Resumo: O presente estudo visa sistematizar as principais alterações realizadas no Regime Próprio de Previdência Social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, a partir das modificações introduzidas pelas Emendas Constitucionais nº 20/1998, 41/2003 e 47/2005. Busca, na introdução, situar o Regime Próprio dentro do modelo previdenciário adotado pelo Brasil, diferenciando-o dos demais regimes existentes. Após, objetiva descrever, de forma simples e concisa, as principais mudanças na Constituição que causaram maior impacto no sistema previdenciário dos servidores, notadamente as concernentes à contribuição dos inativos e pensionistas e à modificação dos requisitos para aposentadoria e percepção de proventos. Conclui-se, por fim, que as reformas empreendidas têm como intuito aproximar os beneficiários do Regime Próprio aos do Regime Geral de Previdência Social, colocando-os, pouco a pouco, no mesmo patamar.
Palavras-chave: regime, próprio, previdência, servidores, reforma.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Características do Regime Próprio de Previdência Social. 2.2.Descrição do custeio do Regime Próprio de Previdência Social. 2.3.Benefícios do Regime Próprio de Previdência Social: requisitos e proventos pós-reforma. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A fim de desempenhar as funções de interesse público que lhe competem, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas entidades da Administração Indireta se valem da atuação de agentes públicos, dentre os quais estão presentes os servidores públicos, objeto deste estudo.
São servidores públicos “todos aqueles que prestem serviço aos entes estatais, que mantenham vínculo de trabalho profissional com as entidades governamentais e cuja remuneração seja paga pelos cofres públicos” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2012, p. 12).
Os servidores públicos podem ser civis ou militares. Dentre os civis, destacam-se os estatutários, trabalhistas e temporários.
Assim, a depender se o servidor público é detentor de cargo público efetivo ou de provimento em comissão, tem sua admissão baseada em um contrato regido pela CLT ou foi contratado por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, estará ele vinculado à Administração Direta, autárquica ou fundacional por meio do regime jurídico estatutário, trabalhista ou especial, que disciplinará os seus direitos e deveres em face do ente público.
O regime jurídico estatutário está previsto, na esfera federal, na Lei nº 8.112/1990. O regime jurídico trabalhista baseia-se nas normas da CLT e, apenas em âmbito federal, nos dispositivos constantes da Lei nº 9.962/2000. O regime especial tem fundamento no art. 37, IX da CRFB/88 e é regulado na esfera federal pela Lei nº 8.745/1993.
Em relação ao regime jurídico dos servidores públicos, é relevante mencionar a modificação do caput do art. 39 da CRFB/88, trazida pela EC nº 19/1998, que acabou com o Regime Jurídico Único, cujo conteúdo, atualmente, encontra-se com sua eficácia suspensa em razão de decisão cautelar exarada na ADI nº 2135. Foram dados efeitos ex nunc ao acórdão referido, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa.
Portanto, atualmente, vige a redação anterior do caput do art. 39 que, desde a promulgação da Constituição de 1988, determina a adoção de Regime Jurídico Único, sem impingir que este seja estatutário ou celetista. União, Estados, Distrito Federal e Municípios detêm autonomia para escolher qual regime é mais consentâneo com o interesse público a ser aplicado a todos os servidores atuantes em seu âmbito.
Não obstante, conforme acima consignado, as admissões já realizadas com base na redação suspensa do art. 39, caput da CRFB/88 se mantêm e, desse modo, uma mesma pessoa jurídica de direito público pode ter servidores vinculados a regimes jurídicos diversos. Nesse diapasão, os servidores vinculados ao regime trabalhista não podem exercer atividades típicas de Estado, devendo desempenhar funções afetas às atividades-meio, auxiliando no atendimento ao interesse público.
Adentrando ao tema desta pesquisa, os sistemas de previdência social dos servidores públicos sofreram importantes modificações com a edição das Emendas Constitucionais nº 20/1998, 41/2003 e 47/2005. O presente trabalho busca analisar, ainda que sucintamente, as principais transformações ocorridas.
Aos servidores públicos titulares de cargo efetivo ou vitalício da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, e de suas autarquias e fundações públicas é assegurado Regime Próprio de Previdência Social, cujas regras estão previstas no art. 40 da CRFB/88 e nas Leis nº 8.112/90, 9.717/98 e 10.887/2004. Seu exame será desenvolvido no próximo item.
