RESUMO: O presente artigo trata dos principais aspectos acerca dos alimentos. Aborda o fundamento do instituto e o seu conceito. Distingue alimentos naturais de alimentos civis, bem como alimentos provisórios de provisionais. Características como irrenunciabilidade, intransmissibilidade e irrepetibilidade, temas controversos, também são objeto deste estudo. Por fim, trata-se, ainda, dos parâmetros de fixação do valor dos alimentos.
PALAVRAS–CHAVES: Alimentos – Naturais – Civis – Culpa – Solidariedade – Provisórios – Provisionais - Irrenunciabilidade – Intransmissibilidade – Irrepetibilidade - Valoração.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva abordar os principais aspectos do instituto dos alimentos, limitando-se aos pontos que se entende de maior relevo.
Acredita-se que a pertinência do tema decorre de sua umbilical ligação com o direito fundamental à vida.
É Rolf Madaleno quem observa que “a sobrevivência está entre os fundamentais direitos da pessoa humana e o crédito alimentar é o meio adequado para alcançar os recursos necessários à subsistência de quem não consegue por si só prover sua manutenção pessoal, em razão da idade, doença, incapacidade, impossibilidade ou ausência de trabalho.”[1]
Assim, tratar dos alimentos é, em última análise, tratar da perpetuação da vida.
2. FUNDAMENTOS E CONCEITO
Como se mencionou acima, o bem jurídico tutelado ao se falar em alimentos é a própria vida, direito fundamental reconhecido pela Constituição Federal. Vida à qual deve ser conferida a dignidade prevista constitucionalmente.
Nesse sentido a lição de Rodrigo da Cunha Pereira:
“Em consonância com as diretrizes constitucionais que determinam a prevalência de uma vida digna à pessoa humana, os alimentos se consubstanciam em um instituto de direito de família que visa dar suporte material a quem não tem meios de arcar com a própria subsistência. Relaciona-se não apenas ao direito à vida e à integridade física da pessoa, mas, principalmente, à realização da Dignidade Humana, proporcionando ao necessitado condições materiais de manter sua existência. Seu conteúdo está expressamente atrelado à tutela da pessoa e à satisfação de suas necessidades fundamentais.”[2]
O princípio da solidariedade, agasalhado pela Constituição, consoante artigo 3º, I e III, é também fundamento do dever de alimentos.
Maria Berenice Dias pondera que o dever de solidariedade é fundamento do dever de alimentos “ainda que cada uma das espécies de obrigação tenha origem diversa e características próprias”:
“A fundamentação do dever de alimentos encontra-se no princípio da solidariedade, ou seja, a fonte da obrigação alimentar são os laços de parentalidade que ligam as pessoas que constituem uma família, independentemente de seu tipo: casamento, união estável, famílias monoparentais, homoafetivas, parentalidade socioafetivas, entre outras. Ainda que cada uma das espécies de obrigação tenha origem diversa e característica próprias, todas são tratadas pelo Código Civil de maneira indistinta.”[3]
Como observa Rodrigo da Cunha Pereira, os alimentos, baseados na solidariedade, são fruto da concepção atual da entidade familiar, que tem em seus integrantes o foco das atenções. Segundo esse autor, “a solidariedade, inerente à família – principalmente a nuclear e a binuclear, nas quais as pessoas são valorizadas por ser a atual família núcleo de companheirismo -, é o elemento propulsor da jurisdicização do amparo recíproco entre os membros da família. Os alimentos constituem um exemplo desta concepção solidarista, da qual também é elucidação a diretriz principiológica adotada pelos Estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso, que objetivam amparar aqueles que se encontram em situação peculiar de fragilidade, seja pela falta de discernimento e maturidade, seja pela velhice.”[4]
Maria Berenice Dias lembra, ainda, que o dever alimentar entre pais e filhos deriva do poder familiar, dever esse que encontra suporte na solidariedade familiar, e que a obrigação de alimentos decorrente do casamento ou da união estável advém do dever de mútua assistência:
“A natureza jurídica dos alimentos está ligada à origem da obrigação. O dever dos pais de sustentar os filhos deriva do poder familiar. A Constituição Federal reconhece a obrigação dos pais de ajudar, criar e aducar os filhos menores (CF 229). A Constituição também afirma que os maiores devem auxiliar a amparar os pais na velhice, carência e enfermidade. É obrigação alimentar que repousa na solidariedade familiar entre os parentes em linha reta, e que se estende infinitamente(...)O encargo alimentar decorrente do casamento e da união estável tem origem no dever de mútua assistência, que existe durante a convivência e persiste mesmo depois de rompido o vínculo afetivo.”[5]
Quanto ao conceito de alimentos, não expresso no Código Civil, vale transcrever a definição de Estevam de Almeida, citado por Yussef Said Cahali:
“alimentos são, pois, as prestações devidas, feitas para que aquele que as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional).”[6]
Segundo Yussef Said Cahali, “a palavra alimentos, adotada no direito para designar o conteúdo de uma pretensão ou de uma obrigação, vem a significar tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida; são as prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si; mais amplamente, é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção.”[7]
A definição de alimentos parece não trazer maiores complicações. Extrai-se, como denominador comum de suas várias definições, que, em síntese, são prestações devidas para que uma pessoa possa subsistir.
A questão desafiadora é mais de ordem prática. Consiste em saber o que, atualmente, é necessário para uma pessoa subsistir.
O alimento em si, in natura, ou seja, a alimentação, há muito já deixou de ser o básico para a sobrevivência.
Portanto, nem mesmo na hipótese legal que atribui ao culpado o direito de receber apenas os alimentos “indispensáveis à sobrevivência”[8], pode se cogitar de ter esse alimentando somente direito à alimentação.
Na verdade, esse debate diz respeito à classificação dos alimentos quanto à sua natureza, como se passa a abordar a seguir.
3. ESPÉCIES
Os alimentos podem ser classificados sob vários critérios, valendo menção os seguintes:
3.1. Quanto à natureza
Quanto à natureza os alimentos classificam-se em naturais ou civis.
Ensina Yussef Said Cahali que “quando se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz-se que são alimentos naturais; todavia, se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se que são alimentos civis.”[9]
Lopes Herrera, em lição trazida por Cahali, usa de diferente nomenclatura ao tratar da distinção em questão, não divergindo, contudo, das características de cada modalidade:
“Lopes Herrera estabelece a mesma distinção, utilizando nomenclatura diversa: alimentos côngruos e alimentos necessários: por alimentos côngruos entende-se o dever de ministrar comida, vestuário, habitação e demais recursos econômicos necessários, tomando-se em consideração a idade, a condição social e demais e circunstâncias pertinentes ao familiar em situação de necessidade; de modo diverso, os alimentos necessários, se bem que igualmente compreensivos da comida, do vestuário, da habitação, reclamados pelo alimentando, devem ser calculados à base do mínimo indispensável para qualquer pessoa sobreviver, sem tomar em consideração as condições próprias do beneficiário.”[10]
Lembra Rodrigo da Cunha Pereira que o Código Civil de 2002 avançou ao fazer a distinção entre alimentos civis e naturais:
“O Código Civil de 2002 avançou muito na disciplina dos alimentos, ao fazer a distinção entre alimentos civis (ou côngruos) e naturais (ou necessários), conforme se constata por seu art. 1.694.[11]”
Pontua esse doutrinador que os alimentos civis ou côngruos destinam-se ao estritamente necessário, encontrando limite, como não poderia deixar de ser, na capacidade econômica do alimentante[12]. Vale acrescentar à lição do eminente autor que não apenas os alimentos civis encontram limite na capacidade do alimentante, mas também os naturais.
Pois bem, como já se mencionou acima, essa distinção apresenta relevância na medida em que o código atrela a culpa aos alimentos naturais, destinando-os ao culpado pela separação.
Nesse sentido a dicção do parágrafo segundo, do artigo 1.694 do Código Civil:
“Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar da culpa de quem os pleiteia.”
Igualmente, o parágrafo único do artigo 1.704 do Código Civil destina ao culpado somente os alimentos naturais:
“Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos e não tiver parentes em condições de prestá-lo, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-lo, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.”
Vê-se, então, que ao culpado, somente o necessário à subsistência.
Mas, como mencionado supra, a questão é saber o que, atualmente, é necessário à subsistência.
