Após deliberação do Conselho Nacional de Justiça, várias serventias extrajudiciais foram declaradas vagas, o que resultou na impetração de diversos Mandados de Segurança perante o Supremo Tribunal Federal pelos atuais ocupantes dos cargos, uns alegando violação ao princípio da segurança jurídica e outros apontando a não verificação, pela Administração Pública, de procedimentos prévios necessários para o certame, a saber: a) não desacumulação das atuais serventias com serviços indevidamente acumulados e b) não inclusão de vagas declaradas vagas pelo Conselho Nacional de Justiça nos editais de concursos. O presente estudo irá justamente tratar destes dois últimos pontos.
I – DA DESACUMULAÇÃO (ART. 26 C/C ART. 49, AMBOS DA LEI Nº 8.935/1994)
Conforme disposição constitucional, os serviços notariais são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Em seu art. 236, § 1º, a Carta Magna prevê que “Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”.
A regra constitucional supra foi regulamentada pela Lei nº 8.935/1994, que, dentre outros assuntos, tratou da desacumulação dos serviços notariais e de registro. Sobre esse tema, a mencionada Lei Federal autoriza, de forma excepcional, a acumulação dos serviços “nos Municípios que não comportarem, em razão do volume dos serviços ou da receita, a instalação de mais de um dos serviços” (art. 26, parágrafo único).
Nos tribunais de justiça do Brasil a fora, foram publicados editais de concurso para o referido cargo, incluindo, porém, serventias com atribuições acumuladas, onde algumas delas acumulavam, indevidamente, serviços de notas e registros.
É exatamente por essas razões que o Conselho Nacional de Justiça determinou, através da Resolução nº 80/2009, que “Cumprirá aos respectivos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios elaborar lista das delegações vagas, inclusive aquelas decorrentes de desacumulações, encaminhando-as à Corregedoria Nacional de Justiça, acompanhada dos respectivos títulos de investidura dos atuais responsáveis por essas unidades tidas como vagas, com a respectiva data de criação da unidade, no prazo de quarenta e cinco dias” (Art. 1º, § 1º).
Na verdade, antes mesmo de alguns tribunais publicarem os seus respectivos editais do concurso, deveriam proceder a análise de cada serventia acumulada, observando a população e o quadro econômico de cada uma e, quando constatada a pertinência da desacumulação, encaminhasse projeto de lei para a Assembleia Legislativa do Estado, uma vez que há a necessidade de Lei Estadual para esses fins.
Sobre o tema, o Conselho Nacional de Justiça já o enfrentou, determinando que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, por exemplo, procedesse à desanexação dos serviços notariais e de registro irregularmente acumulados, publicando edital retificador do concurso com abertura de novas inscrições. Vejamos a ementa:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DE INGRESSO NA ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. COLOCAÇÃO EM CONCURSO DE SERVENTIAS AGRUPADAS, ACUMULANDO ILEGALMENTE SERVIÇOS DE DE NOTAS COM REGISTRO CIVIL E DE PROTESTO COM REGISTRO DE IMÓVEIS. INADMISSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO PARA A DESANEXAÇÃO, COM PUBLICAÇÃO DE NOVO EDITAL DE CONCURSO APÓS A REGULARIZAÇÃO DOS SERVIÇOS, ABRINDO-SE NOVAS INSCRIÇÕES. – “Não são acumuláveis os serviços notariais e de registro, exceto nos municípios que não comportam mais de um dos serviços, em razão do volume de serviços ou da receita, posto que a anterior legislação permissiva dos estados sobre a matéria não foi recepcionada pela Constituição Federal, nem pela Lei Federal nº 8.935/94, que regulamentou o art. 236 daquela Carta de Princípios”. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000384-46.2007.2.00.0000 - Rel. RUI STOCO - 50ª Sessão - j. 24/10/2007).
A desacumulação antes da abertura do concurso se via necessária, uma vez que um dos princípios basilares da Administração Pública estaria devidamente obedecido, qual seja: princípio da eficiência.
Isso porque a previsão de serventias acumuladas colocaria em jogo a boa prestação de seus serviços pelos aprovados no concurso, haja vista que há cartórios que não possuem qualquer estrutura física e financeira capaz de sustentar o titular na consecução de suas atividades, enquanto que há outras serventias que são beneficiadas no acúmulo dos serviços previstos no art. 5º da Lei Federal nº 8.935/1994, o que, por consequência, traz grandes resultados econômicos e financeiros.