Já os servidores cujos direitos e obrigações decorrem da relação de trabalho regida pela CLT, trabalhadores temporários e ocupantes exclusivamente de cargos em comissão estarão atrelados ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, consignado no art. 201 da CRFB/88 e nas Leis nº 8.212/91 e 8.213/91. Também se submetem ao RGPS os empregados públicos das pessoas jurídicas de direito privado (sociedades de economia mista e empresas públicas) que, tecnicamente, não são servidores públicos, os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores de entes federativos que não detêm regime próprio de previdência.
Os militares das Forças Armadas possuem regime próprio de Previdência disposto na Lei nº 3.765/1960.
Esses regimes previdenciários são caracterizados pela compulsoriedade, ou seja, são de filiação obrigatória e as contribuições a ele versadas têm natureza de tributo.
Todavia, de caráter facultativo é a participação no regime de Previdência Complementar, que pode ser público ou privado e, este último, aberto ou fechado.
Em apertada síntese, a Previdência Complementar pública está contida nos §§ 14 a 16 do art. 40 da CRFB/88, que foram introduzidos pelas EC nº 20/1998 e 41/2003, e sua implantação, na esfera federal, apenas foi possível com a edição da Lei nº 12.618/2012, aplicáveis aos servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive para os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público da União e do Tribunal de Contas da União. A sua sistemática será explicitada no tópico seguinte.
A Previdência Complementar privada está delineada no art. 202 da CRFB/88 e nas Leis Complementares nº 108/2001 e 109/2001.
A LC nº 109/2001 preconiza que o sistema será denominado aberto se for acessível a qualquer pessoa. É realizado por seguradoras autorizadas a operar no ramo vida, que se constituem sob a forma de sociedade anônima. Será, porém, fechado se os beneficiários apenas forem vinculados a determinadas empresas, grupo de empresas ou mesmo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas controladas direta ou indiretamente, quando o ente governamental for patrocinador de entidade fechada de previdência complementar que será constituída sob a forma de fundação privada ou sociedade civil sem fins lucrativos, os chamados fundos de pensão. Como exemplos, podem ser citados a Caixa de Previdência dos funcionários do Banco do Brasil - PREVI, a Fundação Petrobrás de Seguridade Social – PETROS e o Plano de Benefícios Previdenciários dos Advogados do Rio de Janeiro - OABPrev-RJ.
Seus planos são estabelecidos mediante convênio entre a entidade patrocinadora ou instituidora e a entidade fechada de previdência. Nos exemplos acima mencionados, o Banco do Brasil e a Petrobrás contribuem com o aporte de recursos para o fundo e a OAB/RJ e a CAARJ, instituidoras do OABPrev-RJ, apenas organizam o plano, sem contribuir.
A fiscalização das entidades fechadas de previdência complementar será feita pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, através da Secretaria de Previdência Complementar, enquanto que o controle das entidades abertas é encargo do Ministério da Fazenda e da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
2. Desenvolvimento
2.1 Características do Regime Próprio de Previdência Social
O Regime Próprio dos servidores públicos está estabelecido no art. 40 da CRFB/88, que sofreu inúmeras modificações com o advento das Emendas Constitucionais nº 20/1998, 41/2003 e 47/2005.
O regime próprio, como acima explicitado, é aplicável aos servidores ocupantes de cargos efetivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive suas autarquias e fundações públicas.É um sistema contributivo e solidário, mediante a contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos, inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
O caráter contributivo do regime próprio foi inaugurado com a edição da EC nº 3/1993, que introduziu o § 6º no art. 40 da CRFB/88, para fixar que “as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei”.
Portanto, a partir daí, a percepção dos benefícios do sistema passou a ser vista como direito de natureza eminentemente previdenciária, ou seja, dependente de contribuição, o que já era assente no Regime Geral de Previdência Social, abandonando a ideia de “direito vinculado ao exercício do cargo público, financiado inteiramente pelo Poder Público, sem contribuição do servidor” (DI PIETRO, 2009, p. 551).