Grosso modo, os alimentos naturais fornecem pouco mais que o indispensável para a sobrevivência. Já os civis englobam as necessidades intelectuais e espirituais, atendendo às demandas do ser humano em sua completude.
Entretanto, essa sistemática parece entrar em contradição com o fundamento constitucional dos alimentos, qual seja, o dever de solidariedade. Isso porque causa estranheza haver solidariedade pela metade. Além disso, as necessidades intelectuais e espirituais podem ser tão essenciais quanto as necessidades, digamos - de forma até contraditória - , de sobrevivência do ser humano.
Mas, pode-se afirmar que o Código Civil, em comparação com o anterior, avançou na medida em que mitigou a influência da culpa sobre o instituto dos alimentos, dando destaque ao pressuposto dos alimentos, qual seja, o binômio necessidade/possibilidade.
Vale registrar que parte da doutrina e da jurisprudência já entende que a culpa, sobretudo com o advento da Emenda Constitucional 66/2010, foi extirpada de vez do ordenamento no que diz respeito aos alimentos, não exercendo mais qualquer influência no arbitramento dos mesmos.
É o que leciona Rolf Madaleno:
“Até o advento da Emenda Constitucional ainda importava para o Direito brasileiro a pesquisa e apuração da suposta autoria e responsabilidade pelo fracasso da sociedade conjugal e quando examinada a culpa em relação ao direito alimentar, o parágrafo único do artigo 1.704 do Código Civil, abrandava seus efeitos na dissolução judicial do casamento, para reconhecer ao cônjuge culpado um direito alimentar restritivo. Com o evolução da doutrina e pela intervenção de contundente parcela da jurisprudência brasileira a pesquisa da culpa conjugal passou a ceder lugar para a denúncia do mero fracasso matrimonial, e, embora o vigente Código Civil não tivesse alcançado este grau de civilidade e de respeito integral à dignidade da pessoa, foram justamente a doutrina e a jurisprudência brasileiras que encontraram uma maneira de suavizar o impacto da discussão da culpa pelo fim do casamento ao afastarem sua incidência dos processos litigiosos de separação e objetivarem o direito alimentar em sua integralidade diante da evidência de dependência financeira.”[13]
3.2. Quanto à causa jurídica:
Quanto à causa jurídica, os alimentos dividem-se entre legítimos, voluntários, e involuntários.
Na primeira categoria, os legítimos, encontram-se os alimentos devidos em função de obrigação legal.
Obtempera Yussef Said Cahali que “são aqueles que se devem por direito de sangue (ex iure sanguinis), por um veículo de parentesco ou relação de natureza familiar, ou em decorrência do matrimônio; só os alimentos legítimos, assim chamados por derivarem ex dispositione iuris, inserem-se no Direito de Família.”[14]
Já os voluntários são os que nascem de uma declaração de vontade, inter vivos ou causa mortis. São também chamados de obrigacionais.
Enquadram-se nessa categoria, por exemplo, o legado específico, tratado nos artigos 1.920 a 1.928 do Código Civil.
A respeito do tema, Sérgio Gilberto Porto observa que “o legado de alimentos encontra respaldo jurídico em nosso direito não no direito de família, mas sim no direito sucessório, pois o art. 1.926 do CC consagra a hipótese e o art. 1.920 (art. 1.687 do Código anterior) estabelece os parâmetros, dispondo que “o legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.”[15]
Por fim, os involuntários nascem sem que o beneficiário tenha buscado o resultado, como, por exemplo, os decorrentes de atos ilícitos e a obrigação do donatário.
Pois bem, muito embora as diferentes causas dos alimentos, pode-se afirmar que eles seguem regime jurídico parecido. Há um aproveitamento de regras.
Como observa Yussef Said Cahali, “atento ao pressuposto da unicidade de destinação dos alimentos, não se pode pretender – apenas em função da diversidade das causas geradoras da obrigação alimentar – a fragmentação do instituto em compartimentos estanques, informando-se cada modalidade em princípios autônomos, com disciplina jurídica exclusiva e incomunicável.”[16]
Assim, como exemplo de aproveitamento normativa mesmo diante de causas geradoras distintas, pode-se citar julgado que, em hipótese de indenização por ato ilícito, admitiu ação revisional de alimentos para reajuste da pensão à qual foi condenado o causador do dano.
Foi o que se entendeu no julgamento do REsp n. 22.549, da 3ª Turma da STJ de 23.03.1993, transcrito por Cahali:
“Ato ilícito. Indenização. Alimentos. Embora não se confundam com os alimentos em razão do direito de família, tendo caráter indenizatório, de ressarcimento, sujeitam-se a revisão, havendo modificação nas condições econômicas, consoante dispõe o art. 602, § 3º, do CPC (art. 475-Q, § 3º, CPC). Hipótese em que o indexador utilizado teria levado a que prestações sofressem sensível redução em seu valor real.”
Registre-se, entretanto, a existência de julgados em sentido diverso:
“3ª Câmara, 1º TAC/SP: É inadmissível a ação revisional de alimentos ou a desobrigação ao pagamento da pensão mensal fixada em decorrência de ato ilícito, ainda que a pensionada tenha condições de manter a sua subsistência, pois tal verba possui caráter indenizatório e não alimentar.”
Por outro lado, mostrando que ainda persistem diferenças normativas entre os alimentos de acordo com a diversidade de causa, o mesmo doutrinador explica que “há consenso no sentido de ser inadmissível a prisão civil por falta de pagamento de prestação alimentícia decorrente de ação de responsabilidade ex delicto; a prisão civil por dívida como meio coercitivo para o cumprimento da obrigação alimentar, é cabível somente no caso dos alimentos previstos no Direito de Família.” [17]
4. ALIMENTOS PROVISÓRIOS E PROVISIONAIS
Ao tratar dos alimentos provisórios e provisionais, referidos, respectivamente, na Lei de Alimentos (Lei 5.478/1968) e no artigo 852 do Código de Processo Civil, alguns doutrinadores, como Yussef Said Cahali, os classificam segundo critério de finalidade.[18]
No mesmo sentido Rolf Madaleno:
“Quanto à sua finalidade, os alimentos são classificados em definitivos ou regulares, provisórios e provisionais, também sendo judicialmente reivindicados em tutela antecipada.” [19]
Outros, contudo, simplesmente fazem referência a eles sem necessariamente classificá-los segundo algum critério.
Como se referiu, a Lei de Alimentos, do ano de 1968, fez referência a alimentos provisórios. O artigo 4º dessa lei dispôs que:
“Art. 4º Ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não precisa.”
Já o art. 852 do Código de Processo Civil reza que “é lícito pedir alimentos” nas hipóteses de seus três incisos, a saber:
“I - nas ações de desquite e de anulação de casamento, desde que estejam separados os cônjuges;
II – nas ações de alimentos desde o despacho da petição inicial;
III – nos demais casos expressos em lei.”
Yussef Said Cahali narra que alguns juristas, como Adrolado Fabrício, chegaram a sustentar que o CPC de 1973, que trouxe o citado artigo 852, teria derrogado a Lei de Alimentos, posição da qual discorda Cahali. Para esse autor “Teria havido, quando muito, uma redundância ou inutilidade de disposições, o que, de resto, na é surpreendente em face de nossa prodigalidade legislativa, em ritmo desordenado”.[20]
Em seguida, referido autor, citando Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, estabelece distinção entre os institutos. Os provisionais visariam prevenir risco de dano. Observa que “tanto é assim que, se o autor da ação não precisar de alimentos, lhe faltará interesse na tutela jurisdicional, a impor, o sistema do Código, decreto de carência da ação.”[21]
Além disso, no entendimento do mencionado autor, enquanto na hipótese de art. 852 do CPC devem estar presentes também o fumus boni juris, tratando-se de alimentos provisórios da Lei de Alimentos “o Juiz não pode contentar-se com a mera aparência do direito, ante a exigência contida no art. 2º da Lei 5.478/68, de prova inicial do parentesco ou de obrigação alimentar do devedor, presumindo daí a necessidade a teor do art. 4º.”[22]
Rolf Madaleno menciona, ainda, outra distinção, qual seja, “os alimentos cautelares podem ser revistos a qualquer tempo, assim como podem ser revogados nos autos onde foram fixados, enquanto para os alimentos provisórios a revisão precisa ser proposta em processo autônomo (§ 3º do art. 13 da Lei n. 5.478/1968).”
