RESUMO: Busca-se neste artigo conceituar e tecer breves considerações acerca do ativismo judicial, demonstrando sua adequação à Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Ativismo Judicial; Estado Democrático de Direito; Criação e Aplicação da Norma. Separação de poderes.
INTRODUÇÃO
A questão relativa aos limites da atuação do magistrado tem constantemente atormentado os jusfilósofos, mormente em razão do primado da separação dos poderes.
Este artigo objetiva demonstrar que os limites para a atuação do Judiciário não se encontram necessariamente na atuação de outro Poder, mas sim na Constituição, destacando-se o Ativismo Judicial como importante instrumento efetivador dos valores insertos na Constituição Federal de 1988.
DO INSTRUMENTO ATIVISMO JUDICIAL
As revoluções burguesas, característicos dos séculos XVII e XVIII, buscaram limitar o poder do monarca, e trouxeram o mito de que a lei carregava em si a suficiência para a resolução dos conflitos sociais.
Nesse passo, o magistrado, visto como um reflexo daquele monarca, também deveria pautar sua atuação nos estritos limites legais – era mera boca da lei.
Os ecos daquela luta ainda se fazem presentes, juntamente com o positivismo que lhe é peculiar, de modo que no imaginário de parte dos doutrinadores permanece o medo de um judiciário ativista.
Tal visão não mais se sustenta. À par da ineficiência do estado-providência que, a partir da década de 1970 perdeu o domínio da economia e a capacidade de formular e implementar políticas públicas, estão o tempo necessário à realização do processo legislativo – moroso e sujeito às pressões de grupos detentores de poder econômico e da demandas de urgência, potencializadas pelo fenômeno midiático e as rápidas transformações de nossa sociedade tecnológica, onde a própria noção de tempo se alterou.
As demandas sociais surgem cada vez mais com maior velocidade, de forma que é impossível ao Legislativo e ao Executivo acompanhá-las, exsurgindo daí a importância de um Judiciário ativo, a moldar as normas já existentes ao caso concreto, e a criar outras onde houver lacunas.
Impende salientar que norma jurídica não se confunde com o texto legal, como destaca COELHO (2014):
“A norma, pois, não é a mesma coisa que a lei, entendida esta como a fórmula verbal de um legislador anônimo (costume) ou como fórmula escrita de um legislador institucional (lei, estrito senso). A norma é a expressão objetiva de uma prescrição formulada pelo legislador que não se confunde com aquilo a que comumente chamamos de lei. Isto quer dizer que a norma, posto já se contenha nas leis, delas é extraída pela dedução lógica, função do conhecimento. Kelsen reconheceu isto ao referir-se à necessidade de “conhecer” antes a norma para poder “aplicá-la”. A norma estaria “dentro” do sistema jurídico de envolta com as formulações escritas ou costumeiras do legislador, por isso que seria a expressão objetiva de um ato de vontade. Careceria, todavia, de ser apreendida (porque a norma é, antes de tudo, sentido; pode até ter diferentes sentidos, diversas possibilidades de aplicação, nisto residindo o intenso e apaixonante dinamismo do Direito como fenômeno de adaptação social).”
Norma, por conseguinte, é o que resulta do processo de moldagem que o texto legal passa antes de ser aplicado ao caso concreto, processo esse que confere sentido à linguagem e revigora o direito escrito, adaptando-o aos contornos sociais.
Em razão disso, o magistrado, ao assumir uma postura ativa, não está atuando como legislador, mas sim conferindo efetividade ao próprio dispositivo legal pré-existente.
Sobre o ativismo judicial, BARROSO (2008) destaca tratar-se de um exercício deliberado de vontade política, um modo proativo de interpretar a Constituição de forma a expandir seu alcance para concretizar os valores e fins nela insertos, conferindo efetividade ao atendimento das demandas sociais. São exemplos desse fenômeno a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto, de forma independente do legislador ordinário, a flexibilização dos critérios para declaração de inconstitucionalidade de atos normativos e a imposição de condutas ou abstenções ao poder público, em especial no que diz respeito a políticas públicas.