A solidariedade ou pacto intergeracional significa que o custeio dos benefícios pagos aos inativos será feito pelas contribuições dos segurados ativos que, por sua vez, esperam que as concessões de seus benefícios, no futuro, quando na inatividade, sejam financiadas pela geração seguinte. A menção expressa a esse princípio no caput do artigo em comento veio com a edição da EC nº 41/2003, que, por via transversa, pretendeu dar fundamento à contribuição dos inativos e pensionistas, que será estudada adiante.
Quanto à conceituação do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, salienta-se que:
o equilíbrio atuarial é alcançado quando as contribuições para o sistema proporcionem recursos suficientes para custear os benefícios futuros assegurados pelo regime. Para tanto, utilizam-se projeções futuras que levam em consideração uma série de hipóteses atuariais, tais como a expectativa de vida, entrada em invalidez, taxa de juros, taxa de rotatividade, taxa de crescimento salarial, dentre outros, incidentes sobre a população de segurados e seus correspondentes direitos previdenciários. (GUSHIKEN apud MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012, p. 156-157).
Para realizar essa avaliação é essencial distinguir os dois sistemas de financiamento da previdência social: o de repartição simples e o de capitalização.Quanto ao regime de repartição simples ou de caixa, Di Pietro assevera que:
é regime solidário onde os ativos (geração atual) pagam os benefícios dos inativos (geração passada) na esperança de que a geração futura (novos trabalhadores a ingressarem no mercado de trabalho) pague os seus quando se aposentarem. Esta é a razão pela qual este sistema de financiamento previdenciário também é conhecido como sistema de pacto de gerações. (DI PIETRO, 2009, p. 579).
Já o regime de capitalização “consiste em determinar as contribuições necessárias e suficientes a serem arrecadadas ao longo do período laborativo do segurado para custear a sua própria aposentadoria” (GUSHIKEN apud DI PIETRO, 2009, p. 579). Pressupõe a formação de um fundo individual de reserva, que garanta a fruição do benefício no futuro. O valor do benefício será proporcional ao montante de contribuição, acrescido dos rendimentos do capital investido.
O Regime Geral de Previdência Social está fulcrado no regime de repartição simples, já a Previdência Complementar baseia-se no regime de capitalização.
Pode-se afirmar que o atual Regime Próprio de Previdência caracteriza-se por adotar regime misto, ou seja, provém da combinação dos dois sistemas de financiamento acima citados, posto que as regras de repartição simples valem para benefícios em quantia até o teto do RGPS, a partir do qual as regras de capitalização passam a viger.
Ainda, há dois modelos de planos previdenciários: o da contribuição definida e o do benefício definido.
Di Pietro explicita que “no plano de benefício definido, os riscos são assumidos pelo órgão ou entidade que administra o plano. No regime de contribuição definida, os riscos são assumidos pelo segurado” (DI PIETRO, 2009, p. 580).
O Regime Próprio de Previdência Social é de benefício definido, já que a CRFB/88 estabelece critérios a serem observados pelo legislador para cálculo dos proventos, deixando a cargo da legislação ordinária a fixação do importe da contribuição, enquanto que a previdência complementar dos servidores, na forma do que dispõe o art. 40, § 15 da CRFB/88, é do tipo contribuição definida.
Os princípios contidos no § único do art. 194 da CRFB/88 são aplicáveis aos Regimes Próprios, no que couber, tendo em vista a disposição do art. 40, § 12 da CRFB/88.
O Regime Próprio dos servidores públicos federais está previsto nas Leis nº 8.112/90, 9.717/98 e 10.887/2004.
Com a edição da EC nº 41/2003, que alterou a redação do art. 149, § 1º da CRFB/88, a instituição de regime previdenciário de caráter contributivo para os servidores ocupantes de cargo efetivo das demais esferas de governo se tornou obrigatória – em que pese o fato de que muitos Municípios ainda não a possuem -, definindo-se, ainda, que a alíquota da contribuição cobrada de seus servidores não será inferior à aplicada aos servidores titulares de cargos efetivos da União para o custeio de seu regime próprio, em evidente afronta à autonomia estadual e municipal e, consequentemente, ao pacto federativo.