Também vale registrar o entendimento de que a ação cautelar de alimento provisional não é ação cautelar autêntica, já que não objetiva assegurar a utilidade do provimento final da ação principal. O alimentando, tão logo beneficiado com os alimentos provisionais, já estará usufruindo os alimentos.
Na verdade, o que se nota é que há um esforço da doutrina para melhor explicar os termos referidos pela legislação. O legislador, data venia, mais confundiu do que sistematizou o assunto.
Não obstante o pontuado acima, a diferença entre provisionais e provisórios parece ser mais terminológica e procedimental.
A diferença de finalidade entre ambos é tênue, senão inexistente. Isso porque os provisórios podem conter embutidos em seu valor o necessário para o custeio da demanda, característica essa, a princípio, inerente aos provisionais. Se a ação de alimentos é necessária, soa natural que os alimentos provisórios abranjam também o valor para seu custeio. Até porque a ação de alimentos é relevantemente necessária.
Pertinente citar ensinamento de Sérgio Gilberto Porto que, ao tratar dos diferentes procedimentos a serem adotados nos casos de alimentos provisórios e provisionais, menciona que ambos objetivam custear a demanda:
“Assim, conclui-se que na atualidade o ordenamento jurídico oferece dois caminhos distintos para obtenção do mesmo fim, pois embora a lei especial fale em alimentos provisórios e o Código de Processo Civil em alimentos provisionais (art. 4º da Lei 5.478/1968 e art. 852, II, do CPC), a diferença destes é apenas terminológica e procedimental, pois a finalidade de ambos é assegurar ao litigante os meios necessários à manutenção durante a pendência da demanda, e estes são chamados alimentos ad litem.”[23]
E é explícito ao dizer que, na essência, trata-se do mesmo instituto:
“Nesta esteira, é absolutamente correta a afirmação de que na essência “a diferenciação entre as duas espécies é apenas terminológica e procedimental: em essência, em substância significam o mesmo instituto...”[24]
Por conta disso, inclusive, não se classificou aqui alimentos provisórios e provisionais quanto à diferença de finalidade.
Em relação à diferença de procedimentos, essa sim a mais marcante entre os institutos, deve ser dito, em primeiro lugar, na esteira do que ensina Sérgio Gilberto Porto, que os alimentos podem ser buscados por três ritos processuais diferentes no direito brasileiro, quais sejam, (i) ação de alimento de rito específico, previsto da Lei de Alimentos, (ii) processo cautelar cujas disposição encontram-se no CPC ou (iii) ação de rito ordinário:
“A pretensão aos alimentos, no direito brasileiro, pode ser exercida por três ritos processuais distintos, a saber: a) através do procedimento especial constante da Lei 5.478/1968; b) via procedimento ordinário, consoante determinam as normas do Código de Processo Civil; e c) finalmente, através do procedimento cautelar dos alimentos provisionais, regulado pelos arts. 852 e 854 do mesmo Estatuto Processual.”
A utilização de um ou outro procedimento dependerá de alguns fatores.
O uso da Lei de Alimentos será o adequado quando houver prova formada de parentesco ou da obrigação alimentar, como, por exemplo, certidão de nascimento ou certidão de casamento. Isso porque o artigo 2º dessa lei diz que “O credor, pessoalmente ou por intermédio de advogados, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas, o parentesco ou a obrigação alimentar do devedor...”
Não havendo tais provas, o rito mais apropriado será o ordinário, sendo cabível, diga-se, a antecipação de tutela. É que o rito especial da ação de alimentos é célere e nele não há espaço para exame do conjunto probatório.
Já quanto ao uso da ação cautelar para obtenção dos provisionais, como diz Jorge Franklin Alves Felipe, citado por Sérgio Gilberto Porto: “não há critério seguro a distinguir a utilização da ação prevista na Lei 5.478/1968 e da cautelar”. E acrescenta Sérgio Porto:
“Com efeito, embora a prática esteja a demonstrar que no mais das vezes a parte ajuíza uma ação cautelar de alimentos está a anunciar que entrará em com uma ação principal, nada impede que esta mesma parte, em fez de adotar este modus operandi, opte pelo ajuizamento de uma ação alimentar pelo rito especial da Lei de Alimentos e que posteriormente proponha, v.g., uma ação de separação judicial independente da demanda alimentar.”[25]
Obviamente que, para a propositura da ação da cautelar devem estar presentes os seus requisitos, quais sejam, fumus boni iuris e periculum in mora.
Em resumo, indo de encontro ao pensamento de Sérgio Gilberto Porto, “cabe à parte – juiz de suas conveniências diante da situação fática – escolher o caminho que irá trilhar.”[26]
Já a diferença marcante entre os provisionais e provisórios em relação aos alimentos regulares é o momento de concessão.
Acompanhe-se lição de Maria Berenice Dias que, após observar que alimentos provisórios e provisionais não se confundem, obtempera que ambos pertencem à categoria de alimentos antecipados:
“Alimentos provisórios e provisionais não se confundem: possuem propósitos e finalidades diferentes e, inclusive, são previstos em distintos estatutos legais. É certo que ambos pertencem à categoria de alimentos antecipados, tendo em conta a fase procedimental em que ocorre seu deferimento pelo juiz: desde a postulação, sob forma liminar e, frequentemente, sem audiência da parte contrária. Os alimentos provisórios (LA 4º) são estabelecidos quando da propositura da ação de alimentos, ou em momento posterior, mas antes da sentença. Já os alimentos provisionais (CPC 852, I) são deferidos em ação cautelar ou quando da propositura da ação de separação, divórcio, anulação de casamento, bem como na ação de reconhecimento de união estável, e se destinam a garantir a manutenção da parte ou custear a demanda.”[27]
5. CARACTERÍSTICAS
5.1 Direito personalíssimo
Objetivando os alimentos a preservação da vida do alimentando, têm eles caráter personalíssimo. A titularidade do direito não pode ser transferida. Uma vez falecido o credor, cessam os alimentos.
Como observa Rodrigo da Cunha Pereira, “Se inexiste a necessidade de o alimentário receber alimentos, é lhe vedado transmitir tal direito a outrem, vez que tal obrigação foi fixada com o escopo de preservar o seu direito a uma vida saudável, que possa ser vivida de forma digna.”[28]
Consequência do caráter personalíssimo do direito a alimentos é, como observa Maria Berenice Dias, que esse direito “não pode ser objeto de cessão (CC 1.707) nem se sujeita a compensação (CC 373 II), qualquer que seja a natureza da dívida que venha a lhe ser oposta. A pensão alimentar é impenhorável, uma vez que garante a subsistência do alimentado.”[29]
5.2 Irrenunciabilidade
Dispõe o artigo 1.707 do Código Civil que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”
Essa disposição é decorrência da irrenunciabilidade inerente aos alimentos.
Esclarece Yussef Said Cahali, que o direito a alimentos é irrenunciável pois “como direito inerente à personalidade, tutela-o o Estado com normas de ordem pública, resultando daí sua irrenunciabilidade”[30]
A Súmula 379 do STF dispôs que “no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais.”
Entretanto, mesmo antes do advento do atual Código Civil, a aplicação dessa Súmula já era controversa e vinha ela sendo afastada, sobretudo quando a renúncia aos alimentos era feita quando do divórcio, já que nessa hipótese há extinção do vínculo conjugal. É o que esclarece Rolf Madaleno:
“A questão da renúncia da pensão alimentícia sempre foi alvo de acalorados embates teóricos e jurisprudenciais e tampouco a edição da Súmula 379 do Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento divergente e a jurisprudência e doutrina passaram a contrariar a orientação sumular. Na esfera da mera dissolução da sociedade conjugal que era alcançada primeiramente pelo desquite, sobrevindo a Lei do Divórcio em 1977 (Lei n. 6.515), o desquite foi substituído pela separação judicial e em paralelo passou a vigorar o divórcio direto e por conversão, passando a dissolver não mais a sociedade matrimonial, mas o liame do casamento e se o divórcio extingue o vinculo conjugal e faz cessar todos os direitos inerentes ao casamento acaso o divorciando se manifeste pela renúncia de seu direito alimentar, a Súmula n. 379 do STF não poderia ser aplicada.[31]
Consigne-se, ainda, que esse entendimento era aplicado somente em relação aos alimentos fixados entre cônjuges, pois, dada a sua natureza de obrigação, podiam ser renunciados. Já os alimentos devidos entre parentes eram, e são, irrenunciáveis.
