1. INTRODUÇÃO
Em que pese o fato de o Código Civil de 2002 não ter previsto o instituto da enfiteuse no rol de direitos reais, além do fato de proibir sua constituição, assim como a de subenfiteuses, há previsão expressa da subsistência das enfiteuses que foram constituídas sob a égide do ordenamento jurídico passado. Ademais, verifica-se que o presente instituto é muito pouco abordado pela doutrina pátria, sendo essa a razão do presente estudo.
De Plácido e Silva (1999) nos ensina que a origem do nome do instituto sob análise deriva do grego emphyteusis, que vem do verbo emphyteusein (plantar ou melhorar terreno inculto). Assim, designa o contrato pelo qual o proprietário de terreno cede a outrem o direito de percepção de toda sua utilidade, seja temporária ou perpetuamente, com o encargo de lhe pagar uma pensão ou foro anual. Percebe-se, pois, que a origem do instituto deita raízes nas concessões de terras, não somente as públicas, que se visava colonizar, mas também as particulares.
No Direito romano, a enfiteuse consistia na cessão de um imóvel rural, com tendência à perpetuidade, com a obrigação de explorar e construir benfeitorias, assim como o direito do proprietário de perceber um cânon anual. A enfiteuse ganhou notável desenvolvimento durante a Idade Média, muito devido ao modo feudal de produção rural, sendo esse o momento em que houve a teoria da divisão do domínio em direto, que continuava a pertencer ao proprietário e seus sucessores, e o domínio útil, do enfiteuta. Com o fim do sistema feudal, inaugurado pela Revolução Francesa, houve severo declínio do instituto da enfiteuse, sendo que ao longo dos anos houve a redução de sua utilização, ficando, pois, no ostracismo.
Nos países em que o instituto foi preservado, a enfiteuse tem como escopo a conservação da titularidade de terras nas mãos do Estado, que as concede para a exploração agrícola, pecuária ou para o uso urbano. Vale relembrar que as enfiteuses nos terrenos de marinha não foram revogadas pelo advento no novel Código Civil, uma vez que houve ressalva expressa de que tais institutos são regulados por leis especiais.
3. DO OBJETO DA ENFITEUSE
A enfiteuse é considerada direito real, transmissível por ato entre vivos ou por disposição de última vontade, por meio do qual o proprietário atribuía perpetuamente a outrem o domínio útil de sua propriedade. A título de sinalagma o enfiteuta deverá pagar ao senhorio um foro anual. A enfiteuse se mostra como um direito perpétuo, sendo que a concessão por tempo limitado na verdade era um arrendamento.
O objeto do contrato de enfiteuse consistia exclusivamente sobre áreas não cultivadas ou terrenos que se destinem à edificação. Já as terras cultivadas ou já edificadas, deveriam ser objeto de arrendamento. O artigo 678 do antigo Código Civil de 1916 determinava que o foro deveria ser anual, certo e invariável. Vejamos:
Art. 678. Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui à outro o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.
Como se tratava de um contrato versando sobre direito real, deveria obedecer a forma prescrita em lei, ou seja, escritura pública se o imóvel tivesse valor acima do limite legal, sob pena de nulidade. Ademais, o contrato deveria ser registrado para que a enfiteuse fosse dotada do atributo da realidade. Assim, enquanto não cancelado o registro, a enfiteuse subsistia.
4. DA ALIENAÇÃO
Tendo em vista que o novo Código Civil apenas veda a cobrança de laudêmio nas transmissões do bem aforado, sobre o valor das construções e plantações, pode-se dizer que as enfiteuses que ainda perduram podem ser objeto de alienação. Assim, pode o enfiteuta vender ou dar em hipoteca seu domínio útil, somente devendo observar o direito de preferência do senhorio.
A fim de que se assegure o direito de preferência acima relatado, deverá o enfiteuta notificar o senhorio sobre a venda para que ele declare, em 30 dias, se deseja a preferência da alienação, pelas mesmas condições. Calha registrar que a venda do domínio útil sem a devida notificação para o exercício do direito de preferência não a torna nula, e tão somente anulável. O vício pode ser sanado se o senhorio não exercer o direito no prazo legal, após o conhecimento do negócio jurídico.
Caso o senhorio não opte pela aquisição do domínio útil, ele terá direito a receber do alienante o laudêmio sobre o valor da terra sem a plantação ou construção, por força do disposto no art. 2.038, § 1º, I, do Código Civil, in litteris:
Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores.
§ 1o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso:
I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações;
II - constituir subenfiteuse.
§ 2o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.
A enfiteuse é resgatável após trinta anos, salvo acordo entre as partes, mediante pagamento de vinte pensões anuais pelo foreiro. O resgate da enfiteuse deverá ingressar no fólio real por meio da averbação, de acordo com o artigo 167, II, n. 2, da Lei de Registros Públicos, n.º 6.015.
5. DA EXTINÇÃO DA ENFITEUSE
A extinção desse direito real ocorre pela deterioração natural do prédio aforado, pelo comisso (que ocorre quando o foreiro deixar de pagar as pensões ou foros devidos, por três anos consecutivos) e pelo falecimento do enfiteuta sem herdeiros, salvo direito de credores.
Extinguindo-se a enfiteuse, ressurge a propriedade em sua plenitude, sendo que o titular do domínio direto readquire o domínio útil, que era do enfiteuta. Assim, ainda que a enfiteuse não mais faça parte do rol taxativo de direitos reais insculpidos pelo novo Código Civil, tal instituto poderá perdurar por algum tempo, devido ao fato de não ser incomum haver enfiteutas deixando herdeiros.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1999
DE PLACIDO e SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense. 1999
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1989
GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 1969
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