Resultado disso será a insatisfação do recém empossado do cargo, deixando-a novamente vaga e, com isso, levando a uma desnecessária rotação de servidores, bem como a má prestação de serviços nas serventias com baixa capacidade econômico-financeira.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já teve a oportunidade de analisar essa questão de desacumulação/desanexação, conforme se vê nas ementas abaixo transcritas:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVENTIAS DO FORO EXTRAJUDICIAL. OPÇÃO EXERCIDA EM FACE DE CRIAÇÃO DE COMARCA. PENDÊNCIA DA SUA INSTALAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À ACUMULAÇÃO DEFINITIVA. 1. A opção, enquanto direito de escolha, pressupõe a atualidade da alternativa em relação à qual se a exerce, não produzindo qualquer direito adquirido enquanto não se realiza o seu suporte fático. 2. O exercício precário de funções de tabelião não gera direito à anexação de tais serviços à serventia do foro extrajudicial que titulariza o serventuário, tampouco à efetivação no exercício dessas funções. 3. "Desmembramento de serventia de justiça não viola o princípio da vitaliciedade do serventuário." (Súmula do Supremo Tribunal Federal, Enunciado nº 46). 4. Com a superveniência da Constituição Federal de 1988 e sua posterior regulamentação, pela Lei nº 8.935/94, passou a ser expressamente vedada a acumulação de serviços notariais e de registros públicos, revogando-se, enfim, toda norma estadual autorizativa de acumulação definitiva e fora da hipótese do parágrafo único do seu artigo 26. 5. Recurso improvido.(RMS 12028/MT, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 09/09/2003, DJ 20/10/2003, p. 298)
E ainda:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVENTUÁRIO DE CARTÓRIO. EFETIVAÇÃO COMO TITULAR. INVOCAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1967. (ART. 208 E EC 22/82). IMPOSSIBILIDADE. VACÂNCIA APÓS A VIGÊNCIA DA ATUAL CARTA MAGNA. (ART. 236, § 3º). NECESSIDADE DE SUBMISSÃO AO CERTAME PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. I - Segundo estatui o artigo 236, § 3º da Constituição Federal de 1988 "o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos." Desta feita, despicienda a invocação do texto constitucional pretérito, quando a vacância do cargo almejado somente ocorreu após a promulgação da atual Carta Magna. Ademais, não há direito adquirido em face de novo texto constitucional. II - Consoante entendimento desta Corte, "A desanexação das serventias extrajudiciais deve ser efetuada nos moldes da legislação estadual vigente, se compatível com lei federal ordinária superveniente, que veda a acumulação dos serviços de tabeliães de notas com os ofícios de registros. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, no verbete cristalizado em sua Súmula nº 46, que a desanexação de serventias acumuladas não viola direito adquirido dos titulares em permanecer, vitaliciamente, no exercício das funções em que foram efetivados." (ROMS 8.831-RS, Rel. Min. Vicente Leal). III - As razões insertas na fundamentação do agravo interno devem limitar-se a atacar o conteúdo decisório da decisão hostilizada. No presente caso, tal hipótese não ocorreu. Aplicável, à espécie, a Súmula nº 182/STJ. IV - Agravo interno desprovido. (AgRg no RMS 13060/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2002, DJ 16/09/2002, p. 206)
Outro ponto que reforça o princípio da eficiência como ponto determinante na desacumulação é o fato de não haver a possibilidade de inclusão de novas vagas após a publicação do edital do certame, ex vi do art. 11 da Resolução nº 81 do CNJ, in verbis:
Art. 11. Publicado o resultado do concurso, os candidatos escolherão, pela ordem de classificação, as delegações vagas que constavam do respectivo edital, vedada a inclusão de novas vagas após a publicação do edital.
Desta feita, alguns tribunais obterão tempo e gastos desnecessários com a realização de concurso para tais cargos, pois, uma vez ou outra, terá que proceder à desacumulação de serventias e, com isso, abrir mais um concurso para o preenchimento das vagas a serem surgidas.
II – DA NÃO INCLUSÃO NO EDITAL DE SERVENTIAS DECLARADAS VAGAS PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
O Conselho Nacional de Justiça, através de sua Corregedoria, publicou a relação de serventias extrajudiciais consideradas vagas no país, devendo, portanto, ser providas mediante concurso público, ex vi do art. 236, § 3º, da Constituição Federal.
