INTRODUÇÃO
Neste trabalho, analisaremos o contrato de cessão de direitos autorais, que é disciplinado no vigente ordenamento brasileiro pela chamada “Lei de Direitos Autorais”, Lei nº9,610/98.
Em primeiro lugar, analisaremos seus elementos essenciais, modalidades delimitando-o no espaço jurídico do direito comum.
Em seguida, passaremos a analisar o aspecto interno do vínculo, os efeitos em relação aos deveres e direitos de ambas as partes.
DESENVOLVIMENTO
O contrato de cessão de Direitos Autorais se relaciona diretamente com os direitos de personalidade consagrados em nossa Constituição no artigo 5º, inciso IX – liberdade criativa, X-direito à imagem, XXVII - direito de utilização, publicação ou reprodução de suas obras para os autores, e XXVIII – resguardo da personalidade do homem criador de obras estéticas.
A visão que hoje predomina que é a visão do direito autoral como direito da personalidade com faculdades extrapatrimoniais e patrimoniais se constituindo em direito intelectual. É aqui que a cessão pode cumprir perfeitamente a sua função social e constitucional de meio mais eficiente na difusão da cultura.
Segundo Eduardo Manso a cessão de direitos autorais: “É o ato com o qual o titular de direitos patrimoniais de autor transfere, total ou parcialmente, porém em caráter definitivo, tais direitos, em geral tendo em vista uma subsequente utilização pública da obra geradora desses mesmos direitos”.
Como em todo contrato, este apresenta como elementos principais as partes e objeto. Além desses, a cessão de direitos autorais, especificamente, exige forma especial na qual tem de estar incluídas as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e remuneração.
Quanto às partes, de um lado temos o cedente que cede seus direitos, e de outro o cessionário que recebe esses direitos quase sempre pagando uma remuneração.
Temos, em primeiro lugar, que saber quem é o autor de uma obra para determinarmos o cedente. A Lei de Direitos Autorais diz que o autor é titular de direitos morais e patrimoniais sobre a obra que produziu. Somente ele pode autorizar a exploração econômica da sua obra.
O caso é que é muito difícil saber, na prática, quem é autor e o que pode ser considerado obra sendo que estes conceitos estão ligados logicamente. O autor pode ser desde o intérprete até o domador de animais de circo, pode ser tanto o roteirista quanto o encenador de televisão, o organizador de espetáculos, também os coreógrafos e muitos outros, demonstrando a invasão a que está sujeito o conceito de autor da obra original. O problema, dessa forma, tem de ser resolvido e está sendo resolvido, pela jurisprudência do caso concreto.
Quanto a o que pode ser considerado obra, é todo ato físico literário artístico ou científico resultante da produção intelectual do homem, criado pelo exercício do intelecto merece a proteção legal.
Não só o autor da obra intelectual pode ceder seus direitos, como também, na sua morte, seus sucessores e, além destes, os cessionários que tiverem adquirido esses direitos do autor original podem voltar a cedê-los a terceiros. Esses são titulares de direitos autorais e não autores em sentido estrito.
O que é interessante, é que a lei se preocupou exclusivamente, quando teve em vista a negociação de direitos autorais, com o que se chama contrato primário de direito do autor, que é aquele em que intervém o titular originário, o criador intelectual e no máximo seus sucessores, ou até só o primeiro e não atendeu as outras ultradisposições.. Assim, a lei por ter em vista a tutela do autor, só se preocupou em regular o contrato de cessão em que o cedente for o autor da obra, não regulando, por exemplo, a cessão realizada por um produtor de televisão a terceiro dos direitos por aquele adquiridos em anterior contrato de cessão com um autor originário.
Além disso, o autor, para produzir a obra intelectual, não precisa ter capacidade negocial, pode ser até uma criança totalmente incapaz. Já para exercer os direitos correspondentes, para estabelecer um contrato de cessão de direitos autorais, precisa ter a capacidade negocial, se não a tem vai ter que ser representado por tutor ou curador. O contrato para ser validamente estipulado exige essa capacidade..
Por fim, a LDA estabelece uma presunção de autoria para facilitar a identificação do autor no seu artigo 13. Quem couber nessa presunção vai ser autor, logo, será o único que poderá negociar seus direitos em um eventual contrato de cessão.
