Resumo:Este artigo pretende analisar os aspectos principais da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann e algumas de suas contribuições para o Direito. O direito é abordado como direito positivo na sociedade moderna, cuja análise se dá por meio do funcional-estruturalismo. Partindo um conceito de sociedade como sistema e suas diferenciações, chega-se a uma concepção do direito como sistema autopoiético.
Palavras-chave:Luhmann; Teoria dos Sistemas Sociais; Autopoiesis.
Sumário:Introdução; 1. A crise dos sistemas; 2. A Teoria dos Sistemas; 3. Autopoiesis do direito; Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
O sociólogo e jurista alemão Niklas Luhmann desenvolveu a chamada teoria dos sistemas sociais. Para ele, a sociedade é formada por vários subsistemas sociais com funções específicas, sendo o direito um desses sistemas.
A complexidade do atual estágio evolutivo da sociedade não mais permite enxergar, como outrora foi possível, o estado gregário de forma unitária e harmoniosa. Porquanto um direito simples e relativamente concreto é algo do passado. Nesse contexto, Luhmann oferece soluções com o intento de explicar esse novo paradigma jurídico-social.
1. A crise dos sistemas
Com o advento da teoria marxista sobre as estruturas sociais, o termo “sistema” caiu em desuso no direito. Isso se deu em virtude de Marx pregar que as superestruturas sociais tinham como viga mestra a infraestrutura econômica, reduzindo, por consequência, o direito a uma dessas superestruturas.
No intento de reviver a concepção dos sistemas sociais, algumas correntes contemporâneas surgiram nos meandros das ciências naturais, com grande influência nas ciências sociais.
Em meados do século passado, Karl Ludwig von Bertalanffy constituiu uma verdadeira mudança de paradigma no seio da teoria dos sistemas. Pretendendo elaborar um conceito de sistema aplicável a todo campo de investigação científica, o biólogo austríaco inovou: o sistema continua sendo mais do que a mera soma das partes, mas a perspectiva da relação parte/todo é substituída pela perspectiva da diferença entre sistema/entorno: o sistema é um conjunto de elementos que se relacionam entre eles mesmos e com um ambiente. O que define o sistema, segundo Bertalanffy,
É a coesão das interações dos elementos que o integram, estabelecendo o limite entre ele e ambiente. A distinção entre sistema e ambiente e a fundamentação da distinção entre sistemas abertos e fechados, são o legado fundamental deixado por tal formulação.[1]
Outra teoria que em muito influenciou o pensamento de Luhmann foi a teoria da ação social, fundada pelo sociólogo norte-americano Talcott Parsons. A teoria da ação social de Parsons serviu como ponto de partida para o desenvolvimento da teoria dos sistemas, de Luhmann.
2. A Teoria dos sistemas
Luhmann defende que a sociedade é composta por vários sistemas sociais comunicativos e parte do pressuposto de que a sociedade moderna é um sistema mundial de grande complexidade com diversos sistemas que geram condições para si próprios e para os outros ao seu redor. Existem vários outros sistemas menores dentro do sistema social, como o político, econômico, religioso, etc. Todos fazem parte de um sistema macro, o social. Nesse sentido:
O sistema é composto por elementos (que é a unidade indecomponível) e pela relação (estrutura). A complexidade sistêmica (“complexidade interna”) consiste justamente no aumento de elementos e/ou de suas relações entre si. Dita complexidade não está dada ontologicamente, senão que é aquela definida como suficiente pelo próprio sistema, e, portanto, é contingente. O elemento é definido de modo não ontológico, mas funcional.[2]
Luhmann afirma que os sistemas não possuem, em suas origens, suas próprias estruturas, sendo obrigados a construí-las. O sistema só pode operar com estruturas autoconstruídas: não pode haver importação de estruturas. Essa construção se dá no interior do próprio sistema e, em virtude disso, surge o que se denomina “auto-organização”.
Não é dado ao sistema criar operações que bem entender, mas somente aquelas que são permitidas de início. Em outras palavras, Luhmann afirma que as estruturas e operações têm em comum o fato de que o que se aplica a uma se estende a outra. Surge o ponto principal da teoria de Luhmann: a autopoiesis, que é definida como a produção das operações sistêmicas na própria rede operacional.
3. Autopoiesis do direito como sistema
Um sistema autopoiético é aquele que, a partir de suas próprias estruturas, se reproduz e se desenvolve, mas jamais poderá suprimir a si próprio. Então, para Luhmann, não há como os sistemas se reproduzirem de outra forma que não seja por suas próprias estruturas. Assim expõe Luhmann:
O sistema é aberto cognitivamente para ser estimulado através de ruídos ou perturbações oriundas do ambiente. Com isso, obtém a energia necessária para alimentar suas operações internas. Não é aberto no sentido da teoria tradicional, já que a relação entre as provocações do entorno e as respostas do sistema não é causal e linear (a cada perturbação uma resposta do sistema); também não é aberto nos termos do modelo cibernético de input/output (a cada perturbação registrada na memória do sistema uma resposta). Mais bem, trata-se de uma abertura seletiva, enquanto relação de imputação derivada da auto-referencialidade: depois de observar o entorno e suas demandas, bem como a si mesmo e sua capacidade estrutural para redução da complexidade, o sistema seleciona aqueles ruídos (perturbações ou irritações) que serão recebidos e considerados como informação (aqueles dados que são reconhecidos pelo sistema como distinções segundo o código de programação binário) apta a gerar novas estruturas capazes de reduzir a complexidade externa.[3]
Cada subsistema social possui um código binário próprio responsável pela seleção de inputs/outputs. Para Luhmann, esses códigos variam de uma relação para outra, porquanto que o código binário do direito é o lícito/ilícito. A reprodução do sistema jurídico se dá com a Constituição, leis, atos da administração, contratos, decretos e da jurisprudência, todos programas daquele sistema.