Tanto que o antigo Código Civil, no artigo 396, proibia a renúncia somente dos alimentos decorrentes de parentesco, tratando-os, portanto, de forma distinta dos devidos em função do matrimônio. Os alimentos devidos em função de parentesco eram tratados em dispositivos diferentes. Nesse sentido novamente esclarece Rolf Madaleno:
“Prevaleceu na doutrina e na jurisprudência o argumento de que existia uma distinção entre os alimentos conjugais e aqueles advindos dos vínculos de parentesco, justamente porque o artigo 396 do Código Civil de 1916 proibia a renúncia dos alimentos derivados de parentesco, não sendo aplicadas estas regras aos cônjuges, que não são parentes, e seu direito alimentar decorre da mútua assistência, cujo dever era imposto ao marido pelo artigo 233, inciso IV, do Código Civil de 1916.”[32]
Francisco José Cahali bem resume a controvérsia havida por ocasião do antigo Código Civil, lembrando inexistir regra sobre a irrenunciabilidade dos alimentos na Lei do Divórcio, o que justificava a diferença de entendimento em relação aos alimentos devidos pelos parentes:
“Pela versão original do Código Civil, sustentava-se a possibilidade de renúncia da pensão alimentícia no então desquite amigável, poupando as partes, por exemplo, de buscar a constrangedora prova de culpa, para obter a inexistência da obrigação. O fundamento consistia em ter no acordo havido em processo de desquite por mútuo consentimento um negócio jurídico bilateral, aperfeiçoando-se pela conjunção da vontade livre e consciente de duas pessoas maiores.
(...)
Mais intensamente questionada esta orientação, veio a prevalecer o entendimento diverso.
Assim, o Supremo Tribunal Federal, em virtude da jurisprudência da época, acabou por editar a Súmula 379, nestes termos: “No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”.
Criticada a Súmula no próprio Supremo, com a Lei do Divórcio mais numerosas e intensas foram as vozes contrárias a seu conteúdo. Como fundamento, sustentava-se a previsão da irrenunciabilidade apenas no Código Civil, para os alimentos decorrentes do parentesco, inexistindo regra neste sentido na Lei do Divórcio, onde a pensão resultante da dissolução do casamento vem tratada com exclusividade.
E assim, a despeito da Súmula 379, vários foram os julgados dos tribunais estaduais e do próprio Superior Tribunal de Justiça, que admitiram a renúncia aos alimentos no termos de separação judicial consensual.
Aceita a renúncia, flexibilizando o rigor da disposição do direito, os julgados passaram a permitir ação de modificação de cláusula da separação para rever a renúncia homologada, admitindo, assim, em situações excepcionais, o restabelecimento da pensão em favor do cônjuge renunciante. Mas, com o divórcio (direto ou convertendo prévia separação consensual), a renúncia passava a ser definitiva, e com plenos efeitos, impedindo a revisão.” [33]
Releva, ainda, registrar o entendimento de que a irrenunciabilidade atinge o direito, mas não seu exercício, já que não se pode impor ao credor que exija do devedor a prestação de alimentos.
Também vale esclarecer, na esteira da lição de Orlando Gomes, que a renúncia quanto às prestações pretéritas de alimentos é possível, pois, como mencionado acima, o exercício do direito pode ser deixado de lado. Ensina o jurista que: “o que ninguém pode fazer é renunciar a alimentos futuros, a que faça jus, mas aos alimentos devidos e não prestados o alimentando pode renunciar, pois lhe é permitido expressamente deixar de exercer direito a alimentos; a renúncia posterior é, portanto, válida.”[34]
Pois bem, ocorre que, não obstante o entendimento sobre a irrenunciabilidade ter se estabilizado no sentido acima, qual seja, válida a renúncia quando divórcio, o atual Código Civil reacendeu a polêmica.
Em primeiro lugar, o Código tratou dos alimentos decorrentes da relação de parentesco e de matrimônio/união estável no mesmo dispositivo, artigo 1.694 do Código Civil[35], o que enfraqueceu a tese então vigente no sentido de haver diferença em relação aos alimentos devidos por conta de parentesco e os devidos em função do matrimônio. Tanto que alguns doutrinadores entendem que, atualmente, também não é permitida a renúncia entre cônjuges e companheiros. Nesse sentido Valdemar da Luz, Sérgio Gischkow Pereira, Arnaldo Rizzardo, Ana Maria Gonçalves Louzada, mencionados por Rolf Madaleno:
“A inclusão dos cônjuges e conviventes no mesmo dispositivo legal que impõe também aos parentes o dever alimentar destruiu a tese do divisor de águas da codificação revogada, no sentido de que os alimentos entre cônjuges representavam uma obrigação e como obrigação podiam ser renunciados; e tanto isto é verdade que o art. 1.707 do Código Civil retoma a ordem jurídica de irrenunciabilidade dos alimentos, advenham das relações parentais, ou decorram do casamento e da união estável.
Valdemar da Luz, a exemplo de Sérgio Gischkow Pereira, Arnaldo Rizzardo, Ana Maria Louzada, também está entre aqueles que acolheram positivamente a possibilidade de renúncia aos alimentos pelos cônjuges ou companheiros, e afirmam que eles não podem renunciar ao direito alimentar, embora possam deixar de exercer temporariamente este direito que fica eternamente assegurado.”[36]
Já o parágrafo único do artigo 1.704 do Código Civil dispôs que “se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.”
Além disso, reza o artigo 1.707 do mesmo diploma que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”
Assim, de acordo com o atual Código Civil, estaria claro que os alimentos, fundamentem-se em relações de parentesco ou no matrimônio/união estável, não são passíveis de renúncia.
Pois bem, o interessante é que, mesmo diante dessas disposições, a jurisprudência continua a se inclinar no sentido de que a renúncia, em se tratando de alimentos derivados de matrimônio, é válida.
É o que se nota no voto da Ministra Nancy Andrighi, no REsp n. 1.143.762 – SP (2009/0041497), fazendo referência ao fato de que o STJ firmou entendimento no sentido de que a renúncia de alimentos é possível entre marido e mulher, sendo vedado o posterior pedido de pagamento dessa verba. Há menção, ainda, a outros julgados no mesmo sentido:
“A possibilidade de renúncia de alimentos sob a égide do CC/16 já suscitou muitas discussões no âmbito dos tribunais superiores, sobretudo por força do Enunciado n° 379 da Súmula/STF. Contudo, mais recentemente a matéria vem se pacificando no âmbito do STJ. Nas ações em que enfrenta o tema, esta Corte tem sustentado a possibilidade de renúncia sob o fundamento de que "a irrenunciabilidade de alimentos balizada no art. 404 do CC/16 (1.707, 1ª parte, CC/02), que serve de alicerce à Súmula 379/STF, está contida no capítulo que versa acerca dos alimentos fundados no parentesco (art. 376 e ss. do CC/16 – art. 1.694 e ss.CC/02) e, por certo, entre marido e mulher, que não são parentes o direito a alimentos assenta-se na obrigação de mútua assistência, prevista no art. 231, III do CC/16 (art. 1.566, inc. III do CC/02), que cessa com a separação ou divórcio, salvo nos casos em que a lei excepciona” (REsp 701.902/SP, 3ªTurma, de minha relatoria, DJ de 3/10/2005; REsp 70630/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 21/9/2000; entre outros).”
Cite-se, ainda, o Enunciado 263, da III Jornada de Direito Civil: “O art. 1.707 do Código Civil não impede que seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto e indireto) ou da dissolução da união estável”.
O acórdão citado, expressão do posicionamento da jurisprudência, embasa a possibilidade de renúncia de alimentos entre marido e mulher no fato de que o artigo 404 do antigo Código Civil, base para a Súmula 379/STF, encontrava-se no capítulo que versa sobre alimentos fundados em parentesco[37]. Assim, somente seria válida a renúncia operada em separação e divórcio.
Contudo, há que se observar que essa distinção topológica dos artigos não mais subsiste no atual Código Civil, como mencionado acima. Assim, em princípio, esse argumento não prosperaria.