Outrossim, as Leis nº 9.717/1998 e 10.887/2004, a par de conterem normas apenas aplicáveis em âmbito federal, dispõem acerca de normas gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos dos demais entes, cuja implantação depende da edição de lei específica na esfera de cada pessoa jurídica de direito público.
O art. 24, inciso XII da CRFB/88 assenta que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre previdência social, no que pertine ao regime próprio dos servidores, cabendo a União estabelecer normas gerais, sem prejuízo da competência suplementar dos Estados e Distrito Federal, na forma dos §§ 1º e 2º do dispositivo. Os Municípios têm competência para legislar supletivamente, nos termos do art. 30, II da CRFB/88.
A EC nº 20/98 acrescentou o art. 249 à CRFB/88, que estabelece a possibilidade de instituição de fundos de aposentadoria e pensão para administração dos recursos do regime previdenciário próprio dos servidores.
A mesma Emenda buscou, também, ao dispor que, no que couber, deverão ser observados os requisitos e critérios do regime geral de previdência social, a vinculação das contribuições sociais ao regime próprio, na esteira do que prevê o at. 167, XI da CRFB/88.
A EC nº 41/2003, ao incluir o § 20 no art. 40 da CRFB/88, assevera que “fica vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal, ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X”.
Outrossim, para conter o crescente déficit nos Regimes Próprios, outorgou à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a possibilidade de instituir regime de previdência complementar, nos termos do § 14 do art. 40 da CRFB/88, mediante a edição de lei de iniciativa do Poder Executivo de cada ente, com fulcro no § 15 do mencionado artigo.
No âmbito federal, a Lei nº 12.618/2012 disciplinou a previdência complementar para os servidores públicos titulares de cargo efetivo, aplicável apenas àqueles que ingressarem no serviço público após a instituição do novo regime. Para os demais, deverá haver expressa opção, na esteira do disposto no art. 40, § 16 da CRFB/88.
Trata-se de regime de previdência pública, de caráter facultativo e complementar, autônomo em relação ao regime próprio de previdência do servidor público, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado e disciplinado por lei complementar (LC nº 109/2001 e art. 202, caput, da CRFB/88).
A Previdência Complementar dos servidores públicos tem por objetivo limitar os benefícios de aposentadoria e pensão por morte ao teto previsto no art. 201 da CRFB/88, referente ao Regime Geral de Previdência Social, que, em 2014, é de R$ 4.390,24 (quatro mil, trezentos e noventa reais e vinte e quatro centavos), conforme art. 2º da Portaria MF nº 19/2014.
Portanto, o Poder Público possui o encargo de cobrir os benefícios limitados a este valor, deixando à Previdência Complementar a cobertura de montantes maiores.
Será administrada por meio de entidade fechada de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerá aos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida, consoante prescreve o § 15 do artigo em estudo.
O aporte de recursos pelos entes federativos patrocinadores não pode exceder ao valor das contribuições do segurado.
2.2Descrição do custeio do Regime Próprio de Previdência Social
De acordo com o art. 4º, caput e § 1º da Lei nº 10.887/2004, “a contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidentes sobre o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, (...)”.
Uma das mais discutidas alterações trazidas pela Reforma da Previdência foi a inclusão, pela EC nº 41/2003, no caput do art. 40, da necessária contribuição dos inativos e pensionistas que, juntamente com as contribuições do ente público e dos servidores ativos, compõem os recursos que serão utilizados para o pagamento dos benefícios, em nome dos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial.
Essa alteração foi, primeiramente, declarada inconstitucional, já que veiculada através de Lei ordinária (Lei nº 9.717/98), com fundamento na regra contida no art. 195, II da CRFB/88. Após a edição da referida Emenda Constitucional, foram interpostas as ADIs nº 3.105 e 3.128, que, no entanto, tiveram seus pedidos julgados improcedentes.
Segundo o voto do Min. César Peluso, a EC nº 41/2003 fez com que o regime próprio deixasse de “ser eminentemente contributivo para se tornar contributivo e solidário” e, segundo ele, “o regime previdenciário público tem por escopo garantir condições de subsistência, independência e dignidade pessoais do servidor idoso, mediante o pagamento de proventos da aposentadoria durante a velhice, e, conforme o artigo 195 da Constituição, deve ser custeado por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, o que bem poderia chamar-se princípio estrutural da solidariedade” (DI PIETRO, 2009, p. 587-588).
