alguns atributos, como a raça, nunca devem servir de base para distinções legais. Trata ainda da questão dos remédios. Questiona-se se o direito deve ser imediatamente cumprido ou sujeitar-se a um processo de mudança mais gradual, asseverando que a decisão de Hércules sobre o remédio é também uma decisão de direito (de substância), uma decisão sobre os direitos secundários que as pessoas têm quanto ao método e à maneira de fazer valer seus direitos substantivos primários, e não voltada apenas para os resultados.
Dessa forma, Hércules pretende desenvolver uma teoria geral de cumprimento da lei que se ajuste ao poder que a Constituição lhe atribui e o justifique. Em outras palavras, busca Hércules uma teoria que não contradiz, por meio do processo, aquilo que o documento exige em substância, a fim de que se alcance o cumprimento mais imediato e eficaz dos direitos constitucionais substantivos. Dessa forma, no caso Brown, o remédio à segregação deveria ter aplicação imediata e eficaz, não obstante a decisão judicial ser sensível às suas consequências.
A atuação de Hércules no caso Bakke (1978), que secunda uma ação afirmativa ou de discriminação inversa, em que se decidiu pela inconctitucionalidade da aceitação de negros, na universidade da Califórnia em Davis, cujas pontuações nos exames foram inferiores às de alguns brancos, como as do autor da ação, Alan Bakke. Neste caso, Hércules prefere a teoria das fontes banidas à teoria das categorias banidas, uma vez que a discriminação racial é injusta porque expressa preconceito, e não porque as pessoas não podem escolher sua raça e fará uma elaboração prática apropriada desta teoria para fins constitucionais. Ressalte-se que ele aceita, em princípio, os programas de ação afirmativa. Em síntese, no caso Bakke, Hércules considera que o sistema de cotas aprecia da mesma forma todas as classes de candidatos, como faria qualquer sistema que adote classificações gerais.
Diante do acima exposto, conclui-se que Hércules não é um historicista, pois guia-se por um senso de integridade constitucional, sendo seu julgamento sobre qual é a melhor interpretação sensível à complexidade de virtudes políticas subjacentes a essa questão e acredita que a Constituição consiste na melhor interpretação possível da prática e do texto constitucionais como um todo; não é um passivista, pois interpreta as disposições constitucionais considerando que o objetivo de algumas dessas disposições consiste na proteção da democracia e; não é um ativista, pois seu julgamento não substituirá o do legislador quando a questão discutida for política, e não de princípios.
Quanto à alegação de que Hércules é um tirano que tenta privar o povo de seu poder democrático, Dworkin a refuta, pois “quando intervém no processo de governo para declarar inconstitucional alguma lei ou outro ato de governo, ele o faz a serviço de seu julgamento mais consciencioso sobre o que é, de fato, a democracia e sobre o que a Constituição, mãe e guarda da democracia, realmente quer dizer.”. [3] Dworkin considera, portanto, Hércules um herói da limitação judicial.
4. CONCLUSÃO:
Ronald Dworkin preleciona de forma coerente sobre como deve ser realizada a atuação do Poder Judiciário nas democracias contemporâneas, notadamente na norte-americana. Defende, assim, uma atividade substantiva da atividade judicial, na medida em que as decisões dos juízes devem ter por fundamento uma moral política e princípios constitucionais preestabelecidos, de maneira que a atividade judicante se afaste da discricionariedade e se aproxime de um ato vinculado. Assim, pode-se dizer que “sua leitura é marcada, sobretudo, por uma leitura moral da Constituição.” [4]
O ponto crucial do pensamento dworkiano refere-se à posição de primazia que possui a interpretação nas decisões judiciais, pois a atividade criativa dos juízes e tribunais estaria atrelada à interpretação, que constitui o meio idôneo para se encontrar a resposta correta, pois somente através dela é possível dar o melhor sentido à prática social sob exame.
A contribuição de Dworkin para as sociedades atuais contemporâneas é indubitável, pois ele trouxe uma visão do direito como um conjunto coerente de normas e realmente não há criação de direito nas decisões judiciais com base em princípios, como defende Alexy, mas apenas uma nova interpretação com base em direitos ou princípios já existentes.
Ressalte-se, ainda, que, considerando a mutabilidade do conceito de democracia em razão do tempo e de acordo com o lugar e com a sociedade em que se encontra inserido, deve-se, primeiro, analisar o que é a democracia no contexto em que ela se localiza para somente depois se avaliar como devem decidir os juízes.
Alguns autores, como David Hoy, [5] consideram a teoria dworkiana demasiadamente otimista, pois, ao considerar a integridade como uma virtude política aplicável ao Direito, exige-se uma coerência de um corpo de normas feito sem critério e ao acaso, supondo, assim, uma profunda personificação da comunidade e a ficção de que o direito tenha apenas um legislador. Outros críticos de Dworkin apontam que sua teoria faz uma confusão entre direito e moral.