Em segundo lugar, o acórdão menciona que a renúncia seria válida tanto na separação quanto no divórcio. Mas, como também já foi abordado supra, a validade da renúncia só é válida quando se dá por ocasião do divórcio, posto que esse põe fim ao vínculo conjugal[38].
Aliás, nesse sentido pode-se afirmar que, de certa forma, o texto do transcrito Enunciado 263 contraria a posição da jurisprudência, pois menciona ser válida a renúncia somente no divórcio e não na separação.
Apesar disso, a jurisprudência representada pelo acórdão transcrito foi certeira no sentido em que apontou, já que o divórcio põe fim ao vínculo conjugal e aos deveres do casamento.
Ademais, se por um lado a solidariedade e a dignidade humana, fundamento da eternização da dívida alimentar, são valores constitucionais e devem pautar as relações familiares, por outro, isso não pode servir de fundamento para eternizar uma obrigação, fazendo de um dos cônjuges um devedor eterno, sempre acionável diante da necessidade de seu ex-cônjuge.
Visto por outro ângulo, o princípio da dignidade da pessoa humana serve de fundamento para impedir a eternização de condição de devedor do alimentante, posto que a insegurança decorrente dessa condição é que atenta contra a dignidade da pessoa humana. Portanto, esse princípio advoga em favor da validade da renúncia, e não o contrário.
Também vale pontuar que a vedação de renúncia aos alimentos visa proteger uma suposta parte mais fraca da relação, qual seja, a mulher. Mas a submissão da mulher frente ao marido faz parte de uma realidade já superada. Aliás, é a Constituição que consagra a igualdade entre homens e mulheres, igualdade essa que, portanto, pesa também contra essa pressuposição de desigualdade entre cônjuges e que inspirou, no passado, a vedação da renúncia.
Por fim, na seara previdenciária a renúncia na separação não impede que haja posterior obtenção de pensão previdenciária, como dispõe a Súmula 336 do STJ: "A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente."
5.3 Transmissibilidade da obrigação alimentar
O artigo 402 do antigo Código Civil, que tratava dos alimentos entre parentes, consagrava claramente a intransmissibilidade da obrigação alimentar e, até o advento da Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), evitava controvérsias quanto ao assunto, coadunando-se, aliás, com o caráter personalíssimo da obrigação alimentar.[39]
Entretanto, o artigo 23 da Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77) dispôs que “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros, na forma do art. 1.796 do Código Civil.”
Nasceu então grande controvérsia a respeito do tema, gerando diversos posicionamentos sobre o assunto, como bem narra Sérgio Gilberto Porto, em rica citação de variados doutrinadores:
“Com efeito, após a chamada Lei do Divórcio, passou a se ter divergência de opiniões em torno da matéria, como adiante se verá. Roberto Thomas Arruda, a propósito, afirmou: “eliminar-se a intransmissibilidade é abalar um complexo edifício jurídico-obrigacional, o que não se faz possível com a singeleza dos mencionado art. 23”. No entanto, ele próprio chegou a admitir a hipótese da transmissibilidade para as prestações alimentícias devidas até a morte do obrigado. Theotônio Negrão sustentou que o art. 23 revogou o art. 404, portanto, assumiu posição favorável à transmissibilidade do obrigação alimentar. Silvio Rodrigues também admitiu em termos a transmissibilidade da obrigação alimentar, pois expressou: “O fato de a Lei 6.515, de 26.12.1977, não ter alterado o art. 402 (a despeito de seu art. 50 ter modificado muitos outros), conduz o intérprete ao convencimento de que o legislador, embora não fosse claro ao determinar a tranquilidade aos herdeiros da obrigação alimentícia, quis se referir aos alimentos devidos por um cônjuge ao outro e não aos alimentos derivados do parentesco (art. 396 e ss do CC)”. Guima Tamã, de forma veemente, preconizou a transmissibilidade da obrigação alimentar diante da clareza da lei nova. Domingos Sávio Brandão de Lima, de sua parte, admitindo a transmissibilidade, asseverou que teria sido revogado o art. 402 do CC/1916, e que, com isto, se beneficiou exclusiva e abusivamente a mulher separada, pois “o parasitismo do vínculo conjugal permanente passou a ser vitalício....pela preciptação do nosso legislador ao transportar normas alienígenas sem a devida cautela e o necessário conhecimento”. Sérgio Gischkow Pereira também considerou presente a possibilidade da transferência da obrigação alimentar, consoante se vê da sua lição de então: “o art. 402 do CC brasileiro consagrava o princípio da intransmissibilidade da obrigação alimentar. A meu sentir foi totalmente revogado pelo art. 23 da Lei 6.515, de 26.12.1977, que dispõe precisamente o contrário.”[40]
Enfim, a vasta menção às diversas opiniões dá conta do tamanho da controvérsia que veio junto com o artigo 23 da Lei de Divórcio.
Não obstante, com o passar do tempo prevaleceu na doutrina e na jurisprudência certo consenso em torno da ideia de que a obrigação alimentar não se transmitia ao herdeiro nem tampouco ao ex-cônjuge, mas tão somente a dívida alimentar já vencida.
É o que esclarece Rodrigo da Cunha Pereira:
“Até o advento do Código Civil de 2002, a discussão sobre a intransmissibilidade girava em torno do encontro, ou desencontro, dos arts. 23 da Lei n. 6.515/77 e 1.796 do CCB/1916. Entretanto, a doutrina e jurisprudência já tinha como pacífica a intransmissibilidade, pois o que se entendia por transmissível era apenas a dívida pretérita de alimentos. A obrigação alimentar, por seu turno, era estancada quando da morte do credor...”[41]
Pois bem, o artigo 1.700 do Código Civil de 2002 estabeleceu que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”.
Note-se, em primeiro lugar, que o dispositivo faz menção ao artigo 1.694, que trata conjuntamente dos alimentos devidos entre parentes e entre ex-cônjuges e ex-companheiros.
Assim, o argumento outrora usado no sentido de que o regramento para alimentos entre parentes era diferente do regramento para alimentos entre ex-cônjuges e ex-companheiros, caiu por terra.
O artigo 1.700 é claro ao prever a transmissibilidade, não só em relação às dívidas vencidas, mas da própria obrigação alimentar. Vale dizer: mesmo que quando do falecimento do obrigado a prestar alimentos ainda não tenha sido estabelecida por sentença a obrigação alimentar, isso pode ocorrer posteriormente(após o morte do obrigado), sendo o espólio o responsável pela obrigação.
Esse o entendimento de Sérgio Gilbert Porto, acrescentando que, por força do contido nos artigos 1.792[42] e 1.997[43] do Código Civil, a obrigação está limitada às forças da herança:
“Deste quadro legislativo emerge a circunstância de que – diversamente do sistema anterior, que previa a intransmissibilidade e, por decorrência, permitia a construção de que o art. 23 da Lei do Divórcio autorizava apenas e tão somente a transmissibilidade da obrigação alimentar nas obrigações derivadas do casamento -, agora, a regra do Código Civil também é da transmissibilidade, portanto a obrigação alimentar transmite-se aos herdeiros do devedor na forma do art. 1.694, ou seja, sejam os alimentos decorrentes do parentesco ou das relações de afinidade. Em qualquer hipótese, contudo, respeitadas as forças da herança, consoante estabelecido pelos arts. 1.792 de 1.997 do CC/2002, bem como, evidentemente, o binômio necessidade-possibilidade. Estando aí a possibilidade representada exatamente pelas chamadas forças da herança.”[44]
Já Rolf Madaleno entende que há transmissão somente da dívida alimentar pré-constituída, haja vista que a lei prevê a transmissão da obrigação alimentar preexistente e não a transmissão do dever genérico de prestar alimentos:
“Os herdeiros não respondem pessoalmente pela dívida alimentar do sucedido, e só estão obrigados pela transmissão da dívida alimentar pré-constituída reconhecida em acordo judicialmente homologado, por sentença condenatória, ou se o credor era naturalmente dependente do de cujus, como no caso de um filho menor, ou de um ex-cônjuge, ao qual prestava alimentos, mesmo em caráter informal, haja vista se dar pela lei a transmissão da obrigação alimentar preexistente, e não a transmissão do dever genérico de prestar alimentos àqueles que deles oportunamente vierem a necessitar.”[45]
E, em recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, transcrito na Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, editada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), prevaleceu o entendimento de que não há transmissão do dever jurídico em abstrato de prestar alimentos:
“Ação de Alimentos. Recurso Especial. Exame de Matéria Constitucional. Inviabilidade. Omissão. Inexistência. Ação de Alimentos Proposta por Menor em Face do Espólio de seu Genitor. Inexistência de Acordo ou Sentença Fixando Alimentos por Ocasião do Falecimento do Autor da Herança. Ilegitimidade Passiva do Espólio.