Todavia, muitos vislumbram a ilegitimidade dessa contribuição, posto que o aposentado ou pensionista vai contribuir sem a perspectiva de fazer jus a qualquer outro benefício, o que descaracterizaria a solidariedade do sistema.
Ademais, quando o regime previdenciário de caráter contributivo é instituído, é possível prever que os segurados, mesmo na inatividade, irão contribuir. Porém, o servidor que já faz jus ao benefício antes da instituição do sistema nesses moldes não pode ser obrigado a contribuir, uma vez que o ordenamento não exigia qualquer contribuição quando do preenchimento dos requisitos necessários à fruição do benefício.
Frise-se, outrossim, que quando o art. 195 da CRFB/88 prevê que a seguridade social será financiada por toda a sociedade está se referindo ao custeio através da receita pública dos impostos, “mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Entidades representativas dos servidores públicos federais denunciaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – CIDH/OEA a postura do Estado Brasileiro ao instituir a contribuição em comento, sob o argumento de que violava os artigos 1.1 (obrigação de respeitar os direitos), 2 (dever de adotar disposições de direito interno), 21 (direito à propriedade privada) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. Porém, a petição não foi admitida pela CIDH/OEA.
Di Pietro (2009, p. 586), ao analisar a contribuição dos inativos e dos pensionistas, assevera que tem natureza de tributo sem fundamento constitucional e implica redução de proventos, com ofensa ao princípio do respeito ao direito adquirido.
A contribuição dos inativos e pensionistas incidirá sobre o valor do benefício que ultrapassar o teto do Regime Geral, que, como já dito, perfaz a quantia de R$ 4.390,24 (quatro mil, trezentos e noventa reais e vinte e quatro centavos), com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos, conforme disposição do § 18 do art. 40 da CRFB/88. O § 21 do mesmo artigo prescreve que a contribuição incidirá sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e pensão que ultrapassem o dobro do teto do RGPS, quando o beneficiário for, na forma da lei, portador de doença incapacitante.
A regra de transição prevista no art. 4º, I e II da EC nº 41/2003, que disciplinava a contribuição para os já inativos e pensionistas e para os servidores que completassem os requisitos para obtenção dos benefícios até a data da publicação da Emenda, foi declarada inconstitucional, quanto às expressões “cinquenta por cento do” e “sessenta por cento do”, constante em seus incisos. Assim, independentemente da data da inatividade ou da concessão da pensão e de se tratar de servidor federal, estadual ou municipal, em homenagem ao princípio da isonomia, a contribuição previdenciária incidirá sobre a parcela que exceder o teto do RGPS, nos termos dos §§ 18 e 21 acima referidos.
Em meio a tantas discussões sobre o tema, a PEC 555/2006 tramita na Câmara dos Deputados visando à extinção da contribuição dos aposentados e pensionistas do serviço público de forma gradativa. A proposta original do ex-deputado Carlos Mota (PSB/MG) previa sua retirada em dez anos. Contudo, o relator da matéria, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), reduziu esse período para cinco anos, com diminuição de 20% (vinte por cento) do montante a cada ano.
Sem prejuízo, foram propostas as ADIs nº 4.885, 4.887 e 4.888, perante o Supremo Tribunal Federal, que objetivam a declaração de inconstitucionalidade das modificações introduzidas pela EC nº 41/2003, notadamente a que se refere à contribuição dos inativos e pensionistas ora em estudo, com fundamento no vício de decoro parlamentar e por violação aos princípios constitucionais da moralidade administrativa, independência dos poderes, soberania popular, cidadania, entre outros, em face do reconhecimento do STF, no fim de 2012, da existência de compra de votos de parlamentares entre 2003 e 2004, no esquema conhecido como “mensalão”.
Quanto ao Regime Próprio instituído pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, o art. 149, § 1º da CRFB/88 determina que a contribuição cobrada de seus servidores não terá alíquota inferior à da contribuição de servidores titulares de cargos efetivos da União.
O art. 2º da Lei nº 9.717/98, com a redação dada pela Lei nº 10.887/2004, estipula que “a contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de previdência social a que estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição”.
