Defendido pelo Estado Liberal como um dos direitos e garantias individuais, o direito de propriedade encontrou na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada na França, em 20 de agosto de 178, o seu conceito inicial, como sendo um “direito inviolável e sagrado”.
Esse era o conceito absolutista de propriedade dos romanos que ficava então consagrado.
No Brasil, a Constituição Brasileira de 1824 garantiu, em toda a sua plenitude, o direito de propriedade aos seus cidadãos, com a ressalva da possibilidade de desapropriação.
Superado o conceito absolutista de propriedade, tal como um direito inviolável e sagrado, a Constituição de 1934 introduz o conceito de função social da propriedade. Desta feita, o exercício do direito de propriedade passa a ser restringido pelo interesse social da coletividade, devendo adequar se às relações de vizinhança impostas pelo direito civil e ao interesse social concretizado nas limitações à propriedade particular.
Dispunha o art. 113, inc. 17, da Constituição de 1934, verbis:
Art. 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante previa e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção interna, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito á indenização ulterior.
(...)(BRASIL, 1934).
Dessa forma, estava inserido, pela primeira vez na história, o princípio da Função Social da Propriedade em uma Constituição brasileira.
A Constituição de 1937, de forma um pouco diferente de sua antecessora, outorgou ao legislador ordinário competência para regular o exercício do direito de propriedade, sem vinculação explícita com o interesse social ou a função social da propriedade. Assim, pelo disposto na Constituição, o legislador poderia disciplinar o exercício de propriedade da forma que melhor lhe aprouvesse, sem qualquer finalidade ou objetivo estabelecido.
Rezava o art. 122, inc. 14 da Carta de 1937:
Art. 122 – A Constituição assegura:
(...)
Art. 14 – o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia, ou a hipótese prevista no § 2º do art. 166. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício. (BRASIL, 1937).
A Constituição de 1946, ao contrário da Carta de 1937, tratou da propriedade sob seus dois ângulos. Como direito individual, no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais e quanto ao seu uso, no Capítulo da Ordem Econômica e Social, tendo aqui empregado pela vez primeira a expressão “bem-estar social” (“art. 147: O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”).
A Constituição de 1967, não alterada nesse particular pela Emenda nº 1, de 1969, veio, pela primeira vez, consagrar a expressão “função social”, ao estabelecer:
Art. 157 – A ordem econômica tem por fim, realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:
(...)
III função social da propriedade?
(BRASIL, 1967)
Passou, assim, a função social da propriedade a ser consolidada, expressamente, como princípio constitucional.
Finalmente em 1988, a nossa Constituição Cidadã previu a regra pela qual a propriedade atenderá a sua função social (artigo 5º, inciso XXIII) e contemplou a função social da propriedade como um dos princípios fundamentais da Ordem Econômica (artigo 170).
Paralelo a isso, previu a mesma regra para as propriedades rurais, desde que preenchidos outros requisitos (artigo 186).
O art. 182, § 2º, veio concretizar, pela primeira vez no Brasil, que “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”
A legislação infraconstitucional tratou de acompanhar a tendência constitucional e o Código Civil ( Lei 10.406/2002), nos termos dos artigos 1.228 e seguintes, traçou os novos contornos do direito de propriedade.
O art. 1228 dispõe que
“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
(BRASIL, 2002).
Já o art. 1.229 regula a extensão do direito de propriedade, dispondo:
“A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.”.
(BRASIL, 2002).
Eis como se apresenta o direito de propriedade entre nós? constitucionalmente sendo apenas garantido como instituição e, legalmente, adotando a teoria de Ihering, pela qual a propriedade vai até onde atinge o interesse do proprietário, englobando o espaço aéreo, sendo o subsolo distinto do solo para efeito de sua exploração.
O princípio constitucional da função social da propriedade, contudo, relativiza a antiga noção de propriedade como direito absoluto, justificando a existência de um direito urbanístico, para atuar no sentido da ordenação dos espaços habitáveis.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (1824).
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1934).
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1937).
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1967).
BRASIL. Código Civil de 1916: Lei n 3071, de 1 de janeiro de 1916.
BRASIL. Estatuto da Cidade ( 2001). Estatuto da cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MATTOS, Liana Portilho. Efetividade da Função Social da Propriedade Urbana à Luz do Estatuto da Cidade, 1ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Temas e ideias, 2003.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2001.
MORAES, José Diniz de, A Função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. 1ª ed. São Paul: Malheiros, 1999 .
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