I – EMENTA: COMBATE Á CORRUPÇÃO – OBJETIVOS DA REPÚBLICA – NECESSIDADE DE APURAÇÃO - MODERNIZAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES – EMAIL FUNCIONAL - INEXISTÊNCIA DE SIGILO DE COMUNICAÇÃO.
II – FUNDAMENTOS
O combate á corrupção, o combate ás imoralidades administrativas, às ilegalidades e ilícitos de servidores públicos como de todo e qualquer um que receba verbas públicas, é princípio fundamental que se impõe na consubstanciação de um Estado de Direito Democrático.
A manutenção da ordem pública, a manutenção da legalidade, a boa gestão do patrimônio público são valores que se impõem ao Estado, á Administração, mas também a toda aquele que possa de alguma maneira efetuar o controle de tais situações, o que, no Brasil, ante o principio republicano e o democrático, indicam desde os órgãos públicos especializados, como Ministério Público e Advocacia-Geral da União, os Tribunais de Contas, Controladorias, como também as esferas sociais como ONGS e, principalmente, o cidadão, o particular, o administrado, o servidor, que cientes desse dever cívico, vêm cumprindo, apesar de todas as ameaças, limitações e restrições, o papel de colaboradores da manutenção da moralidade, seja com ações populares, movimentações sociais, protestos e denuncias, ainda que anônimas, além das representações ao próprios órgãos de controle.
Percebe-se, pois que o combate á corrupção, ás ilegalidades é inerente ao Estado Democrático e deve ser entendido como direito e dever de todos.
Tal se dá por determinação constitucional:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ora, não há como implementar praticamente nenhum dos objetivos fundamentais da República sem o combate á corrupção, sem a atuação dos órgãos de controle, sem o controle social e, principalmente, sem se evitar a impunidade, pelos vários motivos formais e temporais que por vezes surgem.
É justa a República com altos índices de corrupção e com elevado grau de impunidade?
Desenvolve-se econômica e socialmente a República que não zela pela defesa de seu patrimônio? Pelo cumprimento das leis?
Erradica-se a pobreza e a marginalização, reduzindo-se desigualdades sociais e regionais o Estado descumpridor de leis? O Estado sem controle, o Estado mal gerido e sem autocontrole, sem autotutela diminui desigualdades sociais? Diminui marginalização? O Estado corrupto, a Administração sem poder de fiscalização interna e externa contribui de alguma maneira com a diminuição da desigualdade social?
Que bem de todos pode ser promovido sem o combate á corrupção? Como fazer prevalecer o bem de todos sem ferramentas para impedir a supremacia do interesse egoístico?
São essas as bases jurídicas constitucionais que fazem com que o subscritor venha escrever e justificar, como agora se faz, indicando que seja permitido pela autoridade judiciária competente a efetiva viabilização democrática e conforme o Estado de Direito do necessário e imprescindível combate á corrupção, permitindo-se a a verificação, controlada, de “email” funcional, que pode ser utilizado inadequadamente como ferramenta de crime, de improbidade, de ilegalidade, praticados por instrumentos que a própria Administração Pública viabilizou ao servidor.
Antes, porém, ainda sobre o fenômeno da corrupção e seus maléficos efeitos no Brasil, vale citar estudioso do tema, Dr Emerson Garcia, Doutorando e Mestre em Ciências jurídico- Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Education Law and Policy pela European Association for Education Law and Policy (Antuérpia – Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa, quando, em sua tese Repressão à Corrupção no Brasil: entre realidade e utopia[1], melhor evidencia o que aqui se tenta demonstrar: Corrupção no Brasil:
A corrupção, por certo, não é invenção brasileira. Pode ser vista como efeito praticamente inevitável de uma organização estatal deficiente, qualquer que seja o país objeto de análise. É o que ocorre quando verificamos a presença de (a) falhas no recrutamento de pessoal, (b) excessiva liberdade valorativa outorgada a agentes públicos, limitando a possibilidade de controle de suas decisões, (c) carência de estrutura material e humana nos órgãos administrativos, tornando-os ineficientes, (d) nítida precariedade dos instrumentos de controle e (e) entraves processuais que dificultam a aplicação das sanções cominadas.