Demais disso, a própria Resolução nº 81, de 9 de junho de 2009, do CNJ, elenca que o ingresso na titularidade dos serviços notariais e de registros declarados vagos se dará por meio de concurso de provas e títulos realizado pelos Poder Judiciário.
Considerando estas afirmações, alguns tribunais de justiça publicaram editais para a realização de certame para outorga de delegação de serviços notariais e registrais.
Acontece que, dentre as vagas previstas em alguns editais, não foram incluídas serventias declaradas vagas pelo Conselho Nacional de Justiça, algo que vai de encontro com princípios e regras do ordenamento jurídico, a saber:
a) Princípio da Legalidade
Considerando que, atualmente e interinamente, as serventias extrajudiciais declaradas vagas se encontram providas com pessoas que adentraram sem o devido concurso público, conclui-se que a não inclusão de tais serventias no edital do concurso para provimento de titulares nos serviços notariais e registrais levaria à permanência da ilegalidade declarada pelo Conselho Nacional de Justiça, já que este Órgão Administrativo, em sua Resolução nº 81/2009, vedou expressamente a inclusão de novas vagas após a publicação do edital (Art. 11).
b) Princípio da Impessoalidade
Na verdade, atrelado ao princípio do concurso público, o princípio da impessoalidade também se encontra violado, eis que terceiros – titulares de cartórios declarados vagos pelo CNJ – estariam beneficiados com a não inclusão, no Edital nº 01/2013, de suas serventias para o devido preenchimento das vagas.
c) Princípio da Publicidade
Considerando que o Conselho Nacional de Justiça declarou abertas as vagas ilegalmente preenchidas em alguns Estados, percebe-se que a falta de publicação de tais vagas no Edital de Concurso Público para o preenchimento de tais vagas viola substancialmente o dever de transparência da Administração Pública, eis que os candidatos – principais interessados nas vagas – não detêm conhecimento da existência de vaga em determinada localidade, não podendo, assim, exercer o seu direito de escolha no concurso público.
d) Princípio da Eficiência
Considerando que, com base no art. 236, § 3º, da Constituição Federal, o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, os tribunais deverão abrir novo concurso público para o provimento das vagas não previstas nos atuais editais, devendo arcar com novos gastos na contratação da entidade responsável na realização das provas do concurso público (violação também ao princípio da economicidade), além de demandar tempo na nomeação do candidato, segundo a ordem de classificação.
e) Princípio da Igualdade
Incluir serventias nos atuais editais e manter outras de fora é ato digno de ilegalidade e violador do princípio da igualdade, haja vista que os presentes e interinos titulares irão permanecer nesta situação até a publicação de outro concurso público e sua respectiva conclusão, não se podendo falar do mesmo em relação às serventias previstas nos editais publicados, pois estas serão devidamente providas pelos candidatos aprovados, segundo a ordem de classificação.
f) Princípio do Concurso Público
Como dito, a permanência dos titulares que adentraram nas serventias declaradas vagas ali se encontram de forma ilegal, uma vez que ingressaram no serviço público sem concurso. Assim, a não previsão destas vagas resultaria na continuidade da dita ilegalidade, dependendo, portanto, de um novo concurso público, pois, como mencionado acima, o Conselho Nacional de Justiça, em sua Resolução nº 81/2009, vedou expressamente a inclusão de novas vagas após a publicação do edital (Art. 11).
III - CONCLUSÃO
Diante de tais considerações, a suspensão dos concursos poderia ser medida necessária para que haja os ajustes necessários para a legalidade dos procedimentos, além da inclusão das serventias declaradas vagas pelo Conselho Nacional de Justiça. Este Conselho, aliás, já recebeu diversos pedidos de providências a respeito, a exemplo do Pedido nº 0004109-67.2012.2.00.0000, onde este Órgão Administrativo julgou procedente o pedido requerido pelo interessado.
FONTES DE PESQUISA:
- Constituição Federal de 1988;
- Lei nº 8.935/1994;
Procurador Federal da AGU - Advocacia Geral da União. Mestrando em Direito. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Ciências Criminais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Jorge Andersson Vasconcelos. A Obrigatoriedade de Concurso Público para os Titulares de Serventias Extrajudiciais: Uma Exigência que Merece Prévio Preparo pela Administração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42021/a-obrigatoriedade-de-concurso-publico-para-os-titulares-de-serventias-extrajudiciais-uma-exigencia-que-merece-previo-preparo-pela-administracao. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JOALIS SILVA DOS SANTOS
Por: Caio Henrique Lopes dos Santos
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