Assim, por ser difícil saber quem é autor, adotamos a conceituação da lei de direitos autorais, a 9.610/98, do seu artigo 11 que caracteriza o autor como a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.
O cessionário, por sua vez, pode ser qualquer interessado na obra que tenha capacidade negocial para contratar. Geralmente, o cessionário será um editor ou produtor de espetáculos. Pode vir a ser, porém, uma empresa que estabelece um contrato de cessão com seus funcionários. Isso acontece muito nas redes de televisão e meios de imprensa em que os empregados, por exemplo, jornalistas, têm direitos sobre a sua obra intelectual que são os artigos no exemplo dado. As empresas, dessa forma, se tornam cessionárias dos direitos autorais de seus empregados para poderem utilizar-se das suas obras livremente.
Quanto ao objeto da cessão, é a transmissão do direito patrimonial do autor. Essa definição, porém, é muito ampla e não demonstra a complexidade do objeto da cessão de direitos autorais e que envolve a problemática dos direitos autorais.
Em primeiro lugar, a jurisprudência nos diz que o direito autoral é direito intelectual, extensão da personalidade do autor, que possui ao mesmo tempo natureza patrimonial e moral (personalíssima): “O autor de obra intelectual é titular de direitos morais e patrimoniais” (STJ, RE13.575-SP, Relator: Ministro Nilson Naves, in Direito Autoral- Jurisprudência. Op.cit.Pg.84).
Somente os direitos patrimoniais podem ser cedidos, os direitos pessoais (morais), são inalienáveis e irrenunciáveis.
Para utilizar os direitos patrimoniais de um autor tenho que estabelecer um contrato de direito autoral, no caso, cessão.
É preciso salientar que a jurisprudência mostra, em várias decisões, que inexistindo intuito de lucro na utilização da obra não se cogita de cobrança de direito autoral.
Já no que diz respeito à forma, é obrigatório que a cessão venha sob a forma escrita conforme o art. 49, II da LDA. Esse é o mais importante requisito de forma.
E é exatamente isso que aparece nos acórdãos e decisões dos tribunais. A lei exige forma especial para a cessão dos direitos autorais e sua falta implica nulidade do negócio transmissivo
Salienta-se que a forma é tão necessária por que a cessão envolve ato de disposição de um bem patrimonial que sai de um patrimônio e entra no outro, o que impõe a necessidade de fácil e segura localização dos atos translativos deste bem, e principalmente para que se saiba claramente quais os direitos que foram objeto da cessão, delimitando-o bem como exige a lei para segurança da relação contratual. Ainda mais quando este bem é um direito autoral tão importante e tão ligado sempre ao autor pelos enlaces dos direitos pessoais (morais) do autor.
O preço, ou melhor, a remuneração, nem sempre existirá (cessão gratuita), por isso não pode ser considerado elemento essencial. A lei, no entanto, exige que, sendo onerosa a cessão, seja expressa a remuneração, isto é, deve estar expresso o modo como se dará a remuneração uma vez que esta exista.
O contrato de cessão pode ser bilateral quando for oneroso, ou unilateral quando for gratuito. Pode ser comutativo ou aleatório, total ou parcial. Além disso, pode haver cessão de direitos sobre a obra futura.
Em primeiro lugar, o contrato de cessão geralmente é bilateral, havendo direitos e deveres para ambas as partes. Mas pode vir a ser unilateral, quando a cessão for gratuita, pois aí a carga da prestação recai apenas sobre um dos pólos.
Para melhor entendermos isso, analisemos a cessão onerosa e a gratuita. O contrato oneroso é aquele em que ambas as parte tem proveito econômico, enquanto no contrato gratuito apenas uma das partes tem proveito econômico.. O contrato oneroso é sempre bilateral.
O contrato de cessão é sempre presumido oneroso por força de lei (artigo 50), por isso quase sempre é bilateral, mas pode vir a ser gratuito, quando, por recair toda a carga contratual sobre o autor vai se tornar (a cessão) unilateral. Essa presunção é, assim, iuris tantum.
O contrato de cessão de direitos autorais também pode ser comutativo ou aleatório. Salienta-se que a discussão sobre ser o contrato de cessão comutativo ou não, só vai interessar quando a cessão for bilateral, que é o que acontece na maioria dos casos, a cessão (gratuita) unilateral é uma exceção a regra da onerosidade que exige a bilateralidade.