Contextualizando as características anteriormente referidas na realidade brasileira, observa-se, inicialmente, em todas as esferas de governo, um excessivo quantitativo de cargos administrativos providos sem a prévia aprovação em concurso público, fenômeno verificado a partir da década de sessenta do século passado, durante a ditadura militar. Esses cargos são rotineiramente utilizados para premiar apadrinhados políticos, nem sempre comprometidos com o evolver do serviço público. O pior é que o servidor de carreira, não raras vezes, passa a ser comandado pelos ocupantes desses cargos, o que, não bastasse o mau exemplo, se erige como nítido desestímulo ao seu empenho. A ideia de liberdade valorativa, apesar de inerente a qualquer regime democrático, é constantemente deturpada.
No âmbito da função executiva, não é incomum que certas decisões sejam tomadas à margem do interesse público, com o deliberado propósito de benefício pessoal, associado, ou não, à obtenção de vantagem indevida junto a terceiros (v.g., com a definição do trajeto de uma rodovia, que pode valorizar ou desvalorizar as propriedades confrontantes; a contratação direta, sem a prévia realização de licitação de empresas conluiadas com o administrador, a liberação de recursos públicos para instituições sem fins lucrativos, controladas por correligionários políticos etc.).
Entre os demais servidores públicos, a corrupção tende a ser maior, ou menor, conforme a amplitude do seu poder de decisão. Escândalos de corrupção envolvendo policiais e fiscais de tributos, especialmente aqueles vinculados aos estados-membros, são frequentes, o que certamente decorre da baixa remuneração oferecida e do fato de estarem na linha de frente no combate à ilicitude, o que lhes oferece uma ampla possibilidade de se envolverem em práticas corruptas.
(..)
Embora a corrupção seja uma prática conhecida por todos, sua repressão, apesar de todos os esforços, também é comprometida pela precariedade dos instrumentos de controle. A começar pelos órgãos policiais, passando pelo Ministério Público, avançando pelos Tribunais de Contas e culminando com o Poder Judiciário, isso sem olvidar os mecanismos de controle interno afetos a cada estrutura de poder, todos apresentam deficiências orgânicas. Mesmo aquelas unidades que apresentam estrutura mais avançada no âmbito da Federação brasileira não se mostram aptas a superar o volume de casos a serem resolvidos, o que procrastina a sua resolução e, por vezes, os relega ao esquecimento. Não bastasse isso, os instrumentos de investigação, não obstante honrosas exceções, não têm acompanhado o aprimoramento das práticas ilícitas, a cada dia mais refinadas. Nem todos os órgãos dispõem de ferramentas e tecnologia adequadas ao seu objetivo. Um exemplo notável, a que já fizemos referência em incontáveis congressos destinados ao estudo da temática, é a inexistência de um serviço central de informação, que seria responsável pela confrontação de dados recebidos de todos os entes responsáveis pela gestão de informações que possam refletir a situação patrimonial de uma pessoa (v.g., instituições bancárias, registros de imóveis, departamentos de trânsito, juntas comerciais, receita federal, previdência social etc.) e, uma vez verificada a existência de situações suspeitas (v.g., um agente que declara ter renda de 10, mas ostenta patrimônio 1000 vezes maior), seriam provocados os órgãos de controle. Como a quase totalidade desses sistemas já está informatizada, não vemos a razão por que não se implementar um sistema como esse, nos moldes, aliás, do que foi feito na França com a edição da Lei nº 93-122, de 29 de janeiro de 1993 (JO de 30/01/1993, p. 1.588 e ss.).No Brasil, somente dispomos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que nada mais é que a Financial Intelligence Unit (FIU) inicialmente prevista na Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, celebrada em Viena, em 20 de dezembro de 1988, ratificada no Brasil por meio do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Esse órgão foi inicialmente concebido para o combate à lavagem de dinheiro e somente congrega informações de ordem financeira.
Por último, merece referência a prodigiosa lei processual brasileira, permitindo que um único processo passe por quatro instâncias diferentes, sendo disponibilizado um extenso leque de recursos a tantos quantos pretendam subtrair-se ao alcance da Justiça. Além disso, um elevado quantitativo de agentes públicos goza do denominado “foro por prerrogativa de função”. Enquanto o cidadão comum deve ser julgado por um juiz, eles são submetidos originariamente a um tribunal. Como os tribunais não dispõem de estrutura adequada para conduzir um processo dessa natureza paralelamente à sua competência recursal, é natural que a impunidade seja a tônica, máxime com a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. Considerando que as debilidades do sistema são mais bem exploradas pelos advogados mais talentosos, que normalmente só estão ao alcance das classes mais favorecidas, popularizou-se o adágio popular de que “rico não vai para a cadeia”.