O § 1o do mesmo dispositivo esclarece que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do respectivo regime próprio, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários”.
Em relação à Previdência Complementar dos servidores públicos, instituída pela Lei nº 12.618/2012, de âmbito federal, o custeio do regime se dá mediante as contribuições do patrocinador (União, suas autarquias e fundações) e dos participantes (servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, inclusive membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União), que incidirão sobre a parcela da base de contribuição que exceder o teto do RGPS, observado o disposto no art. 37, XI da CRFB/88, consoante previsão do art. 16, caput, da citada lei. Ademais, a alíquota da contribuição do patrocinador será igual à do participante (art. 16, § 3º da Lei nº 12.618/2012).
2.3Benefícios do Regime Próprio de Previdência Social: requisitos e proventos pós-reforma
Os benefícios do Regime Próprio dos servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não podem ser distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, na forma do art. 5º da Lei nº 9.717/1998.
A Orientação Normativa nº 01, da Secretaria de Políticas da Previdência Social, de 2007, em seu art. 47, enumera os seguintes benefícios previdenciários do RPPS instituído pela União: aposentadoria por invalidez, compulsória, voluntária por idade e tempo de contribuição, voluntária por idade, especial, auxílio-doença, salário-família, salário-maternidade, pensão por morte e auxílio-reclusão.
Analisando as principais alterações trazidas pelas EC nº 20/98, 41/03 e 47/05, passa-se a examinar as modificações introduzidas nos benefícios de aposentadoria e pensão por morte.
Com a edição da EC nº 20/98, houve a substituição do parâmetro “tempo de serviço” por “idade + tempo de contribuição” para fins de aposentação.
A aposentadoria voluntária pode ocorrer em duas hipóteses: a) com proventos integrais, desde que, cumulativamente, o servidor possua 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, ou 55 de idade e 30 de contribuição, se mulher; b) com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, caso o servidor tenha 65 anos de idade, se homem, ou 60 anos, se mulher. Nas duas hipóteses, é imprescindível que o servidor cumpra tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria.
Caso o servidor opte por não se aposentar na forma da letra “a” acima e permaneça em atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor de sua contribuição previdenciária até completar 70 anos, quando será aposentado compulsoriamente. Sobre essa verba não haverá incidência de contribuição previdenciária nem de imposto de renda.
A aposentadoria compulsória é concedida ao servidor que complete 70 anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Já a por invalidez permanente é conferida com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. A Lei nº 8.112/90 condiciona a aposentadoria por invalidez à prévia licença para tratamento de saúde por até 24 meses e à verificação da possibilidade de readaptação.
Como aposentadorias especiais, há a do professor, disciplinada no âmbito federal pela Lei nº 11.301/2006, que exerça atividade exclusiva de magistério, ainda que atue como coordenador ou diretor, mas sempre dentro da escola, excluindo os docentes do ensino superior, e que prevê proventos integrais para os servidores professores com redução de cinco anos nos requisitos de idade e tempo de contribuição, e as trazidas com a EC nº 47/2005, concedidas aos portadores de deficiência, aos que exerçam atividade de risco ou, ainda, sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou integridade física. Todavia, essas últimas não possuem os requisitos estabelecidos na Constituição.
Ante a ausência de lei complementar para a sua implementação, o Supremo Tribunal Federal julgou os Mandados de Injunção nº 721 e 758, dando-lhes efeitos concretos e aplicabilidade à norma constitucional prevista no art. 40, § 4º da CRFB/88, determinando a incidência do art. 57 da Lei nº 8.213/91 referente ao RGPS.
Os proventos de aposentadoria e as pensões não podem, por ocasião de sua concessão, ultrapassar a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.
Ainda, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime próprio, ressalvados os casos de cargos acumuláveis. Nessa hipótese, aplicar-se-á o limite constante no art. 37, XI da CRFB/88.
O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade.
A EC nº 20/98 fixou que a lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício, que já foi admitido no nosso ordenamento, para fins de aposentadoria, nas hipóteses de licença-prêmio e férias não gozadas, contadas em dobro.