1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional.
2. Os alimentos ostentam caráter personalíssimo, por isso, no que tange à obrigação alimentar, não há falar em transmissão do dever jurídico (em abstrato) de prestá-los.
3. Assim, embora a jurisprudência desta Corte Superior admita, nos termos dos arts. 23 da Lei do Divórcio e 1.700 do Código Civil, que, caso exista obrigação alimentar preestabelecida por acordo ou sentença – por ocasião do falecimento do autor da herança -, possa ser ajuizada ação de alimentos em face do Espólio, de modo que o alimentando não fique à mercê do encerramento do inventário para que perceba as verbas alimentares, não há cogitar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. Precedentes.
4. De todo modo, em sendo o autor da herança servidor público ou militar, no que tange à verba alimentar superveniente ao óbito, o procedimento adequado para o recebimento, por seu dependente, consiste no requerimento administrativo de pensão ao órgão pagador do de cujus.
5. Recurso especial não provido.
(Resp 1.130.742; Proc. 2009/0057352-0; 4º T.; Rel. Min. Luís Felipe Salomão; DJE 17/12/2012).”[46]
Assim, apesar da brusca mudança trazida pelo artigo 1.700 do Código Civil no sentido de tornar a obrigação alimentar transmissível, a jurisprudência tende a manter o entendimento que adotara sob a égide do Código Civil antigo, isto é, se, ao tempo do óbito do alimentante não tiver sido fixada, por sentença ou acordo, a obrigação alimentar, não há transmissão dessa obrigação aos herdeiros nem ao cônjuge/companheiro.
E isso porque, conforme sintética e precisa explicação de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, contida no corpo do acórdão transcrito, no artigo 402 “se trata de transmissão de obrigação alimentar, e não de criação de obrigação alimentar, para os herdeiros do devedor, o que pressupõe alimentos já estabelecidos por sentença. Não há, desse modo, como se conceber possível ‘transmissão’ de dever (em abstrato) de prestar alimentos”.
Os alimentos, em regra, são irrepetíveis.
Na lição de Pontes de Miranda, os “alimentos recebidos não se restitituem, ainda que o alimentário venha decair da ação na mesma instância, ou em grau de recurso. Ainda que se preste durante a sociedade conjugal em casamento nulo ou anulável, são irrepetíveis os alimentos prestados pelo marido ou pela mulher, por se tratar de prestação de dever moral.”[47]
Salienta Maria Berenice Dias que:
“Talvez um dos mais salientes princípios que regem o tema dos alimentos seja o da irrepetibilidade. Como se trata de verba que serve para garantir a vida, destina-se à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência. Assim, inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil de sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador não se preocupou sequer em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é por todos aceitos mesmo não constando no ordenamento jurídico.”[48]
Em coerente raciocínio, acrescenta a autora que mesmo nos casos de revisão do valor da pensão para menor e nos casos de exoneração, não há restituição, pois isso serviria de desestímulo ao pagamento. Nessas hipóteses, havendo redução ou exoneração, o efeito disso será ex-nunc, ou seja, somente em relação às pensões futuras:
“A irrepetibilidade também se impõe para desestimular o inadimplemento. A exclusão dos alimentos ou a alteração para menor do valor da pensão não dispõe de efeito retroativo. O ingresso da demanda revisional intentada pelo alimentante não pode servir de incentivo a deixar de pagar os alimentos ou a proceder à redução do seu valor do modo que melhor lhe aprouver. O novo valor passa a vigorar tão somente com referência aos valores vincendos.”[49]
Abordando, entretanto, o outro lado da moeda, comenta Rodrigo da Cunha Pereira que “os casos mais comuns em que se busca a restituição é nas ações exoneratórias ou revisionais de alimentos. Por esta razão, e pelo Princípio que veda o enriquecimento ilícito, a doutrina vem repensando esta característica, pois o credor dela se vale para protelar cada vez mais o processo judicial e, por conseguinte, prolongar o tempo em que o alimentando faz jus às prestações alimentícias, postergando uma sentença de mérito. A ilicitude do enriquecimento, repudiada pelo Direito, advém do recebimento da prestação alimentícia, quando inexiste necessidade desta, isto é, quando o credor tem condições de arcar com o próprio sustento.” [50]
E traz o doutrinador a lição de Rolf Madaleno nesse sentido:
“Soa sobremaneira injusto não restituir alimentos claramente indevidos nesse estágio de independência do credor, em notória infração do ‘não-enriquecimento sem causa’.”[51]
Yussef Said Cahali, após frisar serem irrepetíveis os alimentos, apresenta, entretanto, hipótese de repetição, fazendo menção a decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Não será, porém, de excluir-se eventual repetição de indébito se, com a cessação ope legis da obrigação alimentar, a divorciada oculta dolosamente seu novo casamento, beneficiando-se ilicitamente das pensões que continuaram sendo pagas: com o novo casamento, a divorciada perde, automaticamente, o direito à pensão que vinha recebendo do ex-marido, sem necessidade de ação exoneratória; as pensões acaso recebidas a partir do novo casamento deixam de ter caráter alimentar e, resultando de omissão dolosa, sujeitam-se à repetição.”[52]
Pertinente, ainda, transcrever acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, exarado na Apelação n° 630420-3, em janeiro de 2010, no sentido de que, havendo má-fé do alimentando, deve haver devolução dos alimentos.
“APELAÇÃO CÍVEL Nº. 630420-3 DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 3ª VARA DE FAMÍLIA
APELANTE:L.C.D.F.
APELADO:L.S.F.
RELATOR:DES.COSTA.BARROS
ALIMENTOS - EXONERAÇÃO - EX-ESPOSA - NOVA UNIÃO - CONFIRMAÇÃO - DATA CONTROVERTIDA - REPETIÇÃO DOS ALIMENTOS - POSSIBILIDADE - SUCUMBÊNCIA-REDISTRIBUIÇÃO.
RECURSO PROVIDO EM PARTE.
Com a confirmação pela ex-esposa da união estável, exonera-se o alimentante, ex-marido, da obrigação referente à pensão alimentícia a partir de então, sendo ainda cabível a repetição daquela prestada indevidamente.
Sendo cabe litigante vencedor e vencido, devem ser proporcionalmente distribuídos e compensados os honorários e as despesas processuais.“
E, no corpo do acórdão, nota-se expressa referência ao caráter determinante da má-fé da alimentanda para ocasionar a devolução dos alimentos, havendo citação, inclusive, à lição de Yussef Said Cahali:
“Assim sendo, o fato da ré continuar recebendo alimentos após sua convivência com o novo companheiro, caracteriza sua má-fé, cabendo, nesse caso, a devolução dos valores auferidos indevidamente, nos termos do disposto no art. 187 do Código Civil, que reprime o exercício abusivo de um direito, punindo-se a postural desleal, art. 422 do mesmo diploma.
Ao tratar da irrepetibilidade dos alimentos, Yussef Said Cahali.
"Não será, porém, de excluir-se eventual repetição de indébito se, com a cessação ope legis da obrigação alimentar, a divorciada oculta dolosamente eu novo casamento, beneficiando-se ilicitamente das pensões que continuaram sendo pagas: com o novo casamento, a divorciada perde, automaticamente, o direito à pensão que vinha recebendo do ex-marido, sem necessidade de ação exoneratória; as pensões acaso recebidas a partir do novo casamento deixam de ter caráter alimentar e, resultando de omissão dolosa, sujeitam-se à repetição".
Enfim, sem sombra de dúvida a regra é a não restituição dos alimentos. Entretanto, essa regra comporta exceções.
Havendo enriquecimento ilícito, e, sobretudo, comprovada a má-fé do alimentando, o que será apurado caso a caso, pode haver restituição dos alimentos.