A resultante dessa variada gama de aspectos negativos é um elevado custo social. As políticas públicas são sensivelmente atingidas pela evasão fiscal, que consubstancia uma das facetas dos atos de corrupção. Com a diminuição da receita tributária, em especial daquela originária das classes mais abastadas da população, diminui a redistribuição de renda às classes menos favorecidas e aumenta a injustiça social. Esse ciclo conduz ao estabelecimento de uma relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo. Quanto maiores os índices de corrupção, menores serão as políticas públicas de implementação dos direitos sociais. Se os recursos estatais são reconhecidamente limitados, o que torna constante a invocação da “reserva do possível”, ao se tentar compelir o Poder Público a concretizar determinados direitos consagrados no sistema, essa precariedade aumentará na medida em que os referidos recursos, além de limitados, tiverem redução de ingresso ou forem utilizados para fins ilícitos.
(Grifos nossos)
Em verdade, tal percepção jurídica e sociológica é praticamente notória: A corrupção faz mal ao país. Todos devem combater a corrupção
Pois bem.
Como visto, a ilegalidade cometida por servidor público é um das formas mais comuns de manifestação desse mal e, por exemplo, pode se dar na evasão fiscal, na gestão de contratos, na condução de processo licitatório, com reflexos diretos na viabilização de políticas públicas.
Porém, e ante o princípio constitucional da presunção inocência e do necessário, e também constitucional, respeito ao devido processo legal, com toda razão, impõe-se regularmente ao Órgão de Controle ou Entidade Disciplinar Administrativa apurar a situação concreta de forma séria e aprofundada, indicando a necessidade da medida e sua essencialidade á configuração da infração á lei que se torna menos nublada, a cada medida adotada.
É exatamente isso que devem fazer os entes fiscalizadores: Respeitar a presunção de inocência, respeitar o devido processo legal, mas tal, por óbvio, não exclui a efetiva e concreta viabilização do combate á corrupção.
Então, é dever do Órgão de Controle do respectivo ente apurar denúncias em face de seus servidores, tanto por ser objetivo da República como em respeito a garantias fundamentais.
Nesse contexto, em que as evidências começaram a se tornar indícios, cada vez mais graves, provas, tomar concretude, mas até como decorrência do devido processo legal, garantia constitucional, a Administração Federal, por exemplo, deve cercar-se de legalidade, buscando de forma alguma justificar ou sequer cogitar-se de apuração indevida em eventual demissão, suspensão, advertência e outra e qualquer penalidade Administrativa, Político Administrativa ou Criminal, porventura cabível.
Vale ressaltar, porém, que não se está e não se quer aqui discutir a apuração penal ou criminal da conduta, com futura intervenção do Parquet, e sim administrativa disciplinar ou política-administrativa.
Daí a indicação de que nessas hipóteses deverá a representação jurídica do ente, como a Advocacia-Geral da União, no caso da Administração Federal, apresentar judicialmente o pedido de que seja possibilitado o acesso, por exemplo, ao fluxo de informações realizado pelo servidor quando a situação indique utilização indevida da ferramenta eletrônica de trabalho, disponibilizada pela própria Administração, qual seja, o email corporativo, email funcional ou ferramenta funcional de endereço eletrônico.
Ora, existindo indícios de que o endereço corporativo pode ter sido utilizado pelo servidor, e é o que se deve apurar, para cometer ilicitudes em face da própria Administração, caberia concluir pela possibilidade de verificação do mesmo, ainda que sem permissão do envolvido.
Vale frisar e melhor se explicará adiante, que sequer necessária a autorização judicial como requisito para o aqui indicado até o momento. Entretanto, e por precaução, cabe o pedido judicial para que não se impute á Administração a pecha da arbitrariedade.
De qualquer forma, não bastassem os dispositivos constitucionais citados, veja-se que, na hipótese, em verdade, realmente seria desnecessária a autorização judicial.
Isso porque o endereço corporativo é ferramenta de trabalho. É disponibilizado pela Administração, que alerta de seu uso para trabalho. È pago e mantido pela Administração com tal fim.
E mais, em tempos de atuação digital, é também forma de peticionamento, conforme vários modelos de processos virtuais na justiça pátria e, em muito, já substituiu o Ofício e ou Memorando dos órgãos.
Assim, o endereço eletrônico corporativo “está” para o email particular, assim como o Ofício/Memorando “está” para correspondência, Carta Particular.
Parece-nos que o endereço eletrônico, corporativo, funcional, é o Ofício ou Memorando não impresso, até por medida de defesa ambiental e, diariamente, é utilizado em tal função.