O ativismo judicial não se confunde com o fenômeno conhecido como Judicialização da Política que, por sua vez, é reflexo da opção do constituinte pela inafastabilidade do Poder Judiciário e sua obrigação de resolver o conflito que lhe foi submetido (BARROSO, 2008).
Assim, se é natural no Estado Democrático de Direito a mútua influência entre os Poderes (ASENSI, 2013), conclui-se que a escolha por esse modelo, pela Constituição Federal de 1988, pressupõe o Poder Judiciário – assim como os demais Poderes – como efetivador dos direitos e garantias nela instituídos.
Por sua vez, os limites para a atuação do magistrado encontram-se também na própria Constituição, sendo seguro afirmar que a aplicação fria da lei, sem que seja filtrada pelos valores constitucionais e pela necessária adequação ao caso concreto contraria a vontade do Poder Constituinte.
Na exata lição de PASSOS (2013):
“o ordenamento jurídico é um texto jurídico em bruto, produzido sob pressão dos fatos políticos e econômicos, [e] deve ser submetido ao refinamento e reelaboração pela Ciência do Direito, gerando um novo texto que reflete o primeiro e ao mesmo tempo o complementa (...). Os juristas não são pessoas que descrevem a realidade do direito, e sim construtores criativos dessa realidade.”
Nesse sentido manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça, em importante julgado da relatoria do Ministro Herman Benjamin (REsp 1.389.952-MT, julgado em 3/6/2014, Informativo de Jurisprudência n. 543):
“Nessas circunstâncias – em que o exercício da discricionariedade administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição –, a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como “supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social”, como apregoa o preâmbulo da CF. (...)não há, na intervenção em análise, ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes.”
Por conseguinte, o ativismo judicial revela-se importante instrumento para concretização dos valores constitucionais, não mais se sustentando a ideia de que o magistrado deve-se limitar ao texto da lei na resolução de conflitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da insuficiência do Estado-providência em responder às demandas sociais, vulnerando os princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, é necessária uma alteração na percepção do papel institucional do Judiciário, a quem cabe ampliar o alcance da Constituição e concretizar os valores que ela elegeu como fundamentais, por meio de uma postura ativa.
Tal proceder não atenta contra a separação dos Poderes; antes, é o resultado natural da própria atribuição do Judiciário, que não pode se furtar à solução do conflito que lhe é submetido. Trata-se de extrair a norma do texto legal, adaptando-a ao caso concreto após perpassa-la pelo filtro constitucional.
REFERÊNCIAS
ASENSI, Felipe Dutra. Reserva do Possível e Senso Comum. 2013. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/reserva-do-possivel-e-senso-comum/11435>, acesso em 15/10/2014.
BARROSO, Luís Roberto. Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>, acesso em 15/10/2014.
CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política. Disponível em http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes /rbcs_00_34/rbcs34_09, acesso em 15/10/2014.
CAIXETA, Francisco Carlos Távora de Albuquerque. O Poder de Interpretação do Juiz. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10402>, acesso em 15/10/2014.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Norma Jurídica e Lei são figuras teóricas diferentes. Disponível em http://www.pos.direito.ufmg.br/rbep/index.php /rbep/article/view/73/71, acesso em 15/09/2014.
LEITE, Flamarion Tavares. Manual de Filosofia Geral e Jurídica: das origens a Kant. Rio de Janeiro: Forense, 2011, 3.ed.
CALMON DE PASSOS, Joaquim José. Revisitando o Direito, o Poder, a Justiça e o Processo. Salvador: Juspodivm, 2013.
Analista Judiciária - Justiça Federal do Paraná, especialista em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, Ariane. O ativismo judicial como instrumento efetivador da Constituição Federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41555/o-ativismo-judicial-como-instrumento-efetivador-da-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 22 nov 2024.
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