INTRODUÇÃO
A possibilidade de exigir a aplicação dos princípios estabelecidos pela Constituição é, desde muito tempo, reconhecida nos ordenamentos jurídicos espalhados pelo mundo. Atribui-se a Konrad Hesse a teoria da “Força Normativa da Constituição” (HESSE, 1991), que acabou com as dúvidas a respeito da existência de uma vontade da própria Constituição que, para ser efetiva e não se limitar a letra morta, deve possuir possibilidade de ser exigida.
No Brasil, este entendimento está consolidado desde há muito. De fato, hodiernamente não mais se concebe a análise das disposições legais – lato sensu – sem que se recorra primeiramente ao que dispõe a Constituição Federal de 1988.
Qualquer interpretação jurídica que se pretenda ser tida por válida deve primeiramente observar as disposições constitucionais, e, em especial, os seus princípios, que por sua natureza tem grau de abstração elevado e, mesmo por isso, maior possibilidade de aplicação a indeterminados casos concretos.
Apenas para uma breve compreensão do que significa ser um princípio, o ensinamento de Lucas Rocha Furtado (2007, página 92) é pertinente:
"Os princípios constituem as proposições básicas do sistema. Todas as demais normas que integram o regime jurídico administrativo devem buscar a sua conformação com esses princípios; são eles, portanto, que dão coesão e lógica ao sistema jurídico administrativo"
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 37, caput, princípios expressos e específicos para a atividade da Administração Pública. São eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Registre-se que a existência de princípios expressos na Constituição Federal não importa rol taxativo. Com efeito, diversos outros princípios (expressos, implícitos, decorrentes) aplicáveis à Administração Pública existem e podem estar ou não previstos no texto constitucional. Contudo, inegavelmente, devem sempre ser observados pelo Estado. Apenas para exemplificar, citamos os seguintes: motivação, razoabilidade, proporcionalidade, e supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Os princípios, assim como as regras, são normas jurídicas. A doutrina contemporânea distingue as regras dos princípios e é segura em conferir também a estes últimos a existência de força normativa. Nesse sentido se posiciona Marçal Justen Filho (2009, páginas 47, 48 e 50):
"Tornou-se pacífico entre os estudiosos o reconhecimento de que o direito é um conjunto de normas jurídicas configuráveis como princípios e regras. (...)
Uma das maiores preocupações da doutrina dos últimos anos envolveu a natureza e a relevância dos princípios jurídicos. Tornou-se inquestionável sua natureza normativa, e os princípios deixaram de ser considerados como propostas irrelevantes, destituídas de cunho vinculante.
Os princípios obrigam, talvez em termos mais intensos do que as regras. Já se disse que infringir um princípio é mais grave do que descumprir uma regra. Isso deriva de que o princípio é uma síntese axiológica: os valores fundamentais são consagrados por meio de princípios, que refletem as decisões fundamentais da Nação.
(...) a distinção entre regra e princípio não é simples. A doutrina mais recente observa que a distinção fundamental reside na sistemática de concretização e aplicação. O princípio é concretizado por meio de um processo de ponderação, enquanto a regra é aplicada por meio de um processo de subsunção."
Assim, resta cabalmente comprovada e aceita a força normativa e relevância dos princípios na comunidade jurídica contemporânea.
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
O regime jurídico de direito público impõe a prestação do serviço público com qualidade, de modo eficaz. Portanto, a eficiência da Administração Pública é necessária para a adequada satisfação do interesse público.
As intermináveis filas, o atendimento deficitário, a morosidade na conclusão dos processos administrativos, dentre diversos outros problemas, eram (e são até hoje) queixas freqüentes dos cidadãos.
De forma salutar e louvável, a Magna Carta traz a eficiência como um dos princípios fundamentais para orientar a atuação da Administração Pública, sendo verdadeiramente imprescindível para o atendimento das necessidades públicas.
O princípio da eficiência foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19/1998, no momento em que se realizou uma grande Reforma do Estado brasileiro. Veio como resposta a problemas antigos de ineficiência, lentidão, omissão e negligência da Administração Pública em resolver suas demandas.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, página 82) afirma que referido princípio possui dois aspectos:
"O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público."
De fato, como bem destacado pela autora acima citada, a eficiência na prestação dos serviços públicos deve abranger tanto o âmbito individual (atuação de cada servidor isoladamente considerado) quanto o institucional (os regulamentos, normas, estruturas, et coetera, devem funcionar adequadamente e de forma que o resultado esperado seja alcançado com eficiência).
Assim, a construção de um edifício que abrigará órgãos públicos deve otimizar os espaços, reduzir custos, conter acessibilidade adequada aos portadores de deficiência, ter boa localização, dentre diversos outros aspectos. Este é um exemplo claro de como a Administração Pública, enquanto instituição, pode dar concretude ao princípio constitucional da eficiência.
A jurisprudência já se manifestou sobre a força normativa e invocou o princípio da eficiência administrativa para fundamentar decisões e exigir a correção do comportamento do Estado. Sobre a necessidade de observância de referido princípio, veja-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. INFORMAÇÃO INCOMPLETA. PREJUÍZO À PARTE. NULIDADE.
INEFICÁCIA DOS ATOS POSTERIORES. PRESERVAÇÃO DA BOA-FÉ E DA CONFIANÇA.
1. Nulidade da intimação que informa a extinção do processo quando, na verdade, houve procedência parcial. Prejuízo caracterizado.
2. A confiabilidade das informações processuais é essencial à preservação da boa-fé e da confiança do advogado, bem como à observância do princípio da eficiência da Administração.
3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1215128/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012)
destaques acrescentados
Como se pode observar no julgado supra, o princípio da eficiência não foi observado pelo Estado, através do Poder Judiciário, que trouxe informação errônea no conteúdo de intimação veiculada em imprensa oficial, induzindo em erro o administrado (no caso, o advogado).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante disso, conclui-se que o princípio constitucional da eficiência possui força normativa e é essencial para o bom funcionamento do Estado, sendo necessária sua observância para que os serviços públicos sejam prestados a tempo e modo corretos. Sua força normativa é inegável e é amplamente reconhecida pela jurisprudência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª Edição. São Paulo. Atlas, 2009.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte. Fórum, 2007.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª Edição Revista e Atualizada. São Paulo. Saraiva, 2009.
STJ – AgRg no REsp 1215128/RS – Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012.
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