RESUMO: Durante muito tempo os povos ditos não-civilizados ficaram fora das legislações, da vida pública e da Constituição Federal brasileira. Somente com a Constituição Federal de 1988 e com as convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), esses povos, notadamente os indígenas, passaram a ser ouvidos e a participar efetivamente como cidadãos na sociedade, ainda que muito ainda tenha que ser feito nesse sentido. Desta feita, analisa-se a evolução do tratamento dos grupos étnicos pela legislação pátria e a importância da Constituição Federal de 1988 na consagração da plurietnicidade na nossa sociedade.
Palavras-chave: plurietnicidade; cidadania; Constituição.
1. INTRODUÇÃO:
A Constituição de 1988 representa uma ruptura em relação ao sistema constitucional pretérito, uma vez que reconhece o Estado Brasileiro como pluriétnico.
Idêntica mudança de paradigma também ocorreu no direito internacional: Convenção 107 da OIT, de 5 de junho de 1957, com a integração das populações indígenas à comunidade nacional; e Convenção 169, de 7 de junho de 1989, com o reconhecimento das aspirações dos povos indígenas.
O modelo anterior possui suas raízes na modernidade, tendo como marco inicial, no âmbito filosófico, o Iluminismo, e no jurídico-político, a Revolução Francesa.
Na modernidade, predominava a ciência, a moral e a arte, regidas pela razão e submetidas à autodeterminação humana. Com Kant, inaugurou-se a filosofia do sujeito transcendental: mundo como conjunto de objetos da esfera do possível. É inerente à dinâmica dessa razão a identidade, que possibilita a unidade e as grandes sínteses homonegeneizadas. A ordem, portanto, passou a ser a forma hegemônica de saber.
A sistematização e a racionalização do jusnaturalismo foi a primeira manifestação de cumplicidade entre a ciência e o Direito modernos. A dogmática substituiu a retórica. O Direito seguia o modelo mecanicista das ciências naturais, reconstruindo abstratamente a ordem social segundo esquemas universais e operando metodologicamente como um plexo hipotítico-dedutivo de proposições. O racionalismo condutor kantiano inspirou ainda o Estado-nação, um dos parâmetros do Estado Liberal. Também resultou desse idealismo a indistinção entre alter e ego, como fez Gadamer. Houve um trânsito da filosofia do sujeito para a filosofia comunicativa.
Esse conhecimento, caracterizado pela semelhança, pela unidade e pela adequação, foi questionado inicialmente por Nietzsche, que o via como desconhecimento, uma vez que ignorava as diferenças, sem nenhum fundamento da verdade. Seguiram-se Foulcaut, Heidegger, Adorno e Derrida, anunciando o reino do fragmento contra a totalização, do descontínuo e do múltiplo contra as grandes narrativas e sínteses.
Os paradigmas do conhecimento científico da modernidade entraram em crise dentro de seu próprio espaço, a exemplo da teoria da relatividade de Einstein, que negou o espaço e tempo absolutos de Newton.
Desfez-se também a cumplicidade do Direito com as ciências naturais, uma vez que observou-se que o Direito, antes de ser universal, é contingente.
Outrossim, a visão Estado-nação orientado por uma lógica unitária e legicentrista foi atingida pela obsolescência, ao ser confrontada com os problemas gerados por uma nova noção de nação pautada no fenômeno da pluralidade do corpo social. Assim, o que o direito recobra e a Constituição brasileira revela é o espaço ontológico do outro, do diferente, antes subsumido ao universal, como veremos a seguir.
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A PLURIETNICIDADE:
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) incorporou a plurietnicidade de forma explícita no art. 215, caput, e §1°, do art. 216, incisos I e II, e tratou exaustivamente e em caráter pragmático do território cultural no art. 231, caput e §§1°, 3° e 6°.
Ao assumir o caráter pluriétnico da nação brasileira, a CF/88 tornou impositiva a aplicação analógica do tratamento dado à questão indígena e aos demais grupos étnicos.
Em princípio, a inserção do Estado na vida desses grupos deve respeitar o fato de que grupos étnicos são categorias atributivas e identificadoras empregadas pelos próprios atores, razão de a Constituição lhes assegurar autorrepresentação. Assim, requer-se que a coletividade possa se reconhecer em suas formas de expressão, sob pena de lhes negar realidade.
Ressalte-se que a CF/88 baniu definitivamente as categorias, positivadas no ordenamento jurídico pretérito, de aculturados ou civilizados.
A atuação do Estado em relação a esses grupos, de modo a garantir seu direito à identidade, pressupõe a compreensão de suas formas de ver e conhecer o mundo, o que requer a participação do observador no processo de entendimento. Nas palavras de Habermas (1996, p. 460): “O mundo social da vida só se abre a um sujeito que faça uso de sua competência de linguagem e ação, estabelecendo relações interpessoais. Só se pode penetrar nele participando, ao menos virtualmente (...)”.
Assim, a atuação do Estado é antecedida por essa “tradução”, feita pela mediação antropológica que torna o outro inteligível. Isso se verifica na esfera legislativa, por exemplo, pois as leis devem buscar se pautar pela compreensão de vida daqueles grupos étnicos, sob pena de constituírem normas que não reflitam os valores daquelas comunidades e, assim, apresentem-se despidas de eficácia. Ademais, sempre que estejam em causa interesses de grupos étnicos, a aplicação do Direito pelo juiz se sujeita ao mesmo postulado de inteligibilidade.
Em suma, deve-se tentar entender o outro, colocar-se no lugar do outro, para que os direitos sejam respeitados e realizados no caso concreto.
3. CONCLUSÃO:
Impõe-se ao Estado-administração a ruptura definitiva com a visão etnocêntrica que o orientou até agora, com o estabelecimento de uma relação dialógica para os projetos de desenvolvimento nacional, de modo a observar a representação dos mais variados grupos.
As políticas públicas, com as cautelas prévias de inteligibilidade a respeito da diferença, devem ser efetivadas, tendo em vista que os territórios onde esses grupos estão reunidos são, além de físicos, culturais e fazem parte de sua identidade.
Por fim, deve-se garantir hodiernamente aos índios e aos demais grupos étnicos o exercício efetivo de sua cidadania, pondo em prática o que está garantido na Constituição Federal e nas convenções internacionais.
4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
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