Um contrato comutativo é aquele em que há uma equivalência entre as prestações, as duas partes têm certeza de que receberão proporcionalmente uma a outra. No contrato comutativo a prestação corresponde uma contraprestação equivalente.
Já no contrato aleatório, uma das prestações pode falhar, a contraprestação pode ser desproporcional ao valor da prestação. Neste contrato, ocorre uma possibilidade de ganho ou perda para uma ou ambas as parte. Salienta-se que nos contratos aleatórios o desequilíbrio é da sua essência, de sua natureza.
O contrato de cessão, tal como a lei o trata, pode vir a ser comutativo ou aleatório. Será comutativo, quando a remuneração do cedente-autor for proporcional ao ganho do cessionário, porque haverá equivalência entre as prestações. Por outro lado, será aleatório, quando a remuneração do autor for fixada e determinada sem se ter probabilidade do ganho que o cessionário terá com os direitos patrimoniais cedidos pelo autor. Podendo, assim, o autor ter tido remuneração pífia e sua obra cedida ter sido um grande sucesso, quebrando a equivalência entre as prestações das partes, não havendo nesse caso comutatividade, mas sim aleatoriedade, sendo o contrato de cessão aqui aleatório.
A cessão ainda poderá ser total ou parcial. A lei expressamente admite a cessão total dos direitos no seu artigo 49, caput. A cessão total, assim, é aquela em que se transfere a totalidade dos direitos patrimoniais do autor, sendo parcial a cessão que somente transferir parte destes direitos.
Pode ainda haver cessão de direitos sobre obras futuras, conforme artigo 51 da lei 6.910/98. Mas ela “estará limitada ao prazo de cinco anos”.Não pode haver uma cessão global das obras futuras, pois isso implicaria a sujeição permanente do autor ao seu co-contratante, o que não se permite de maneiraalguma.
O contrato de cessão de direitos autorais é um contrato típico e autônomo.
Assim, não se confunde com a cessão do sistema geral de direito das obrigações, nem com outros contratos de direito autoral tais como o de edição e o de encomenda. Por fim, não se confunde com a compra e venda de direito civil.
Pelo contrato de cessão de direitos autorais opera-se a transmissão da titularidadedos direitos expressamente cedidos pelo instrumento contratual. Este é o efeito típico, imediato do contrato. Junto a esse efeito típico irradiam-se também direitos e deveres para as partes, os quais sofrem limitações ora advindas do próprio contrato (autonomia privada) ora da lei (cogentes).
O contrato de cessão tem como parte de sua eficácia a irradiação de direitos para o autor da obra cedida, direitos esses que podem advir do contrato ou da Lei. Sobre a perspectiva do contrato, os direitos transmitidos são os de exigir que o cessionário utilize apenas os direitos expressamente cedidos dentro dos limites estabelecidos na Lei e no contrato.
E é aí que a importância dos direitos pessoais (ditos pela lei “morais”) surge, pois não podendo ser objeto de cessão, esses direitos que advém da personalidade do autor vão influir no contrato, no caso do autor, dando origem a direitos imanentes e pessoais decorrentes da ligação espiritual perpétua com sua criação intelectual. Sua coatividade advém do direito autoral ser espécie dos direitos a personalidade, protegidos constitucionalmente. Esta imanência da personalidade limita a cessão de direitos autoraise isto é um imperativo para que tenha eficácia.
É claro que para a verificação da lesão a esses direitos no caso concreto deve haver um juízo de razoabilidade por parte do juiz.
Outro direito pessoal importante é o direito de arrependimento, personalíssimo ao autor, pelo qual pode a qualquer momento se arrepender da cessão, tendo o dever de indenizar o cessionário pelos danos. .
Há ainda o direito que o autor tem de perceber uma remuneração em troca da cessão da parte patrimonial sobre a obra. É claro que o contrato pode ser gratuito, mas a lei presume-o oneroso e a prática demonstra que hoje em dia a cessão gratuita, pelas desvantagens gritantes que traz para o autor é a exceção, assim, a questão da remuneração se torna importante. À análise da mesma, entretanto, reservamos um ponto separado na segunda parte, pela importância da resolução da problemática que produz para que a cessão de direitos autorais possa alcançar utilidade social. O importante agora é sabermos que o autor tem direito a receber a remuneração no tempo e maneira que foi pactuado, se assim não for, tem o direito de resolução do contrato por inadimplemento.