O direito nasceu com o intuito de resolver conflitos. Apesar de ser esse o seu papel principal, ele não é o único, pois o direito é erguido no conflito e vive do conflito. O direito, além de solucionar esses conflitos, deve ser capaz de prevê-los. Desse modo, o direito não apenas pacifica conflitos como também os cria mediante suas estruturas internas no processo de autopoiesis.
O direito como sistema autopoiético transforma a realidade ao mesmo tempo que transforma a si mesmo, no labor pré-determinado de suas estruturas internas. Não há nenhuma determinação estrutural que provenha de fora. Somente o direito pode dizer o que é direito.
Nesse sentido, Luhmann afirma que o direito tem a força de reconhecer, produzir e resolver conflitos através da complexidade do sistema jurídico. Sob esse prisma, o direito é um sistema normativamente fechado e cognitivamente aberto.
É a partir de suas próprias estruturas que o direito faz o acoplamento estrutural com outros sistemas filtrando e absorvendo aquilo que é necessário para suas estruturas desenvolverem a autopoiesis.
Direito e sociedade estão em relação de interdependência (acoplamento estrutural) recíproca: o Direito é uma estrutura do sistema social, ou seja, constitui parte da sociedade. Sua função essencial é reduzir uma parcela da complexidade desestruturada da sociedade e, ao mesmo tempo, fazer com que esta alcance uma complexidade mais alta e estruturada. Em suma: o Direito é “uma construção de alta complexidade estruturada”, satisfazendo a necessidade de ordenamento na sociedade. Sem o Direito, não há orientação de condutas no meio social.[4]
Nesse processo, o sistema usa seu código binário para bloquear, pelo fechamento operativo e sem isolar-se do meio, as perturbações provenientes do ambiente ou de outros sistemas. Luhmann observa que o direito é um sistema que opera ligado à observação. Pela diferenciação entre sistema e meio, o sistema se reproduz com suas próprias estruturas.
Conclusão
Luhmann, adepto de uma teoria particularmente própria do pensamento sistêmico, teorizou a sociedade como um sistema autopoiético.
Ao aplicar o conceito dos sistemas autopoiéticos ao direito, Luhmann consegue reduzir a complexidade social. De tal modo, os estudos de Luhmann apregoam que o direito, em seu viés autopoiético, se cria com base nos seus próprios elementos. Sua autorreferência permite que o direito mude a sociedade e se altere ao mesmo tempo, movendo com base em seu código binário (lícito/ilícito). Tal característica permite a construção de um sistema jurídico dinâmico mais adequado à hipercomplexidade da sociedade atual.
Referências bibliográficas
BERTALANFFY, Karl Ludwig von. Teoria geral dos sistemas. Tradução de Francisco M. Guimarães. Petrópolis: Editora Vozes, 1975.
HEGEL, Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.
_______________. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983.
_______________. Sociologia do Direito II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985.
_______________. Introducción a lateoría de sistemas. Lecciones publicadas por Javier Torres Nafarrete. Guadalajara: Barcelona: Anthropos, 1996.
PARSONS, Talcott. O sistema das sociedades modernas. Tradução de Dante Moreira. São Paulo: Editora Pioneira, 1974.
[1]BERTALANFFY, Karl Ludwig von. Teoria geral dos sistemas. Tradução de Francisco M. Guimarães. Petrópolis: Editora Vozes, 1975, especialmente pp. 52-122 e 190-208.
[2]Sobre a unidade da diferença entre sistema e ambiente: LUHMANN, Niklas. Introducción a lateoría de sistemas, pp. 61 e ss; IDEM.Laciencia de lasociedad, pp. 52 e ss; IDEM. Sociedade y sistema: laambición de lateoría, pp. 50 e ss., onde escreve (p. 50): “Hoje em dia, na comunidade científica existe consenso de que o ponto de partida de qualquer análise sistêmico-teórico tem que ser a diferença entre sistema e entorno”; IDEM. Teoría política enel Estado de Bienestar. Versiónespañola e introducción de Fernando Vallespín. Madrid: Alianza Editorial, 1997, pp. 66 e ss.; IDEM. Sociologia do Direito I, pp. 166 e ss.
[3]Cfr. em: LUHMANN, Niklas. Sociedade y sistema: laambición de lateoría, pp. 57, 58, 78 e ss, 98-106; IDEM. LUHMANN, Niklas.Introducción a lateoría de sistemas, pp. 96 e ss; IDEM. La ciencia de lasociedad, pp. 55 e ss.
[4]LUHMANN, Niklas. Sociedade y sistema: laambición de lateoría, pp. 47, 60 e ss; IDEM.Teoría política enel Estado de Bienestar, pp. 69 e ss.
Advogada (graduada na Faculdade Municipal de Direito de Franca e pós-graduanda em Contratos pelo INAGE - USP Ribeirão Preto/SP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIM, Eline Luque Teixeira. LUHMANN: o Direito como sistema autopoiético Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41735/luhmann-o-direito-como-sistema-autopoietico. Acesso em: 22 nov 2024.
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