As alterações mais significativas e que geraram maiores dissidências foram as realizadas nos parâmetros da aposentadoria.
A EC nº 41/2003 trouxe o fim da integralidade, com a previsão de que o cálculo dos proventos de aposentadoria basear-se-á na média das maiores remunerações, que sofreram incidência de contribuição, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência, na forma do art. 1º da Lei nº 10.887/2004.
Estabeleceu, também, o fim da paridade, que significava que todas as vantagens dadas ao servidor em atividade seriam estendidas aos inativos, substituindo-a pelo princípio da preservação do valor real, garantindo o reajustamento dos benefícios conforme critérios a serem estabelecidos em lei, segundo o disposto no § 8º do art. 40 da CRFB/88.
A EC nº 41/2003 também instituiu o fator redutor do benefício de pensão por morte, previsto no art. 40, § 7º da CRFB/88, que implica em redução do montante devido em 30% (trinta por cento) à parcela que exceder o teto do RGPS.
A EC nº 47/2005, a chamada PEC Paralela, delineou uma regra de transição, aplicável aos antigos servidores, que ingressaram no serviço público até 16/12/1998, permitindo a aposentadoria com redução no requisito idade em um ano para cada ano excedente no tempo de contribuição requerido pela EC nº 41/2003 (art. 40, § 1º, III, a da CRFB/88). Para fazer jus a essa regra, o servidor deve possuir 25 anos de exercício no serviço público, 15 anos na carreira e 5 anos no cargo em que requer a aposentadoria. Os proventos, nesse caso, mantêm-se integrais e haverá paridade.
As mudanças produzidas pelas citadas Emendas causaram muitas dúvidas aos servidores, que não sabiam a quais regras tinham que se submeter.
Certo é que o servidor não tem direito adquirido à manutenção de regime jurídico, cujas regras podem ser modificadas, havendo direito adquirido apenas caso os requisitos exigidos para a concessão do benefício já tenham sido preenchidos até a data da modificação da legislação.
Assim, os servidores que já se encontravam no serviço público e possuíam os requisitos para se aposentar, continuavam submetidos à regra antiga, antes da edição das Emendas. Os que já eram servidores públicos antes das alterações, contudo não preenchiam os requisitos necessários para a aposentação, poderiam se enquadrar nas regras de transição ou submeter-se às novas disposições instituídas.
O servidor que ingressou no ente público após a edição das Emendas apenas se submete às novas regras trazidas.
3. Conclusão
Conclui-se que a Reforma Previdenciária empreendida tem por escopo a redução dos benefícios sociais, notadamente a aposentadoria e a pensão, dos servidores titulares de cargos efetivos e seus dependentes, colocando-os, pouco a pouco, nos mesmos patamares dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social.
É incontestável a necessidade de se obter o equilíbrio das contas públicas, principalmente em face do patente envelhecimento da população brasileira, o que tem gerado um déficit significativo na Previdência, seja no Regime Geral ou Próprio dos servidores. No entanto, essas modificações, ainda que bem-vindas, não podem violar os direitos individuais, que configuram cláusulas pétreas e estão a salvo de qualquer Emenda Constitucional tendente a aboli-los (art. 60, § 4º, inciso IV da CRFB/88).
De todas as alterações realizadas, a que menos se sustenta validamente é a instituição de contribuição previdenciária dos servidores inativos e pensionistas, posto que infringe o direito adquirido e a irredutibilidade dos proventos, além de desvirtuar a correta interpretação do princípio da solidariedade.
4. Referências bibliográficas
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22 ed., São Paulo: Atlas, 2009.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. Material complementar fornecido no curso de MBA Executivo online de Direito Público. 2012.
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. O equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS: de princípio constitucional a política pública de Estado. Coleção Previdência Social. Vol. 34. Brasília, 2012. In: <http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/1_120808-172335-916.pdf>. Acesso em 22 abr. 2013.
Procuradora da Fazenda Nacional. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp e em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas-Rio. Pós-graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-Rio.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALTER, Andrea Geraldes Cabral. O impacto da reforma da previdência no regime previdenciário dos servidores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41964/o-impacto-da-reforma-da-previdencia-no-regime-previdenciario-dos-servidores. Acesso em: 22 nov 2024.
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