Os direitos de personalidade compreendem os direitos à integridade física e os direitos à integridade moral. Estes, por sua vez, abrangem o direito à honra, à reputação, à imagem, ao nome.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V e X, hospeda os direitos subjetivos privados concernentes à integridade moral, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, nos seguintes termos:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
V - é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral, ou à imagem;
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
Em sua obra “Danni Morali Contrattualli”, Damartelo[1] enuncia os elementos caracterizadores do dano moral como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos. Estabelece, assim, a seguinte classificação: dano moral que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação etc.); dano moral que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saúde etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.); e dano moral puro (dor, tristeza etc.).
Nesse sentido, adotamos como exemplo explicativo a publicação em meio de comunicação de reportagem com conteúdo inverídico e ofensivo à reputação de determinada pessoa. Em tal hipótese, são violados tanto a parte social quanto a parte afetiva do patrimônio moral do ofendido.
Com relação à comprovação do prejuízo, uma vez demonstrada a publicação indevida do nome da pessoa, presume-se a ocorrência do dano moral, dispensando-se outras provas.Isso porque o dano moral resulta da tão-só publicação da notícia, configurando, assim, típica hipótese de dano “in re ipsa” (dano contido no próprio ato, em si mesmo), que prescinde de comprovação em juízo, conforme entendimento pretoriano e doutrinário.
Com efeito, o dano moral decorre do próprio ato ilícito de publicação indevida donome da pessoa em veículo de comunicação. A prova do dano, nesse caso, é dispensada, pois o prejuízo extrapatrimonial decorre dos efeitos do próprio ato de veiculação da matéria.
Tem-se, pois, que o dano moral sofrido, em casos como o citado, resulta da própria situação vexatória e humilhante (“in re ipsa” ou presumido) naturalmente provocada pela conduta do ofensor, prescindindo, assim, de prova dos prejuízos concretos evidentemente gerados, tomando-se como parâmetro o homem-médio.
Sobre o tema, veja-se o ensinamento de Carlos Alberto Bittar:
“(...) na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso, verificando o evento danoso, surge ipso facto, a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa ponderação, emergem duas consequências práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova de prejuízo em concreto.”[2]
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é farta sobre esse tema, como demonstram os recentes arestos abaixo colacionados:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE DEVEDORES INADIMPLENTES. DANO IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO.ALEGAÇÃO DE VALOR EXCESSIVO. QUANTIA FIXADA QUE NÃO SE REVELA EXORBITANTE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AFASTAMENTO.IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO QUE DEMANDARIA REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO.INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ.1. A inscrição/manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de inadimplente enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado a própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos. (...)”
(STJ, AgRg no AREsp 597.814/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 21/11/2014 – grifo nosso)
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PROTESTO DE DUPLICATA PRESCRITA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RECONSIDEROU ANTERIOR PRONUNCIAMENTO A FIM DE DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DO AUTOR.INSURGÊNCIA DO CREDOR.1. O protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em título e outros documentos de dívida, sendo hígido quando a obrigação estampada no título se revestir de certeza, liquidez e exigibilidade.O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que o protesto de título de crédito prescrito enseja o pagamento de indenização por dano moral, que inclusive se configura in re ipsa. Precedentes.A duplicata prescrita serve apenas como princípio de prova da relação jurídica subjacente que deu ensejo a sua emissão, não possuindo a necessária certeza e exigibilidade que legitimam o portador a exigir seu imediato pagamento e, por conseguinte, a fazer prova do inadimplemento pelo protesto. (...)”
(STJ, AgRg no AgRg no REsp 1100768/SE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 17/11/2014 – grifo nosso)
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. USO INDEVIDO DE IMAGEM. DANO IN RE IPSA. SÚMULA Nº 83/STJ. VALOR.SÚMULA Nº 7/STJ.1. É firme a jurisprudência no sentido de que os danos morais em virtude de violação do direito à imagem decorrem do próprio uso indevido, sendo prescindível a comprovação da existência de dano ou prejuízo, pois o dano é in re ipsa. (...)”
(STJ, AgRg no AREsp 204.394/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 30/10/2014 - grifo nosso)
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA.COMPANHIA AÉREA. CONTRATO DE TRANSPORTE. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO.RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS. ATRASO DE VOO. SUPERIOR A QUATRO HORAS. PASSAGEIRO DESAMPARADO. PERNOITE NO AEROPORTO. ABALO PSÍQUICO. CONFIGURAÇÃO. CAOS AÉREO. FORTUITO INTERNO. INDENIZAÇÃO DEVIDA.1. Cuida-se de ação por danos morais proposta por consumidor desamparado pela companhia aérea transportadora que, ao atrasar desarrazoadamente o voo, submeteu o passageiro a toda sorte de humilhações e angústias em aeroporto, no qual ficou sem assistência ou informação quanto às razões do atraso durante toda a noite.2. O contrato de transporte consiste em obrigação de resultado, configurando o atraso manifesta prestação inadequada.3. A postergação da viagem superior a quatro horas constitui falha no serviço de transporte aéreo contratado e gera o direito à devida assistência material e informacional ao consumidor lesado, independentemente da causa originária do atraso.4. O dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova e a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro.5. Em virtude das especificidades fáticas da demanda, afigura-se razoável a fixação da verba indenizatória por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).6. Recurso especial provido.”