Daí que querer-se tutelar tal ferramenta de trabalho com base no art. 5º, da Constituição Federal, inciso II, como sigilo de correspondência, não encontra qualquer adequação fática.
Ou seja, a garantia constitucional encontra-se absolutamente tutelada e aqui não há falar sequer em ponderação de valores ou princípios. O que se tem na hipótese é simples não caracterização fática.
Ora, endereço eletrônico funcional, corporativo não é correspondência privada e, portanto, a toda evidência, não está sob o necessário guarda-chuva da imprescindível garantia constitucional do sigilo de correspondência, ai sim, física, impressa, em papel de guardanapo, em papelão ou digital.
Vale frisar, nem tudo que é digital é correspondência particular.
Entender o contrário é negar a evolução mundial, a evolução cibernética, digital, e não estar atento á realidade laboral diuturna.
Na linha de tal digitalização dos procedimentos públicos, o que envolve, claro, o fluxo de documentos através de sua ferramenta mais comum, ou seja, o endereço eletrônico funcional, veja-se que os Tribunais de maior vanguarda vem compreendendo a renovação que se impõe.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem interessante decisão em que, apesar de toda a necessária tutela da garantia constitucional, deixa claro que endereço eletrônico, conforme sua diuturna utilização, não é correspondência privada.
Veja-se, em especial, os grifos nossos no voto do Relator da Apelação Cível n. 2003.005260-7, de Tubarão Relator: Des. Newton Janke:
A Lei 9.296/96, editada para regulamentar a parte final do preceptivo constitucional antes aludido, após referir-se, no caput do art. 1º, à interceptação das comunicações telefônicas para prova no âmbito criminal, agregou, no parágrafo único, que "o disposto nesta Lei aplica-se à interpretação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática", disposição cuja constitucionalidade foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (ADIN nº 1.488-9), após dividir doutrinadores de grande nomeada.
Resulta, então, que, por conta disso, o sigilo de sistemas de informática e telemática somente pode ser quebrado para fins penais; sua quebra para outros fins torna a prova ilícita, ainda que, como aqui, tenha sido produzida sob licença judicial.
O professor Tércio Ferraz Jr., em trabalho sobre o tema, externa elucidativos comentários sobre o exato alcance da inviolabilidade do sigilo de dados:
"Feita, pois, a distinção entre a faculdade de manter sigilo e a liberdade de omitir informações, este objeto correlato ao da privacidade, e entendido que aquela não é uma faculdade absoluta pois compõe, com diferentes objetos, diferentes direitos subjetivos, exigindo do intérprete o devido temperamento, cumpre agora, na análise do texto constitucional, esclarecer, com referência ao art. 5º, XII, o que significam os dados protegidos pelo sigilo e em que condições e limites ocorre esta proteção.
Em primeiro lugar, a expressão 'dados' manifesta uma certa impropriedade (Celso Bastos/Ives Gandra; 1989:73). Os citados autores reconhecem que por 'dados' não se entende o objeto da comunicação, mas uma modalidade tecnológica de comunicação. Clara, nesse sentido, a observação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990:38) - "Sigilo de dados. O direito anterior não fazia referência a essa hipótese. Ela veio a ser prevista, sem dúvida, em decorrência do desenvolvimento da informática. Os dados aqui são os dados informáticos (v. Incs. XIV e LXXII)". A interpretação faz sentido. O sigilo, no inciso XII do art. 5º, está referido à comunicação, no interesse da privacidade. Isto é feito, no texto, em dois blocos: a Constituição fala em sigilo "da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. Note-se, para a caracterização dos blocos, que a conjunção e uma correspondência com telegrafia, segue-se uma vírgula e depois, a conjunção de dados com comunicações telefônicas.
Há uma simetria dos dois blocos. Obviamente o que se regula é comunicação por correspondência e telegrafia, comunicação de dados e telefônica. O que fere a liberdade de omitir pensamento é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro. Se alguém elabora para si um cadastro sobre certas pessoas, com informações marcadas por avaliações negativas, e o torna público, poderá estar cometendo difamação, mas não quebra de sigilo de dados. Se estes dados, armazenados eletronicamente, são transmitidos, privadamente, a um parceiro em relações mercadológicas, para defesa do mercado, também não está havendo quebra de sigilo. Mas, se alguém entra nesta transmissão como um terceiro que nada tem a ver com a relação comunicativa, ou por ato próprio ou porque uma das partes lhe cede o acesso indevidamente, estará violado o sigilo de dados.