6. PARÂMETROS PARA VALORAÇÃO DOS ALIMENTOS
Os alimentos, em regra, devem abranger as necessidades materiais e imateriais, levando-se em conta a possibilidade do alimentante e necessidade do alimentando.
Dispõe o § 1º do artigo 1.694 do Código Civil que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
Nota-se que dois fatores são, portanto, primordiais na fixação do valor dos alimentos: (i) possibilidade do obrigado e (ii) necessidade do beneficiado.
Sobre a necessidade, ensina Yussef Said Cahali:
“Para além da existência do vínculo de família, a exigibilidade da prestação alimentar pressupõe que o titular do direito não possa manter-se por si mesmo, ou com o seu próprio patrimônio; assim, só serão devidos alimentos quando aquele que os reclama não tem bens, nem pode prover, pelo seu trabalho, à próprio mantença (CC, art. 1.695)”
A Ministra Nancy Andrighi, em acórdão proferido no REsp 933.355/SP, de 11.04.2008, enfrentou o tema da necessidade, mencionando os parâmetros para detectá-la, quais sejam, a ausência de bens do pretenso alimentando e sua incapacidade de manter o próprio sustento através de seu trabalho:
“Direito civil. Família. Revisional de alimentos. Reconvenção com pedido de exoneração ou, sucessivamente, de redução do encargo. Dever de mútua assistência. Divórcio. Cessação. Caráter assistencial dos alimentos. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia. Condição social. Análise ampla do julgador. Peculiaridades do processo.
(...)
Dessa forma, em paralelo ao raciocínio de que a decretação do divórcio cortaria toda e qualquer possibilidade de se postular alimentos, admite-se a possibilidade de prestação do encargo sob as diretrizes consignadas nos arts. 1.694 e ss. do CC/02, o que implica na decomposição do conceito de necessidade, à luz do disposto no art. 1.695 do CC/02, do qual é possível colher os seguintes requisitos caracterizadores: (i) a ausência de bens suficientes para a manutenção daquele que pretende alimentos; e (ii) a incapacidade do pretenso alimentando de prover, pelo seu trabalho, à própria mantença.
Quanto à ausência de bens por parte do alimentando, deve ser acrescentado que não necessariamente o fato de possuir ele bens será indicativo certo de que não necessita de alimentos.
Não raro, a propriedade de um bem traz mais ônus do que bônus. Um aparente bom imóvel pode trazer consigo, por exemplo, um valor expressivo de Imposto Predial Urbano, sem que, em contrapartida, implique em renda para o proprietário.
Como não poderia deixar de ser em direito de família, a casuística exerce enorme influência para se chegar a uma conclusão.
Como bem pontua Yussef Said Cahali, ao cuidar do tema, “o pressuposto da necessidade do alimentando somente se descaracteriza se referidos bens de que é titular se mostram hábeis para ministrar-lhe rendimento suficiente a sua mantença; ou não se mostra razoável exigir-lhe a conversão de tais bens em valores monetários capazes de atender aos reclamos vitais do possuidor.”[53]
Acrescente-se que na apuração das necessidades do alimentando deve se objetivar a manutenção do padrão de vida do qual ele sempre gozou.
É o que consta no caput do artigo 1.694 do Código Civil.[54]
Todavia, parte da doutrina observa que a manutenção do padrão diz respeito tão somente à obrigação alimentar entre parentes, já que, no caso de cônjuges/companheiros, a separação implicará divisão de bens, o que acarretará declínio no padrão de vida. É o que sustenta Rodrigo da Cunha Pereira:
“Além do que constou, é de todo pertinente salientar que a jurisprudência vinha, no que diz respeito aos filhos e demais descendentes, admitindo fixação de alimentos em seu favor, aos efeitos de manter o mesmo nível ou padrão de vida que seus ascendentes, e esta situação agora é regulada no plano legislativo, haja vista que o caput do art. 1.694 do CC/2002 expressamente assim estabelece. Vale dizer, aos filhos é assegurado o direito de desfrutarem da mesma condição social dos pais.
No entanto, no que diz respeito aos cônjuges, tal orientação não encontra sólido respaldo, haja vista que a simples circunstância de haver separação, por regra, determina partilha e/ou de recursos, resultando, portanto, razoável compreender-se que a divisão importa, por si só, em perda e, consequentemente, em declínio de padrão. Portanto, difícil não resultar de uma separação judicial, decréscimo no contexto sociopatrimonial, circunstância que refletirá, necessariamente, no eventual arbitramento de alimentos em favor de um dos cônjuges.
Igualmente, Maria Berenice Dias ressalta que a uniformidade de tratamento conferida pela lei aos alimentos não afasta a distinção de quantificá-los segundo a natureza do vínculo obrigacional:
“A uniformidade de tratamento conferida pela lei ao instituto dos alimentos não afastou a distinção já consolidada na jurisprudência, de quantificá-los segundo a natureza do vínculo obrigacional. Aos descendentes, a pensão deve ser fixada de forma proporcional aos rendimentos do alimentante. Chega-se a definir o filho como “sócio do pai”, pois tem ele direito de manter o mesmo padrão de vida ostentado pelo genitor.
(...)
Aos filhos os pais devem alimentos civis. Em sendo alimentos de origem diversa, são devidos alimentos naturais. Ao cônjuge e ao convivente a verba alimentar é fixada com mais parcimônia, destinando-se ao atendimento das necessidades de sobrevivência com dignidade. O cônjuge credor não se beneficia da ascensão econômico-financeira do devedor. Só poderá buscar majoração da pensão se houver aumento de suas necessidades, não em razão da melhoria de vida do alimentante.”[55]
Entretanto, essa interpretação é, data venia, questionável.
Isso porque o parágrafo segundo o artigo 1.694 prevê que somente diante da presença da culpa é que serão devidos alimentos naturais ao cônjuge culpado pela separação.[56]
Assim, o raciocínio deve ser inverso, ou seja, a priori, os alimentos ao ex-cônjuge/companheiro são civis. Somente diante de culpa, serão naturais.
Em relação à tese de que o valor dos alimentos dos ex-cônjuges/companheiros não objetivam manter o mesmo padrão de vida uma vez que a partilha de bens reduz o padrão do ex-cônjuge/companheiro, vale pontuar que isso pode até ocorrer, mas é mera casuística. Caso ocorra, o valor da pensão acabará por não manter o padrão de quando as partes eram casadas (ou viviam em união estável), mas isso será consequência da diminuição da possibilidade das partes, e não porque o valor dos alimentos deva variar conforme a natureza do vínculo.
Inexistindo bens a partilhar, por exemplo, não se pode afirmar que o padrão será diminuído com a separação e, portanto, a manutenção do mesmo não deva ocorrer.
Lembre-se que o art. 1.694 do CC/2002 trata de forma uniforme os alimentos seja qual for a natureza do vínculo.
Acredita-se, consequentemente, que a regra é a de que o valor dos alimentos deve manter o padrão antes desfrutado pelo alimentando independentemente da natureza do vínculo.
Em alguns casos, contudo, isso pode não ocorrer, como na hipótese da partilha empobrecer as partes (e diminuir-lhe a possibilidade) ou na hipótese de culpa pelo responsável pelo término da relação.
Esclareça-se, ainda, que a doutrina entende ser irrelevante apuração da causa que conduziu o alimentando ao estado de necessidade, segundo informa Yussef Said Cahali.[57]
Entretanto, isso dependerá, outra vez, do caso colocado sub judice. Na hipótese de o alimentando, por exemplo, propositalmente ter se colocado na situação de necessidade, evidentemente isso deverá ser levado em consideração no momento da apuração do valor da pensão.
Já em relação à possibilidade do alimentante, “é necessário que a pessoa de quem se reclamam os alimentos posso fornecê-los sem privação do necessário ao seu sustento”, como, mais uma vez, ensina Yussef Said Cahali.[58]
Esclarecedora a observação de Washington de Barros Monteiro, transcrita por Cahali, no sentido de que “a lei não quer o perecimento do alimentado, mas também não deseja o sacrifício do alimentante; não há direito alimentar contra quem possui o estritamente necessário à própria subsistência”.[59]
A apuração da possibilidade do alimentante será tarefa bem mais simples nos casos em que tiver ele emprego formal com registro em carteira de trabalho.
