RESUMO: Este texto trata do desencantamento com a cultura legal liberal, após fazer uma análise pormenorizada da história do desenvolvimento da teoria jurídica. Considera-se neste trabalho que, hodiernamente, os “práticos” e os “teóricos” do Direito não se encontram em lados opostos, mas, na verdade, os “práticos” estão ávidos de uma teoria que possa ajudá-los a dar sentido a suas práticas.
Palavras-chave: Prática; Teoria; Direito.
1. INTRODUÇÃO:
O estudo do direito tradicional liberal baseava-se em duas técnicas: análise doutrinária, que consistia em aprender a distinguir os argumentos formais para solucionar um caso e encontrar os princípios e os propósitos que estão por detrás das regras, e; análise de conveniência política: método utilitarista rápido para usar em casos difíceis, que permitia lutar por resultados com vistas a servir eficientemente a políticas sociais de alguma maneira inerentes ao sistema legal. Além disso, segundo a análise de conveniência política, o sistema jurídico podia derivar ou de um consenso geral de valores ou de tendência do desenvolvimento histórico. Assim, sua função era alcançar um equilíbrio de interesses.
Nesse contexto, a imagem do advogado ideal era a de um tecnocrata com simpatia moderadas ao reformismo liberal. Todavia, a apelação a um consenso social e a um sentido determinado pelo progresso histórico não podia ter êxito diante de uma sociedade cada vez mais estratificada.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TEORIA JURÍDICA:
Primeiramente, surgiu a classe dos juristas ativistas-reformistas, liberais “anti-establishment”, que empregaram técnicas do sistema contra o próprio sistema, trabalharam a favor do melhoramento das normas substantivas, de procedimento mais abertos e representativos, de burocracias mais sensíveis às necessidades da gente e, em geral, trataram de fazer efetivas e reais as promessas formais de justiça igualitária do direito.
A contribuição mais importante dos juristas que adotaram esta vocação foi a educação no sentido de permitir ver as numerosas formas em que o sistema jurídico não era um sistema de “técnicas neutras” disponíveis para qualquer cidadão que quisesse reivindicar seus direitos, mas sim um jogo gravemente inclinado em favor dos mais ricos e poderosos.
Em seguida, vieram à tona as teorias instrumentalistas da relação entre o direito e a sociedade.
Na versão liberal da teoria instrumentalista, o direito é a resposta às demandas sociais ou da economia; na versão marxista ortodoxa, o direito burguês não é o produto das demandas de qualquer grupo, mas sim de uma classe capitalista dominante.
Em ambas as versões, o mundo “duro” das ações econômicas determina o que se passa no mundo “brando” das normas e procedimentos legais (como parte da “superestrutura” ideológica), bem como possuem uma profunda teoria lógica da transformação histórica.
Em outras palavras, ambas as versões do instrumentalismo consideram que os sistemas legais atravessam diferentes estágios de acordo, necessariamente, com a organização econômica prevalente.
Desse modo, o direito pode ser um meio de legitimação da ordem existente.
A forma mais efetiva de dominação se dá quando tanto a classe dominante como a dominada creem que a ordem existente é satisfatória, ou, ao menos, representa o melhor que qualquer uma pode esperar, já que as coisas têm que ser como são.
Assim, uma ideologia é hegemônica se seu efeito prático é o de impedir que possam imaginar ordenamentos alternativos.
Por outro lado, para os juristas “críticos”, o direito é um dos conjuntos de crenças que convencem as pessoas de que todas as relações hierárquicas em que elas vivem são naturais e necessárias.
Por isso, o trabalho que desenvolveram os juristas “críticos” consiste em descrever alguns dos sistemas interconectados de crenças.
Eles afirmam que as ideias jurídicas podem ser ordenadas em estruturas, tais como códigos culturais complexos (inspirados em Lévy-Strauss e Piaget), pois os seres humanos experimentam o mundo construindo e mantendo coletivamente os sistemas de significados compartidos, o que torna possível para todos a interpretação das palavras e ações das demais pessoas.
Segundo a reificação ou coisificação defendida por Marx, há a aceitação de uma estrutura de crenças (legalismo liberal) que converte as relações particulares entre as pessoas reais em relações entre categorias completamente abstrata de indivíduos que desempenham papeis sociais também abstratos.
É uma forma que as pessoas têm de fabricar necessidades, como se estas fossem determinadas pela história, natureza humana ou economia.
Contudo, para combater a desmobilização, que é produto de nossas crenças convencionais, é necessário utilizar ferramentas racionais correntes na investigação intelectual para conhecer as estruturas de crenças, a fim de ver as coisas como realmente elas são.
Aponta-se algumas formas de como pode se dar este exercício crítico de “descongelar” a maneira como o mundo aparece diante do sentido comum:
a) Mostrar que a estrutura de crenças que vigoram em nossas vidas não é natural, mas sim histórica e contingente;
b) Realizar a refutação empírica das supostas exigências da necessidade;
c) Demonstrar que, inclusive teoricamente, as supostas “exigências” da necessidade são, em seus próprios termos, contraditórias e incoerentes, e que em sua aplicação prática se apartam constantemente do ideal.
3. CONCLUSÃO:
Se as críticas à estrutura das crenças jurídicas são acertadas, teremos como resultado que nenhum regime particular de princípios jurídicos pode ser funcionalmente necessário para manter uma ordem econômica particular, pois o curso das mudanças sociais não está objetivamente determinado por processos e estruturas que estão fora do alcance da ação humana.
Como sugere Foucault, todo poder legitimador do sistema jurídico está construído sobre um enorme conjunto de pequenas instâncias, rotineiras e comuns da vida cotidiana.
Crer que o direito e a economia são estruturas que existem dentro de nossas mentes é uma forma de “idealismo”, pois supõe que se pode mudar de mundo tão-somente pensando-o de modo diferente.
A afirmação de que os direitos carecem de substância ou realidade objetiva, bem como são meras práticas compartilhadas que as pessoas adotam e logo materializam, pode ser perigosa para os interesses dos grupos subordinados.
Além disso, torna-se mais fácil, numa cultura como a contemporânea, dominada pela ciência, convencer as instituições sociais da necessidade de mudanças fundamentais a partir de um argumento científico, embasado racionalmente.
Assim, defende-se que haja uma influência mútua entre a prática e a teoria do direito, de modo que o sistema jurídico não se torne engessado pela legalidade estrita, bem como não recaia em um subjetivismo extremo, que poderá resultar em vulnerabilidade dos direitos, o que beneficiaria apenas uma parte da sociedade, no caso, a classe dominante.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
CAPRA, Fritjof. O ponto de Mutação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Ed. Cultrix, 2006.
GORDON, Robert. Nuevos desarollos de la teoría jurídica in COURTIS, Christian. Desde otra mirada. Buenos Aires: Eudeba, 2001.
LÉVY-LEBLOND, Jean-Marc. O pensar e a prática da ciência – antinomias da razão. Tradução de Maria Lucia Panzoldo. Ed. EDUSC
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