A distinção é decisiva: o objeto protegido no direito à inviolabilidade do sigilo não são os dados em si, mas a sua comunicação restringida (liberdade de negação). A troca de informações (comunicação) privativa é que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação. Doutro modo, se alguém, não por razões profissionais, ficasse sabendo legitimamente de dados incriminadores relativo a uma pessoa, ficaria impedido de cumprir o seu dever de denuncia-lo!" ('Sigilo de Dados: o Direito à Privacidade e Os Limites à Função Fiscalizadora do Estado', Cadernos de Dir. Constitucional e Ciência Polícia, RT. 1/77-82).
O Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar o Recurso de Revista 613/2000 (DJU, 10/06/2005), ocupou-se de interessante caso em que se discutia se o empregador podia ou não inteirar-se das mensagens veiculadas pelo e-mail corporativo utilizado pelo empregado. Em dado ponto do seu voto, o Ministro João Oreste Dalcin expôs consideração que, resguardadas as especificidades próprias de cada caso, é oportuna para a hipótese em exame:
"No caso de e-mail particular ou pessoal do empregado em provedor próprio deste, ainda que acessado louvando-se do terminal de computador do empregador ninguém pode exercer controle algum do conteúdo das mensagens porquanto a Constituição Federal assegura a todo cidadão não apenas o direito à privacidade e à intimidade, como também o sigilo de correspondência, o que alcança qualquer forma de comunicação, ainda que virtual. É, portanto, inviolável e sagrada a comunicação de dados em e-mail particular.
Outra situação, a meu juízo, bem diversa, é aquela do chamado e-mail corporativo, em que o empregado utiliza-se de computador da empresa, de provedor da empresa e do próprio endereço eletrônico que lhe foi disponibilizado pela empresa para a utilização estritamente em serviço. Ilustrativamente, poder-se-ia afirmar que o e-mail corporativo é como se fosse uma correspondência em papel timbrado da empresa" (sublinhei).
Dir-se-á que, a se entender impossível a quebra do sigilo para fins civis, o ofendido não disporá de provas para responsabilizar o ofensor e, assim, este ficará civilmente impune. Sem dúvida, poderá ser assim. Mas, é o preço que se há de pagar para preservar direitos e garantias de incomensurável valia.
Com efeito, se se liberar as entranhas do computador para produzir prova civil, a intimidade e a privacidade das pessoas estará liquidada. Como exercício especulativo, imagine-se como isso seria utilizado no delicado campo do Direito de Família.
Em suma e em arremate, o recurso do réu deve ser provido para, reconhecida a inconstitucionalidade da pretensão, julgar extinto o processo pela impossibilidade jurídica do pedido (art. 267, inc. VI), devendo o apelado arcar com as custas processuais e honorários advocatícios arbitrados, com base no § 4º do art. 20, do CPC, em R$ 3.000,00 (três mil reais).
3. Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, dar provimento ao recurso.
Presidiu o julgamento, realizado em 24/04/2008, o Exmo. Desembargador Mazoni Ferreira, com voto, e dele participou o Exmo. Desembargador Substituto, Jaime Luiz Carlos Vicari.
Florianópolis, 30 de setembro de 2008.
Newton Janke
RELATOR
Percebe-se, pois, que a discussão, já conhecida nos meios jurídicos, do dever de sigilo quanto ao email particular, muito mais pelo “particular” do que pelo “Email”, deixa claro que se o meio digital é, na verdade, ferramenta de trabalho, não há falar em correspondência privada a justificar sigilo.
Ora, o endereço eletrônico corporativo é meio de fluxo de informações públicas e tais informações, até pelo advento da Lei de Acesso á Informação, Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011, não estão, pois, sob o manto do sigilo de correspondência privada.
Em verdade, a citada lei IMPÕE á Administração a disponibilização de suas informações por via eletrônica e o fluxo de tais dados se dará, a toda evidência, por e-mails corporativos, funcionais, como já ocorre nas Ouvidorias dos diversos entes da República:
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas
(...)
II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações;
(...)
Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível.
(...)
§ 6o Caso a informação solicitada esteja disponível ao público em formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro meio de acesso universal, serão informados ao requerente, por escrito, o lugar e a forma pela qual se poderá consultar, obter ou reproduzir a referida informação, procedimento esse que desonerará o órgão ou entidade pública da obrigação de seu fornecimento direto, salvo se o requerente declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo tais procedimentos.
