No mundo jurídico brasileiro contemporâneo não é mais possível conceber a análise dos ramos do direito sem que se recorra primeiramente ao que dispõe a Constituição Federal de 1988.
De fato, toda interpretação jurídica válida deve obediência aos princípios constitucionais. Nesse contexto, mostra-se importante o estudo dos princípios constitucionais que possuam ligação direta com a Administração Pública, com sua identificação, conceituação e análise jurídica associada à realidade jurisprudencial.
Sobre o que vem a ser um princípio, importante a lição de Lucas Rocha Furtado (2007, página 92):
"Os princípios constituem as proposições básicas do sistema. Todas as demais normas que integram o regime jurídico administrativo devem buscar a sua conformação com esses princípios; são eles, portanto, que dão coesão e lógica ao sistema jurídico administrativo"
No plano constitucional brasileiro, à Administração Pública foram estabelecidos alguns, que, embora não sejam únicos, são, sem sombra de dúvida, importantíssimos para reger a atuação de todo agente público.
Com efeito, o artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 elenca os seguintes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Os atos administrativos devem ser praticados sem levar em conta a pessoa do agente público ou o destinatário do ato. Isto se mostra necessário para evitar favorecimentos ou perseguições pessoais.
Interessante notar que a própria Constituição Federal de 1988, no §1º do artigo 37, traz disposição que decorre da impessoalidade, verbis:
§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Celso Antonio Bandeira de Mello (2008, página 114) cita ainda outras aplicações concretas deste princípio, como por exemplo o artigo 37, inciso II, da CF/88 (exigência de concurso público para ingresso em cargo público), e o artigo 37, inciso XXI (necessidade de licitação para contratos administrativos). Por pertinente, transcreve-se breve trecho da obra do autor:
"a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie."
Para exemplificar a aplicação concreta do princípio em comento, colaciona-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: RECUSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO DE PERMISSÃO PARA EXECUTAR SERVIÇO ESPECIAL DE RETRANSMISSÃO SIMULTÂNEA DE TELEVISÃO (PORTARIA N. 131/1990). NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA EM SEDE RECURSAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A circunstância de a Recorrente reiterar os argumentos esposados na petição inicial do mandado de segurança não caracteriza, por si só, ausência de impugnação dos fundamentos do acórdão recorrido. A Recorrente buscou demonstrar de que modo teria havido afronta ao seu direito líquido e certo quanto à necessidade de apreciação de seu recurso administrativo por autoridade administrativa diversa da que julgou sua defesa inicial nos autos do processo administrativo n. 53.000.002491/2001. 2. Impossibilidade de a mesma pessoa, embora ocupando cargos distintos, julgar validamente o pedido de reconsideração (Secretário Executivo do Ministério das Comunicações) e o recurso administrativo (Ministro do Ministério das Comunicações) interposto nos autos do Processo Administrativo n. 53.000.002491/2001. Afronta aos princípios da impessoalidade, da imparcialidade e do duplo grau. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança parcialmente provido.
(RMS 26029, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 11/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 22-04-2014 PUBLIC 23-04-2014)
Como visto, em um caso específico, um mesmo agente estatal apreciou um pleito perante a Administração Pública ocupando dois cargos distintos, o que afrontou o princípio da impessoalidade, na medida em que um mesmo servidor público apreciaria recurso contra decisão que ele mesmo tomou.
Portanto, o principio constitucional da impessoalidade serve como limite para a atuação do administrador e garantia ao cidadão, permitindo que sempre se busque e alcance o interesse realmente público, e não de certa pessoa ou grupos de indivíduos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte. Fórum, 2007.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Edição Revista e Atualizada. São Paulo. Malheiros, 2009.
STF – RMS 26029 – Relatora Ministra Cármen Lucia, Segunda Turma, julgado em 11/03/2014, DJe nº 076 de 22/04/2014.
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