Já quando isso não ocorrer, deverão ser considerados os chamados “sinais exteriores de riqueza”, usando o juiz as regras de experiência.
É conhecido o critério jurisprudencial de que a pensão alimentícia deve corresponder a um terço dos rendimentos do alimentante. Mas, não é demais lembrar que esse percentual não é obrigatório e pode, evidentemente, não ser adotado em determinados casos.
Merece ser lembrado, por fim, que o princípio da proporcionalidade é o vetor para fixação dos alimentos, podendo-se falar, inclusive, no trinômio proporcionalidade-possibilidade-necessidade.
É o que ensina Maria Berenice Dias:
“A regra para a fixação (CC 1.694 § 1º e 1695) é vaga e representa apenas um standard jurídico. Dessa forma, abre-se ao juiz um extenso campo de ação, capaz de possibilitar o enquadramento dos mais variados casos individuais. Para definir valores, há que se atentar ao dogma que norteia a obrigação alimentar: o princípio da proporcionalidade. Esse é o vetor para a fixação dos alimentos. Tradicionalmente, invoca-se o binômio necessidade-possibilidade do alimentante para estabelecer o valor da pensão. No entanto, essa mensuração é feita para que se respeite a diretriz da proporcionalidade-possibilidade-necessidade.”[60]
7. CONCLUSÕES
Os alimentos estão diretamente relacionados com a manutenção de uma vida digna e decorrem da solidariedade humana, altamente valorizada no seio das entidades familiares, entidades nas quais seus membros devem ocupar posição de destaque.
Independentemente de sua causa jurídica, há parcial compartilhamento de normas a reger a disciplina dos alimentos advindos de causas jurídicas diferentes, não obstante existam também diferenças.
Os alimentos naturais e civis se distinguem, muito embora no estágio atual da sociedade não seja tarefa simples separar as necessidades humanas essenciais das dispensáveis.
A distinção entre alimentos provisórios e provisionais é tênue e mais procedimental do que essencial, sendo ambos fixados de forma antecipada.
Os alimentos são direitos personalíssimos, uma vez que visam a manutenção da vida e, portanto, são tutelados por normas de ordem pública.
A irrenunciabilidade é característica dos alimentos. Mas, apesar de dispor o Código Civil que são eles irrenunciáveis, há controvérsia quanto à validade da renúncia dos alimentos devidos entre ex-cônjuges/companheiros. A jurisprudência entende que, havendo renúncia quando do divórcio, ela é válida, já que o divórcio põe fim ao vínculo matrimonial. Em relação aos alimentos devidos em função das relações de parentesco, são irrenunciáveis.
A intransmissibilidade é outra característica da obrigação alimentar que, entretanto, gera controvérsias. O Código Civil de 2002 alterou radicalmente o que dispunha o antigo Código e previu que a obrigação alimentar passava a ser transmissível. Parte da doutrina entende, então, que há transmissão da obrigação, trate-se de alimentos entre parentes ou conjugais e ainda que a obrigação não tenha sido estabelecida por sentença ou acordo quando do falecimento do alimentante. Outra parcela da doutrina entende que, se por ocasião da morte do alimentante ainda não houver obrigação alimentar estabelecida pelo Juízo ou por acordo, a obrigação não pode ser transmitida ao herdeiro, pois o Código prevê a transmissão e não a criação de obrigação aos herdeiros. Não se transmitiria o dever genérico de alimentos. Haveria transmissão somente da dívida pretérita existente quando do falecimento. A jurisprudência do STJ pende para esse segundo entendimento. Em qualquer caso, a obrigação está sempre limitada às forças da herança.
A irrepetibilidade dos alimentos também é mais uma de suas características. Em regra, os alimentos são irrepetíveis. Mas, em situações excepcionais nas quais há enriquecimento ilícito e má-fé do alimentando, pode haver devolução dos alimentos. Doutrina e jurisprudência convergem nesse sentido.
Por fim, em relação aos parâmetros para a fixação do valor dos alimentos, deverá ser levado sempre em consideração o trinômio proporcionalidade-possibilidade- necessidade, ou seja, de um lado apuram-se as necessidades do alimentando e, de outro, de forma proporcional, as possibilidades do alimentante. A fixação do valor deve objetivar, ainda, a manutenção do padrão de vida do alimentando.
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[1] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 821.
[2] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Alimentos no código civil, coord. Francisco José Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 3.
[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 451.
[4] Ob. cit., p. 2.
[5] Ob. cit., p. 450.
[6] CAHALI, Said Yussef. Dos alimentos. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999, p. 16.
[7] Ob. Cit., pág. 16.
[8] Dispõe o parágrafo segundo do artigo 1.694, do Código Civil que “os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.”
[9] Ob. cit., p. 18.
[10] Ob. cit., p. 18.
[11] Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
[12] Ob. cit., p. 16/17.
[13] Ob. cit., p. 928/929.
[14] Ob. cit., p. 21.
[15] PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 4ª ed. São Paulo: RT 2011.
[16] Ob. cit., p. 23.
[17] Ob. cit., p. 25.
[18] Segundo esse jurista: “Dizem-se provisionais, provisórios ou in litem os alimentos que, precedendo ou concomitantemente à ação de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento, ou ainda à própria ação de alimentos, são concedidos para a manutenção do suplicante(...) Dizem-se regulares, ou definitivos, aqueles estabelecidos pelo juiz ou mediante acordo das próprias partes...Ob. cit., p. 26.
[19] Ob. cit., p. 828.
[20] Ob. cit., p. 618.
[21] Ob. cit., p. 620.
[22] Ob. cit., p. 620.
[23] Ob. cit., p. 80.
[24] Ob. cit., p. 83.
[25] Ob. cit., p. 80.
[26] Ob. cit., p. 80.
[27] Ob. cit., p. 488.
[28] Ob. cit., p. 5.
[29] Ob. cit., p. 453.
[30] Ob. cit., p. 47.
[31] Ob. cit., p. 866.
[32] Ob. cit., p. 870.
[33] CAHALI, Francisco José e PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 264/265.
[34] Ob. cit., p. 329.
[35] Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
[36] Ob. Cit., p. 5.
[37] É que atualmente a obrigação alimentar, tanto entre parentes como entre cônjuges e entre companheiros está prevista no art. 1.694 do Código Civil, artigo, aliás, referido no julgado. Assim, se o fundamento para que a renúncia seja permitida entre cônjuges e companheiros e vedada entre parentes é a localização topológica dos artigos, esse argumento não mais subsistiria diante da previsão de obrigação alimentar encontrar-se fundida no art. 1.707.
[38] Abra-se parêntese para lembrar a controvérsia que envolve o debate sobre o fim ou não da separação judicial face ao advento da emenda 66/2010. Para alguns, a separação judicial não mais subsiste com o surgimento dessa emenda, motivo pelo qual nem se cogitaria então da validade ou não da renúncia quando da separação. Nesse caso, seria válida a renúncia quando do divórcio.
[39] “Art. 402. A obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor.”
[40] Ob. cit., p. 46/47.
[41] Ob. cit., p. 8.
[42] Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
[43] Art. 1997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção na parte que na herança lhe couber.
[44] Ob. cit., p. 49.
[45] Ob. cit., p. 844.
[46] Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, n. 32. Belo Horizonte: IBDFAM, p. 149.
[47] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, t. IX, p. 239.
[48] Ob. cit., p. 455.
[49] Ob. cit., p. 455/456.
[50] Ob. cit., p. 12.
[51] Ob. cit., p. 12.
[52] Ob. cit., p. 106.
[53] Ob. cit., p. 510.
[54] Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
[55] Ob. cit., p. 481.
[56] Lembrando sempre que parte significativa da doutrina entende que, com o advento da emenda 66/2010, a discussão da culpa foi extirpada do ordenamento.
[57] Ob. cit., p. 514.
[58] Ob. cit., p. 515.
[59] Ob. cit., p. 515.
[60] Ob. cit., p. 482
Advogado. Especialista em Direito do Consumidor pela PUC/SP. Pós-graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Mestrando em Direito Civil pela PUC/SP.<br> <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIRRE, Caio Eduardo de. Alimentos: aspectos gerais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41906/alimentos-aspectos-gerais. Acesso em: 22 nov 2024.
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