(STJ, REsp 1280372/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 10/10/2014 – grifo nosso)
O mesmo entendimento é perfilhado pelos demais Tribunais pátrios, como ilustram os julgados abaixo:
“APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. IMPRENSA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REPORTAGEM DE JORNAL DE SINDICATO. IMPUTAÇÃO A TÉCNICA DE SEGURANÇA NO TRABALHO DE ASSÉDIO MORAL AOS EMPREGADOS. DANOS MORAIS. CABIMENTO. PROVA. DESNECESSIDADE. VALOR. (...) O dano moral e à imagem atinente à publicidade na imprensa decorre do próprio fato da notícia, dispensando qualquer outra prova do efetivo prejuízo, por se tratar de dano in re ipsa. Dano moral arbitrado em 100 salários mínimos nacionais, consoante circunstâncias do caso concreto. APELO DO RÉU DESPROVIDO. PROVIDO EM PARTE O RECURSO DA AUTORA.” (TJRS, AC nº 70007366826, 9ª Câmara Cível, Rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 26/04/2006 – grifo nosso)
“PROCESSO CIVIL E CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA - INOCORRÊNCIA DE DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E CERCEAMENTO DE DEFESA - NOTÍCIA JORNALÍSTICA VEICULANDO MATÉRIA OFENSIVA À REPUTAÇÃO DO AUTOR - AUSÊNCIA DE PROVA DE SUA VERACIDADE - VIOLAÇÃO DO DIREITO À IMAGEM E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO É ABSOLUTA - ATO OFENSIVO E NEXO CAUSAL PROVADOS - DANO MORAL PRESUMIDO - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. (...)4. Se a veiculação de matéria jornalística é fato incontroverso e resulta induvidoso ter sido o autor objeto de comentários e chacotas em razão da reportagem, provado está o nexo causal entre o ato ofensivo e o atingimento aos atributos de sua personalidade, cujo dano moral sofrido prescinde de outras provas a demonstrá-lo, eis que a dor íntima, decorrente do ato ofensivo, é inerente ao homo medius. 5. Se a emissora de televisão veicula matéria jornalística acerca do caos no sistema de saúde e, focalizando a imagem do autor em seu ambiente de trabalho, faz comentários que sugere se tratar de servidor desidioso, sem a necessária prova de suas afirmações e ilações, impõe-se-lhe - à emissora - o dever de indenizar o dano moral experimentado por quem assim se sente ofendido moralmente. 6. Recurso de apelação conhecido, preliminar de nulidade da sentença rejeitada e, no mérito, improvido.” (TJDFT, APC 20030110050457, 3ª Turma Cível, Rel. Benito Augusto Tiezzi, DJ 07.06.2005, p. 198 – grifo nosso)
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE ATENTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. I - O dano moral independe de qualquer vinculação com o prejuízo patrimonial. Os bens morais são próprios da pessoa, de foro íntimo. Os transtornos, os abalos de crédito, a desmoralização perante a comunidade em que se vive, não precisam ser provados por testemunha nem por documento. Resulta naturalmente do fato, não sendo exigível a comprovação de reflexo patrimonial do prejuízo. E esse dano deve ser reparado, ainda que essa reparação não tenha caráter ressarcitório e sim compensatório” (TRF 1ª Região, AC 1997.01.00.042077-1/MG, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJ 06.11.1998 – grifo nosso)
O que a teoria do dano “in re ipsa” preceitua é que há determinados tipos de atos que geram automaticamente dano ao homem médio, ou seja, a pessoa humana dentro de um padrão moral dentro de uma média geral.
Disso resulta que o pressuposto do dano presumido é a ação ou omissão que se enquadre na hipótese de abalo moral inafastável ao padrão médio humano.
Nos casos de inclusão indevida de pessoa em cadastro restritivo de crédito incide a presunção do dano, mas o Superior Tribunal de Justiça excepciona essa regra. A Súmula 385 da Corte da Cidadania estabelece que “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabeindenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição,ressalvado o direito ao cancelamento”.
Importante frisar que a teoria do dano “in re ipsa” gera a presunção do abalo moral e patrimonial, mas a sua dimensão, que repercute no valor indenizatório, é mensurada de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Desse modo, por se tratar o dano “in re ipsa” de prejuízo que resulta naturalmente do ato ilícito praticado, tem-se que, uma vez comprovada a prática do ato danoso, fica dispensada a prova do prejuízo concreto para fins de indenização, apresentando notoriedade as hipóteses de publicação de matéria jornalística de conteúdo inverídico e ofensivo, os abalos de crédito, a desmoralização social, corte indevido de serviço público essencial[3].
rEFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. Revista dos Tribunais, no 32, 1993.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2ª ed., Revista dos Tribunais.
[1]In: STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2ª ed., Revista dos Tribunais, p. 458.
[2] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. Revista dos Tribunais, no 32, 1993, p. 202.
[3]AgRg no AREsp 493.663/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 14/08/2014
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEZZOMO, Renato Ismael Ferreira. Dano Moral "in re ipsa" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42043/dano-moral-quot-in-re-ipsa-quot. Acesso em: 22 nov 2024.
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