Habermas[6] também ataca a teoria de Dworkin quanto à sua visão de direito como integridade, senão vejamos:
A impossibilidade de se conceber o direito de uma comunidade por um só autor e a solidão de Hércules que, ao decidir sozinho, são os principais pontos fracos da teoria. O fato de Hércules estudar o direito na solidão de seu gabinete, nega ao mesmo um interlocutor qualificado e a possibilidade de aprimorar seus argumentos, faltando também pressupostos da teoria do discurso.
Ante o exposto, entendo que o pensamento dworkiano peca pela idealização demasiada do juiz Hércules, pois este seria um juiz solitário e que teria a carreira inteira para decidir sobre os casos polêmicos, o que o torna uma figura de difícil aplicação no contexto social hodierno.
Ademais, é difícil imaginar que somente há uma resposta correta para determinado caso, especialmente nos hard cases, uma vez que diante das inúmeras variáveis do caso concreto pode haver mais de uma decisão correta, dependendo dos princípios constitucionais que o juiz utilize para fundamentar seu julgamento, pois não existe um número fixo de padrões preestabelecidos.
Deve-se, ainda, fazer um paralelo entre o caso Bakke e o discutido sistema de cotas raciais para ingresso nas universidades públicas federais brasileiras, uma vez que tratam de situações semelhantes. Contudo, divirjo de Dworkin neste ponto, pois considero que esse sistema de cotas consiste em si uma discriminação, estipulando a criação de classes e não o fim do racismo, causando, desta feita, o mesmo repúdio na sociedade que o racismo causa. Pelo menos no caso brasileiro, não se pode achar que a melhor maneira de mudar a realidade socioeconômica do nosso país é oferecendo vagas nas instituições de ensino superior a negros e índios; faz-se necessário levar em consideração que somos todos iguais perante a lei e que, por isso, devem ser oferecidas as mesmas condições a todos, independentemente de pertencer a qualquer categoria.
Ademais, essa questão no Brasil encontra-se extremamente atrelada à política, e não apenas aos anseios dos princípios da Constituição. Neste sentido, opina Celso Antonio Bandeira de Mello: “Em suma: qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos? [...]”.[7]
Em síntese, é inconteste que a teoria de Ronald Dworkin deve ser alvo muito mais de elogios do que de críticas, pois, ao tratar o direito como integridade, Dworkin aborda as afirmações jurídicas como opiniões interpretativas, as quais estão em eterno processo de desenvolvimento, não se encontrando, portanto, estanques no tempo e espaço. Ademais, a melhor interpretação do direito, segundo Dworkin, busca sempre se pautar pelos princípios fundamentais de justiça, equidade e devido processo legal, e, por conseguinte, pelo ideal de democracia.
Há, dessa forma, na teoria dworkiana, uma liberdade condicionada da atuação judicial aos princípios constitucionais, o que é necessário para uma atuação livre, mas não discricionária, dos juízes, com vistas a efetivar os direitos constitucionais fundamentais dos cidadãos, bem como permite o controle da atuação judicial pela sociedade como um todo, uma vez que as decisões judiciais devem sempre ser justificadas nos princípios de justiça, equidade e devido processo legal.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008;
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes: 1999;
HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre a faticidade e falidade. V. 1 (Trad.) Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997;
HOY, David Couzens. Dworkin’s constructive optimism v. desconstructive legal nihilism. In: Law and Philosophy. V.6., n. 3, Dezembro 1987, p. 323-356;
LEAL, Mônica Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática. Uma abordagem a partir das teorias constitucionais alemã e norte-americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007;
MELLO, Celso Antonio Bandeira. O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
[1] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes: 1999.
[2] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes: 1999, p. 438.
[3] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes: 1999, p. 476.
[4] LEAL, Mônica Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática. Uma abordagem a partir das teorias constitucionais alemã e norte-americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 163.
[5] HOY, David Couzens. Dworkin’s constructive optimism v. desconstructive legal nihilism. In: Law and Philosophy. V.6., n. 3, Dezembro 1987, p. 345.
[6] HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre a faticidade e falidade. V. 1 (Trad.) Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 276-277.
[7] MELLO, Celso Antonio Bandeira. O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 11.
Procuradora Federal; Mestre em Constitucionalismo, Filosofia e Direitos Humanos (UFPA), Especialista em Direito Processual: Grandes Transformações pela Rede de Ensino LFG, e; Especialista em Direito Previdenciário pela Rede de Ensino LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEVY, Karine de Aquino Câmara. A influëncia da moral e dos príncipios constitucionais na interpretaçáo judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41132/a-influencia-da-moral-e-dos-principios-constitucionais-na-interpretacao-judicial. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
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