Mas há mais.
Ainda que se entenda somente ser possível a análise dos endereços corporativos através de autorização judicial em investigação com finalidade criminal, parece-nos que, em alguns casos, podem ser verificadas a ocorrência de possíveis crimes, como , por exemplo, e para aprofundamento em inquérito policial, os tipificados no art. 1º, I e II da Lei 8137/90 e nos arts. 317 e 321 do Decreto-Lei n. 2848/40 , do Código Penal :
LEI Nº 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990.
Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências |
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
Código Penal:
Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Advocacia administrativa
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.
A toda evidência não se diz aqui da investigação criminal, ou seja, não se discute o tema no âmbito de um processo penal propriamente dito, limitando á discussão á apuração em processo administrativo disciplinar, com o intuito de se aplicar, não penas de natureza penal e sim administrativas, ou político administrativas.
Entretanto, parece-nos válido indicar que não existiria impeditivo que em procedimentos cujas penas imputáveis sejam de caráter pecuniário ou administrativo, ou também de improbidade, se possa apurar indícios de ocorrência de crime e, portanto, após a apuração necessária de tais indícios, o que poderia envolver quebras de sigilo, inclusive telemático, seja o expediente encaminhado á seara efetivamente criminal.
Ora, tal até se impõe, basta analisar os termos da lei 8112/90.
Veja-se:
Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas ao servidor, nessa qualidade
(...)
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
(...)
Art. 171. Quando a infração estiver capitulada como crime, o processo disciplinar será remetido ao Ministério Público para instauração da ação penal, ficando trasladado na repartição.
Assim, a legislação impõe á Administração, aos servidores de maneira geral, inclusive, que se apure a existência de indícios de crime no ambiente administrativo para então, quando da necessidade de se aplicar as consequências penais, se encaminhar á seara penal.
Mas quanto ás penas administrativas disciplinares e de improbidade, não há porque se encaminhar.
Desta forma, parece-nos que se a verificação de uma conduta criminal não é impedida de ser minimamente percebida em processo disciplinar administrativo, da mesma forma a verificação da improbidade, sendo que ambas não configuram crime, por exemplo, parece-nos que o procedimento que as verifique tem cunho investigatório suficiente á pretensão de acesso aos dados do endereço eletrônico corporativo.
Veja-se que nesta linha o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que mesmo nos procedimentos investigatórios não penais, não criminais, é possível quebras de sigilo de correspondência, isso ainda que se entenda, frisa-se, que endereço corporativo é correspondência privada.
Assim, no arresto abaixo, percebe-se que é possível a quebra de sigilo telemático em CPI, desde que, e este é o cerne do julgado, suficientemente fundamentado:
MS 24749 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 29/09/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 05-11-2004 PP-00006 EMENT VOL-02171-01 PP-00142 RTJ VOL-00196-01 PP-00186 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 166-170.
Parte(s) IMPTE.(S): JOSÉ PASCOAL COSTANTINI E OUTRO (A/S)
ADVDO.(A/S): MIGUEL REALE JÚNIOR E OUTRO (A/S)
IMPDO.(A/S) : COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO - CPI DO] BANESTADO
Ementa CPI - ATO DE CONSTRANGIMENTO - FUNDAMENTAÇÃO. A fundamentação exigida das Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático não ganha contornos exaustivos equiparáveis à dos atos dos órgãos investidos do ofício judicante. Requer-se que constem da deliberação as razões pelas quais veio a ser determinada a medida
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a ordem, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falou pelos impetrantes o Dr. Luiz Guilherme Moreira Porto. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 29.09.2004.
Daí é que somos inclinados a concluir que a Administração, pautando-se na estrita legalidade para bem preservar o erário, sem que tal represente qualquer violação a direitos e prerrogativas individuais, poderia buscar tutela judicial, de forma precavida, para concretizar o Estado Democrático de Direito com o efetivo combate á ilegalidade, visando ao acesso das informações contidas em e-mails funcionais, ainda que não seja o processo apuratório nitidamente de caráter criminal ou penal.
[1] Garcia, Emerson Repressão à corrupção no Brasil : entre realidade e utopia = Repression of Corruption in Brazil : between reality and utopia / Emerson Garcia. - Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Pedro Vasques. Combate á corrupção e sigilo de comunicação em Email funcional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41266/combate-a-corrupcao-e-sigilo-de-comunicacao-em-email-funcional. Acesso em: 22 nov 2024.
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