Pelo contrato de cessão, o cessionário recebe os direitos patrimoniais expressamente cedidos e o direito de dispor deles dentro das formas permitidas no contrato, i.é., se torna titular dos direitos cedidos, nas modalidades expressas no contrato.
Essa possibilidade de transmitir a totalidade dos direitos patrimoniais que só o contrato de cessão possui, tem, por sua vez, a eficácia de colocar o cessionário como o legitimado para defender os direitos a ele cedidos, o cessionário é que será o legitimado para insurgir-se contra os que assim o fizerem. A ação de indenização pelo uso econômico sem autorização não é mais do autor, mas sim do cessionário, tendo-se em mente o uso desautorizado da obra por uma modalidade que fora cedida ao cessionário. Um exemplo prático esclarece melhor a situação: o cessionário ao qual é transmitido por cessão o direito de publicação da obra literária é o legitimado pra entrar com a respectiva ação de indenização contra terceiro que publica a obra sem autorização.
Dessa maneira, os direitos que a cessão transmite ao cessionário podem se diferir quanto ao que foi contratado; a titularidade do que for cedido, porém, sempre será transmitida através do instrumento da cessão, por mais limitado que seja pelas partes ou pela lei quanto aos modos de utilização , tempo, etc.
Pelo contrato de cessão, o autor tem como dever principal o de transmitir os direitos patrimoniais cedidos da maneira pactuada ao cessionário, esse dever deve ser analisado sob o ponto de vista do princípio da boa-fé objetiva, i.é., o autor deve ser leal e cooperar para o bom desenvolvimento da cessão, sem, por exemplo, efetuar novas alienações dos direitos outrora cedidos.
Os deveres do cessionário são todos aqueles que surgem em oposição aos direitos do cedente.
Cria pra o cessionário é o de pagar ao cedente a quantia avençada no modo e tempo convencionados, quando o contrato for oneroso.
Quanto aos direitos morais do autor surge para o cessionário um verdadeiro dever de respeito.
O cessionário, por somente receber os direitos patrimoniais da obra, tem um dever de respeito à obra e não somente a ela mas o dever de salvaguardar e não ultrajar a própria honra, reputação e amor próprio do autor da obra.
Esse dever é, dessa forma, um dever de respeito à própria pessoa do autor, considerando a obra como um produto do espírito do mesmo (emana da personalidade do autor) e que por isso deve ser respeitado e assegurado por meio desse dever contratual de respeito, o mais importante dever que a Lei incumbe não só ao cessionário, mas a todo aquele que por qualquer forma de transmissão de direitos autorais adquire direito patrimonial sobre a mesma.
O contrato de cessão de direitos autorais deve ser analisado na disciplina dos direitos autorais como direito intelectual emanado da personalidade, pois assim está previsto na constituição e lei específica e só assim pode cumprir eficazmente a sua função social tão importante de meio de difusão da cultura para toda a população. É contrato típico, tendo seus requisitos próprios e únicos. Apresenta como elementos principais as partes, o objeto e forma escrita. Podendo ser gratuito ou oneroso e, assim, respectivamente será contrato unilateral ou bilateral. É comutativo e pode se referir a obras futuras. Além disso, pode ser parcial ou total. O seu objeto se constitui na transferência da titularidade das faculdades patrimoniais que compõem o direito do autor, geralmente em troca de uma remuneração, mas nada impede, em termos legais, que esta não exista. A cessão pode ser parcial ou total. A eficácia do contrato de cessão se apresenta através da criação de direitos e deveres para as partes e as limitações legais que sofre.
O contrato de cessão é, portanto, o modo de transferência de direitos autorais que maior amplitude de direitos dá ao cessionário, que pode assumir a titularidade dos direitos patrimoniais sobre a obra. Esta característica, desde que somada à compreensão do direito autoral como emanação da personalidade do autor, possibilita a este instrumento cumprir sua função social.
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Procuradora Federal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIXTO, Luisa Webber Troian. Contrato de cessão de direitos autorais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41694/contrato-de-cessao-de-direitos-autorais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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